POEMA/PROCESSO
O mundo virtual conta, a partir de hoje, sob a nossa responsabilidade, com o blogue Poema/Processo 1967: um pouco de sua história, de seus projetos, de seus textos, de suas aventuras, de seus grafismos, de seus autores, de seus poemas. Decerto, o blogue abrirá espaço para outras experiências, na medida do possível. Nada muito sofisticado, mas tudo muito apaixonante: a paixão pela mais pura radicalidade. A paixão pela luta literária contra os dogmas culturais. A paixão pelo poema/processo, simplesmente.
BALAIO PORRETA 1986
nº 2015
Rio, 10 de maio de 2007
FLANELINHA
por MARCONI LEAL
[ in Culturando ]
- Pronto. Deixa solto. Quatro estrofes de Drummond, chefia.
- Como é que é?
- Pra parar o carro aqui, quatro estrofes.
- Tá louco, ô, moleque? Semana passada, eu parei nesse mesmo lugar e só tive que recitar cinco versos de Bandeira!
- O preço é tabelado, chefia. A gente temos sindicato e tudo. Se fizero esse preço pro senhor, esse sujeito deve de ser denunciado. Tá vilipendiando a arte.
- Três estrofes e não se fala mais nisso, ok?
- De João Cabral?
- Peraí, não era de Drummond?
- Quatro de Drummond, três de João Cabral. Sabe como é, o homem concorreu ao Nobel…
- Tá, tudo bem, eu recito Cabral, mas…
- Recitar, não. Dizer. Cabral não gostava que recitassem.
- Ótimo. Eu digo os três versos de Cabral…
- Estrofes.
- Tá, tá, as três estrofes. Mas só quando voltar.
- Aí, não. A última vez que confiei num sujeito que disse isso, na volta, ele só me recitou um Décio Pignatari ou um Campos desses aí… Sem falar em outro que quis me fazer engolir um Arnaldo Antunes. É pagamento na hora.
- Meu filho, eu tô atrasado, não tô com nenhum verso trocado, só lembro de poesia inteira. Quando voltar, lhe recito.
- O senhor é que sabe. Agora, não me responsabilizo se aparecer uma pintura pós-modernista na lataria do seu carro…
- Tá me ameaçando, moleque?
- Eu? Eu, não, nem de arte pós-moderna eu gosto, prefiro o traço clássico, sabe? Pintura figurativa… Mas o senhor sabe como esse pessoal é. Outro dia mesmo deixaram um fusca aqui sem eu ver. Quando o dono chegou, tinham feito uma instalação em cima, colocado uns guarda-chuva no teto, uma televisão velha no lugar do capô, essas coisas. O carro não prestou pra mais nada. Foi recolhido pelo Masp.
- Essa é boa! Esse povo podia assistir televisão, tocar pagode, jogar bola, mas não, vem pra rua esmolar literatura. Nem se divertir em paz a pessoa pode mais. Aposto que eu vou te dizer esses versos, tu vai se inspirar e fazer poesia pra vender em bar.
- Vou não, chefia. É só pra minha necessidade mesmo.
- Pensa que eu não sei? Tu vai vender poesia em bar, moleque.
- É não, é só pra meu consumo mesmo, eu juro.
- Tá, na volta. Já disse, na volta eu recito.
- Então, vai ter que ser Baudelaire.
- Baudelaire? Por conta de uma ou duas horas a mais?
- Ou Rimbaud, o senhor escolhe.
- Ah, não! Que absurdo! Só porque tem carro, esse pessoal pensa que a gente é rico, que decora uma Ilíada por ano! Fique sabendo que eu mal sei de cor o Inferno da Divina Comédia, meu filho! Mas, tudo bem, a culpa não é sua. Acordo fechado. Na volta, te recito Rimbaud.
- Em francês, tá, chefia?
4 comentários:
Moaça, primeiro, obrigado pela publicação do texto. Segundo, parabéns pelo blog do poema/processo. Já fui, já li, já gostei e estou aguardando mais. Grande abraço.
Bom dia Moacy,
Fantástica a iniciativa Poema/Processo! Os pesquisadores e amantes da boa literatura agradecem! A sistematização lógica dos textos está excelente! Parabéns mesmo! E que doçura essa “mitologia” do flanelinha! Em nossa mente, nunca mais eles serão os mesmos! Pena que na realidade, continuam ali, sem saber do Drumond, sem saber do Bandeira! consumindo uma droga de droga que não os leva a lugar nenhum! E se os levar, a passagem para a criminalidade se lhes apresenta como a mais favorável. É uma pena! Sem dúvida, de sensibilidade rara esse Marconi. O amigo então! Abraços! Felipe, SM.
Eu adoro o humor do Marconi! E também adorei saber que o Poema Processo está no ar!
beijo você
Moacy,
Um texto muito interessante, criativo mesmo, esse. Um abraço.
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