Veneza
Foto:
Zelda Zabrinsky
BALAIO PORRETA 1986
n° 2536
Rio, 14 de janeiro de 2009
O adultério é a democracia aplicada ao amor.
(H.L MENCKEN, in O livro dos insultos, org. Ruy Castro)
DIARIM DE MARIA BUNITA
(12)
Divulgação:
Menina Arretada do Seridó
Meu diarim quirido,
Num fique cum raiva de mim pruque num tô lhe dando muita atenção, viu, é qui nóis tamo andando muito pur esse mundão de Meu Deus e Padim Ciço, procurando arguma ocupação pros homi e inquanto isso eu tombem mi divirto, diarim, qui às veiz essa vida de cangacêra tumbem cansa. As veiz eu quiria ter meu ranchim pru drumi cum meu Virgulino, nem qui fosse um ranchim de paia na bêra de um açude, fazer tapioca cum café, essas coisa qui toda muié sonha im tê. Mais sei qui vou sintí farta de batê côxa nos forró da vida, de dá uns tiro im cabra safado qui se mete a besta cum eu, essas coisas. Na Fazenda Pinga Fogo nóis foi dançar um forrozim cum a cabroêra toda, pruque os cabras pricisam se divertir um pouquim, ai diarim, o dono da fazenda se meteu a besta cum eu e pidiu licença a Virgulino prumode dançar cum eu. Ele num gostô muito não, mais deixô assim mermo e ficô cum os zói o tempo todo im riba deu. O dono da casa me disse nas minhas oiças que eu era linda, corajosa, o xodó dos sonhos dele, se dismanchô todo im ilogio pra cima deu e eu fiquei mais dismanchada ainda, é qui num risisto a uma cunversa de pé de ureia, a um bate-côxa aprumado. Mais aí o Capitão me puxô pelo braço, deu uns tiro pra cima e acabô cum o forró. Tem cabra inté oje correno cum medo. Sabe, diarim, meu Capitão é qui é homi indo e vortando. Nem no Beco da Lama e nem na tá de Mossoró tem homi qui nem ele... Duvi-d-o-dó qui tenha... Macheza cuma aquela nem aqui nem nos cafundós do giricó.
BAINHA ABERTA
Astrid Cabral
[ in Carne viva, org. Olga Savary ]
Crava em meu corpo essa espada crua.
Quero o ardor e o êxtase da luta
em que me rendo voluntária e nua.
Meu temor é a paz pós-união:
desenlace derrota solidão.
MATUTO NO RIO
Gerdo Bezerra de Faria
[ in 50 anos de causos, 2004 ]
Todo nordestino sabe que quem sai de sua terrinha natal, vai sofrer um bocado em outras paragens. [...] Quando um nordestino resolve se aventurar à nova vida da cidade grande é, sem sombra de dúvida, um desafio corajoso e de altíssimo risco. Além do medo do desconhecido, os familares e amigos não poupam o pobre coitado de conselhos, os mais variados e assombrosos possíveis, e se o aventureiro vai para o "sul maravilha" [leia-se: Rio e São Paulo], a coisa complica muito mais ainda:
- Cuidado com os assaltos!
- Num saia de casa à noite, e de dia só saia acompanhado.
- Não ande com muito dinheiro que vão tomar todinho.
- Deixe relógio e cordão de ouro em casa.
- Cuidado, que lá os caras estupram homens, mulheres e crianças!
- Se for assaltado, não reaja, senão lhe matam.
- Se for assaltado, entregue tudo.
- Cuidado com as balas perdidas!
- Num saia de casa à noite, e de dia só saia acompanhado.
- Não ande com muito dinheiro que vão tomar todinho.
- Deixe relógio e cordão de ouro em casa.
- Cuidado, que lá os caras estupram homens, mulheres e crianças!
- Se for assaltado, não reaja, senão lhe matam.
- Se for assaltado, entregue tudo.
- Cuidado com as balas perdidas!
Esses são os conselhos mais comuns, e foram esses mesmos que José Augusto Dias escutou quando resolveu deixar sua bela Caicó para ir tentar a vida no Rio de Janeiro. [...]
Lá chegou Zé Augusto no Rio de Janeiro, com a cabeça de nordestino e a cara de matuto a lhe denunciar. Mal saiu da rodoviária em busca de uma parada de ônibus que o levasse ao seu destino, em um lugar meio deserto, topou com outro destino. Um malandro se aproximou e pronto, encostou a boca de um 38 nas costas de Zé Augusto e, com aquela voz baixa e rouca, ordenou:
- Pau de arara, passe tudo o que tem aí.
Zé Augusto, paralisado pelo medo, mal se moveu para tirar a carteira e, com o pouco dinheiro que levava, entregou-a ao assaltante. Este deu uma rápida conferida e perguntou:
- Num tem mais mais nada não?
- Não senhor. - Respondeu com voz trêmula Zé Augusto.
- Não senhor. - Respondeu com voz trêmula Zé Augusto.
O assaltante, ainda pressionando o revólver nas costas do assaltado e, achando pouco o que tinha conseguido, falou:
- Então passe o "redondo" pra cá.
Zé Augusto, além de paralisado e trêmulo, começou a ficar amarelo, branco, verde, cinza, azul, de todas as cores, e os conselhos dados em Caicó passavam pela sua cabeça como um filme, principalmente aqueles que diziam: - Lá os caras estupram até homem; Dê tudo que eles pedirem, se não eles lhe matam; Nunca reaja a um assaltante senão você morre. Mesmo assim, ainda conseguiu perguntar, rezando para ver se tinha entendido errado:
- O que foi o que o senhor pediu?
- O "redondo", otário, passe logo o "redondo" pra cá, paraíba, senão eu te empacoto. - Repetiu o assaltante, pressionando o revólver com força nas costas do caicoense.
- O "redondo", otário, passe logo o "redondo" pra cá, paraíba, senão eu te empacoto. - Repetiu o assaltante, pressionando o revólver com força nas costas do caicoense.
Zé Augusto, vendo que nada adiantava [entre o pavor e a vergonha], foi desabotoando o cinturão e arriando as calças. Quando sua calça já estava na altura das coxas, o assaltante pressionou o revólver com toda força e falou, irritado e definitivo, para o grande alívio de Zé Augusto:
- Deixa de onda, paraíba, eu quero é o relógio!
7 comentários:
moacy:
do rio,já,falo nesse balaio.
gostei do manifesto do gandhi,posto
aqui.
um abraço.
romério
moacy:
só pra dizer que não sou anônimo.
romério
Veneza é o Édem até em foto antiga!
Balaio cada vez melhor (se é que isso pode)!!!
Salve, Moacy: eu sempre por aqui e você difícil por lá... Mas por cá ri à beça do "redondo" e passeei no olho da foto do 'post' anterior... E o relato de Maria Bonita tem alguma veracidade ou se trata de alguma ficção sobre a realidade? Abraço!
linda linda linda, a foto de Veneza.
Ruy Castro é um sábio. E eu amo amo amo esse Diarim. Mas deixa eu te dizer: mais homi que Virgulino só mermo o Menino Arretado do Seridó, um tal de Moacy ;-)
um cheiro e um beijo
Pra saudar a volta do Diarim.
No mais, bons textos como sempre.
Abraço.
Oi Moacy, andei afastado da blogosfera, mas vez ou outra passei por aqui... Início de ano a gente tem vários planos e acabei me distanciando durante algum tempo dos blogues amigos. Voltei. E fiz uma leitura retrospectiva dos posts do Balaio... São ótimos os causos de Gerdo Bezerra e os capítulos do "Livro dos livros". Muito bom mesmo. Espero o "dilúvio e a jangada do mestre cascudinho.." Compartilho também da sua indignação contra o assassinato em massa do povo palestino." ih, já ia me esquecendo, li aqui no Balaio e fui correndo comprar os quadrinhos do CHE. Balaio, porreta e vermelho!
abraços.
Postar um comentário