assim era a chanchada.
BALAIO PORRETA 1986
n° 2317
Rio, 17 de maio de 2008
Há quem diga que a escultura já existe,
adormecida, na pedra bruta.
Será que com os sentimentos é assim?
(Sheyla Azevedo)
Beth Almeida
[ in Ponto Gê ]
aqui começa o caminho
das 14 estações
dessa mina profunda
do diabo que me carrega
a agonia de um gigante
a falta de atitude
dos anjos que me adormecem
e não sabem de cor e de dor
a mesma mão que padece
desenha entre cochilos e grafites
as sucatas e armadilhas
da minha província interna
em retinas náufragas de vodca
há o mesmo negro da sede
a gritar que o preço da liberdade
é a ressaca de desejos remotos
DIVAGAÇÕES & PROVOCAÇÕES
Cinema, literatura, teatro e quadrinhos - artes narrativas por excelência - têm seus códigos próprios a partir de materiais e procedimentos semióticos diferentes. Uma frase como "grande literatura raramente é traduzida em grande cinema" (Amir Labaki, in FSP, cf. Substantivo Plural), para mim, não quer dizer nada; é mais vazia do que um livro de Jô Soares. Aliás, em se tratando do tema e do citado Substantivo Plural, vale a pena ler o artigo de seu editor Tácito Costa: Cinema e literatura - Diálogo de vozes e sombras [em Artigos].
Nos 50 e 60, em maior ou menor grau, todos nós condenávamos a chanchada. A partir dos 80, basicamente, começou um necessário - e justo - processo de revisão histórica. Desde então, a situação mudou: não seria a chanchada uma das principais matrizes temáticas e formais do cinema brasileiro? É preciso rever com atenção filmes como Nem Sansão, nem Dalila ou O homem do Sputinik. Ou, por exemplo, Aviso ao navegantes. Ou, ainda, Carnaval Atlântida e Matar ou correr. Oscarito, Grande Otelo, Carlos Manga e os estúdios da Atlântida são nomes que, entre outros, não podem ser esquecidos. Uma boa chanchada vale mais do que Os dez mandamentos (lembram-se de Charlton Heston?), O cangaceiro ou Titanic, juntos. Uma questão, contudo, se impõe: o que fazer com as revisões que podem incomodar muita gente boa? A rigor, nada, já que elas - com o tempo - se tornam imperiosas, mesmo quando contrariam nossos canônes estéticos.
A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
Livros que me marcaram nos anos 70
- e ainda me marcam (2)
A psicanálise do fogo [1938], de Gaston Bachelard. Trad. Maria Isabel Braga. Lisboa ; Estúdios Cor, 194p.
"O fogo é íntimo e universal. Vive no nosso coração. Vive no céu. Sobe das profundezas da substância e oferece-se como o amor. Volta a tornar-se matéria e oculta-se, latente, contido, como o ódio e a vingança" (p.21).
"O sonho caminha linearmente, esquecendo o percurso na corrida. O devaneio expande-se em estrela" (p.34).
"O sonho é mais forte do que a experiência" (p.43).
"Só se pode estudar aquilo que se sonhou primeiro. A ciência começa mais com um devaneio do que com uma experiência, e são /necessárias/ muitas experiências para afastar todas as brumas do sonho" (p.48).
"O amor não é mais do que um fogo que se transmite. O fogo é um amor que se descobre" (p.52).
"O calor é um bem, uma possessão. Deve guardar-se ciosamente e só o conceder a um ser eleito que mereça uma comunhão, uma fusão recíproca" (p.75).
"Depois do desejo, é preciso que a forma se concretize, é preciso que o fogo acabe e se cumpram os destinos. Neste sentido, o alquimista e o poeta interrompem e apagam o jogo ardente da luz" (p.99).
"Com o fogo tudo se modifica. Quando queremos que tudo se modifique apelamos para o fogo" (p.103).
"... as idéias antigas desafiam as idades; regressam sempre em devaneios mais ou menos científicos com a sua parte de ingenuidade primitiva" (p.119).
"... um espírito poético é pura e simplesmente uma sintaxe das metáforas" (p.187).
6 comentários:
Grande Cirne! bom te saber bem e atuante aí do outro lado da tela. Saudações Uffianas, de um ex-aluno.
Dutra
a pergunta é uma provocação. minha tendência primeira seria de dizer sim!!!, mas, depois de ver a exposição de esculturas de camille claudel, no museu rodin, tenho certeza de que a a pedra bruta necessita de uma alma humana que a lhe dê significado.
Caro Moacy,
Algumas chanchadas têm as suas qualidades cinematográficas (aliás, eu incluiria, entre as que vc citou, "De Vento em Popa", em que Oscarito faz uma notável imitação de Elvis Presley). Mas, independentemente das qualidades de algumas, elas (mesmo as de nenhum valor artístico) todas me prendem por um sentimento afetivo, direi até nostálgico, quando as vi na minha adolescência e não possuía a visão crítica que tenho hoje. E Oscarito era e continua sendo um dos meus ídolos do cinema. Grande comediante! Um abraço.
Chanchada? Uau!, que saudades das matinês domingueiras do Cine Ipanema. Oscarito, Grande Otelo e Anselmo Duarte também foram meus heróis.
Um abraço.
Decididamente não dá pra ler Bachelard numa lan house...
Um beijo.
Boa resposta a da teresa...
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