Foto de V. Bice
in
Teia de Palavras
BALAIO PORRETA 1986
n° 2164
Rio, 15 de novembro de 2007
OS 100 LIVROS ESSENCIAIS DA BRAVO!
Embora desconheçamos As irmãs Makioka (de Junichiro Tanizaki), Desonra (de J.M.Coetze, autor que tem, entre seus muitos admiradores, Tácito Costa, editor do Substantivo Plural), Complexo de Portnoy (de Philip Roth), O náufrago (de Thomas Bernhard), Reparação (de Ian MacEwan), Viagem ao fim da noite (de Louis-Ferdinand Céline) e Deserto dos Tártaros (de Dino Buzatti), todos colocados entre o 74° e o 99° lugares (o centésimo é Pedro Páramo, de Juan Rulfo), e apesar dos clássicos de sempre (Ilíada e Odisséia, em 1° e 2°, respectivamente; Hamlet, em 3°; Dom Quixote, em 4°; A divina Comédia, em 5°, e assim por diante) há algumas coisas que incomodam nos 100 livros essenciais selecionados pela revista Bravo!, nas bancas.
A primeira delas: a ausência de Grande sertão: veredas, obra maior de Guimarães Rosa. Aliás, o único livro brasileiro nos "100 mais" da publicação paulistana é Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 59º lugar. Entende-se (mas não se justifica): a Bravo!, assumidamente, seguiu, em linhas gerais, a orientação do crítico americano Harold Bloom, que desconhece a literatura brasileira. Em nosso entendimento, Graciliano Ramos e Clarice Lispector também mereciam figurar - e aqui não vai nenhum ufanismo babaca. Ou será que Adeus às armas (de Hemingway), em 30° lugar, mesmo sendo um bom livro, é melhor do que as várias obras ímpares de Rosa, Graciliano e Clarice, ou o também ignorado Dom Casmurro, de Machado?
A segunda coisa a incomodar: como a Bravo! chegou à conclusão de que o citado Adeus às armas, por exemplo, é superior a Moby Dick (Melville), em 34°, que por sua vez seria "mais essencial" do que Os lusíadas (Camões), em 41°? Como justificar Os miseráveis (Victor Hugo) em 25° lugar na frente de Melville e Camões, superando também Lolita (Nabokov), em 50°, O livro das mil e uma noites, em 53°, Alice no país das maravilhas (Carrol), em 62°, ou Vida e opiniões do Cavaleiro Tristam Shandy (Sterne), em 85°? Ou do próprio livro de Machado, incluído, que, por sua vez, tanto deve a Sterne? Seria O grande Gatsby (Fitzgerald), em 23°, melhor do que Ficções (Borges), em 70°, ou Cem anos de solidão (Márquez), em 75° lugar?
A terceira coisa: a mistura de níveis literários (ficção, poesia, teatro, ensaio), dentro de uma mesma perspectiva cultural que estabelece, aparentemente sem maiores exigências críticas, uma determinada ordem qualitativa. Registre-se, por sinal, que a única obra ensaística relacionada pela Bravo! é exatamente Ensaios (Montaigne), em 10° lugar. O editor Almir de Freitas preferiu tangenciar o problema: "Como conciliar a importância histórica com o apreço pessoal? // Não há ciência que possa responder a questões como essa. Nem é nossa intenção. A lista que aqui apresentamos tem por objetivo estimular os leitores a fazer as suas próprias". Se é assim, atrevidos que somos, também faremos a nossa, possivelmente na próxima semana.
Claro que há boas surpresas, seja pela inclusão, seja pela colocação: Ulisses (Joyce), em 7°; O processo (Kafka), em 15°; O estrangeiro (Camus), em 26°; Finnegans wake (Joyce), em 40°; Esperando Godot (Beckett), em 45°; Os cantos de Maldoror (Lautréamont), em 48° lugar. É pouco. E há algumas perguntas irrespondíveis: como destacaram "A comédia humana" (Balzac), em 36° lugar, como um todo, e não essa ou aquela obra em particular do autor de O pai Goriot? Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e George Orwell (com 1984, em 46°) serão mais importantes do que Henry Fielding? A naúsea, em 63°, será realmente o melhor livro de Sartre? Crime e Castigo (Dostoiévski), em 9°, por excepcional que seja, superará Os demônios ou Os irmãos Karamazov?
Em tempo -
Eis alguns dos outros livros selecionados: Em busca do tempo perdido (Proust), em 6°; Guerra e paz (Tolstoi), em 8°; Édipo Rei (Sófocles), em 11º; Otelo (Shakespeare), em 12°; Madame Bovary (Flaubert), em 13°; Fausto (Goethe), em 14°; Doutor Fausto (Mann), em 16°; As flores do mal (Baudelaire); em 17°; O som e a fúria (Faulkner), em 18°; A terra desolada (Eliot), em 19°; Teogonia (Hesíodo), em 20°; As metamorfoses (Ovídeo), em 21°; O vermelho e o negro (Stendhal), em 22°; Uma estação no Inferno (Rimbaud), em 24°; Medéia (Eurípedes), em 27°; A Eneida (Virgílio), em 28°.
Embora desconheçamos As irmãs Makioka (de Junichiro Tanizaki), Desonra (de J.M.Coetze, autor que tem, entre seus muitos admiradores, Tácito Costa, editor do Substantivo Plural), Complexo de Portnoy (de Philip Roth), O náufrago (de Thomas Bernhard), Reparação (de Ian MacEwan), Viagem ao fim da noite (de Louis-Ferdinand Céline) e Deserto dos Tártaros (de Dino Buzatti), todos colocados entre o 74° e o 99° lugares (o centésimo é Pedro Páramo, de Juan Rulfo), e apesar dos clássicos de sempre (Ilíada e Odisséia, em 1° e 2°, respectivamente; Hamlet, em 3°; Dom Quixote, em 4°; A divina Comédia, em 5°, e assim por diante) há algumas coisas que incomodam nos 100 livros essenciais selecionados pela revista Bravo!, nas bancas.
A primeira delas: a ausência de Grande sertão: veredas, obra maior de Guimarães Rosa. Aliás, o único livro brasileiro nos "100 mais" da publicação paulistana é Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 59º lugar. Entende-se (mas não se justifica): a Bravo!, assumidamente, seguiu, em linhas gerais, a orientação do crítico americano Harold Bloom, que desconhece a literatura brasileira. Em nosso entendimento, Graciliano Ramos e Clarice Lispector também mereciam figurar - e aqui não vai nenhum ufanismo babaca. Ou será que Adeus às armas (de Hemingway), em 30° lugar, mesmo sendo um bom livro, é melhor do que as várias obras ímpares de Rosa, Graciliano e Clarice, ou o também ignorado Dom Casmurro, de Machado?
A segunda coisa a incomodar: como a Bravo! chegou à conclusão de que o citado Adeus às armas, por exemplo, é superior a Moby Dick (Melville), em 34°, que por sua vez seria "mais essencial" do que Os lusíadas (Camões), em 41°? Como justificar Os miseráveis (Victor Hugo) em 25° lugar na frente de Melville e Camões, superando também Lolita (Nabokov), em 50°, O livro das mil e uma noites, em 53°, Alice no país das maravilhas (Carrol), em 62°, ou Vida e opiniões do Cavaleiro Tristam Shandy (Sterne), em 85°? Ou do próprio livro de Machado, incluído, que, por sua vez, tanto deve a Sterne? Seria O grande Gatsby (Fitzgerald), em 23°, melhor do que Ficções (Borges), em 70°, ou Cem anos de solidão (Márquez), em 75° lugar?
A terceira coisa: a mistura de níveis literários (ficção, poesia, teatro, ensaio), dentro de uma mesma perspectiva cultural que estabelece, aparentemente sem maiores exigências críticas, uma determinada ordem qualitativa. Registre-se, por sinal, que a única obra ensaística relacionada pela Bravo! é exatamente Ensaios (Montaigne), em 10° lugar. O editor Almir de Freitas preferiu tangenciar o problema: "Como conciliar a importância histórica com o apreço pessoal? // Não há ciência que possa responder a questões como essa. Nem é nossa intenção. A lista que aqui apresentamos tem por objetivo estimular os leitores a fazer as suas próprias". Se é assim, atrevidos que somos, também faremos a nossa, possivelmente na próxima semana.
Claro que há boas surpresas, seja pela inclusão, seja pela colocação: Ulisses (Joyce), em 7°; O processo (Kafka), em 15°; O estrangeiro (Camus), em 26°; Finnegans wake (Joyce), em 40°; Esperando Godot (Beckett), em 45°; Os cantos de Maldoror (Lautréamont), em 48° lugar. É pouco. E há algumas perguntas irrespondíveis: como destacaram "A comédia humana" (Balzac), em 36° lugar, como um todo, e não essa ou aquela obra em particular do autor de O pai Goriot? Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e George Orwell (com 1984, em 46°) serão mais importantes do que Henry Fielding? A naúsea, em 63°, será realmente o melhor livro de Sartre? Crime e Castigo (Dostoiévski), em 9°, por excepcional que seja, superará Os demônios ou Os irmãos Karamazov?
Em tempo -
Eis alguns dos outros livros selecionados: Em busca do tempo perdido (Proust), em 6°; Guerra e paz (Tolstoi), em 8°; Édipo Rei (Sófocles), em 11º; Otelo (Shakespeare), em 12°; Madame Bovary (Flaubert), em 13°; Fausto (Goethe), em 14°; Doutor Fausto (Mann), em 16°; As flores do mal (Baudelaire); em 17°; O som e a fúria (Faulkner), em 18°; A terra desolada (Eliot), em 19°; Teogonia (Hesíodo), em 20°; As metamorfoses (Ovídeo), em 21°; O vermelho e o negro (Stendhal), em 22°; Uma estação no Inferno (Rimbaud), em 24°; Medéia (Eurípedes), em 27°; A Eneida (Virgílio), em 28°.
5 comentários:
Esse negócio de lista de livro é a mesma coisa de lista de filme. É tudo muito subjetivo. Cada qual tem sua preferência. Eu, pelo menos, colocaria o 'Pedro Páramo' em melhor lugar, assim como tb incluiria 'Ana-não', que nem sei se foi destacado. Tem tb o 'Judas, o obscuro', colocaria 'Grande sertão-veredas'. Pois é... a subjetividade é evidente.
Um abraço...
Bené: "Ana-não" e "Judas, o obscuro" não foram destacados pela Bravo! Um abraço.
Moacy,
"Desonra" é um grande livro. Me foi recomendado, na época do lançamento, se não me engano, por Nelson Patriota. Já o li duas vezes. "Complexo de Portnoy", que reli há cerca de um mês, é bom, mas inferior ao livro de Coetzen. Também gosto de "O Deserto dos Tártaros", que possui um clima kafkiano. Ele foi adaptado para o cinema por Zurlini. Li um livro de Celini, mas não tenho certeza se é o mesmo que foi citado pela revista. Concordo com você que é inconcebível que, numa lista de 100, só apareça um brasileiro, embora o genial Machado. Mas gosto mais de "Dom Casmurro". É o diabo esse troço de lista. Nâo há como fugir às inexplicáveis ausências, nem às tambem inexplicáveis presenças. É isso. Um abraço.
comentar todos os 100 ou mesmo alguns comentados por vc, é tarefa quase impossível. mas reforço as qualidades de "desonra", não apenas porq é muito bom, exemplar escrita, surpreendente enredo, personagens áridos, crus, sem meio-tons, e também porq é relativamente "recente"...
Moacy,
Listar obras primas e bestsellers, ainda mais depois do precioso auxílio da Internet, é banal. Não importam os mais lidos, os mais vendidos...etc. Esse tipo de listagem não deve impressionar. Precioso mesmo, são os comentários "ferrados" por pessoas que temos em conta de alto nível cultural, acerca do que elas realmente leram. A análise cuidadosa dos seus comentários em A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS é, sem dúvida, além de mais prazerosa, mais enriquecedora.
Um forte abraço.
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