quarta-feira, 1 de agosto de 2007

PROBLEMAS TÉCNICOS têm afetado o nosso Balaio. Esperamos resolvê-los em dois ou três dias. Mas a homenagem a Antonioni, que seria imediata, ficou para hoje, e de forma incompleta, já que estamos editando o blogue diretamente de uma videolocadora, aqui em Laranjeiras. O que dizer? 24 horas depois da morte de Bergman, desapareceu mais um gênio do cinema. Confesso: fiquei bastante deprimido com o encantamento dos dois. Mas a vida continua. Assim como continua o cinema.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2078
Rio, 1 de agosto de 2007

ANTONIONI, COM EMOÇÃO
"Finda a sessão (de L'Avventura [1960], em 3 de outubro de 1962), achava-me em puro estado de alumbramento e perplexidade. Sozinho, comecei a caminhar pelas ruas centrais de Recife, naquele nervoso domingo de outubro. Não me perguntem se caminhei durante 30 minutos ou três horas. Só sei que eu caminhava e caminhava e caminhava. E caminhava, sem nada ver, sem nada ouvir. Para mim, o cinema nunca mais seria o mesmo. E a minha relação com o próprio mundo passava a ser sentida de maneira diferente.
Um ano depois, eu voltava a Recife para ver A noite, no São Luiz. Agora, éramos quatro amigos vendo pela primeira vez o novo filme de Antonioni: Jomard Muniz de Britto, Celso Marconi, Marcius Frederico e eu. Depois da sessão, em silêncio nos dirigimos para as margens do Capibaribe. Então, um de nós teria tentado o suicídio. Segundo Celso Marconi, Marcius Frederico começou a gritar, a gritar, para em seguida tentar o salto para a morte. Por sua vez, Jomard garante que eu comecei a correr em direção ao rio, com claros intuitos suicidas, sendo a custo agarrado pelos três. Já Marcius Frederico sustenta que a tentativa ficou por conta de Jomard, desafiando a morte com gestos tresloucados. Quanto a mim, confesso a minha dúvida: quem tentou o suicídio naquela sombria tarde/noite recifense? Lembro-me vagamente de Celso Marconi, diante do rio, a sussurrar: 'Quero morrer! Quero morrer! A vida não tem sentido...'.
Este era o clima do nosso mundo, apesar das lutas sociais.
Este era o nosso mundo, mesmo com as lutas políticas.
Mundo esse que me fez viajar durante nove horas, em pé, num ônibus, exclusivamente para ver, mais uma vez no Recife, a magia encantatória de Eclipse. Que, mesmo já conhecendo o filme, me fez ficar três sessões consecutivas no Trianon (ou terá sido no Art-Palácio?), ou seja, durante sete horas e meia, para rever a sua grandeza estética.
Este era o clima do nosso mundo.
Este era o nosso mundo.
Contudo, embora considerasse Natal a capital do tédio, sobretudo aos domingos, de uma coisa em tinha consciência: se algum dia em fizesse algum filme, não o faria como Antonioni. O meu modelo, decerto, seria uma síntese dos cinemas de Glauber Rocha, Godard e Eisenstein [eu ainda não conhecia Vertov e mal conhecia Buñuel e Rossellini]. Afinal, o meu mundo começava e terminava no Brasil, começava e terminava na América Latina. E eu não desconhecia a poesia popular, não desconhecia o cangaço, não desconhecia o sertão, não desconhecia o sentido das revoltas sociais.
Depois, vieram os anos de chumbo. Ficou a nossa esperança no socialismo. Ficou a nossa esperança nas grandes paixões. Ficou o cinema de Godard (e Glauber Rocha). Ficou o cinema de Welles (e Nelson Pereira dos Santos). Ficou o cinema de Visconti (e Resnais, Pasolini, Renoir, Bergman, Luiz Rosemberg Filho, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirzsman, Rogério Sganzerla, André Tonacci, Arthur Omar, Vladimir Carvalho).
E ficou o cinema de Michelangelo Antonioni".
[ in Moacy CIRNE. Cinema, cinema. Natal : Sebo Vermelho, 2003, p.83-85. ]

6 comentários:

Anônimo disse...

Querido Moacy,
É muito bom sentir essa vibração, essa emoção derramada em cada palavra tua, ressoando como um cântico de devoção à sétima arte. Depois de ler um pouco de tudo quanto escrevestes sobre o cinema, assistir um filme passou a ter um diferencial, qual seja, a compreensão de toda a técnica que envolve uma grande produção, desde a criação do roteiro, cenário, sua fotografia, suas técnicas de iluminação,a trilha sonora, a direção, o local e a época dos acontecimentos, a direção, etc. Sempre apreciei as cenas lentas e frases miúdas, mas apaixonantes das produções francesas. Compartilho desse momento, que mais do que de tristeza é de reverência!
Devolvo-lhe com carinho o beijo afetuoso!
Suely Felipe

Anônimo disse...

Caro Moacy,
Estava estranhando a sua demora em prestar homenagem ao mais preferido dos seus cineastas. Agora está explicado e acredito que você continuará a reverenciar a memória de Antonioni. Mudando, estou me recuperando bem da segunda cirurgia, tanto que pretendo atualizar o "Luzes" já no próximo sábado. Um grande abraço .

Anônimo disse...

Belíssima e emocionante homenagem, meu caro Moacy.
Estamos todos, cada dia, mais pobres...
Forte abraço.

o refúgio disse...

Faço minhas as palavras de Bosco Sobreira e devo acrescentar mais algumas perdas: os cinemas que você citou, Trianon, Art-Palácio e São Luiz fecharam suas portas. Os dois primeiros já faz um tempo e o São Luiz foi este ano. Só não fiquei mais triste com a perda do São Luiz, o mais belo cinema de Recife, porque foi comprado por uma universidade particular que se comprometeu em utilizá-lo como cine-teatro.

Mas tenho uma ótima notícia pra te dar. Hoje vou conhecer pessoalmente Márcia Maia. Ela me convidou pra um recital de poesia. Já já vou me arrumar pra ir pra casa dela que mora aqui perto, no bairro dos Aflitos. Uma amiga dela vai nos dar carona. Legal, né? ;)

Beijo grande.

Anônimo disse...

Caramba, Moacy! Que depoimento de arrepiar esse teu. Bacana demais. Beijo e minha alegria em terminar meu dia com essa leitura tão recheada de emoções e homenagens diversas.

Anônimo disse...

Caro Moacy,
belo relato sobre o imortal Antonioni. Só ficou faltando as nove horas de viagem a pé no ônibus para Recife...