Poema/Processo
- de nossa autoria -
em homenagem a
Charles Darwin,
a partir da arte de
Phillipe Doan
BALAIO PORRETA 1986
n° 2570
Rio, 17 de janeiro de 2009
Quando, em 1859, Charles Darwin se decidiu a publicar a obra [A origem das espécies] que reorientou de maneira decisiva o olhar de nossa cultura sobre o mundo vivo, sabia que iria provocar polêmicas apaixonadas e ataques violentos, mas não pôde esperar mais. Desde os vinte anos consagrou suas pesquisas e todos os recursos de sua inteligência ao problema central que o ser vivo coloca: como explicar, ao mesmo tempo, a diversidade e a semelhança das múltiplas espécies?
(Albert JACQUARD, in Dicionário das obras políticas,
de François Châtelet & outros, coords., 1986)
O LIVRO DOS LIVROS
(8)
Texto estabelecido por Moatidatotatýne, o Escriba,
Louis Stadelmannté e Edward Phonsecca, egiptólogos
O encontro do Senhor das Alturas com Charles Darwin
Posto que para o Senhor das Alturas não existia passado, presente ou futuro, e momentaneamente de saco cheio com a humanidade das primeiras eras, resolveu Ele, em pleno século XIX da Era Comum, encontrar-se, para um desafio científico-espiritual, com um tal de Charles Darwin, biólogo e naturalista, do Reino Unido assim nomeado. E o Senhor das Alturas pensou: "Ele pode ser bom para as negas dele, mas não para mim. Será que ele pensa que é maior do que Eu, oh Eu Meu?"
E o encontro se deu. E deu-se o encontro. Entre trovões, raios e trovoadas de uma tarde chuvosa, nas proximidades de London London. E o Senhor das Alturas disse: "Eu sou Eu, e feliz o homem que não segue o caminho dos ímpios, não envereda pelo caminho dos pecadores, mas na Lei do Senhor das Alturas se compraz e nela medita, dia e noite, noite e dia".
E Charles Darwin dirá: "Não se trata de ser feliz ou não. Vou direto ao assunto. Lamarck foi o primeiro homem que despertou para a questão que ora nos interessa. Defende nas suas obras a doutrina de que todas as espécies, compreendendo o próprio homem, originam-se de outras espécies. E eu acredito no Sr. Lamarck mais do que no Senhor das Alturas".
E o Senhor das Alturas disse: "Meu Eu! Meu Eu! Como se multiplicaram e ainda se multiplicarão os meus inimigos! Quantos se levantaram e ainda se levantarão contra Mim? Por que os criei? Por que? Que humanidade mais ingrata...". E cantalorou de repente: "Chiquita bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica"(ª).
E Charles Darwin dirá: "Não fuja do assunto, caro Senhor. Pois fique sabendo, se já não sabe, que, em virtude do princípio poderoso da hereditariedade, toda variedade, agente da seleção, tenderá a propagar sua nova forma modificada. A seleção natural causa, inevitavelmente, uma extinção considerável das formas menos bem organizadas e conduz ao que nós, cientistas, denominamos de divergência dos caracteres".
O Senhor das Alturas disse: "Que papo mais besta. Os criacionistas e os tele-evangélicos, mais tarde, vos reduzirão a pó. E Eu digo. E digo Eu: Até quando, ó homens, prevalecerá o inimigo? Vós, pobres mortais, corrompem-se e cometem abominações. Todos igualmente se extraviam e fodem uns aos outros. Querem se foder, pois se fodam! Contudo, muitos falam: 'Quem nos fará experimentar a felicidade?, pois a luz de Tua face, Senhor das Alturas, fugiu de nós'. E Eu sou a Luz, Eu sou a Face".
E Charles Darwin dirá: "Já o disse: não se trata de discutir ou experimentar a felicidade. Estou convicto, a rigor, de que a seleção natural desempenhou e tem desempenhado o principal papel na modificação das espécies, embora outros agentes tenham-na igualmente partilhado. A verdade é que as condições de vida atuam de duas maneiras distintas: diretamente sobre todo o organismo, ou sobre algumas parte somente, e indiretamente afetando o sistema reprodutor".
E o Senhor das Alturas disse: "E como é que fica a poesia - que, reconheço, alguns de vocês entenderão melhor do que Eu -, como é que fica, repito, a poesia do ato amoroso? Como é que fica a fé no divino, no sobrenatural de almeida (ªª)? Alegrem-se os que em Mim buscam refúgio, exultem para sempre. Que todos os inimigos fiquem confusos e apavorados e recuem, envergonhados! E tem mais: no futuro, terás poucos seguidores, e um deles, pobre coitado, será um tal de Mauro Vasco da Gama..., da terra brasilis assim chamada".
E Charles Darwin dirá: "Não façais dos Salmos bíblicos a tua Palavra, senão não passarás de um plagiador". E o Senhor das Alturas disse, rispidamente: "Protesto! Todo o Livro dos Livros é por Mim inspirado. Eu Sou a sua Palavra". E Charles Darwin dirá: "Escutai as minhas palavras. O Senhor só existe e existirá para aqueles que precisam e precisarão de consolo espiritual, ou algum tipo de fantasia metafísica. Por outro lado, quando considero todos os seres, não como criações especiais, mas como os descendentes em linha reta de alguns poucos seres que viveram muito tempo antes que as primeiras camadas do sistema cambriano tivessem sido depositadas, eles me parecem tornar-se enobrecidos. Outra coisa: não sou profeta, mas o Senhor está confundindo um navegante português, que achou o caminho das Índias, com, provavelmente, um futuro clube de futebol do Brasil, país que já tive a honra de conhecer, misturando-os com um grande poeta do próximo século, decerto a ser conhecido, por exemplo, como Mauro Gama. Restará saberá se o poeta será flamenguista ou vascaíno. Algo me diz que será vascaíno."(ªªª).
E o Senhor das Alturas, cansado, ou mesmo intrigado com tudo aquilo, e voltando a se preocupar com a humanidade de eras passadas, resmungou como um velho rabugento, disse algumas palavras ininteligíveis (ªªªª) e partiu no meio de trovões, raios e trovoadas, sem sequer se despedir de Darwin. O cientista do Reino Unido, pensativo, concluiu: "Como é poderosa a imaginação do ser humano. Mas diante dos fatos, por mais comprováveis que sejam, para muitos só existe um caminho: o do delírio. Há grandeza na forma de considerar a vida como eu a entendo, com seus vários poderes atribuídos primitivamente pelo sopro do Criador...".
Próximo capítulo:
A história de Jacó Apenas Jacó
e de Raquel Apenas Raquel, a Tesuda
Notas dos Editores:
(ª) Sem dúvida, trata-se de uma das passagens mais enigmáticas d'O Livro dos Livros. O que o Senhor das Alturas quis dizer exatamente com essa singela cantoria, segundo alguns de fundo carnavalesco? O mais recente tratado sobre o tema, pautado única e exclusivamente na frase em pauta, escrito pelo teólogo Othoniel Fagundes Boff Wanderley, em 666 páginas, com o título de O significado cosmológico de um simbolismo em transe, sustenta, baseado em teorias aristotélicas, epicuristas e neofellinianas, que o Senhor Todo Poderoso, àquela altura, estava pensando em criar outro universo, sem a presença dos seres humanos, abrindo exceção apenas para Ava Gardner, Rita Hayworth, Tônia Carrero, Maria Antonieta Pons, Marilyn Monroe, Catherine Deneuve, Claudia Cardinale, Brigitte Bardot, Thaís Araújo, Camila Pitanga e Lauren Bacall, além de Micaela Reis e Gisele Bündchen, que com Ele viveriam eternamente. Lamenta-se, assim, que o sr. Charles Darwin não tenha percebido o profundo significado epistemológico das palavras do Senhor das Alturas.
(ªª) Provável referência a um famoso personagem criado pelo dramaturgo e cronista brasileiro do século XX, o tricolor Nelson Rodrigues
(ªªª) De fato, Mauro Gama, vascaíno (acrescente-se), é um dos grandes poetas brasileiros da atualidade, tendo começado a se projetar nos anos 60 do século passado. Coincidência ou não, a nossa edição de amanhã divulgará um texto de sua autoria sobre Charles Darwin.
(ªªªª) Há controvérsias por parte dos estudiosos atuais d'O Livro dos Livros: para uns, o Senhor das Alturas teria dito, em aramaico-jupiteriano: "Que saco! Para tudo esse Darwin tem resposta"; para outros teria dito, em aramaico-javanês: "Pô, devo reconhecer, o tal de Darwin é maior do que Eu, ainda bem que os tele-evangélicos, no futuro, saberão me defender". Já alguns poucos acreditam que, tomando por base um certo seridoísmo-tapuia arcaico, de origem infanto-gaderipolutyana, o Senhor das Alturas, ao resmungar, poderia ter pronunciado os seguintes sons: "Qld mdieg, dsypl flerep!", algo aparentemente intraduzível.
11 comentários:
moa,
não sei o que me fez rir mais, se a história ou as notas dos editores...
essa dos tele-evangélicos fulmiarem o darwin foi demais! ahahahhahaa
o seguidor mauro vasco da gama... ahahaha
tá muito engraçado isso, não vou ficar aqui copiando trechos e rindo, não, que tenho que trabalhar, viu... ahahahahhaaa
mas, olha, tá ficando cada dia melhor esse lvro dos livros!
beijos!
mais uma coisa:
admiro muito a sua dedicação, zelo, amor e seja lá o que for, sabendo que tudo é bom, com que vc cria o balaio.
dá gosto de vir aqui, sabe, por isso tbm, tanto quanto para rir.
adoro vc! :)
Moacy, há tempos não ria tanto! Você além de grande escritor é um humorista de primeira linha da espécie darwiniana!!!!!
Olha.... muito bom MESMO!!!!
Parabéns!
Forte abraço
mirze
Concordo com a adrianna. e diria mais: "você é lindo, mais que demais, você é lindo assim".
e, sim, sim, sim, vamos nos encontrar durante sua estada aqui. faço questão! um cheiro, S.
Camarada Moacy:
Este texto, particularmente, é um exemplo do conhecimento colocado a serviço do leitor com inteligência e bom humor. Baita exercício intelectual. Parabéns e thanks.
Um abraço e um bom dia.
olha só, eu vi a imagem nos meus blogs e pensei que era o da isabel, o artista maldito. ela coloca sempre imagens ocmo vc colocou. beijos, pedrita
moacy:
o senhor das alturas quer ganhar o jogo na cotovelada?
um abraço.
romério
Moacy,
"E o encontro se deu. E deu-se o encontro. Entre trovões, raios e trovoadas de uma tarde chuvosa, nas proximidades de London London". Aqui percebo, mais uma vez, a inequívoca dicção sublime do Senhor das Alturas, a reboque do Exílio ( uma versão menor do Êxodo) de Caetano Veloso. E por essa exegese, atesto a coerência e fidedignidade ( no mais, de todo ingigna...) do Sacrossanto Texto.
Os tele-evangélicos ali anunciados são aqueles sobre os quais, no futuro, o Filho Amado do Senhor das Alturas dirá: "E Seu Nome é Legião". Fora Ele o Pai [ e não o Filho...], arremataria [arre!], sem pestanejar:"E Legião é seu Nome"...Porque ao Senhor das Alturas agradam as ênfases e reiterações sem fim. Bem como as Ladainhas, Louvaminhas, Quejandos e Pães de Queijo.
Abraços,
Marcelo.
Ei, Moacy,
adorei! Dei boas risadas, largas, esparramadas, que atravessaram esse dia cabuloso, segunda-feira infernal.
Beijooooo
Ótimo texto, Moacy. Dei umas boas risadas, viu? Que tal un novo encontro entre eles? Até porque o Senhor das Alturas retirou-se em meio à conversa...
Beijo.
Moacy, como diz um amigo mineiro: "quanto tempo perdi em coimbra!!"
hahahahaha... esse texto e as notas dos editores, tudo uma maravilha, não sei o que é melhor!
inspiradíssimo =)
beijo
Postar um comentário