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o Salmo 109 das
Vésperas da Virgem
(Monteverdi, 1610),
por
John Eliot Gardiner
regendo em 1989,
na Basílica de San Marco, em Veneza,
o Monteverdi Choir, o London Oratory Junior Choir
e o English Baroque Soloists:
absolutamente sublime!
BALAIO PORRETA 1986
n° 2442
Rio, 2 de outubro de 2008
Esta genial composição sacra [as Vésperas da Virgem], contemporânea das últimas obras de Shakespeare, é tão grandiosa e bela que nos poderíamos julgar chegados a uma espécie de apogeu da história da música. É um dos pilares desta história, ocupando o mesmo lugar da Missa em Si de Bach. ... [Monteverdi] Criou um estilo literalmente inaudito, integrando, tal como o fará Bach, todas as riquezas musicais anteriores.
(Roland de CANDÉ. As obras-primas da música, 1990)
Anotações de um ouvinte feliz
AS 100 OBRAS ESSENCIAIS DA MÚSICA ERUDITA
segundo a revista Bravo!
Imaginemos uma seleção dos 100 filmes essenciais da história do cinema sem Cidadão Kane. Impensável, não? Mesmo para aqueles que, hoje, preferem outras obras de Welles, e que não a incluem entre as 10 ou 20 maiores realizações já feitas, tal fato poderia ser considerado heresia histórica sem o menor fundamento crítico. Imaginemos ainda um cinéfilo que, ao apontar os cinco ou seis melhores filmes de Fellini, ignorasse Oito e meio. O que dele pensaria um felliniano? Ou mesmo um admirador do cinema europeu?
Pois bem, em termos comparativos, foi o que aconteceu com a paulistana Bravo! (uma revista cada vez mais besta em seus posicionamentos críticos): ao selecionar as 100 obras essenciais da música erudita, a partir de supostos levantamentos anteriores, não especificados, ousou ignorar as Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi, que, em meu modesto entendimento (de ouvinte feliz), está para a história da música assim como Dom Quixote (por sinal, da mesma época) está para a história da literatura. O que dizer?
Claro, estamos cansados de saber que essas listas são por demais relativas, a começar pelas minhas (haja vista a Cinemateca imaginária que acabei de lançar). São listas referenciais, sujeitas a mudanças e revisões constantes. Mas há obras que me parecem indispensáveis em qualquer "seleção" de respeito. Se, por exemplo, deixarem de lado Grande sertão: veredas entre as 100 obras capitais da literatura brasileira... mudemos de assunto; todos nós cometemos nossos pecados de leitores insatisfeitos.
Poderão argumentar, em defesa da revista: Vésperas das Virgem é uma obra sacra... Só que a publicação de São Paulo incluiu O Messias (de Haendel, em 40° lugar), a Missa em Si Menor (de Bach, num modesto 49° lugar, enquanto o Bolero, de Ravel - pasmem! - figura na 28ª colocação), a Missa de Notre Dame (de Guillaume de Machaut, em 100° lugar), Há mais exemplos. Há mais absurdos. Amo Rhapsody in blue (de Gershwin, em 61°), mas, sinceramente, será uma obra mais essencial do que as citadas Vésperas e as extraordinárias Suítes para violoncelo, de Bach, igualmente ignoradas?
Continuemos, continuemos: preferir a Carmina Burana de Carl Off (em 76° lugar) à Carmina Burana original (com ótimas interpretações, como a de Marcel Pérés com o Ensemble Organum) é o mesmo que preferir Velho Barreiro a uma boa cachaça mineira. É o mesmo que preferir a bundaxé music a um bom frevo pernambucano. É verdade: Orff não chega a ser propriamente um lixo musical, e tem mesmo suas qualidades, mas a Carmina Burana medieval é capaz de superar qualquer expectativa sonora em termos de música religiosa. Aliás, as luminosas Cantigas de Santa Maria também ficaram de fora...
Além do mais, a Bravo! cometeu o mesmo erro de outras edições especiais: misturou alhos com bugalhos, mares com bares, feijoadas com buchadas. Não é possível colocar no mesmo patamar de ordem qualitativa obras medievais ou barrocas com obras clássicas ou românticas, para que fiquemos numa exemplificação bastante simples. Se, no geral, as indicações discográficas são corretas (se bem que me parece discutível a versão de Claudio Abbado com a Filarmônica de Viena para a Sinfonia nº 9, de Beethoven, em 1° lugar; acredito que há outras bem melhores), pelos menos uns 15 ou 20 títulos não mereceriam - ou não merecem - figurar entre as "100 Mais". Enfim...
Em tempo:
1. As versões das Vésperas que mais me agradam são as de Jordi Savall e John Eliot Gardiner (aqui parcialmente reproduzida). Se eu supostamente fosse levar apenas 10 discos para uma ilha deserta (para uma temporada de três meses, digamos), decerto levaria um dos dois. Ou os dois e mais oito.
2. Outra interpretação das Vésperas de minha particular estima é a de Willliam Christie, regendo Les Arts Forissants.
3. Entre as minhas "100 mais" haveria um lugar todo especial para Da Palestina ao Seridó, dos irmãos sabugienses Ubaldo, Urbano e Totó Medeiros.
4. Estou pensando seriamente, como ouvinte feliz, em apresentar, mais dia, menos dia, as "minhas músicas essenciais". Mas antes preciso concluir o meu breve estudo sobre Câmara CASCUDO, que me exigiu - e ainda está me exigindo - várias releituras.
AS 100 OBRAS ESSENCIAIS DA MÚSICA ERUDITA
segundo a revista Bravo!
Imaginemos uma seleção dos 100 filmes essenciais da história do cinema sem Cidadão Kane. Impensável, não? Mesmo para aqueles que, hoje, preferem outras obras de Welles, e que não a incluem entre as 10 ou 20 maiores realizações já feitas, tal fato poderia ser considerado heresia histórica sem o menor fundamento crítico. Imaginemos ainda um cinéfilo que, ao apontar os cinco ou seis melhores filmes de Fellini, ignorasse Oito e meio. O que dele pensaria um felliniano? Ou mesmo um admirador do cinema europeu?
Pois bem, em termos comparativos, foi o que aconteceu com a paulistana Bravo! (uma revista cada vez mais besta em seus posicionamentos críticos): ao selecionar as 100 obras essenciais da música erudita, a partir de supostos levantamentos anteriores, não especificados, ousou ignorar as Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi, que, em meu modesto entendimento (de ouvinte feliz), está para a história da música assim como Dom Quixote (por sinal, da mesma época) está para a história da literatura. O que dizer?
Claro, estamos cansados de saber que essas listas são por demais relativas, a começar pelas minhas (haja vista a Cinemateca imaginária que acabei de lançar). São listas referenciais, sujeitas a mudanças e revisões constantes. Mas há obras que me parecem indispensáveis em qualquer "seleção" de respeito. Se, por exemplo, deixarem de lado Grande sertão: veredas entre as 100 obras capitais da literatura brasileira... mudemos de assunto; todos nós cometemos nossos pecados de leitores insatisfeitos.
Poderão argumentar, em defesa da revista: Vésperas das Virgem é uma obra sacra... Só que a publicação de São Paulo incluiu O Messias (de Haendel, em 40° lugar), a Missa em Si Menor (de Bach, num modesto 49° lugar, enquanto o Bolero, de Ravel - pasmem! - figura na 28ª colocação), a Missa de Notre Dame (de Guillaume de Machaut, em 100° lugar), Há mais exemplos. Há mais absurdos. Amo Rhapsody in blue (de Gershwin, em 61°), mas, sinceramente, será uma obra mais essencial do que as citadas Vésperas e as extraordinárias Suítes para violoncelo, de Bach, igualmente ignoradas?
Continuemos, continuemos: preferir a Carmina Burana de Carl Off (em 76° lugar) à Carmina Burana original (com ótimas interpretações, como a de Marcel Pérés com o Ensemble Organum) é o mesmo que preferir Velho Barreiro a uma boa cachaça mineira. É o mesmo que preferir a bundaxé music a um bom frevo pernambucano. É verdade: Orff não chega a ser propriamente um lixo musical, e tem mesmo suas qualidades, mas a Carmina Burana medieval é capaz de superar qualquer expectativa sonora em termos de música religiosa. Aliás, as luminosas Cantigas de Santa Maria também ficaram de fora...
Além do mais, a Bravo! cometeu o mesmo erro de outras edições especiais: misturou alhos com bugalhos, mares com bares, feijoadas com buchadas. Não é possível colocar no mesmo patamar de ordem qualitativa obras medievais ou barrocas com obras clássicas ou românticas, para que fiquemos numa exemplificação bastante simples. Se, no geral, as indicações discográficas são corretas (se bem que me parece discutível a versão de Claudio Abbado com a Filarmônica de Viena para a Sinfonia nº 9, de Beethoven, em 1° lugar; acredito que há outras bem melhores), pelos menos uns 15 ou 20 títulos não mereceriam - ou não merecem - figurar entre as "100 Mais". Enfim...
Em tempo:
1. As versões das Vésperas que mais me agradam são as de Jordi Savall e John Eliot Gardiner (aqui parcialmente reproduzida). Se eu supostamente fosse levar apenas 10 discos para uma ilha deserta (para uma temporada de três meses, digamos), decerto levaria um dos dois. Ou os dois e mais oito.
2. Outra interpretação das Vésperas de minha particular estima é a de Willliam Christie, regendo Les Arts Forissants.
3. Entre as minhas "100 mais" haveria um lugar todo especial para Da Palestina ao Seridó, dos irmãos sabugienses Ubaldo, Urbano e Totó Medeiros.
4. Estou pensando seriamente, como ouvinte feliz, em apresentar, mais dia, menos dia, as "minhas músicas essenciais". Mas antes preciso concluir o meu breve estudo sobre Câmara CASCUDO, que me exigiu - e ainda está me exigindo - várias releituras.
4 comentários:
Taí, meu caro: estás vendo como é difícil elaborar "a" lista! Rs. Mas concordo com você: há tempos a 'Bravo!' não anda merecendo aplausos... Abração!
Espero que parte desse seu breve estudo sobre CASCUDO apareça aqui no Balaio. Fico no aguardo!
Valeu, Douglas Thomaz.
Moacy, tens a lista das 100 da Bravo! ???
Concordo contigo sobre os absurdos da revista e fecho contigo sobre os erros da lista.
Abraço
Só para citar de cabeça algumas versões da 9ª melhores do que Abbado: Toscanini, Furtwangler, Harnoncourt e David Zinman, mais recentemente. Por nada, por nada, até Karajan tem uma versão melhor do que Abbado. Caio Graco.
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