Memória 1995
BALAIO INCOMUN
Folha Porreta
Moacy Cirne
IX / 704
Rio, 16 jan 95
METAPÓSTRADUÇÃO: TEORIA E PRÁTICA
Depois de 7 anos, 7 meses e 7 dias, concluímos, com satisfação, uma tarefa hercúlea, das maiores já realizadas no mundo literário brasileiro: a metapóstradução, absolutamente criativa, do título e dos quatro primeiros versos da obra-prima Le bateau ivre, o imortal poema de Arthur Rimbaud. Foi, sem dúvida, um trabalho ímpar, que, decerto, ficará nos anais acadêmicos da excelência transcriadora.
Não foi fácil. Ao contrário. Tivemos que incorporar a carne e a alma francesas do século passado [séc. XIX], e mais - muito mais -, na medida que descobríamos certas particularidades sânscrito-croatas embutidas no cerne vocabular do poema. Neste sentido, as belas traduções de Augusto de Campos e Ivo Barroso, por nós consultadas, foram valiosas, sobretudo na descoberta semântica de determinados efeitos conteudísticos [...].
Para que os leitores tenham uma idéia concreta de nossas soluções criativo-epistemológicas, publicamos o original em questão, as traduções de Augusto de Campos e Ivo Barroso, e por fim, pela primeira vez no Brasil, a nossa metapóstradução:
LE BATEAU IVRE (Rimbaud)
Comme je descendais des Fleuves impassibles,
Je ne me sentis plus guidés par les haleurs:
Des Peaux-Rouges criards les avaient pris pour cibles,
Les ayant cloués nus aux poteaux de couleurs.
O BARCO BÊBADO (Augusto de Campos)
Quando eu atravessava os Rios impassíveis,
Senti-me libertar dos meus rebocadores.
Cruéis peles-vermelhas com uivos terríveis
Os espetaram nus em postes multicores.
O BARCO ÉBRIO (Ivo Barroso)
Como descesse ao léu nos Rios impassíveis,
Não me sentia mais atado ao sirgadores.
Tomaram-nos por alvo os Índios irascíveis,
Depois de atá-los nus em postes multicores.
O BARCO LIVRE (Moacy Cirne)
Como descendia das Flúvias impassíveis
Já não me sentia um plug guiado pelas sirigaitas:
Padres russos criados com aveias possíveis
Antes tocavam nus em siris, gatos e gaitas.
Claro, nossas pesquisas fenomenológicas foram extensas; consultamos tratados semiológicos e pirotécnico-semanticistas sobre as mais diversas e surpreendentes temáticas rimbaldianas, inclusive as de ordem sexual. Mantivemos uma longa e intensa correspondência com as bibliotecas de Alexandria, Paris, Londres, Nova York, Chicago, Nova Orleans, Moscou e Caicó, assim como com especialistas em sânscrito-croata e outras línguas vivas, mortas e neutras. O resultado pareceu-nos excelente, sem falsa modéstia. Nos próximos sete anos esperamos traduzir os quatro versos seguintes do poema, para a glória da Novíssima Metapóstradução.
BALAIO INCOMUN
Folha Porreta
Moacy Cirne
IX / 704
Rio, 16 jan 95
METAPÓSTRADUÇÃO: TEORIA E PRÁTICA
Depois de 7 anos, 7 meses e 7 dias, concluímos, com satisfação, uma tarefa hercúlea, das maiores já realizadas no mundo literário brasileiro: a metapóstradução, absolutamente criativa, do título e dos quatro primeiros versos da obra-prima Le bateau ivre, o imortal poema de Arthur Rimbaud. Foi, sem dúvida, um trabalho ímpar, que, decerto, ficará nos anais acadêmicos da excelência transcriadora.
Não foi fácil. Ao contrário. Tivemos que incorporar a carne e a alma francesas do século passado [séc. XIX], e mais - muito mais -, na medida que descobríamos certas particularidades sânscrito-croatas embutidas no cerne vocabular do poema. Neste sentido, as belas traduções de Augusto de Campos e Ivo Barroso, por nós consultadas, foram valiosas, sobretudo na descoberta semântica de determinados efeitos conteudísticos [...].
Para que os leitores tenham uma idéia concreta de nossas soluções criativo-epistemológicas, publicamos o original em questão, as traduções de Augusto de Campos e Ivo Barroso, e por fim, pela primeira vez no Brasil, a nossa metapóstradução:
LE BATEAU IVRE (Rimbaud)
Comme je descendais des Fleuves impassibles,
Je ne me sentis plus guidés par les haleurs:
Des Peaux-Rouges criards les avaient pris pour cibles,
Les ayant cloués nus aux poteaux de couleurs.
O BARCO BÊBADO (Augusto de Campos)
Quando eu atravessava os Rios impassíveis,
Senti-me libertar dos meus rebocadores.
Cruéis peles-vermelhas com uivos terríveis
Os espetaram nus em postes multicores.
O BARCO ÉBRIO (Ivo Barroso)
Como descesse ao léu nos Rios impassíveis,
Não me sentia mais atado ao sirgadores.
Tomaram-nos por alvo os Índios irascíveis,
Depois de atá-los nus em postes multicores.
O BARCO LIVRE (Moacy Cirne)
Como descendia das Flúvias impassíveis
Já não me sentia um plug guiado pelas sirigaitas:
Padres russos criados com aveias possíveis
Antes tocavam nus em siris, gatos e gaitas.
Claro, nossas pesquisas fenomenológicas foram extensas; consultamos tratados semiológicos e pirotécnico-semanticistas sobre as mais diversas e surpreendentes temáticas rimbaldianas, inclusive as de ordem sexual. Mantivemos uma longa e intensa correspondência com as bibliotecas de Alexandria, Paris, Londres, Nova York, Chicago, Nova Orleans, Moscou e Caicó, assim como com especialistas em sânscrito-croata e outras línguas vivas, mortas e neutras. O resultado pareceu-nos excelente, sem falsa modéstia. Nos próximos sete anos esperamos traduzir os quatro versos seguintes do poema, para a glória da Novíssima Metapóstradução.
7 comentários:
Valha-me Sócrates... 'Só sei que nada sei'.. diante de tanta erudição, MOACY querido.
Começo aqui a contagem regressiva à espera dos próximos quatro versos!
Fantástico Moacy! Esse teu trabalho é(foi)valiosíssimo.
A pesquisa linguística é sempre muito difícil e, mais ainda, conseguir apreender a semântica( significado, significante e pragmática) que perpassa o orignal, as traduções e a metapóstradução.
Aliás,amei a ênfase filo-epistemológica do nome que deram para a pesquisa. A busca de novas significações para o que já havia sentido em nossa mater(via traduções já feitas) é ousada. Me chamou bastante atenção as diferenças entre as três, sendo que a oriunda de seus estudos enfatiza o aspecto erótico dos escritos de Rimbaud e incorpora vobabulário regionalista(sirigaita, por exemplo).Será que tô certa, nesse ponto?
E mais, a análise fenomenológica dos conceitos(palavras)que formam o poema(original), sem dúvida é um caminho coerente, na medida em que vocês buscam o sentido original dos termos. O momento da "aparição" dessas categorias e que dão sentido radical às mesmas.
Uma hermenêutica-fenomenológica eu diria, e das melhores.
Parabéns pesquisador.
O balaio é sempre "porreta", mas hj está realmente incomum.
Sem dúvida, essa se transformou em uma de minhas postagens preferidas.
Beijos
Oi Moacy.
Não entendi picas. Mas gostei.
Um abraço.
Gulp, e agora? Não sei o que comentar... Mas como disse Jens: Gostei. Gostei porque admiro tua erudição. Algo que eu estou bem longe de ser.
Um beijo.
Ah, também gostei da postagem de domingo, viu?
Eita, agora que caiu a ficha, claro, trabalhos acadêmicos podem ser absolutamente criativos, sei disso. Tenho uma amiga, doutora em história, genial!
Ah, gostei do seu comentário no blogue da Vais.
Um beijo.
Moacy, isto é simplesmente um achado! Fantástica capacidade a sua de "literar" e manter vivo o movimento da arte!
Adorei!
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