quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Hannes Bok
(1914-1964),
mais um dos grandes ilustradores da
ficção científica,
a literatura especulativa do imaginário em transe
e que tem no paradoxo temporal

uma de suas principais vertentes temáticas.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2872
Natal, 17 de dezembro de 2009

Entre a dor e o nada, escolho a dor.
(William FAULKNER. Palmeiras selvagens, 1939)



VANDALISMO
Augusto dos Anjos
[ in Eu,1912, cf. Jornal de Poesia ]

Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!


UM TIMAÇO DA PESADA

O historiador e botafoguense Luiz Antônio Simas, do círculo dos grandes amigos da Folha Seca & Al-Farabi, no Rio, frequentador assíduo do Maraca e do Engenhão, recorda com emoção, em seu blogue, um dos maiores times de futebol que já viu jogar: "o do Vila de Cava F.C., glorioso clube de várzea que marcou Nova Iguaçu e arredores no início dos anos oitenta". O melhor vem agora - a escalação do time: Elisangela; Camunga, Carlinhos "Nem Fudendo", Mão Branca e Tornado; Jorge Macaco, Capiroto e Corno Manso; Curupira, Abecedário e Aderaldo Miquimba. O 'Terror da Baixada', como era conhecido o valoroso esquadrão de Nova Iguaçu, merece outros comentários de Simas, que se aplicam à prática futebolística em geral: "Jogador de futebol que se preza não pode entrar em campo com gel no cabelo, sobrancelha feita, suvaco depilado, creme de proteção facial, brinco de ouro, protetor labial e outros salamaleques típicos de bichas loucas e garotas da Socila. O técnico do Vila de Cava, o popular Zezé Macumba, instruía os zagueiros, por exemplo, a parar de escovar os dentes uns três dias antes de um jogo importante. A sentença de Macumba era definitiva: zagueiro tem que ter mau hálito pra intimidar o atacante. O negócio é chegar junto com um bafo de onça; beque tem que ter futum de carniça e ponto final. Tem que feder feito presunto desovado".


INVERNO
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

o sol
ranzinza
acorda tarde
e cinza


RETALHOS
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Linha e agulha:
sinto-me!

Costuro-me, cozinho-me
em zigue-zague.

Sou o próprio retalho,
a emenda, a trama.

Sou a cama, o lençol,
a fronha.

Sou a cocha e o traço:
sinto-me!



A FACE OCULTA
Silvana Guimarães
[ in Escritoras Suicidas ]

Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível.
- Nelson Rodrigues.

Três homens me amaram e eu poderia começar essa história assim: Terezinha de Jesus numa queda foi ao chão acudiram três cavalheiros todos os três com o pau na mão. Ou pedra. Três homens me amaram e amaram igual. Como sofreram nas minhas mãos, no meu corpo, na minha loucura. Tão calma e explícita. Dos três eu arranquei o rosto, que diferença a cara deles não fazia. Eu sempre preferi a alma. E o corpo. Nem sempre nesta ordem. De pior que eu fiz, foi bagunçar a sua essência. Desgovernei o seu destino, que foi me desejar e acreditar que eu ia ser deles para sempre. Eu sou a mulher da vida dos três. Aquela que eles não vão encontrar ou ter jamais e vão desejar para o resto inteiro do seu tempo. Três homens me amaram e fiz os três chorar dizendo-se ressuscitados em mim. No meu amor. No meu querer. Os três que me amaram me traíram. E talvez a pior maldade que eu tenha executado nessa existência foi esta. Nunca pedi perdão a eles pela traição que me fizeram. Dia sim, dia não, lembrei-lhes o mal que me causaram. Como um suplício sem fim. Para ouvir os três arrependidos, suplicando o meu perdão. Assim eu entendo o amor. Tem de rastejar. Aí eu acredito. Depois, mandei embora. Os três homens que me amaram tão igual. Dois sumiram no mundo e não me esquecem. O que ficou não sai de mim. Só ele revelou meu mistério de ser sempre. Três homens me amaram e eu poderia terminar essa história assim: Terezinha de Jesus fecha a porta apaga a luz.


11 comentários:

líria porto disse...

oba - enfim, aqui, mais outra das minhas amigas maravilhosas mulheres suicidas! a silvana guimarães - mineira - sobrinha neta do velho guima, ela sabe a arte da escrita!
besos


(depois dá uma espiadela na adelaide do julinho)

Unknown disse...

Caramba tinha esquecido esse poema de Augusto dos Anjos. A Face Oculta de Silvana ecoa. O timaço realmente é da pesada. Abraço.

Marcelo Novaes disse...

Moa,


Eis Augusto. O que trouxe a tabela periódica dos "elementos suscetíveis à putrefação" para a poesia.


Meus cumprimentos!






Marcelo.

Tahiane disse...

Oi Moacy! Amei a ilustração muito bonita mesmo, tem um ilustrador brasileiro muito legal que é o Rafael Sica, ele publica os desenhos dele no blog da uma olhada http://rafaelsica.zip.net/

E adorei o poema do carito, como sempre.

bjo

nina rizzi disse...

eu, que agorinha queria estar na lua, e só lá devia, fico com os vermes dos anjos.

bom dia.

Jens disse...

Destaques que acariciaram o meu intelecto: o escrete da pesada (Duca!!!) e as paixões dementes de Teresinha.
Valeu, Moacy.

Um abraço.

nina rizzi disse...

Moacy,

a imagem de Bok me fez lembrar um filme trash "mulheres amazonas na lua", elas cavalgam, excêntricas e quase nuas, numa lua evidentemente de isopor, dá pra ver até a linha de anzol que a segura. Memorável.

Um beijo da praia do futuro.

célia musilli disse...

Que bela crônica da Silvana (Terezinha)...dá gosto de ler. E parabéns tb pelo bom gosto geral no blog. Aproveito ainda pra te desejar um Natal luminoso e um Ano Novo daqueles cheios de alegria que a gente planta e...colhe.Um beijo

Anônimo disse...

Moa
Obrigada pela canja.
E pelos comentários generosos, de onde se deve descontar os exageros de Dona Lírica Porto, ela sim, uma poeta e tanto.
Um beijo carregado de dezembro!
Silvana G.

Maria Maria disse...

Gosto desses retalhos...

Obrigada pelas postagens!

Tenha um Natal iluminado e um 2010
repleto de saúde e poesia, meu amigo rio.

Beijos em você, Moacy.

Carito disse...

Obrigado Moacy, pela publicação do meu poema! É sempre uma grande honra e alegria! Abraços!