segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Memória 1995

BALAIO INCOMUN
Folha Porreta
Moacy Cirne
IX / 704
Rio, 16 jan 95

METAPÓSTRADUÇÃO: TEORIA E PRÁTICA

Depois de 7 anos, 7 meses e 7 dias, concluímos, com satisfação, uma tarefa hercúlea, das maiores já realizadas no mundo literário brasileiro: a metapóstradução, absolutamente criativa, do título e dos quatro primeiros versos da obra-prima Le bateau ivre, o imortal poema de Arthur Rimbaud. Foi, sem dúvida, um trabalho ímpar, que, decerto, ficará nos anais acadêmicos da excelência transcriadora.

Não foi fácil. Ao contrário. Tivemos que incorporar a carne e a alma francesas do século passado [séc. XIX], e mais - muito mais -, na medida que descobríamos certas particularidades sânscrito-croatas embutidas no cerne vocabular do poema. Neste sentido, as belas traduções de Augusto de Campos e Ivo Barroso, por nós consultadas, foram valiosas, sobretudo na descoberta semântica de determinados efeitos conteudísticos [...].

Para que os leitores tenham uma idéia concreta de nossas soluções criativo-epistemológicas, publicamos o original em questão, as traduções de Augusto de Campos e Ivo Barroso, e por fim, pela primeira vez no Brasil, a nossa metapóstradução:

LE BATEAU IVRE (Rimbaud)
Comme je descendais des Fleuves impassibles,
Je ne me sentis plus guidés par les haleurs:
Des Peaux-Rouges criards les avaient pris pour cibles,
Les ayant cloués nus aux poteaux de couleurs.

O BARCO BÊBADO (Augusto de Campos)
Quando eu atravessava os Rios impassíveis,
Senti-me libertar dos meus rebocadores.
Cruéis peles-vermelhas com uivos terríveis
Os espetaram nus em postes multicores.

O BARCO ÉBRIO (Ivo Barroso)
Como descesse ao léu nos Rios impassíveis,
Não me sentia mais atado ao sirgadores.
Tomaram-nos por alvo os Índios irascíveis,
Depois de atá-los nus em postes multicores.

O BARCO LIVRE (Moacy Cirne)
Como descendia das Flúvias impassíveis
Já não me sentia um plug guiado pelas sirigaitas:
Padres russos criados com aveias possíveis
Antes tocavam nus em siris, gatos e gaitas.

Claro, nossas pesquisas fenomenológicas foram extensas; consultamos tratados semiológicos e pirotécnico-semanticistas sobre as mais diversas e surpreendentes temáticas rimbaldianas, inclusive as de ordem sexual. Mantivemos uma longa e intensa correspondência com as bibliotecas de Alexandria, Paris, Londres, Nova York, Chicago, Nova Orleans, Moscou e Caicó, assim como com especialistas em sânscrito-croata e outras línguas vivas, mortas e neutras. O resultado pareceu-nos excelente, sem falsa modéstia. Nos próximos sete anos esperamos traduzir os quatro versos seguintes do poema, para a glória da Novíssima Metapóstradução.

7 comentários:

AB disse...

Valha-me Sócrates... 'Só sei que nada sei'.. diante de tanta erudição, MOACY querido.
Começo aqui a contagem regressiva à espera dos próximos quatro versos!

Fernanda Passos disse...

Fantástico Moacy! Esse teu trabalho é(foi)valiosíssimo.
A pesquisa linguística é sempre muito difícil e, mais ainda, conseguir apreender a semântica( significado, significante e pragmática) que perpassa o orignal, as traduções e a metapóstradução.
Aliás,amei a ênfase filo-epistemológica do nome que deram para a pesquisa. A busca de novas significações para o que já havia sentido em nossa mater(via traduções já feitas) é ousada. Me chamou bastante atenção as diferenças entre as três, sendo que a oriunda de seus estudos enfatiza o aspecto erótico dos escritos de Rimbaud e incorpora vobabulário regionalista(sirigaita, por exemplo).Será que tô certa, nesse ponto?
E mais, a análise fenomenológica dos conceitos(palavras)que formam o poema(original), sem dúvida é um caminho coerente, na medida em que vocês buscam o sentido original dos termos. O momento da "aparição" dessas categorias e que dão sentido radical às mesmas.
Uma hermenêutica-fenomenológica eu diria, e das melhores.

Parabéns pesquisador.
O balaio é sempre "porreta", mas hj está realmente incomum.
Sem dúvida, essa se transformou em uma de minhas postagens preferidas.

Beijos

Jens disse...

Oi Moacy.
Não entendi picas. Mas gostei.
Um abraço.

o refúgio disse...

Gulp, e agora? Não sei o que comentar... Mas como disse Jens: Gostei. Gostei porque admiro tua erudição. Algo que eu estou bem longe de ser.

Um beijo.

Ah, também gostei da postagem de domingo, viu?

o refúgio disse...

Eita, agora que caiu a ficha, claro, trabalhos acadêmicos podem ser absolutamente criativos, sei disso. Tenho uma amiga, doutora em história, genial!

Ah, gostei do seu comentário no blogue da Vais.

Um beijo.

Marcelo F. Carvalho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcelo F. Carvalho disse...

Moacy, isto é simplesmente um achado! Fantástica capacidade a sua de "literar" e manter vivo o movimento da arte!
Adorei!