O rapto das filhas de Leucippus
(1618)
Peter Paul Rubens
BALAIO PORRETA 1986
n° 2679
Rio, 1 de junho de 2009
A magnífica conclusão da fala de Jó (29-31) é o clímax do poema; em nenhum outro lugar da literatura há afirmação tão poderosa da essência da dignidade humana num mundo estranho quanto na palavra desta criatura miserável que esfrega suas chagas com um caco de cerâmica.
(Nortthrop FRYE. Código dos códigos, 1982)
O LIVRO DOS LIVROS
(1618)
Peter Paul Rubens
BALAIO PORRETA 1986
n° 2679
Rio, 1 de junho de 2009
A magnífica conclusão da fala de Jó (29-31) é o clímax do poema; em nenhum outro lugar da literatura há afirmação tão poderosa da essência da dignidade humana num mundo estranho quanto na palavra desta criatura miserável que esfrega suas chagas com um caco de cerâmica.
(Nortthrop FRYE. Código dos códigos, 1982)
O LIVRO DOS LIVROS
(31c)
Texto estabelecido por Louis Stadelmannius
O Livro de Jó da Silva e Silva
- Parte 3 -
No terceiro dia, quando chagas começaram a aparecer no corpo de Jó da Silva e Silva, a mulher e três dos principais amigos se reuniram em torno dele, cada um mais acatrozado(¹) do que o outro.
E um dos amigos disse, sem muita convição: "Não fiques desesperado, por maior que tenha sido a injustiça divina. O Senhor das Alturas, em sua infinita sabedoria, compreenderá, mais cedo ou mais tarde, que tudo não passou de um grande equívoco e voltarás a ser o Jó de sempre: rico e feliz".
E Jó da Silva e Silva, com o corpo dolorido, disse: "Ele, o Senhor de todos os Deuses(²), pode me matar, mas não tenho outra esperança senão defender diante Dele o meu caminho. Repetrirei e repetirei: Ainda que Ele me mate, continuarei defendendo a minha retidão de caráter e não O abandonarei em minhas pobres e agora cansadas orações". Depois, ele, sua esposa e os amigos passaram o dia no mais completo silêncio
No quarto dia, Jó disse: "Estou mais desesperado do que nunca; sinto-me destabocado(³), como se tudo não passasse de um grande destrupício(ª¹). Mas o Senhor é o meu Senhor e nada me afastará dos Dez mandamentos. Sou paciente. Sou paciente. Mas Senhor, oh Além do Além(ª²), por que me abanonastes? Não, não estou sendo insolente; não, não estou sendo irônico". E depois veio o silêncio.
No quinto dia, Jó disse aos amigos: "Passemos as próximas horas meditando. Meditemos sobre a minha desgraça e a bondade e a não-bondade do Senhor. Não quero que a injustiça que se abateu sobre mim se abata sobre o povo seridoense. Mas quero compreender o sentido de justiça do Senhor. Por que Ele me castigou? Por que Ele deixou de me amar, se continuo amando-O? Por que Ele continua indiferente à minha dor?"
E Jó disse, no sexto dia: "Falarei pela última vez e depois me calarei para sempre. A não ser que as coisas mudem. Mas não vejo como... Quem me dera voltar ao passado, aos dias em que o Senhor velava sobre mim e sobre a minha família. Eu era o mais feliz dos homens e não sabia. Minhas palavras eram sábias e gotejavam sobre todos. Mas agora o Senhor zomba de mim. Quer me ver transformado em monstro, em ruína, em animal irracional. Clamo por Ti e não respondes. Tu te fizeste meu carrasco e atacas-me com teu braço musculoso, como dirão no futuro. Alegrei-me, por ventura, com a desgraça de algum inimigo? - e nunca fui teu inimigo. Oxalá houvesse quem me ouvisse!, além dos meus amigos. Se fui indecente, se fui insolente, se fui maldoso, se fui indecoroso, tens o direito de separar o joio do trigo. Mas não Te esqueçais: os brutos também amam".
E na manhã do sétimo dia, o Senhor das Alturas dirigiou-se a Jó: "No decorrer dos últimos dias, fizestes algumas perguntas e eu as responderei agora: Como surgiu a lenda do pavão misterioso? Qual o nome original do Poço de Santana? Onde é possível localizar as ruínas da Biblioteca de Babel, em Jardim do Seridó? Qual a distância exata entre Acari e o planeta Saturno?"
E Jó respondeu, em pensamento. E em pensamento Jó respondeu: "Reconheço que podes tudo. inclusive formular perguntas irrespondíveis, e que nenhum plano é irrealizável para Ti. Para o melhor e para o pior, sou teu servo e és o meu Senhor. Só não entendi por que me abandonastes. Por quê? Por quê? Por quê?"
No começo da noite, estrelanoturnamentando as terras seridoenses, ao lado do Senhor das Sombras, com terrível cara de poucos amigos, já sabendo que tinha perdido a aposta, o Senhor das Alturas - o glorioso Vencedor - disse para Jó: "Senti a tua firmeza, o teu amor por Mim. Senti no espírito até mesmo o teu desespero. Mas voltarás a ser rico e terás tudo em dobro. E serás conhecido não mais como Jó da Silva e Silva e sim como Jó do Seridó". E completou o Altíssimo: "Terá mais uma mulher e, com as duas, 14 filhos e seis filhas. As seis filhas chamar-se-ão Jeanne Araújo, Luma Carvalho, Eliene Dantas, Ana de Santana, Maria José Gomes e Iara Carvalho(ª³). Não haverá em todo o Seridó e mesmo em terras vizinhas mulheres mais belas do que as suas filhas".
E Jó morreu velho, rico, feliz, honesto e cheio de vida e vinho.
Próximo capítulo:
O Cântico dos Cânticos
Texto estabelecido por Louis Stadelmannius
O Livro de Jó da Silva e Silva
- Parte 3 -
No terceiro dia, quando chagas começaram a aparecer no corpo de Jó da Silva e Silva, a mulher e três dos principais amigos se reuniram em torno dele, cada um mais acatrozado(¹) do que o outro.
E um dos amigos disse, sem muita convição: "Não fiques desesperado, por maior que tenha sido a injustiça divina. O Senhor das Alturas, em sua infinita sabedoria, compreenderá, mais cedo ou mais tarde, que tudo não passou de um grande equívoco e voltarás a ser o Jó de sempre: rico e feliz".
E Jó da Silva e Silva, com o corpo dolorido, disse: "Ele, o Senhor de todos os Deuses(²), pode me matar, mas não tenho outra esperança senão defender diante Dele o meu caminho. Repetrirei e repetirei: Ainda que Ele me mate, continuarei defendendo a minha retidão de caráter e não O abandonarei em minhas pobres e agora cansadas orações". Depois, ele, sua esposa e os amigos passaram o dia no mais completo silêncio
No quarto dia, Jó disse: "Estou mais desesperado do que nunca; sinto-me destabocado(³), como se tudo não passasse de um grande destrupício(ª¹). Mas o Senhor é o meu Senhor e nada me afastará dos Dez mandamentos. Sou paciente. Sou paciente. Mas Senhor, oh Além do Além(ª²), por que me abanonastes? Não, não estou sendo insolente; não, não estou sendo irônico". E depois veio o silêncio.
No quinto dia, Jó disse aos amigos: "Passemos as próximas horas meditando. Meditemos sobre a minha desgraça e a bondade e a não-bondade do Senhor. Não quero que a injustiça que se abateu sobre mim se abata sobre o povo seridoense. Mas quero compreender o sentido de justiça do Senhor. Por que Ele me castigou? Por que Ele deixou de me amar, se continuo amando-O? Por que Ele continua indiferente à minha dor?"
E Jó disse, no sexto dia: "Falarei pela última vez e depois me calarei para sempre. A não ser que as coisas mudem. Mas não vejo como... Quem me dera voltar ao passado, aos dias em que o Senhor velava sobre mim e sobre a minha família. Eu era o mais feliz dos homens e não sabia. Minhas palavras eram sábias e gotejavam sobre todos. Mas agora o Senhor zomba de mim. Quer me ver transformado em monstro, em ruína, em animal irracional. Clamo por Ti e não respondes. Tu te fizeste meu carrasco e atacas-me com teu braço musculoso, como dirão no futuro. Alegrei-me, por ventura, com a desgraça de algum inimigo? - e nunca fui teu inimigo. Oxalá houvesse quem me ouvisse!, além dos meus amigos. Se fui indecente, se fui insolente, se fui maldoso, se fui indecoroso, tens o direito de separar o joio do trigo. Mas não Te esqueçais: os brutos também amam".
E na manhã do sétimo dia, o Senhor das Alturas dirigiou-se a Jó: "No decorrer dos últimos dias, fizestes algumas perguntas e eu as responderei agora: Como surgiu a lenda do pavão misterioso? Qual o nome original do Poço de Santana? Onde é possível localizar as ruínas da Biblioteca de Babel, em Jardim do Seridó? Qual a distância exata entre Acari e o planeta Saturno?"
E Jó respondeu, em pensamento. E em pensamento Jó respondeu: "Reconheço que podes tudo. inclusive formular perguntas irrespondíveis, e que nenhum plano é irrealizável para Ti. Para o melhor e para o pior, sou teu servo e és o meu Senhor. Só não entendi por que me abandonastes. Por quê? Por quê? Por quê?"
No começo da noite, estrelanoturnamentando as terras seridoenses, ao lado do Senhor das Sombras, com terrível cara de poucos amigos, já sabendo que tinha perdido a aposta, o Senhor das Alturas - o glorioso Vencedor - disse para Jó: "Senti a tua firmeza, o teu amor por Mim. Senti no espírito até mesmo o teu desespero. Mas voltarás a ser rico e terás tudo em dobro. E serás conhecido não mais como Jó da Silva e Silva e sim como Jó do Seridó". E completou o Altíssimo: "Terá mais uma mulher e, com as duas, 14 filhos e seis filhas. As seis filhas chamar-se-ão Jeanne Araújo, Luma Carvalho, Eliene Dantas, Ana de Santana, Maria José Gomes e Iara Carvalho(ª³). Não haverá em todo o Seridó e mesmo em terras vizinhas mulheres mais belas do que as suas filhas".
E Jó morreu velho, rico, feliz, honesto e cheio de vida e vinho.
Próximo capítulo:
O Cântico dos Cânticos
Notas:
(¹) Acatrozado : Acabrunhado; aborrecido.
(²) É possível que haja aqui um desabafo metafórico-jommardiano-britânico: como se sabe, só existe um Deus, o Senhor das Alturas.
(³) Destabocado : Adoidado, amalucado; exaltado.
(ª¹) Destrupício, Destrupiço, Estrupício : Despropósito; coisa esquisita.
(ª²) Segundo o teólogo Sindoval Rosemberg Aguiar Tonacci, uma das mais belas denominações do Senhor das Alturas em todo O Livro, já que sua leitura implícita seria a seguinte: "Além do Além depois da chuva de abril e dos Horizontes Perdidos das Planícies God-ardianas".
(ª³) Decerto, homenagem do Senhor das Alturas a algumas poetas seridoenses do séc. XX da Era Comum.
(¹) Acatrozado : Acabrunhado; aborrecido.
(²) É possível que haja aqui um desabafo metafórico-jommardiano-britânico: como se sabe, só existe um Deus, o Senhor das Alturas.
(³) Destabocado : Adoidado, amalucado; exaltado.
(ª¹) Destrupício, Destrupiço, Estrupício : Despropósito; coisa esquisita.
(ª²) Segundo o teólogo Sindoval Rosemberg Aguiar Tonacci, uma das mais belas denominações do Senhor das Alturas em todo O Livro, já que sua leitura implícita seria a seguinte: "Além do Além depois da chuva de abril e dos Horizontes Perdidos das Planícies God-ardianas".
(ª³) Decerto, homenagem do Senhor das Alturas a algumas poetas seridoenses do séc. XX da Era Comum.
9 comentários:
Acho que ele esqueceu de deixar sua parte da herança pra filha mais bonita, Eliene Dantas, rsrs. Será que foi porque ela se encantou pelo príncipe que só surgia nas noites de eclipse?
Bjs Moacy, esse seu livro é um verdadeiro "barato"
Oi Moacy! Boa tarde!
Lindo "O rapto das filhas de Leucippus"! Maravilha de tela!
Realmente a fala de Jó (29-31) é o máximo. Se analisarmos a história e tranformarmos em poética , suas falas, são divinas e é aonde está o ápice.
Agora "Como surgiu o Pavão Misterioso?" está demais!
E aumenta meu vocabulário....
Muito bom como sempre, o Balaio!
Perfeito!
Beijos
Mirse
Parabéns, Moacy. Esplêndido.
Jó se cumpre em Cristo. E vice-versa. Amém!
O “Lírios” assinala o Dia Mundial da Criança.
Queres ir conferir?
Um dia feliz.
Beijinhos
Mariazita
Mais logo ou amanhã volto para te ler e comentar.
Moacyr,
não ficou faltando uma filha?Rsrs
Bjs.
Moacyr, a sensação que tenho e´que as palavras te iundam, como um dílúvio...
E vc as reordena criando seus textos e poemas...
Eles são muito fortes... Algo que salta da tela para os olhos, como se mal conseguíssemos seguir a rapidez com que as palavras vão surgindo...
Encantada!
Beijos avassaladores!
Querido Mestre!
Seja feita a vontade do Senhor das Altura, deixando um Jó, antes desesperado, satisfeito e feliz! Perfeito como sempre!
Beijos
final feliz pra Jó, nada mió =)
beijo Moa
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