sábado, 17 de março de 2007

MANGUES de MARÇO, MARES de ABRIL
Jomard Muniz de Britto, jmb
(PE)

Se vivemos “em tempo de guerra” num
“país fraturado” – reunindo em dupla
citação Bertolt Brecht e Tânia Bacelar
de Araújo – SOMOS todos anti-heróis
da “lama ao caos”. COSMO(A)GONIAS.
Nunca exageremos em celebrações.
Se o Recife nos encanta, seduz e enfeitiça,
nele tudo fulgura em CONTRADIÇÕES
da contemporaneidade. Mais antíteses.
Nunca sublimaremos omissões.
Somos parceria dos buracos do VÉIO
MANGABA entre pastoras do azul e do
encarnado. Deuses soltos no pasto.
AZUL INVISÍVEL mas superexposto na
recriação postal de Josivan Rodrigues.
VERMELHO CRUEL recorrendo celeiros,
celeumas, compromissos de Lula Queiroga
reencantando fragmentos da cidade solar.
Nunca exageremos nem sublimaremos por
amorosidade a globalização do tudonada.
Somos ainda quase cúmplices e carentes
do conservadorismo mais libertário ao
revolucionarismo mais autoritário.
Nunca escaparemos de tantas fissuras?
Deuses dançam do Pátio de São Pedro ao
Marco Zero da Rosa dos Ventos e DIAS.
O Recife quer ser muito mais, além de
sua anfíbia geografia: MARES/RIOS.
Nunca esqueceremos nossa MEGACIDADE:
tão jovialmente arcaica,
tão estranhamente contemporânea.
Barroca, maneirista, barrococó.
Indígena, portuguesa, africana, árabe,
francesa, inglesa, roliudiana, sertaneja, judia...
Faminta de estilos, estigmas e extra-
vagâncias. Cosmopolita no mais visceral
ecletismo arquitetônico e sincretismo
pan-sexual. Anatomias e alegorias do
CORPO (queer) QUERERES em fabulação
operística. ÓPERA morena de todos.
Somos o ritual pagão da teatralidade.
40 anos de POEMA/PROCESSO.
41 aniversários de Chico Science.
2 vezes 40 Francisco Brennand
dispensando comemorações.
Impaciências do ímpar.
Cidades em transfiguração do Prefácio
ao Pássaro Feito de Pó, escrituras de
Paulo Fernando Craveiro, cidadão do
mundo. Desocultando mistérios.


BALAIO PORRETA 1986
n° 1973
Natal, 17 de março de 2007
Poema/Processo, 40 anos



DIÁLOGO DAS CORES,
DIÁLOGO DAS FORMAS


A contribuição estética de Falves Silva para a história do poema/processo é inestimável. (O mesmo se diga das contribuições de Jota Medeiros, Dailor Varela e Anchieta Fernandes.) A partir de uma leitura semiótica centrada nos referenciais metagráficos de Wlademir Dias Pino, o poeta potiguar construiu, com régua, talento e compasso - e também boa dose de intuição criadora -, mais uma do que obra-em-progresso. A rigor, e com rigor, soube construir, em 40 anos, uma verdadeira obra-em-processo.

Neste sentido, o seu O diálogo das cores é a resposta necessária e atualizada para o olhar crítico que, em Natal e no Brasil, remonta a 1967 e anos seguintes. E o que poderia ser mera redundância formal, através de aparentes repetições visuais, passa a ser metacriação (há que perguntar: metacriação desejante ou simplesmente significante?), considerando, aqui, os modelos práticos que redimensionam a estrutura dos quadrinhos e, por extensão, neste caso particular, as propostas estético-informacionais de Alvaro de Sá.

Mas se, em Falves Silva, existe um diálogo de cores, existe de igual modo, um diálogo de formas, o que impõe dizer: existe um diálogo de transformações. Sim, em se tratando de poema/processo, a forma implica transFORMAção, assim como um texto implica, em última instância, conTEXTO e o poema implica necessariamente POEMAção. Não existe poema/processo inerte e/ou passivo, obra acabada para ser contemplada em sua concretude "fechada" (a não ser como registro documental): todo e qualquer poema/processo resulta em "diálogo metacriativo" com o leitor, potencialmente um co-autor do poema, já que o "diálogo", assim particularizado no campo da metacriação, estabelece-se a partir de projetos que são, por definição, inaugurais.

Decerto, nesta perspectiva, todo poema/processo é um gesto político: gestualidade transformadora. Ou melhor: politicamente político. Como o cinema de Godard. Como o cinema de Straub & Huillet. Como o teatro de Brecht. Como a poesia de Maiakóvski. Como a pintura de Picasso. Como a arte de Hélio Oiticica. Como o cinema de Vertov. Como o cinema de Luiz Rosemberg Filho. Esclareçamos, esclareçamos: não se trata, aqui, de política partidária ou panfletária, ou mesmo de política entendida sociologicamente. Trata-se de outra coisa.

Trata-se de uma política construída a partir de premissas e leituras experimentárias, leituras que fazem da FORMA desencadeadoras transFORMAções. Diremos mais. E mais diremos: no poema/processo, a não ser eventualmente, e mesmo assim dependendo de alguma espécie de leitura subjetiva, não há espaço para a poesia, abstração poética; há espaço para o produto, concreção semiótica. Concreção essa que se revela capacitada para abrir caminhos e veredas em nome de uma dada (e possível) "estética da poeticidade libertinária".

Assim sendo, sendo assim, O diálogo das cores não foge ao experimentário, não foge à leitura baseada no projeto que se pretende inaugural. A dupla homenagem que é feita pelo autor (à estrutura dos quadrinhos/aos poemics de Alvaro de Sá) não é gratuita. Afinal, se no livro de Falves Silva não há lugar para a poesia (embora haja, e muito, para a emoção estética), há lugar para o poema - o poema que explora, gráfica e plasticamente, os meandros produtivos da poeticidade como linguagem não-verbal.

Nota:
Texto de apresentação do livro O diálogo das cores, a ser publicado.

Um comentário:

Iara Maria Carvalho disse...

O Poema-processo cumpriu (e cumpre) papel importantíssimo nas malhas da cultura brasileira. E hoje, como sempre, merece o nosso aplauso!

Beijos...foi também grande prazer te conhecer...grande mesmo!