O grafismo
de
Venâncio Pinheiro
(Natal, RN)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2227
Rio, 9 de fevereiro de 2008
de
Venâncio Pinheiro
(Natal, RN)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2227
Rio, 9 de fevereiro de 2008
OS ÚLTIMOS FILMES (RE)VISTOS
Cotações:
*** (excelente); ** (ótimo); * (especialmente bom)
Sem cotação: razoável e/ou interessante
Paranoid Park (Van Sant, 2007), no Arteplex/4
A Baía dos Anjos (Demy, 1963), no CCBB
[R] Lola ** (Demy, 1961), no CCBB
Em casa:
Dog star man * (Brakhage, 1962-64)
[R] Carta para Jane *** (Godard & Gorin, 1972)
[R] Diário de um pároco de aldeia *** (Bresson, 1950)
O VIDEOCINEMA DE MARCELO IKEDA: UMA PRIMEIRA LEITURA
Para se compreender melhor e de maneira mais consistente os "vídeos caseiros" de Marcelo Ikeda devemos partir de suas admirações cinematográficas: Straub & Huillet, Ozu, Akerman, Mekas, Dreyer, Bresson, Antonioni, entre pouquíssimos outros. Seus textos em Cinecasulofilia também contribuem para a compreensão de um universo particularmente difícil se levarmos em consideração, por exemplo, a narrativa romanesco-literária do século XIX e o cinemão americano do século XX.
O videocinema de Ikeda não faz a menor concessão ao sistema narrativo calcado, em última instância, na arte burguesa de origem ocidental. Por outro lado, Ikeda também rejeita alguns ícones da modernidade cinematográfica construída nos anos 50-60-70 do século passado, particularmente Godard. Como Bresson, como Straub, como Ozu, o autor de É hoje e Um filme abstrato - II não está interessado no espetáculo e sim na escrita - a escrita do filme enquanto objeto semiótico.
Poder-se-á dizer: Ikeda não está interessado no significado de seus conteúdos (quase sempre "vazios") e sim no significante de suas imagens. Imagens que, acrescente-se, num exercício straubiano, fazem de suas premissas estáticas as vertentes estéticas de sua proposta videocinematográfica, uma proposta que se quer limpa em termos sígnicos. Decerto, a relação com o espectador de tal proposta implica um rompimento com padrões estéticos que passam por várias mediações.
A rigor, pensando bem, seriam mediações e interferências culturais que, numa perspectiva zen-oriental, fazem de sua obra - já bastante extensa - uma porta aberta para que se sinta o cinema de forma diferenciada em sua frieza antinarracional. É verdade que seus primeiros vídeos eram por demais amadorísticos, ou mesmo por demais narcísisticos. Não era fácil deles se aproximar: qualquer tentativa de leitura passava por um processo que não era propriamente o do anticinema experimental.
Mas nos últimos dois anos, sem abandonar a radicalidade de suas idéias no campo da linguagem cinematográfica, ou videocinematográfica, ao contrário (até aprofundando-a, num certo sentido), Marcelo Ikeda investiu no despojamento estético e ontológico de sua obra-em-progresso. Os já citados É hoje, Um filme abstrato - II e o recentíssimo Diário de uma prostituta mostram, de modo indiscutível, o amadurecimento de uma escrita que tem sua marca estilística, em sendo visceralmente autoral.
Diário de uma prostituta, então, é quase modelar: muito bem fotografado, bem estruturado, em enquadramentos rigorosos, o videofilme nos revela, através de apenas três planos, numa leitura (em tom e timbre adequados) do próprio Marcelo Ikeda, três momentos da vida da rapariga Surfistinha, segundo anotações ("escandalosas" ou não) de seu diário. Sejamos objetivos: a obra em pauta nos atinge, antes de mais nada, pelo rigor/vigor do "comportamento estético-narrativo" e pela secura do fazer fílmico.
Diante do Diário de uma prostituta e dos outros dois, quer nos parecer que a força videocinematográfica do diretor carioca cada vez mais se afirma no circuito alternativo do país. Afinal, ainda segundo a leitura por nós realizada, o que temos são três pequenos grandes filmes. Não é pouco para a nossa história das imagens seqüenciadas. Não são mais simplesmente "vídeos caseiros". Além de tudo, há, em todos eles, uma coerência admirável. A coerência de um Autor que pensa o cinema em estado bruto.
Cotações:
*** (excelente); ** (ótimo); * (especialmente bom)
Sem cotação: razoável e/ou interessante
Paranoid Park (Van Sant, 2007), no Arteplex/4
A Baía dos Anjos (Demy, 1963), no CCBB
[R] Lola ** (Demy, 1961), no CCBB
Em casa:
Dog star man * (Brakhage, 1962-64)
[R] Carta para Jane *** (Godard & Gorin, 1972)
[R] Diário de um pároco de aldeia *** (Bresson, 1950)
O VIDEOCINEMA DE MARCELO IKEDA: UMA PRIMEIRA LEITURA
Para se compreender melhor e de maneira mais consistente os "vídeos caseiros" de Marcelo Ikeda devemos partir de suas admirações cinematográficas: Straub & Huillet, Ozu, Akerman, Mekas, Dreyer, Bresson, Antonioni, entre pouquíssimos outros. Seus textos em Cinecasulofilia também contribuem para a compreensão de um universo particularmente difícil se levarmos em consideração, por exemplo, a narrativa romanesco-literária do século XIX e o cinemão americano do século XX.
O videocinema de Ikeda não faz a menor concessão ao sistema narrativo calcado, em última instância, na arte burguesa de origem ocidental. Por outro lado, Ikeda também rejeita alguns ícones da modernidade cinematográfica construída nos anos 50-60-70 do século passado, particularmente Godard. Como Bresson, como Straub, como Ozu, o autor de É hoje e Um filme abstrato - II não está interessado no espetáculo e sim na escrita - a escrita do filme enquanto objeto semiótico.
Poder-se-á dizer: Ikeda não está interessado no significado de seus conteúdos (quase sempre "vazios") e sim no significante de suas imagens. Imagens que, acrescente-se, num exercício straubiano, fazem de suas premissas estáticas as vertentes estéticas de sua proposta videocinematográfica, uma proposta que se quer limpa em termos sígnicos. Decerto, a relação com o espectador de tal proposta implica um rompimento com padrões estéticos que passam por várias mediações.
A rigor, pensando bem, seriam mediações e interferências culturais que, numa perspectiva zen-oriental, fazem de sua obra - já bastante extensa - uma porta aberta para que se sinta o cinema de forma diferenciada em sua frieza antinarracional. É verdade que seus primeiros vídeos eram por demais amadorísticos, ou mesmo por demais narcísisticos. Não era fácil deles se aproximar: qualquer tentativa de leitura passava por um processo que não era propriamente o do anticinema experimental.
Mas nos últimos dois anos, sem abandonar a radicalidade de suas idéias no campo da linguagem cinematográfica, ou videocinematográfica, ao contrário (até aprofundando-a, num certo sentido), Marcelo Ikeda investiu no despojamento estético e ontológico de sua obra-em-progresso. Os já citados É hoje, Um filme abstrato - II e o recentíssimo Diário de uma prostituta mostram, de modo indiscutível, o amadurecimento de uma escrita que tem sua marca estilística, em sendo visceralmente autoral.
Diário de uma prostituta, então, é quase modelar: muito bem fotografado, bem estruturado, em enquadramentos rigorosos, o videofilme nos revela, através de apenas três planos, numa leitura (em tom e timbre adequados) do próprio Marcelo Ikeda, três momentos da vida da rapariga Surfistinha, segundo anotações ("escandalosas" ou não) de seu diário. Sejamos objetivos: a obra em pauta nos atinge, antes de mais nada, pelo rigor/vigor do "comportamento estético-narrativo" e pela secura do fazer fílmico.
Diante do Diário de uma prostituta e dos outros dois, quer nos parecer que a força videocinematográfica do diretor carioca cada vez mais se afirma no circuito alternativo do país. Afinal, ainda segundo a leitura por nós realizada, o que temos são três pequenos grandes filmes. Não é pouco para a nossa história das imagens seqüenciadas. Não são mais simplesmente "vídeos caseiros". Além de tudo, há, em todos eles, uma coerência admirável. A coerência de um Autor que pensa o cinema em estado bruto.
A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
Notas sobre o cinematógrafo [1950-58; 1960-74], de Robert Bresson. São Paulo : Iluminuras, 2005, 144p. []
"Opor ao relevo do teatro a superfície lisa do cinematógrafo" (p.27).
"Um conjunto de boas imagens pode ser detestável" (p.28).
"Tenha certeza de ter esgotado tudo o que se comunica pela imobilidade" (p.29).
"Não corra atrás da poesia. Ela penetra sozinha pelas articulações (elipses)" (p.34).
"Cinematógrafo: nova maneira de escrever, logo sentir" (p.35).
"Nada de excesso, nada que falte" (p.41).
"O CINEMA SONORO INVENTOU O SILÊNCIO" (p.42).
"Um som não deve jamais socorrer uma imagem, nem uma imagem socorrer um som" (p.52)
"Atores. Quanto mais eles se aproximam (na tela) com sua expressividade, mas eles se afastam. As casas, as árvores se aproximam; os atores se afastam" (p.54)
"Provocar o inesperado. Esperá-lo" (p.79)
"Tenha o olho do pintor. O pintor cria olhando" (p.102).
Notas sobre o cinematógrafo [1950-58; 1960-74], de Robert Bresson. São Paulo : Iluminuras, 2005, 144p. []
"Opor ao relevo do teatro a superfície lisa do cinematógrafo" (p.27).
"Um conjunto de boas imagens pode ser detestável" (p.28).
"Tenha certeza de ter esgotado tudo o que se comunica pela imobilidade" (p.29).
"Não corra atrás da poesia. Ela penetra sozinha pelas articulações (elipses)" (p.34).
"Cinematógrafo: nova maneira de escrever, logo sentir" (p.35).
"Nada de excesso, nada que falte" (p.41).
"O CINEMA SONORO INVENTOU O SILÊNCIO" (p.42).
"Um som não deve jamais socorrer uma imagem, nem uma imagem socorrer um som" (p.52)
"Atores. Quanto mais eles se aproximam (na tela) com sua expressividade, mas eles se afastam. As casas, as árvores se aproximam; os atores se afastam" (p.54)
"Provocar o inesperado. Esperá-lo" (p.79)
"Tenha o olho do pintor. O pintor cria olhando" (p.102).
6 comentários:
Caro mestre Moacy,
Ainda n�o vi nenhum destes filmes. Vi anteontem o "Onde os fracos n�o t�m vez". Diria que � bem interessante. Gostei muito do texto sobre o Marcelo Ikeda. Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.
Moacy, meu caro amigo, eu e Iara estamos embarcados proundamente na aventura de ser pai e mãe. Mas de vez em quando ele nos deixa navegar um pouco por estas cordas virtuais, razão pela qual passo aqui para deixar meu grande abraço e meu agradecimento pela atenção dispensada à nossa cara arte seridoense-porreta. Mais uma vez, grande abraço de Iara, Wescley e do pequeno Iago Carvalho.
Moacy,
Essa frase de Bresson, "O cinema sonoro inventou o silêncio" é digna de reflexão, apesar do seu lado paradoxal. Eu gosto muito daqueles cineastas que em certos momentos preferem o silêncio (às vezes acompanhado de um gesto, de uma expressão facial que remete ao cinema mudo)à fala. Abraço.
Oi Moacy.
O Balaio continua cada vez mais coxudo. Gostei muito das edições carnavalescas e do grafismo do Venâcio Pinheiro.
Quanto aos filmes, confesso constrangidamemente que não vi nenhum. O último que assisti, e gostei, foi o brasileiro O cheiro do ralo, com o Selton Mello. Impressionante, dá até pra sentir o odor do esgoto. Recomendo (quem sou eu pra te indicar filmes?).
Um abraço.
Caro JENS: Vi e gostei de O cheiro do ralo, embora prefira outros lançamentos nacionais de 2007, sobretudo na área do documentário. Um grande abraço.
"Provocar o inesperado. Esperá-lo"
Eu provoco e não espero. E me assusto!
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