sexta-feira, 13 de junho de 2008

O Capitão Ahab,
na visão de
Rockwell Kent,
em edição americana do
Moby Dick
nos anos 30 do século passado,
ilustração reproduzida na edição brasileira
da José Olympio (1º vol., p.355)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2339
Rio, 13 de junho de 2008


Se me perguntassem qual foi o livro que mais me marcou os primeiros anos de leitura, eu responderia sem hesitar que esse livro foi Moby Dick, a história da baleia branca também chamada a Fera do Mar. ... E até hoje, passado tanto tempo, quando a maioria das leituras de meninice perdeu o seu encanto, e até Jules Verne se relê com certo tédio, Moby Dick mantém a sua singular capacidade de ser "redescoberto" a cada releitura, sempre mais fascinante, misterioso e terrível.
(Rachel de Queiroz)


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Moby Dick [1851], de Herman Melville.
Se fôssemos apontar os 10 ou 12 maiores monumentos literários de todos os tempos, decerto não deixaríamos de lado o romance de Melville. A paulistana CosacNaify, por sinal, acaba de lançar bela edição do livro, em 656p., com tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza, e 15 ilustrações de Hare Lanz, uma delas, a da capa, a partir de gravura de Barry Moser, de 1979. Mas, apesar da cuidadosa fortuna crítica, e do seu estimulante aparato gráfico, ainda preferimos a sóbria edição da José Olympio, de 1957, em 2vol., totalizando 896p., com tradução de Berenice Xavier e prefácio de Rachel de Queiroz, onde se destacam as 266 ilustrações irretocáveis de Rockwell Kent, além de 14 desenhos de Poty.

Outras considerações se impõem: a leitura de um texto estrangeiro (ficcional, poético, ensaístico, filosófico) tem que levar em conta a tradução. No caso ficcional e/ou poético, a sua capacidade de recriar o original, tendo em vista as múltiplas particularidades lingüísticas e culturais do objeto traduzido, além de sua contextualização e, claro, da nossa especificidade literária e sociocultural. Como exemplo, e sem nenhum juízo valorativo, tomemos um dos momentos capitais de Moby Dick: o surgimento em cena do Capitão Ahab.

No original:
It was one of those less lowering, but still grey and gloomy enough mornings of the transition, ... Reality outran apprehensions; Captain Ahab stood upon his quarter-deck.// There seemed no sign of common bodily illness about him, nor of the recovery from any. ... or taking away one particle from their compacted aged robustness. (Barnes & Noble Classics, 2003, p.158)

Segundo Berenice Xavier:
Foi numa dessas manhãs de transição, menos encoberta, mas ainda bastante cinzenta e triste, que, ao subir ao convés, ao apelo da guarda do meio-dia, enquanto o navio cortava as águas com um vento fresco e com uma espécie de rapidez vingativa, saltitante e melancólica, dirigi o olhar para a amurada e senti um calafrio. A realidade ia além da apreensão; o Capitão Acab estava no convés.// Não havia nele indício algum de qualquer enfermidade corporal, nem também de convalescença. Parecia um homem que tivesse sido retirado de um poste, depois de ter o fogo corrido em vão todos os seus membros, sem os consumir ou levar uma partícula sequer da sua compacta robustez anosa. (José Olympio, 1957, p.222)

Segundo Hirsch & Souza:
Foi numa dessas manhãs de transição, menos ameaçadora, mas ainda cinzenta e escura, com um vento favorável e o navio cortando a água como que com saltos vingativos e rapidez melancólica, que eu subi ao convés para o turno da vigília matinal, e, ao levantar os olhos para as grades da popa, senti calafrios agourentos percorrendo meu corpo. A realidade tinha superado a apreensão; o Capitão Ahab estava em seu tombadilho.// Não se percebia nele nenhum sinal de enfermidade física comum, e nem de convalescença. Tinha o aspecto de um homem retirado da fogueira, depois de o fogo devastar todos os membros, sem os haver consumido, nem eliminado uma só partícula de sua compacta e velha força. (CosacNaify, 2008, p.141-1)

Só para completar, eis o final, com suas aliterações, antes do epílogo.
No original:
Now small fowls flew screaming over the yet yawning gulf; a sullen white surf beat against its steep sides; then all collapsed, and the great shroud of the sea rolled on as it rolled five thousand years ago. (p.654)

Na edição da José Olympio:
Pequenos pássaros voavam, gritando sobre o último bocejo da voragem, uma tétrica espuma bateu de encontro aos costados empinados e logo tudo se acalmou, e a grande mortalha do mar continuou a ondular, com a sua ondulação imutável, a mesma de há cinco mil anos. (p.892)

Na CosacNaify:
Pequenas aves voavam agora gritando sobre o golfo ainda escancarado; uma rebentação branca se abateu contra os seus lados íngremes; e então tudo desabou e o grande sudário do mar voltou a rolar como rolava há cinco mil anos. (p.591)

3 comentários:

dade amorim disse...

Você sabe bem o que é melhor, mestre Moacy. Beijo.

Marco disse...

Caro mestre Moacy, que beleza de post. E me fez lembrar do belo filme com o Gregory Peck como Ahab. Gostei das duas traduções, muito provavelmente porque o original é muito bom. E é mesmo. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Isabella Zappa disse...

Olá Moacyr,
não sei como vc achou meu blog, mas agradeço muito pelos comentários!
continue visitando!
beijos