sexta-feira, 3 de julho de 2009

Analu Campos
no auto
Jesus de Natal
(Moacy Cirne, 2005),
com direção de Paulo Jorge Dumaresq
e música de Mirabô Dantas


BALAIO PORRETA 1986
n° 2711
Rio, 3 de julho de 2009


Do ponto de vista da história dos evangelhos como documentos, está claro que cada um deles foi escrito por um único autor e pretendia ser uma unidade em si mesmo. Quem eram esses autores - "Mateus", "Marcos", "Lucas" e "João"? Ninguém sabe. A tradição da Igreja tentou veiculá-los direta ou indiretamente com os doze discípulos originais, mas não há provas reais para sustentar essa visão. Esses nomes eram comuns na época. Além do mais, nenhum dos evangelhos traz menção ao nome do autor no próprio texto: são todos essencialmente anônimos.
(John B. GABEL & Charles B. WHEELER. A Bíblia como literatura, 1990)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 2)

O nascimento de Aijesus da Cruz

E o Coral do Seridó,
constituído por João, Marcos, Mateus e Lucas,
em ritmo de baião canadense,
cantou para os povos da manhã:

E Maria Maria se fez grávida.
Seria por encantamento?
Seria por deslumbramento?
Zé da Carpintaria dizia que não.
Sua prima Isabel dizia que sim.
E sua mãe Santana de Santana apenas sorria.
Zé da Carpintaria, embora desconfiado,
casou-se com Maria Maria
na Matriz de São José.
Eliene Cantora e Romário Poeta seus padrinhos foram.
E os noivos na Passagem das Traíras
se aconchegaram.
Era um casebere, mas rico palacete parecia
aos seus olhos plenos de fé e poesia.
E numa suave e bela noitestrelã
o Altíssimo apareceu em sonho para a jovem
e um sussurro Maria Maria ouviu:
"O filho que carregas em teu ventre abençoado
será a glória maior da Humanidade,
que, mais do que nunca, precisa de um Salvador".
No dia seguinte, assustada, Maria Maria
contou o seu sonho para o marido e
cantou com fé para que o Altíssimo a sentisse:
"Navego ao amanhecer pelo meu corpo -
às vezes duvido do poder do pensamento
e, tal qual pássaro amarelo,
duvido do azul do céu, do brilho das estrelas,
do reflexo do sol, do raio e da luz"(¹).
E mudando de toada, Maria Maria continuou cantando:
"Nascer para a vida
Com toda a sua lida
É uma coisa gloriosa
Por demais radiante.
E se uma rosa é uma rosa
A nossa fé é brilhante.
Pois a criança é esperança
Para um mundo melhor
Que se faz bonança
Para um mundo maior.
Assim sendo, sendo assim,
A fé que nos ilumina
É vida, é paz, e nos fascina.
A criança que vai nascer e renascer
Com ternura e alegria nos fará crescer.
A minha alma engrandece o Senhor
E meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador"(²).
E a notícia se espalhou por todo o o Seridó:
uma criança especial iria nascer.
Os pobres gostaram da ideia; os fazendeiros, nem tanto.
Houve mesmo um deles, Herodes do Mau Pranto,
que debochou da possível macheza de Zé da Carpintaria.
E os meses se passaram.
E Maria Maria, buchuda(³), mais crescia, mais crescia.
Fora um ano sem inverno: vidas secas em terras secas.
Mas o casal não se desesperava.
Um cometa surgiu no céu, e mais e mais se aproximava
das terras seridoenses.
Era o mês de dezembro, noite plena, luar do sertão.
E na Passagem das Traíras
mais um seridoense nasceu para a vida.
Aijesus da Cruz passou a ser o seu nome.
Nome de cabra macho, nome de cabra valentão.
E logologo o mijo da criança(ª) foi providenciado.
De Caicó, Ferreirinha apareceu com duas garrafas de cachaça.
De Jardim, Chico de Assis apresentou-se com três litros de vinho.
De São José, Romário Poeta trouxe bastante cajarana.
Os três eram verdadeiros reis: reis da amizade e da boa vontade.
E o cometa mais e mais no firmamento brilhava.

Próximo capítulo:
De Aijesus da Cruz a Jesus Cristão da Cruz

(¹) Mais uma vez é supreendente como a oração de Maria Maria encontra eco, séculos depois, na poesia de Maria José Gomes, de Currais Novos, não muito distante de São José e da Passagem das Traíras.
(2) No ano 2005 da Era Comum, na Cidade dos Reys, um auto natalino aproveitaria, sob a direção de Paulo Jorge Dumaresq, a cantoria da jovem seridoense, aqui reproduzida.
(³) Buchuda : Grávida.
(ª) Mijo da criança : Comemoração etílica em louvor do recém-nascido, reunindo os pais, parentes e amigos.

9 comentários:

Maria Maria disse...

Meu caro poeta!

Estou impressionada com você. A sua criatividade é intensa e você é uma pessoa inteligentíssima. Adorei a continuação do testamento. Quero mais...

Beijos,

Maria Maria

BAR DO BARDO disse...

Amém!

Anônimo disse...

Pois que não é uma honra ser madrinha de um casório desses! Coisa pra séculos sem fim de história...

bj carinhoso Moacy

Anônimo disse...

Pois que não é uma honra ser madrinha de um casório desses! Coisa pra séculos sem fim de história...

bj carinhoso Moacy

Dilberto L. Rosa disse...

Rapaz, que moreninha brejeiramente manhosa nesta foto do 'post' anterior... E o que dizer de sua "coleção" de postais antigos?! Sensacional... Cada vez mais tenho interesse em ler este livro, "A Bíblia como Literatura"... Abraço!

Anônimo disse...

Ai, Moacy...que lindo! Dá um filme porreta essa tua estória! Tô acompanhando, vamos lá...
um abraço querido!

Marisete Zanon

Romário Gomes disse...

E onde nasceu o Menino? Na Passagem das Traíras ou em São José? Gostei da referência como poeta, muito me enaltece. Mudando de assunto (ou quase): quem me dera ter contemplado Jesus menino, o Senhor do Universo! No mais, um abraço.

Jens disse...

Soberbo, Moacy.

Cosmunicando disse...

Moa, depois dessa "noitestrelã" nunca mais terei nada a acrescentar...

beijo