VÉU
(de JEANNE ARAÚJO, RN,inaugurando o seu blogue)
Se todas as dores
precederam a minha,
o que me adianta
ser tão comedida?
me escondo dos claros
que há nos dias,
ponho o véu no rosto
e cubro meus pequenos sóis.
no entanto, que mal há
em ser desgarrada,
travestida na noite,
estrela enluarada?
que mal há em ser
mulher inteira,
sem eira nem beira,
em plena madrugada?
precederam a minha,
o que me adianta
ser tão comedida?
me escondo dos claros
que há nos dias,
ponho o véu no rosto
e cubro meus pequenos sóis.
no entanto, que mal há
em ser desgarrada,
travestida na noite,
estrela enluarada?
que mal há em ser
mulher inteira,
sem eira nem beira,
em plena madrugada?
BALAIO PORRETA 1986
nº 2003
Rio, 24 de abril de 2007
Memória
NOS TEMPOS DA CENSURA
A revista Veja, de São Paulo, já foi séria. Parece mentira, mas é verdade. E, como outros veículos da imprensa brasileira, sofreu um bocado na época da censura sob o governo militar instalado no país em 1964. E, como outras publicações, procurava passar para os leitores - através de artifícios variados - o fato político de que estava sendo censurada.
Depois do golpe do Chile (setembro de 1973), quando seu diretor era o jornalista Mino Carta (o mesmo que hoje edita a excelente Carta Capital), ou mais precisamente no final de fevereiro de 1974 (nº 286), a revista da Ed. Abril resolveu fazer uma longa matéria sobre a situação no país andino. A matéria saiu toda truncada, naturalmente. Por obra e graça da censura, claro.
Como denunciar que a matéria fora "recortada" e "manipulada" pela censura?
A solução, bastante criativa, deu-se no número seguinte, o 287, do dia 6 de março. (Na capa, foto da ponte Rio-Niterói.) E ela veio por meio de um expediente simples, de fina ironia, que escapou à vigilância boçal dos censores de plantão na redação do periódico. As primeiras Cartas divulgadas davam, indiretamente, o recado ao leitor. Vejamos algumas delas, 33 anos depois:
Sr. diretor: A respeito da reportagem "O longo drama chileno" (VEJA nº 286), gostaria de observar o seguinte: o Chile é um país comprido.
José Roberto Guzzo, redator-chefe da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr. diretor: Faltou destacar na reportagem sobre o Chile que ele tem a sua extremidade norte no norte, e sua extremidade sul no sul.
Sérgio Pompeu, redator-chefe da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr, diretor: Relendo meu artigo sobre o Chile, me parece imprescindível acrescentar que uma parte da população mora em cidades grandes, outra parte mora em cidades médias e uma terceira mora em cidades pequenas. Além disso, há também uma quarta e última parte que não mora em cidades.
Dorrit Harazin, editora internacional da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr. diretor: Como leitor assíduo de sua prestigiosa revista, sinto-me compelido a observar que o Chile tem uma população composta por homens, mulheres e crianças, dado omitido na reportagem do nº 286.
Roberto Pompeu de Toledo, editor-assistente da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr. diretor: Em nenhum momento, ao longo de toda a reportagem sobre o Chile, fica suficientemente claro que a palavra Chile se escreve com cinco letras, a saber: C, H, I, L, e E.
Paulo Totti, chefe de reportagem da revista VEJA
São Paulo, SP
nº 2003
Rio, 24 de abril de 2007
Memória
NOS TEMPOS DA CENSURA
A revista Veja, de São Paulo, já foi séria. Parece mentira, mas é verdade. E, como outros veículos da imprensa brasileira, sofreu um bocado na época da censura sob o governo militar instalado no país em 1964. E, como outras publicações, procurava passar para os leitores - através de artifícios variados - o fato político de que estava sendo censurada.
Depois do golpe do Chile (setembro de 1973), quando seu diretor era o jornalista Mino Carta (o mesmo que hoje edita a excelente Carta Capital), ou mais precisamente no final de fevereiro de 1974 (nº 286), a revista da Ed. Abril resolveu fazer uma longa matéria sobre a situação no país andino. A matéria saiu toda truncada, naturalmente. Por obra e graça da censura, claro.
Como denunciar que a matéria fora "recortada" e "manipulada" pela censura?
A solução, bastante criativa, deu-se no número seguinte, o 287, do dia 6 de março. (Na capa, foto da ponte Rio-Niterói.) E ela veio por meio de um expediente simples, de fina ironia, que escapou à vigilância boçal dos censores de plantão na redação do periódico. As primeiras Cartas divulgadas davam, indiretamente, o recado ao leitor. Vejamos algumas delas, 33 anos depois:
Sr. diretor: A respeito da reportagem "O longo drama chileno" (VEJA nº 286), gostaria de observar o seguinte: o Chile é um país comprido.
José Roberto Guzzo, redator-chefe da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr. diretor: Faltou destacar na reportagem sobre o Chile que ele tem a sua extremidade norte no norte, e sua extremidade sul no sul.
Sérgio Pompeu, redator-chefe da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr, diretor: Relendo meu artigo sobre o Chile, me parece imprescindível acrescentar que uma parte da população mora em cidades grandes, outra parte mora em cidades médias e uma terceira mora em cidades pequenas. Além disso, há também uma quarta e última parte que não mora em cidades.
Dorrit Harazin, editora internacional da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr. diretor: Como leitor assíduo de sua prestigiosa revista, sinto-me compelido a observar que o Chile tem uma população composta por homens, mulheres e crianças, dado omitido na reportagem do nº 286.
Roberto Pompeu de Toledo, editor-assistente da revista VEJA
São Paulo, SP
Sr. diretor: Em nenhum momento, ao longo de toda a reportagem sobre o Chile, fica suficientemente claro que a palavra Chile se escreve com cinco letras, a saber: C, H, I, L, e E.
Paulo Totti, chefe de reportagem da revista VEJA
São Paulo, SP
8 comentários:
Belo poema da Jeane.
Forte como as mulheres que sabem o que é sofrer dores verdadeiras.
Quanto à VEJA, creio que acompanha sua época. Em tempos de total mediocridade....
beijos
Tive o prazer de conhecer a Jeanne em uma disciplina que lecionei no Kennedy. Ela não era apenas mais uma aluna em sala de aula, era autora de belos poemas que conheci naquela primeira edição dos 13 poetas novos.
Emocionante, a contraposição da Veja a censura estúpida e burra. São dados do seu arquivo ou de pesquisa?
Caro Marcos: Faz parte do meu acervo o número em pauta da revista Veja. Quanto à poeta Jeanne, trata-se de uma das melhores da safra mais recente da poesia potiguar. Um grande abraço.
Moacy: oportuna a comparação entre a Veja do Mino e a Veja de hoje. Bem que o Millôr avisou, naquela época: "hoje vocês estão se queixando da situação, mas ainda vai chegar o dia em que, olhando para trás, dirão: bons tempos, hein?"
Um abraço.
Moacy,
o poema é lindo! E Jeanne é de boa cepa. Um abraço, Lisbeth
http://lisbethlima.zip.net
Moacy,
Você foi feliz e oportuno ao mostrar a criatividade de "Veja" em burlar a censura naqueles tempos tenebrosos. Mas ainda hoje tenho um pé atrás com a "Veja": o ridículo em que ele expôs D. Helder, colocando fotos do saudoso prelado com legendas tiradas de títulos de filmes de spaghetti westerns. Isso foi em fins de 1960 para começo de 70. Revoltado, escrevi uma carta , da qual eles publicaram um trechinho. Um abraço.
Genial, absolutamente genial as cartas da Veja!
Moacyr
Para os tucanos, a Veja é séria e a Carta não. Para os petistas a Carta é séria, mas a Veja não. Como não sou nenhuma coisa nem outra e prefiro analisar com independência, posso afirmar categoricamente: as duas são manipuladas.
E não veja isso como anormal não. Isso é mais normal do que possa crer.
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