mulher posta
partilha de peixe
em posta
EXPOSTA
com um coração que por pouco
é só uma hóstia
profana
prolixa
profusa
sou esta mulher: posta
vivo fluente de torpor
com um coração
à porta
um coração
impostor
(CIVONE MEDEIROS)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2666
Rio, 19 de maio de 2009
Os homens são mais importantes do que as pedras.
(Roberto ROSSELLINI. Fragmentos de uma autobiografia, 1977)
partilha de peixe
em posta
EXPOSTA
com um coração que por pouco
é só uma hóstia
profana
prolixa
profusa
sou esta mulher: posta
vivo fluente de torpor
com um coração
à porta
um coração
impostor
(CIVONE MEDEIROS)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2666
Rio, 19 de maio de 2009
Os homens são mais importantes do que as pedras.
(Roberto ROSSELLINI. Fragmentos de uma autobiografia, 1977)
Cinema
Primeira leitura
O MESSIAS, de Rossellini
Sem maiores arroubos formais e sem as pretensões estruturais do "grande espetáculo cinematográfico", O Messias (Rossellini, 1976), com sua limpidez franciscana, com sua crueza fílmica, é uma obra-prima. Como em Pasolini (O evangelho segundo Mateus, 1964), o que interessa, em primeiro lugar, é uma certa ontologia humanística que determina a historicidade do Cristo, num distanciamento crítico modelar: nada de efeitos especiais ou de "milagres arrebatadores", nada de "grandes interpretações" ou de cenas (melo)dramáticas. Sua limpeza sígnica - quase antinarracional em alguns momentos -, paradoxalmente, é impura, possível herança do neo-realismo que o marcou nos anos 40 e que, aqui - em sua fase cinetelevisiva, a incluir outras obras-primas, como o extraordinário Santo Agostinho (1972) -, aparece redimensionado. Dentro do cinema italiano, Roberto Rossellini, em nossa opinião, figura na galeria dos criadores fundamentais. Ao lado de Michelangelo Antonioni e Luchino Visconti. Cotação: *** (excelente). [Cópia disponível em dvd: Paulinas.]
FLANELINHA
Marconi Leal
[ in Culturando ]
- Pronto. Deixa solto. Quatro estrofes de Drummond, chefia.
- Como é que é?
- Pra parar o carro aqui, quatro estrofes.
- Tá louco, ô, moleque? Semana passada, eu parei nesse mesmo lugar e só tive que recitar cinco versos de Bandeira!
- O preço é tabelado, chefia. A gente temos sindicato e tudo. Se fizero esse preço pro senhor, esse sujeito deve de ser denunciado. Tá vilipendiando a arte.
- Três estrofes e não se fala mais nisso, ok?
- De João Cabral?
- Peraí, não era de Drummond?
- Quatro de Drummond, três de João Cabral. Sabe como é, o homem concorreu ao Nobel…
- Tá, tudo bem, eu recito Cabral, mas…
- Recitar, não. Dizer. Cabral não gostava que recitassem.
- Ótimo. Eu digo os três versos de Cabral…
- Estrofes.
- Tá, tá, as três estrofes. Mas só quando voltar.
- Aí, não. A última vez que confiei num sujeito que disse isso, na volta, ele só me recitou um Décio Pignatari ou um Campos desses aí… Sem falar em outro que quis me fazer engolir um Arnaldo Antunes. É pagamento na hora.
- Meu filho, eu tô atrasado, não tô com nenhum verso trocado, só lembro de poesia inteira. Quando voltar, lhe recito.
- O senhor é que sabe. Agora, não me responsabilizo se aparecer uma pintura pós-modernista na lataria do seu carro…
- Tá me ameaçando, moleque?
- Eu? Eu, não, nem de arte pós-moderna eu gosto, prefiro o traço clássico, sabe? Pintura figurativa… Mas o senhor sabe como esse pessoal é. Outro dia mesmo deixaram um fusca aqui sem eu ver. Quando o dono chegou, tinham feito uma instalação em cima, colocado uns guarda-chuva no teto, uma televisão velha no lugar do capô, essas coisas. O carro não prestou pra mais nada. Foi recolhido pelo Masp.
- Essa é boa! Esse povo podia assistir televisão, tocar pagode, jogar bola, mas não, vem pra rua esmolar literatura. Nem se divertir em paz a pessoa pode mais. Aposto que eu vou te dizer esses versos, tu vai se inspirar e fazer poesia pra vender em bar.
- Vou não, chefia. É só pra minha necessidade mesmo.
- Pensa que eu não sei? Tu vai vender poesia em bar, moleque.
- É não, é só pra meu consumo mesmo, eu juro.
- Tá, na volta. Já disse, na volta eu recito.
- Então, vai ter que ser Baudelaire.
- Baudelaire? Por conta de uma ou duas horas a mais?
- Ou Rimbaud, o senhor escolhe.
- Ah, não! Que absurdo! Só porque tem carro, esse pessoal pensa que a gente é rico, que decora uma Ilíada por ano! Fique sabendo que eu mal sei de cor o Inferno da Divina Comédia, meu filho! Mas, tudo bem, a culpa não é sua. Acordo fechado. Na volta, te recito Rimbaud.
- Em francês, tá, chefia?
Primeira leitura
O MESSIAS, de Rossellini
Sem maiores arroubos formais e sem as pretensões estruturais do "grande espetáculo cinematográfico", O Messias (Rossellini, 1976), com sua limpidez franciscana, com sua crueza fílmica, é uma obra-prima. Como em Pasolini (O evangelho segundo Mateus, 1964), o que interessa, em primeiro lugar, é uma certa ontologia humanística que determina a historicidade do Cristo, num distanciamento crítico modelar: nada de efeitos especiais ou de "milagres arrebatadores", nada de "grandes interpretações" ou de cenas (melo)dramáticas. Sua limpeza sígnica - quase antinarracional em alguns momentos -, paradoxalmente, é impura, possível herança do neo-realismo que o marcou nos anos 40 e que, aqui - em sua fase cinetelevisiva, a incluir outras obras-primas, como o extraordinário Santo Agostinho (1972) -, aparece redimensionado. Dentro do cinema italiano, Roberto Rossellini, em nossa opinião, figura na galeria dos criadores fundamentais. Ao lado de Michelangelo Antonioni e Luchino Visconti. Cotação: *** (excelente). [Cópia disponível em dvd: Paulinas.]
FLANELINHA
Marconi Leal
[ in Culturando ]
- Pronto. Deixa solto. Quatro estrofes de Drummond, chefia.
- Como é que é?
- Pra parar o carro aqui, quatro estrofes.
- Tá louco, ô, moleque? Semana passada, eu parei nesse mesmo lugar e só tive que recitar cinco versos de Bandeira!
- O preço é tabelado, chefia. A gente temos sindicato e tudo. Se fizero esse preço pro senhor, esse sujeito deve de ser denunciado. Tá vilipendiando a arte.
- Três estrofes e não se fala mais nisso, ok?
- De João Cabral?
- Peraí, não era de Drummond?
- Quatro de Drummond, três de João Cabral. Sabe como é, o homem concorreu ao Nobel…
- Tá, tudo bem, eu recito Cabral, mas…
- Recitar, não. Dizer. Cabral não gostava que recitassem.
- Ótimo. Eu digo os três versos de Cabral…
- Estrofes.
- Tá, tá, as três estrofes. Mas só quando voltar.
- Aí, não. A última vez que confiei num sujeito que disse isso, na volta, ele só me recitou um Décio Pignatari ou um Campos desses aí… Sem falar em outro que quis me fazer engolir um Arnaldo Antunes. É pagamento na hora.
- Meu filho, eu tô atrasado, não tô com nenhum verso trocado, só lembro de poesia inteira. Quando voltar, lhe recito.
- O senhor é que sabe. Agora, não me responsabilizo se aparecer uma pintura pós-modernista na lataria do seu carro…
- Tá me ameaçando, moleque?
- Eu? Eu, não, nem de arte pós-moderna eu gosto, prefiro o traço clássico, sabe? Pintura figurativa… Mas o senhor sabe como esse pessoal é. Outro dia mesmo deixaram um fusca aqui sem eu ver. Quando o dono chegou, tinham feito uma instalação em cima, colocado uns guarda-chuva no teto, uma televisão velha no lugar do capô, essas coisas. O carro não prestou pra mais nada. Foi recolhido pelo Masp.
- Essa é boa! Esse povo podia assistir televisão, tocar pagode, jogar bola, mas não, vem pra rua esmolar literatura. Nem se divertir em paz a pessoa pode mais. Aposto que eu vou te dizer esses versos, tu vai se inspirar e fazer poesia pra vender em bar.
- Vou não, chefia. É só pra minha necessidade mesmo.
- Pensa que eu não sei? Tu vai vender poesia em bar, moleque.
- É não, é só pra meu consumo mesmo, eu juro.
- Tá, na volta. Já disse, na volta eu recito.
- Então, vai ter que ser Baudelaire.
- Baudelaire? Por conta de uma ou duas horas a mais?
- Ou Rimbaud, o senhor escolhe.
- Ah, não! Que absurdo! Só porque tem carro, esse pessoal pensa que a gente é rico, que decora uma Ilíada por ano! Fique sabendo que eu mal sei de cor o Inferno da Divina Comédia, meu filho! Mas, tudo bem, a culpa não é sua. Acordo fechado. Na volta, te recito Rimbaud.
- Em francês, tá, chefia?
LITERATURA, MÚSICA E FUTEBOL
Paulo Mendes Campos
"Miguel Ângelo é botafogo, Leonardo é flamengo, Rafael é fluminense; Stendhal é botafogo, Balzac é flamengo, Flaubert é fluminense; Bach é botafogo, Beethoven é flamengo, Mozart é fluminense. Sem desfazer dos outros, é com eles que eu fico, Miguel, Henrique, João Sebastião. Dostoiévski é botafogo, Tolstoi é flamengo (na literatura russa não há fluminense); Baudelaire é fluminense, Verlaine é flamengo, Rimbaud é botafogo; Camões não é vasco, é flamengo, Garrett é fluminense, Fernando Pessoa é botafogo. Sim, Machado de Assis é fluminense, mas no fundo, no fundo, debaixo da capa ética, Machado, um bairrista, morava onde? Laranjeiras!"
[ in O Rio de Janeiro em prosa e verso,
de Manuel Bandeira & Carlos Drummond de Andrade.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1965, p.219 ]
Nota do BALAIO: Parafraseando Paulo Mendes Campos, diremos: Antonioni é fluminense, Welles é flamengo, Godard é botafogo, Buñuel é vasco; Bergman é fluminense, Fellini é flamengo, Visconti é botafogo, Eisenstein é vasco; McCay é fluminense, Eisner é flamengo, Crepax é botafogo, Raymond é vasco; Tom Jobim é fluminense, Ari Barroso é flamengo, Noel Rosa é botafogo, Pixinguinha é vasco; Van Gogh é fluminense, Goya é flamengo, Picasso é botafogo, Gauguin é vasco. E, para contrariar parcialmente Paulo Mendes, Bach é fluminense, Beethoven é flamengo, Mozart é botafogo, Händel é vasco; Garrett não é fluminense, é vasco; em compensação Eça é fluminense; Camões é vasco, sim, assim como é flamengo. E Dostoiévski é fluminense e é flamengo, Maiakóvski é botafogo, Tolstoi é vasco. Por último, em Natal: Newton Navarro é ABC, Nei Leandro de Castro é América; Carlos Zens é ABC, Paulo Jorge Dumaresq é América; Sartre é ABC, Camus é América. E em Recife? Arrisquemos: Di Cavalcanti é santa cruz, Portinari é sport, Volpi é náutico. Não nos arriscaremos em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, João Pessoa, Campina Grande, Fortaleza, Salvador. Ou mesmo em Caicó. E São Saruê.
Paulo Mendes Campos
"Miguel Ângelo é botafogo, Leonardo é flamengo, Rafael é fluminense; Stendhal é botafogo, Balzac é flamengo, Flaubert é fluminense; Bach é botafogo, Beethoven é flamengo, Mozart é fluminense. Sem desfazer dos outros, é com eles que eu fico, Miguel, Henrique, João Sebastião. Dostoiévski é botafogo, Tolstoi é flamengo (na literatura russa não há fluminense); Baudelaire é fluminense, Verlaine é flamengo, Rimbaud é botafogo; Camões não é vasco, é flamengo, Garrett é fluminense, Fernando Pessoa é botafogo. Sim, Machado de Assis é fluminense, mas no fundo, no fundo, debaixo da capa ética, Machado, um bairrista, morava onde? Laranjeiras!"
[ in O Rio de Janeiro em prosa e verso,
de Manuel Bandeira & Carlos Drummond de Andrade.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1965, p.219 ]
Nota do BALAIO: Parafraseando Paulo Mendes Campos, diremos: Antonioni é fluminense, Welles é flamengo, Godard é botafogo, Buñuel é vasco; Bergman é fluminense, Fellini é flamengo, Visconti é botafogo, Eisenstein é vasco; McCay é fluminense, Eisner é flamengo, Crepax é botafogo, Raymond é vasco; Tom Jobim é fluminense, Ari Barroso é flamengo, Noel Rosa é botafogo, Pixinguinha é vasco; Van Gogh é fluminense, Goya é flamengo, Picasso é botafogo, Gauguin é vasco. E, para contrariar parcialmente Paulo Mendes, Bach é fluminense, Beethoven é flamengo, Mozart é botafogo, Händel é vasco; Garrett não é fluminense, é vasco; em compensação Eça é fluminense; Camões é vasco, sim, assim como é flamengo. E Dostoiévski é fluminense e é flamengo, Maiakóvski é botafogo, Tolstoi é vasco. Por último, em Natal: Newton Navarro é ABC, Nei Leandro de Castro é América; Carlos Zens é ABC, Paulo Jorge Dumaresq é América; Sartre é ABC, Camus é América. E em Recife? Arrisquemos: Di Cavalcanti é santa cruz, Portinari é sport, Volpi é náutico. Não nos arriscaremos em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Curitiba, João Pessoa, Campina Grande, Fortaleza, Salvador. Ou mesmo em Caicó. E São Saruê.
4 comentários:
Bom dia, Moacy!
Hoje o Balaio está D E M A I S!!
O poema de Civone Medeiros, é lindo! Assim como impressionante a imagem! (apenas no início, me assustei, porque depois da mulher melão...)
Na parte de cinema: Tenho e revi muitas vezes O EVANGELHO SEGUNDO SÃO MATEUS (Pasolini). è realmente uma obra de arte, sem melodramas etc... só que o tenho naquelas fitas de projeção, acho que é 8 não sei o que. Vivo procurande quem passe para CD.
O FLANELINHA>>>está o máximo!
Já existe poema em souplat, em camisetas, mas eu adorei esse método! Isso é que é divulgar a cultura literária! Se para ali, um parlamentar... ou mesmo alguns dos membros da ABL...sei não!
Em Literatura, Musica e Futebol, me alegrou ver: Bach, Dostoiévski e Fernando Pessoa como botafoguenses... (Só você, Moacy!)
O mais , tudo na perfeição de sempre.
Beijos, amigo!
Mirse
Bons textos. Bom poema de Civone.
Caro Moacy,
Bom o poema de Civone e muito criativo o texto de Marconi. Esse texto de PMC já conhecia. O seu, se não me engano, você já havia publicado. Mesmo na base da brincadeira, acho impossível alguém torcer por dois times da mesma cidade, principalmente Fla e Vasco, no caso de Camões. Quanto ao time de Noel, ouvi uma vez Chico Anysio dizer que ele era América, como Marques Rebelo. Um abraço.
Fellini é América, como eu sou América e Fellini! Legal, mesmo!
Abs.
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