domingo, 21 de junho de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
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o trêiler
de
Bamako
(Abderrahmane Sissako, 2006)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2699
Natal, 21 de junho de 2009

Como se constrói a africanidade de um filme marcado pela cor, pelo olhar, pelo som de uma terra ao mesmo tempo próxima e distante de todos nós? Como se constrói a politicidade de um filme africano que critica o imperialismo colonial sem cair nos vícios da panfletagem pura e simples? Como se constrói a plasticidade de um filme que respira vida, suor e lágrimas através de imagens belas e envolventes? Bamako (coprodução franco-maliense) é mais do que um filme político: é uma obra que investe no Homem, e seu estar-no-mundo, a partir de um mosaico de situações dramáticas vivenciadas no mesmo espaço cenográfico trabalhado pelo diretor e pelos atores/personagens.


DE SILÊNCIOS E AUSÊNCIAS
Míriam Monteiro
[ in Meu Porto ]

Um rio
ciciante de poemas
me atravessa,
e eu transbordo
silêncios.

À margem
brinco de não ser,
esperando
o que me desconstrua,
o que rompa algemas.

Inebriada de silêncios,
nem percebo
que o amanhecer tarda
e a poesia
já não vem.


MEU HOMEM
Luiza Viana
[ in O céu do lençol, 1996 ]

Anjo meu
cheiro de mel
puro bordel
de poesia

Olho nos seus olhos:
viro doce
de ambrosia


OFERENDA
Laura Amélia Damous
[ in A poesia maranhense no século XX, de Assis Brasil ]

Venho te oferecer meu coração
como o cansaço se oferece aos amantes
o suor aos corpos exaustos
depois de definitivo abraço
Venho te oferecer meu coração
como a lua se oferece à noite
e o vento à tempestade
Venho te oferecer meu coração
como o peixe se oferece à captura
no engano do anzol


URBANA II
Suzana Vargas
[ in
Caderno de outuno e outros poemas, 1998 ]

Que sentimento me empurra
por janeiro e o ano inteiro?
Que cavalos, que forças indizíveis
me lançam para a frente e para a frente?

De tão apressada engulo,
não mastigo minha sorte.
Não sei se é sede de vida
ou avidez pela morte.


FICÇAO
Líria Porto
[ in Tanto Mar ]

adoro o mar
seu balanceio
as suas ondas

vejo as colinas
invento em minas
o mar que sonho

vem numa concha
molha meu olho
depois se esconde

quisera um dia
morar no mar
ser uma ilha

levar comigo
a minha serra
no tombadilho


Memória 1924
DECÁLOGO DA ESPOSA
[ in Revista Feminina, SP, out./1924 ]

I - Ama teu esposo acima de tudo na terra e ama o teu próximo da melhor forma que puderes; mas lembra-te de que a tua casa é de teu esposo e não do teu próximo;

II - Trata teu esposo como um precioso amigo; como a um hóspede de grande consideração e nunca como uma amiga a quem te contam as pequenas contrariedades da vida;

III - Espera teu esposo com teu lar sempre em ordem e o semblante risonho; mas não te aflijas excessivamente se alguma vez
ele não reparar nisso;

IV - Não lhe peças o supérfluo para o teu lar; pede-lhe, caso possas, uma casa alegre e um pouco de espaço tranqüilo para as crianças;

V - Que teus filhos sejam sempre bem arranjados e limpos; que ele ao vê-los assim possa sorrir satisfeito e que essa satisfação o faça sorrir quando se lembre dos seus, em estando ausente;

VI - Lembra-te sempre que te casaste para partilhar com teu esposo as alegrias e as tristezas da existência. Quando todos o abandonarem fica tu a seu lado e diz-lhe: Aqui me tens!
Sou sempre a mesma;

VII - Se teu esposo possuir a ventura de ter sua mãe viva, seja boa para com ela pensando em todas as noites de aflição que terá passado para protegê-lo na infância, formando o coração que um dia havia de ser teu;

VIII - Não peças à vida o que ela nunca deu para ninguém. Pensa antes que se fores útil poderás ser feliz;

IX - Quando as mágoas chegarem não te acovardes: luta! Luta e espera na certeza de que os dias de sol voltarão;

X - Se teu esposo se afastar de ti, espera-o. Se tarda em voltar, espera-o; ainda mesmo que te abandone, espera-o. Porque tu não és somente a sua esposa; és ainda a honra do seu nome. E quando um dia ele voltar, há de abençoar-te.

[ Republicado em: História da vida privada no Brasil/3, p.394-6)

Nota do Balaio:
Publicada em São Paulo, na ocasião com cerca de 600 mil habitantes, a Revista Feminina é um valioso documento histórico para se entender a prática e o pensamento masculinos que, durante décadas e décadas, nortearam - da forma a mais preconceituosa possível - a relação homem/mulher entre nós. É verdade que as mulheres, embora timidamente (para os padrões atuais), já começavam a reagir. Resta-nos saber se o Decálogo em pauta foi levado a sério pela leitoras das grandes cidades. Não temos dados sobre a sua tiragem e se, de fato, atingia o público feminino de forma expressiva.

11 comentários:

Unknown disse...

Bom dia Moacy!

Depois volto para comentar o resto, mas O QUE É ISSO?

Que absurdo machista esse decálogo da esposa!!!!!!

Mesmo em 1924...Ah deve ser porque eu ainda não tinha nascido!

Tendi;
Volto depois que acabar a raiva!

Beijos

Unknown disse...

Bem, de olhos fechados para o decálogo!!!!!

Moacy, o filme é lindo demais, vou ver se consigo baixar inteiro. Ontem em "ellenismo" de Nina, me identifiquei com a cultura banto. Hoje tive a certeza que amo a África e seus valores. Esse povo tem o calor do nosso sangue. Ou vice e versa.

Poemas lindos!

Destacar é difícil. Meu Homem está belíssimo, Líria também, Suzana vargas, nem se fala! Enfim todos estão muito bons.

Beijos, amigo!

Bom domingo!

Mirse

líria porto disse...

caro moa
muito bom cair dentro do balaio - obrigada!

gostei de saber do filme, de ler os poemas.

ah... as coisas mudam, embora devagar - mulher era quase nada - pobres das nossas avós! dá uma réiva!!

besos

Francisco Sobreira disse...

Moacy,
A imagem do blogue sobre o filme é de uma tocante expressividade. Embora um trailer não diga muito sobre um filme, vou no seu taco. Um abraço.

BAR DO BARDO disse...

Mulher assim ainda...

Sei não...

Parabenizo os bons textos e as boas imagens.

Jens disse...

Oi Moacy.
Luxuosas as últimas edições do Balaio (conferi mestre CDC lá embaixo).

Absolutamente Certo também marcou meus dias no Cine Ipanema, com direito a bater os pés no chão quando o mocinho ganhou a grana.

Estarrecedor o Decálogo da Esposa.

O comentário sobre Bamako atiçou a minha curiosidade, vou procurar assistir.

Um abraço e bom domingo.

No mais, Salve Chico!

Anônimo disse...

Moacy,
vou conferir o filme.
Fiquei muito interessada.
Bjs.

Esther Alcântara disse...

Parabéns pela blog. Adorei as publicações que li até agora.
Beijos.

Cássio Amaral disse...

Moacy, por favor me mande no meu email : camal567@gmail.com seu endereço que vou te mandar um exemplar do meu livro Sonnen. Um abração.

Priscila Lopes disse...

Moacy, como tem coisa boa por aqui, como tem!

Unknown disse...

Caros amigos:

A revista PROJETO HISTÓRIA da PUC/SP (nº 35, 2º semestre de 2007) publicou artigo da historiadora Sandra Lúcia Lopes, discutindo a Revista Feminina (baseado em sua tese "Espelyho de mulher", defendida na FFLCH/USP).
Não sei se é machismo antigo. Ouço cobranças idealizantes assemelhadas hoje em dia. Se não é essa submissão, é ter corpo perfeito e por aí. E não é somente homem que é machista. Homens e mulheres têm muito caminho pela frente.
Abraços:

Marcos Silva