A última ceia sagrada
(1592-94)
JACOPO TINTORETTO
BALAIO PORRETA 1986
n° 2740
Natal, 3 de agosto de 2009
A saga metabíblica continua, assim como continua a formação do seridoísmo. A saga metaficcionl continua, assim como continua a construção da bravura sertaneja. Aqui, o espaço simbólico abre espaço para o espaço seridoense.
O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 10)
A última ceia
Mesa posta, mesa composta:
coalhada com farinha e rapadura, umbuzada, cuscuz, tapioca, queijo de coalho, queijo de manteiga, macaxeira, filhós com mel, pamonha, canjica, pão, leite, café, suco de laranja e vinho. A ceia, nas primeiras horas da noite, estava servida, e muito bem servida, no Castelo de Engady, além do Rio Barra Nova, no povoado de Caicó.
O Senhor da Cruz e seus convidados encontravam-se sentados ao longo de uma mesa bastante comprida. E os convidacdos eram os 12 apóstolos, os quatro integrantes do Coral do Seridó, Maria Maria, Sheyla Madá. E mais o antropólogo Muirakytan, a bordadeira Ana de Santana, o roqueiro Pituleira, o carpinteiro Roberto das Fontes, o radialista Arara do Ginásio, o astrônomo João Quintino do Sabugi, o jornalista Bala Choca e o retratrista Mané das Tintas, vulgo Tintoretto.
O clima era pesado, geral a preocupação. Havia uma certa tristeza no ar. E o Senhor da Cruz, para amenizar o clima sombrio do ambiente, disse: "O momento é solene, eu sei. O momento é de tristeza, eu sei. Meus inimigos podem me mandar para a terra dos pés juntos a qualquer momento, eu sei. Mas para mostrar à posteridade a nossa estreita relação com a humanidade, eu, que sou humano, demasiadamente humano, gostaria de lhes contar uma piada".
E o Senhor da Cruz contou:
"Era uma vez uma papagaia muito sapeca, muito atrevida; só sabia falar em sexo. Sua dona, uma mulher solitária muito religiosa, não sabia mais o que fazer. Até que um dia, o vizinho mais próximo, sabendo de seu drama, a ela propôs: 'Tenho comigo dois papagaios bastante comportados e que passam o dia rezando. Que tal juntar os três durante algum tempo, lá em casa? A sua papagaia certamente voltará como uma verdadeira santa'. E assim foi feito".
E o Senhor da Cruz continuou:
"Em sua casa, o bom vizinho colocou a papagaia entre os dois papagaios. E a papagaia, mais doida do que nunca, dizia cada palavrão cabeludo que só vendo e ouvindo. Um dos papagaios, mais esperto, abriu um olho e, ouvindo - com perdão da palavra - as sacanagens da papagaia, e vendo que o outro não percebera a situação e continuava orando, cutucou-o e disse: 'Pare de rezar, amigo louro, ou muito me engano ou as nossas preces acabam de ser atendidas'(¹)".
Todos riram com a piada e alguns, baixinho, começaram a discutir se se tratava de uma parábola ou não. E o Senhor da Cruz voltou a falar, mudando de tom: "Os poderosos tentam me asfixiar, mas as minhas Palavras ficarão gravadas para sempre na memória do meu povo. Quando eu morrer - e pressinto que a minha morte está próxima -, não quero choro, nem vela, quero apenas uma rosa amarela(²) sobre o meu corpo abençoado pelo Altíssimo, por Nossa Senhora de Sant'Ana, minha doce e clemente avó, pela minha mãe, pela minha amada e pelos passarinhos das auroras menstruadas(³)".
E disse mais o Senhor da Cruz:
"Não morrerei em vão: pregai em meu nome por todo o Seridó e pelas nações vizinhas. Pregai contra qualquer tipo de preconceito e a favor das opções e liberdades humanas. Pregai contra o racismo e a favor das diferenças sociais e culturais. Pregai contra o fanatismo religioso e a favor de todos os credos que alimentam a alma do ser humano. Pregai contra o anti-seridoísmo e favor de todas as nações da terra. E agora, quando ouvimos, ao longe, a doce música de Urbano Medeiros de São João, bebamos o vinho que simboliza o meu sangue e a nossa fé".
Depois, saíram em silêncio do Castelo de Engady. Alguns se dirigiram para suas casas. Outros, para a Taberna do Ferreirinha, aberta dia e noite. Uma certeza a todos dominava: o Senhor da Cruz estava condenado à morte matada. E eles eram os herdeiros da Boa Nova.
Próximo capítulo:
A morte do Senhor da Cruz
(1592-94)
JACOPO TINTORETTO
BALAIO PORRETA 1986
n° 2740
Natal, 3 de agosto de 2009
A saga metabíblica continua, assim como continua a formação do seridoísmo. A saga metaficcionl continua, assim como continua a construção da bravura sertaneja. Aqui, o espaço simbólico abre espaço para o espaço seridoense.
O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 10)
A última ceia
Mesa posta, mesa composta:
coalhada com farinha e rapadura, umbuzada, cuscuz, tapioca, queijo de coalho, queijo de manteiga, macaxeira, filhós com mel, pamonha, canjica, pão, leite, café, suco de laranja e vinho. A ceia, nas primeiras horas da noite, estava servida, e muito bem servida, no Castelo de Engady, além do Rio Barra Nova, no povoado de Caicó.
O Senhor da Cruz e seus convidados encontravam-se sentados ao longo de uma mesa bastante comprida. E os convidacdos eram os 12 apóstolos, os quatro integrantes do Coral do Seridó, Maria Maria, Sheyla Madá. E mais o antropólogo Muirakytan, a bordadeira Ana de Santana, o roqueiro Pituleira, o carpinteiro Roberto das Fontes, o radialista Arara do Ginásio, o astrônomo João Quintino do Sabugi, o jornalista Bala Choca e o retratrista Mané das Tintas, vulgo Tintoretto.
O clima era pesado, geral a preocupação. Havia uma certa tristeza no ar. E o Senhor da Cruz, para amenizar o clima sombrio do ambiente, disse: "O momento é solene, eu sei. O momento é de tristeza, eu sei. Meus inimigos podem me mandar para a terra dos pés juntos a qualquer momento, eu sei. Mas para mostrar à posteridade a nossa estreita relação com a humanidade, eu, que sou humano, demasiadamente humano, gostaria de lhes contar uma piada".
E o Senhor da Cruz contou:
"Era uma vez uma papagaia muito sapeca, muito atrevida; só sabia falar em sexo. Sua dona, uma mulher solitária muito religiosa, não sabia mais o que fazer. Até que um dia, o vizinho mais próximo, sabendo de seu drama, a ela propôs: 'Tenho comigo dois papagaios bastante comportados e que passam o dia rezando. Que tal juntar os três durante algum tempo, lá em casa? A sua papagaia certamente voltará como uma verdadeira santa'. E assim foi feito".
E o Senhor da Cruz continuou:
"Em sua casa, o bom vizinho colocou a papagaia entre os dois papagaios. E a papagaia, mais doida do que nunca, dizia cada palavrão cabeludo que só vendo e ouvindo. Um dos papagaios, mais esperto, abriu um olho e, ouvindo - com perdão da palavra - as sacanagens da papagaia, e vendo que o outro não percebera a situação e continuava orando, cutucou-o e disse: 'Pare de rezar, amigo louro, ou muito me engano ou as nossas preces acabam de ser atendidas'(¹)".
Todos riram com a piada e alguns, baixinho, começaram a discutir se se tratava de uma parábola ou não. E o Senhor da Cruz voltou a falar, mudando de tom: "Os poderosos tentam me asfixiar, mas as minhas Palavras ficarão gravadas para sempre na memória do meu povo. Quando eu morrer - e pressinto que a minha morte está próxima -, não quero choro, nem vela, quero apenas uma rosa amarela(²) sobre o meu corpo abençoado pelo Altíssimo, por Nossa Senhora de Sant'Ana, minha doce e clemente avó, pela minha mãe, pela minha amada e pelos passarinhos das auroras menstruadas(³)".
E disse mais o Senhor da Cruz:
"Não morrerei em vão: pregai em meu nome por todo o Seridó e pelas nações vizinhas. Pregai contra qualquer tipo de preconceito e a favor das opções e liberdades humanas. Pregai contra o racismo e a favor das diferenças sociais e culturais. Pregai contra o fanatismo religioso e a favor de todos os credos que alimentam a alma do ser humano. Pregai contra o anti-seridoísmo e favor de todas as nações da terra. E agora, quando ouvimos, ao longe, a doce música de Urbano Medeiros de São João, bebamos o vinho que simboliza o meu sangue e a nossa fé".
Depois, saíram em silêncio do Castelo de Engady. Alguns se dirigiram para suas casas. Outros, para a Taberna do Ferreirinha, aberta dia e noite. Uma certeza a todos dominava: o Senhor da Cruz estava condenado à morte matada. E eles eram os herdeiros da Boa Nova.
Próximo capítulo:
A morte do Senhor da Cruz
Notas:
(¹) Séculos depois, um conhecido cronista do Sul Maravilha, Stanislaw Ponte Preta assim nomeado, aproveitaria o mesmo tema e algumas das mesmas palavras no livro Tia Zulmira e eu.
(²) Não haveria algo de familiar nestas palavras do Senhor da Cruz?
(³) Aurora menstruada : Imagem usada, no séc. XX da Era Comum, pelo poeta e cronista Paulo Mendes Campos, do Sul Maravilha.
(¹) Séculos depois, um conhecido cronista do Sul Maravilha, Stanislaw Ponte Preta assim nomeado, aproveitaria o mesmo tema e algumas das mesmas palavras no livro Tia Zulmira e eu.
(²) Não haveria algo de familiar nestas palavras do Senhor da Cruz?
(³) Aurora menstruada : Imagem usada, no séc. XX da Era Comum, pelo poeta e cronista Paulo Mendes Campos, do Sul Maravilha.
12 comentários:
O Senhor pastor prefere as negras ovelhas.
Principalmente as que com sinceridade, fogem ao domínio das alvas e comportadas, mecânicas ovinas.
Que nem sequer botam ovos.(rsrsrs)
Sem brincadeira - talvez o que escrevestes aí seja mais cristão do que o que a gente ouve em igrejas.
Oi Moacy!
Que ceia boa essa! Tinha PAMONHA!!!! AMO, ou amava!
Tinha piada e assim quem fica pensando na morte numa mesa farta dessa.
Fora os papagaios!
Só você para ter essa Santa Criatividade!
Beijos
Mirse
Tu é louco!
Que bom!
Eta que essa ceia é bem mais realista e arretada que a biblicamente traçada, não?! E o Sr. Hulot é um personagem para ser eternamente guardado com todo o carinho... Abração!
Indiquei você para o selo Blog de Ouro... Vá lá no meu Bicho para ver as regrinhas... Um beijo, sua menina.
Moacy, consultando meus alfarrábios descobri que as palavras do Senhor da Cruz (2) são citadas no Antigo Testamento em um canto de Noel, sambista de escol, segundo descendente de Obede, irmão de Jessé, aquele que gerou a Davi.
Espero ter esclarecido a tua dúvida.
Um abraço.
Não estou gostando muito dessa consciência do Senhor da Cruz sobre a aproximação do seu fim não. Enquanto todos vêem guloseimas e brincadeiras, pressinto a Paixão. A mais vermelha e dolorosa Paixão. Mude aí vá lá. O Senhor da Cruz pode tudo!
nossa senhora das bicicletas abençõe a papa_gaia!!!
aurora menstruada - isso é lindo!
besos
Oi Moacy! Voltei aqui em edição extraordinária, porque visito sempre o blog Geografia Hoje, e vi imagens incríveis do Rio Grande do Norte. Mas ele, o Eduardo Marcolino, não diz se é litoral etc etc... Fiquei encantada com as salinas.
É isso!
Boa noite
Beijos
Mirse
A santa ceia tá cheia de comida tanta, heim, Moacy? Depois dizem que a gula é um pecado... Acho que tô nesse grupo que, depois dos finalmente, foi pro Bar do Ferreirinha. O balaio tá engolir a língua!
Quis dizer: o balaio tá DE engolir a língua...
oi Moacy, que texto bom! Apesar do meu coração tricolor, ouvi as palavras do senhor e aceito os vascaínos, os botafoguenses, os americanos etc. Não sou perfeita, fiquei meio surda e tou em dúvida qto aos flamenguistas. Mas senhor continuará falando/escrevendo e possa ser que o meu coração escute melhor. Salve o planeta terra, Seridó e o Sul Maravilha.
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