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de
Andy Warhol
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Mona Lisa descending a staircase
(Joan Gratz, 1992)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2412
Rio, 28 de agosto de 2008
Toda época deve reinventar seu próprio projeto de "espiritualidade".
(Susan SONTAG. A vontade radical, 1969)
Repeteco
BALAIO INCOMUN n° 1598
Desde 8 / 9 / 1986
Rio, 27 de setembro de 2005
A ESTRADA
Moacy Cirne
BALAIO INCOMUN n° 1598
Desde 8 / 9 / 1986
Rio, 27 de setembro de 2005
A ESTRADA
Moacy Cirne
Sinto o primeiro impacto. De imediato, sou dominado por inesperada quentura nas costas. Mas consigo correr. E corro. Um segundo impacto me atinge. Preciso correr, mais ainda. Um rio me aguarda, à esquerda. Mergulho nele. Suas águas me envolvem com certa doçura. Mas de onde surgira aquele rio, em plena Glória, entre a Lapa e o Catete? Não importa; o que importa é que estou a salvo. O calor aumenta. Ouço os sinos da igreja mais próxima. Uma voz de rapariga me chama. Ambrósio, Ambrósio, cuidado com a ponte, não se deixe enforcar. O fogo me queima por dentro. Não sei nadar, lembro-me de repente. O que está acontecendo, então? Só sei que não existe mais qualquer sinal de rio; estou numa estrada de tijolos amarelos, familiar cena de filme antigo. Caminho com passos lentos; o calor que me domina é intenso. Pressinto que minhas roupas estão encarnadas. E encarnado é o meu cordão, em disputa contra o cordão azul. Sou uma criança apaixonada pela rainha do Encarnado na cidade da minha infância. Carlitos, o Gordo e o Magro me fazem companhia, sorrindo. Durango Kid aproxima-se: Não se preocupe, estou aqui para defendê-lo dos bandidos. Estou aqui para salvá-lo das balas perdidas. Confie em mim. Olho para o meu avô, com sua ternura sem fim. No caminhão da feira, cortando o cheiro da manhã carregada de mangas e esperanças, contamos os jumentos à beira da estrada, a mesma estrada de tijolos amarelos. À esquerda e à direita vemos jumentos tristes e honestos. São dezenas, são centenas deles. Estranho, parecem pássaros que não sabem voar. Quem ganhará a aposta? O feirante bêbado de auroras garantindo que à direita do veículo, beirando a estrada, maior seria o número daqueles pobres e inevitáveis animais? Ou vencerá o outro? O outro não sou eu; eu sou aquele que precisa mergulhar no Poço de Santana, no final da estrada. Mas o Poço está longe, muito longe. Nunca fiz um filho. Nunca plantei uma árvore. Nunca escrevi um livro. Nunca entrei num túnel tão comprido. E as coisas estão ficando cada vez mais nebulosas. Além, já noite, do alto do coreto da praça, Luiz Gonzaga acena para mim. Asa branca, assum preto, légua tirana. Baião-de-dois. Baião-de-três. Baião-de-cinco. O império submarino. Flash Gordon no Planeta Mongo. A volta do Aranha-Negra. Sansão e Dalila. Nunca houve uma mulher como Gilda. Os melhores anos de nossas vidas. Belinda. O barco das ilusões. Amar foi minha ruína. Dois palermas em Oxford. Paraíso proibido. Tarzan e as amazonas. O império das ilusões. O Aranha-Negra no Planeta Mongo. Sansão, Gilda, Belinda e Dalila. Nunca houve uma mulher como Tarzan. Estou cansado. O chão da Glória tem gosto de sangue e sertão. Preciso dormir.
15 comentários:
A estrada, do meu escritor preferido: Moacy Cirne, porreta que só!!
Bela prosa poética! Já conhecia. Eliene, inclusive, já havia publicado no ACCAS na Net.
Isso é que chamo de surto poético dos bons! Durma, mas não se assuste com os aplausos!
Depois de ler todos os posts que perdi (eu vivo perdendo e me perdendo) volto a concluir: quem tem alguma pretensão literária (e os blogs estão cheios de pretensos) deveria pousar aqui. Tanta coisa boa junto não é em qq lugar que se encontra.
Beijoaí!
Moacy: já conhecia este texto que faz uma mesclagem com cinema, quadrinhos e suas 'inquietações' literárias.
Um abraço...
Caramba, Moacy. Quem sabe mais, surta mais bonito :)
Beijo beijo
Bravo, Moacy, bravo! Mais e mais!
***
O vídeo também é sensacional.
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PS: lembrei de uma música do Ednardo onde ele diz que, no meio da estrada, sem saber onde chegar, a gente, com um sorriso besta, fica querendo que tenha um marco zero pra poder recomeçar.
***
Arriba, camarada. Um abraço.
parafraseando josé agripino de paula e caetano veloso - panaméricas e seridós utópicos, ainda não havia para mim moacy, a sua mais concreta tradução, alguma coisa noir com/tece o meu coração...
conhecendo seu blog agora, moacy. mas que beleza, vou visitar mais. beijos.
Danado de bom, Moacy!
Escreva mais, escreva mais!
Beijos.
Genial balaio idílico, amigo Moacy, bom te ver realmente por aqui... Mas a citação também foi ótima e apropriada: viva os minutos eternos de Warhol! Abraço!
Me lembrava do seu texto. Gostei daquela vez e continuo gostando, caro amigo. Um abraço.
Balaio é porreta. E encarnado!
Douglas.
Moacy,
como de praxe as letras aqui fazem um baile de maestria e soberania. Mestre, quem com voce dança, dança na alma e no saber. Durma o sono dos Deuses! Você mererece! Beijos e continuo na sua pegada
Olá Moacy,
Viajar na cama. Ir até onde as imagens afetivas estão e suar no leito do rio de janeiro. Bacana demais. Bons sonhos!
Durango Kid obrigou minha mãe a costurar luvas de cowboy pra mim, ao meu pai a comprar cinto, cartucheira e até revólver de plástico. Faltaram apenas chapéu e cavalo. Foi no tempo que sumiram a vasoura e a aba de um velho boné...
Belo texto e obrigado por ter nos acompanhanhado pela Rio Branco. Abraço forte.
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