sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Negritude baiana
Foto de
Alberto Coutinho



BALAIO PORRETA 1986
n° 2848
Natal, 20 de novembro de 2009

Preservar a memória é uma das formas de construir a história. É pela disputa dessa memória, dessa história, que nos últimos 32 anos se comemora no dia 20 de novembro, o “Dia Nacional da Consciência Negra”. Nessa data, em 1695, foi assassinado Zumbi, um dos últimos líderes do Quilombo dos Palmares, que se transformou em um grande ícone da resistência negra ao escravismo e da luta pela liberdade. Para o historiador Flávio Gomes, do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a escolha do 20 de novembro foi muito mais do que uma simples oposição ao 13 de maio: “os movimentos sociais escolheram essa data para mostrar o quanto o país está marcado por diferenças e discriminações raciais. Foi também uma luta pela visibilidade do problema. Isso não é pouca coisa, pois o tema do racismo sempre foi negado, dentro e fora do Brasil. Como se não existisse”.

(Cf. Brasil Cultura)


VOZ DO SANGUE
Agostinho Neto (Angola)
[ in Na noite grávida de punhais, 1976 ]

Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melódicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África

negros de todo o mundo

eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.


NEGRITUDE
Demétrio Sena


Não invente alma branca pra minha carcaça;
sou tão negro por dentro quanto sou por fora;
tenho orgulho da pele, do sangue ou da raça,
do meu povo e das lutas travadas outrora...

Nem reserve um cantinho pra me dar agora;
o Brasil é meu campo, meu chão, minha praça;
somos todos iguais numa pátria que chora
pela desigualdade que divide a "massa"...

Reconheça os valores alheios aos tons
que jamais apontaram perversos e bons,
carimbando caráter, conceito, atitudes...

Aprecie sem truque, disfarce ou trapaça;
sem a velha expressão de quem concede graça
quando assente que o negro dispões de virtudes...


O QUILOMBO foi ... um acontecimento singular na vida nacional, seja qual for o ângulo por que o encaremos. Como forma de luta contra a escravidão, como estabelecimento humano, como organização social, como reafirmação dos valores das culturas africanas, sob todos estes aspectos o quilombo revela-se como um fato novo, único, peculiar, uma síntese dialética. Movimento contra o estilo de vida que os brancos lhe queriam impor ...

(Edison CARNEIRO. O quilombo dos Palmares, 1958)



SEDE
Acantha
[ in La Vie Bohème ]

Me abro
e me deixo
e me entrego
e me esvaio,
enquanto teus dedos falam coisas
no meu corpo,
com urgência e desordem,
exaurindo em mim o gozo e a voz...
incisiva-mente.


BELO HORIZONTE
José Bezerra Gomes

Pardais
cantam
dentro da madrugada

Amanhecendo
todos
vão de encontro à vida



POEMA
Danielle Mariam
[ in O Fingidor, Manacaparu, AM, n° 5/6, 1994 ]

não quero o sermão da montanha
nem o sermão do pastor
quero um gole de cachaça
e um homem que me faça gozar
quero transar na mata
curtindo o luar

não preciso de rimas
pois a puta da minha prima
quebrou o ventilador
e aqui tá o maior calor

pô - aqui tá o maior calor!



BACANTE
Iracema Macedo
[ in Lance de dardos, 2000 ]

Em meu ninho longínquo
inicio ventos
invento cios
canto e danço em volta do fogo
transformo meu leite em vinho
e ofereço meu corpo para os lobos



A CASA
Jairo Lima
[ in Bar Papo Furado ]

negro silêncio
guarda as salas
abóbadas inazuis confinam a sombra
que geometricamente talha a pausa entre gritos de luz
mortalha
a que o fagote dá cor
retalhos de sol pendem coagulados de portas e janelas
e os armários inscrevem sacrários para o sono dos panos
(dentro esvoaça um pássaro acordado)
na casa a voz mais alta é marromdourado
há um céu de candeias que inala luz
quando a hora exala a noite para dentro dos seus muros
e no mais recôndito do escuro
a casa respira os seus vãos
solar, sólido, soledade
pedras e madeiras, em ritmo binário,dançam antigo esplendor
ao som cor de parto
às três da manhã o sol ainda é improvável.


Memória 1988
BALAIO INCOMUN n° 95
Niterói, 23 de junho de 1988

PARA COMPREENDER O BRASIL: OS LIVROS CAPITAIS
segundo 24 professores da Comunicação da UFF

1. Casa grande & senzala (GIlberto Freyre, 1933)
2. Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa, 1956)
3. Os sertões (Euclides da Cunha, 1902)
e Macunaíma (Mário de Andrade, 1928)
5. Memórias póstumas de Brás Cubas (Machado de Assis, 1880)
6. Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda, 1936)
7. Vidas secas (Graciliano Ramos, 1938)
8. Pequena história da formação social brasileira
(Manoel Maurício de Albuquerque, 1981)
e Recordações do escrivão Isaías Caminha (Lima Barreto, 1909)
10. Formação do Brasil contemporâneo (Caio Prado Jr., 1942)



COLÓQUIO COM UM LEITOR KAFKIANO

Será hoje, a partir das 18 horas, o lançamento do livro de contos Colóquio com um leitor kafkiano, do jornalista e escritor Nelson Patriota, ex-editor do jornal cultural O Galo e um dos colunistas do Substantivo Plural. O evento acontecerá na Siciliano do xópim MidiVaiMal (Av. Salgado Filho), nas imediações do antigo cabaré de Rita Loura. Vale a pena conferir, claro.

16 comentários:

DECIO BETTENCOURT MATEUS disse...

Moacy: gostei de tudo! A linda negra baihana (que bem poderia ser muito bem uma angolana!) e a maravilha artística dos poemas. Gostei de todos: Acantha, Danielle Mariam, Iracema Macedo, Jairo Lima, José Bezerra Gomes. E a agradável surpresa do poeta angolano Agostinho Neto.

Obrigado e kandandu.

Jefferson Bessa disse...

linda homenagem, Moacy, ao dia da consciência negra. Tudo é muito bom por aqui...

Um abraço.

Jefferson.

Canto da Boca disse...

Que mulher linda! Uma bela representante dos brasis, Moacy. E você sempre muito atento aos movimentos do mundo. Esse Balaio é mesmo completo!

Abração!

blog espiatório disse...

a cara da áfrica! negá-lo é crime de lesa pátria!
besos

*

e o balaio, cada dia mais e mais porreta!

Marcelo Novaes disse...

Moa,


Belo painel afro.


os livros capitais são, no máximo, um adendo.




Abração,







Marcelo.

Unknown disse...

Belo, belo, belo. Por todos os motivos.

alex campos disse...

Também referi o "dia" no outro meu blogue, http://aldeiolmpica.blogspot.com/


Um abração

NAMIBIANO FERREIRA disse...

Nao sabia que hoje é Dia da Cosnciencia Negra, estou tomando nota na minha agenda.
Moacy, tudo que voce escolhe para seus balaios é de alguém que tem uma sensibilidade á flor da pele. A gente se perde por aqui, com as poesias, as prosas e as imagens.


ASPIRACAO

Ainda o meu canto dolente
e a minha tristeza
no Congo, na Geórgia, no Amazonas
Ainda
o meu sonho de batuque em noites de luar
ainda os meus braços
ainda os meus olhos
ainda os meus gritos
Ainda o dorso vergastado
o coração abandonado
a alma entregue à fé
ainda a dúvida
E sobre os meus cantos
os meus sonhos
os meus olhos
os meus gritos
sobre o meu mundo isolado
o tempo parado
Ainda o meu espírito
ainda o quissange
a marimba
a viola
o saxofone
ainda os meus ritmos de ritual orgíaco
Ainda a minha vida
oferecida à Vida
ainda o meu desejo
Ainda o meu sonho
o meu grito
o meu braço
a sustentar o meu Querer
E nas sanzalas
nas casas
no subúrbios das cidades
para lá das linhas
nos recantos escuros das casas ricas
onde os negros murmuram: ainda
O meu desejo
transformado em força
inspirando as consciências desesperadas.


Agostinho Neto (1922 - 1979) Angola



I, TOO, SING AMERICA
I am the darker brother.
They send me to eat in the kitchen
When company comes,
But I laugh,
And eat well,
And grow strong.

Tomorrow,
I'll be at the table
When company comes.
Nobody'll dare
Say to me,
"Eat in the kitchen,"
Then.

Besides,
They'll see how beautiful I am
And be ashamed--

I, too, am America.


Langston Hughes (1902-1967) USA

Viva a Negritude!

Anônimo disse...

Peço desculpa da confusão mas o alex campos é o mesmo do "Angola:os poetas".

Um grande abração

Adriana Godoy disse...

È sempre bom vir aqui. Gosto do que encontro. Gostei de sua lista referente às nossas origens. Parabéns. Bj

Maria Maria disse...

Oi, Moacy!

Iracema Macedo é fantástica!!!
Ah, tem poema novo no espartilho.

Como poddo lhe enviar meu livro Contos de um passado perfeito?

Beijos

Unknown disse...

Oi Moacy!

De negro encanto fez-se o balaio de hoje!

Em todas as dimensões!

Parabéns!

Beijos

Mirse

nina rizzi disse...

eu colocaria na lista "os donos do poder", do raymundo faoro, "o cortiço", do aluisio azevedo, "o bom crioulo", do adolfo caminha... nossa, e um montãomais... eu colocava o balaio inteiro, sabe...

cabaré da rita loura? arre, meu pai tinha um cabaré, chamava cambalacho. sério! minha mãe chama rita, ela odiava tudo isso. eu? ora, eu adorava! mas durou muito pouco, isso foi quando ela o conheceu (vixi, ele não é meu pai!), e logoele descobriu que no fim das contas ele sempre tinha a última palavra: "sim senhora", coisa de italianas, né... rsrs..

o sorriso dessa moça me lembra o de uma menina que passava correndo e pulando desvairada pelo forte de nossa senhora da assunção. sorria, louca, porque queria fugir pr'um forte. eita. hm, acho que o da menina era mais largo... até meu maxilar doía só de tá perto...

linda, tanto quanto os poemas.
um beijo e um cheiro moacy.

Michelle disse...

Que feliz tua visita no "pão de cada dia" :) sempre venho aqui..vou comentar mais. Adoro!
abraço forte
Michelle

Jens disse...

Eparrei, Moacy.
Os discípulos dos deuses da mata te saúdam.

Ah sim, salve o Flu!!!

Um abraço.

Pedrita disse...

realmente sem contar toda a história, fica difícil termos nossa identidade. fico triste qd vejo a intolerância religiosa no brasil com outros credos, como os dos descendentes de africanos. beijos, pedrita