Foto superior: Eugénio Vicedo
Foto inferior: NDEV
BALAIO PORRETA 1986
n° 2792
Rio, 23 de setembro de 2009
E este apocalipse que não chega?
Não se entrega tarefa assim tão grave
a um bando de bestas.
(Jairo LIMA. 'Angústia metafísica', in Bar Papo Furado)
Namibiano Ferreira
[ in Angola: Os Poetas ]
trazias o mar na aurora ocidental dos teus lábios
a passar ventos e salsugens de toninhas e kiandas;
chegas-te do mar, kalunga a cantar o meu nome
e, estranhamente, no xinguilar dos dias
mordias bagos de jinguba nos dedos do olhar
a passar brisas a beijar ventos de kifufutila
doce veludo bailando no sopro sumaúma
soprado sobre a savana-púbis dourada do vento.
Glossário:
Kianda : Divindade
Kalunga : Deus (mas não no sentido bíblico)
Xinguilar : Reação de dor nos óbitos
Jinguba : Amendoim
Kifufutila : (Espécie de) Doce
Márcia Maia
[ in Tábua de Marés ]
toco a teia de ausência nesta tarde
que semelha mais outono
que verão
e o silêncio se me gruda à pele e arde
qual lamento de sem dono
gato ou cão
colhendo fado e infância em cada parte
deste réquiem de abandono
sem perdão
que ora entôo
Luciana Marinho
[ in Poesia Sim, de Lau Siqueira ]
Sentava-se no mar até seu vestido crescer
como crescem as papoulas vistas num rio.
Sentia os plânctons dourarem seu ventre.
Seu ventre como pedra ancorada
desejando chuvas.
Sentia-se embebida no sargaço
no cheiro intolerável das coisas restando.
Quanto mais a brisa vinha
mais descia seu corpo de mil tentáculos nascendo
e se afogava.
Cid Augusto (Mossoró, RN)
[ in Canto de Página ]
O poeta Vinicius de Moraes comprou uma briga de foice com segmentos feministas ao pedir perdão às "muito feias", em Receita de Mulher, para declarar que "beleza é fundamental". Poucos compreenderam a subjetividade do texto, pois o belo, inclusive no reino das criaturas estereotipadas, alimenta-se das fantasias e das expectativas de cada sujeito.
Disseram-me que tenho a triste fama de namorar mulheres feiosas. E isso aconteceu na madrugada de sexta-feira, na festa de Santa Luzia, padroeira das claridades visuais. Fiquei surpreso, embora sem queixas, afinal o comentário veio de uma bela mulher e me foi repassado por outra não menos atraente, de acordo com meu "duvidoso" sentido estético.
Ao amanhecer, tentei decifrar a enigmática face da feiúra. Comecei pelo rosto que me apareceu no espelho do banheiro, com dois pares de rugas aspando olheiras gigantes e estas, por suas tristes vezes, servindo de molduras a olhos vermelhos, parecidos com aqueles descritos por Machado, o Bruxo do Cosme Velho, "de ressaca, oblíquos e dissimulados".
Parti para o espelho do quarto, que é dos grandes, e enxerguei o indigitado sujeito na superfície envidraçada do objeto narcisista, agora de corpo inteiro, nu, ostentando aquele físico de anjo barroco: baixinho, gordinho e sexualmente resumido, além de ser cabeção e branquela feito ratazana de laboratório. Ixe, ainda bem que há gosto e setembro para tudo.
Existem, nas conjecturas de Baudelaire, "tantos tipos de beleza quanto modos habituais de se procurar a felicidade". Nesse contexto, toda mulher, inclusive as consideradas "muito feias", tem algo de fascinante a oferecer, especialmente aos homens que se esbaldam na riqueza do detalhe. "Quem ama o feio", diz um sábio e antigo ditado, "bonito lhe parece".
Não nos esqueçamos dos padrões culturais. O belo na ótica brasileira é diferente do conceito americano, do alemão, do africano, do chinês e por aí vai. Claro, há gente como eu que é horrorosa em qualquer parte do globo, mas, no passo dos desafinados, nós, os desabonitados, também temos coração e queremos ser felizes, crescer, amar e multiplicar.
No mais, cabe-me dizer, sem o interesse de com isso me gabar, que vivo com uma mulher linda, cheirosa, gostosa e, como se não bastasse, de rara inteligência. Foi ela quem me enquadrou na sub-raça dos boêmios de asa quebrada, com a magia de seus beijos, o calor de sua carne e a maravilha do amor que conservou por 20 anos para me entregar.
19 comentários:
estou a areciar muitíssimo essa afeiçãopor angola! de namibiano ao desabonitado cid, tudo é bom dentro do balaio!!
besos
areciar = apreciar... risos
(estou a comer sopa de letrinhas)
Dos poemas de Angola à saga da beleza em Mossoró, um passeio mui atrativo de versos a revelarem-se. As fotos continuam tentadoras. Abraço.
Moacy,
Muito bons as fotos e o poema de Namibiano Ferreira. Um abraço.
* Está sabendo que saiu o DVD de "Profissão: Repórter?"
lindas as fotos, da praia em pipa tb. lindo poema sentidos. bejios, pedrita
Obrigado, caro Moacy por todo o carinho!
Kandandu angolano
Namibiano
oi moacy, o rubens ewald filho dirigiu a peça o amante de lady chatterley. o germano ribeiro que adaptou o texto. mas o ref falou no texto do programa sobre a censura que sofreu o livro e algumas das escolhas dele apra a direção.
Moa,
Ótimo vc nos apresentar sempre mais a dicção angolana de Namibiano. Quanto às poetas, trazem (hoje e sempre) aquela característica (marcantemente feminina, ainda que não só...) de "confluírem com a Natureza". Quanto a Revisão do Tratado sobre a Beleza de Cid Augusto, gostei bastante.
Abração,
Marcelo.
A dorei o poema da Luciana Marinho!
E tem Goiamum Audiovisual sexta -feira no Cine debate hein? Vou prestigiar com certeza. Estou adorando o festival. Dia desses assisti Mafalda, uma animação de 82, se não me engano. Muito bom.
bjo Moacy
Moacy, o texto do Cid Augusto é um maravilhamento só. Diga a ele que eu adorei! Beijos aos dois.
Oi, Sheyla, vim pessoalmente lhe agradecer pelo comentário.
Beijo e tudo de bom.
Cid
Lindas as fotos, linda Angola!
Jairo Lima, tem toda razão! Pessoalmente aguardo ansiosamente.
Uma lindeza o poema de Namibiani Ferreira! Parabéns!!!
Aplausos também à Marcia Maia e
Luciano Marinho. Márcia Maia é 10!
Quanto ao Vinícius, não sei a que beleza ele se referia. Porque em outro poema ele dizia que a mulher amada era sempre a mais bela!
No seu caso, QU SORTE!
Parabéns ao casal e vida longa!
Beijos
Mirse
... so good...
Belas fotos e também belos os poemas de Luciana e Namibiano.
Abraços.
moacy, é com alegria que encontro um poema meu aqui e recebo tua presença no máquina lírica. gostei de tudo o que vi (as fotografias!), mas quem segurou a minha mão e me levou labirinticamente foi Namibiano Ferreira. abraço a todos!
Só hoje pude espai a net, Moacy.
Um beijo e merci, como sempre
Moacy, nao dei conta na altura porque nao li com os olhos de ver mas de quem conhece o poema. Tem um erro no meu poema "Sentidos" no verso: "chegas-te do mar, kalunga a cantar o meu nome" por favor emende para chegaste.
Meu sincero obrigado
Kandandu
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