quarta-feira, 8 de julho de 2009

Cabeça de mulher
(1476)
LEONARDO DA VINCI


BALAIO PORRETA 1986
n° 2716
Rio, 8 de julho de 2009

Assim que se começa a interpretar a Bíblia literalmente, em vez de simbolicamente, a ideia de Deus torna-se impossível. Imaginar uma divindade literalmente responsável por tudo que acontece na Terra envolve contradições impossíveis.
(Karen ARMSTRONG. Uma história de Deus, 1993)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 4)

O encontro de Jesus com Sheyla Madalenazevedo

E o Coral do Seridó
(João, Mateus, Lucas e Marcos),
seja por timidez, seja por cansaço,
preferiu observar as acontecências caicoenses
às margens do Seridó amado,
sem maiores intervenções cantantes.
E assim foi. E assim foi.

Era o mês de julho, 7 horas da manhã. Jesus, o Senhor da Cruz, e alguns de seus amigos do Bar de Ferreirinha preparavam-se para mais um mergulho no Poço de Santana. Da Casa de Pedra(¹), do outro lado do rio, ouvia-se a voz forrozeira de Elino Julião. E então aconteceu: o donzelo Jesus a avistou na beira do Poço, com duas acompanhantes. E, de repente, em sua direção o Senhor da Cruz nadou. E tocado por sua risada franca dela se aproximou. Apesar da timidez que sempre o marcara. Enquanto isso, os amigos, mais afoitos, com as outras duas moças já se envolviam.

E Jesus Cristão da Cruz mais e mais se aproximou. E viu e sentiu o quanto aquela jovem era suave e cheirosa, cheirosa e suave. Os dois, estátuas esculpidas pelos ventos da manhã, pareciam seres alados, contemplando-se nas beiradas do Poço. Rolinhas voavam de um lado para o outro. O Seridó amanhecia, transformando cheiros em cores e melancias. Durante longos segundos, ficaram em silêncio. Durante longos minutos, em silêncio ficaram. E, já no esplendor do dia, Jesus a ela perguntou: "Quem sois, formosa donzela? Nunca a vi antes por essas terras e águas do Seridó."

E a jovem, meninaurora, meninamoreneza, com olhar sinuoso assim respondeu: "Sou Sheyla, Sheyla Madalenazevedo, mas muita gente me chama de Sheyla Madá, ou às vezes de Madalena. Sou da Cidade dos Reys, ao lado de Macaíba, ao lado de Parnamirim, amiga de Carito Poeta, Mário Cronista e José Potiguarando. E prima de Conceição de Azevedo, moradora de Jardim do Seridó. E vós, quem sois? O que fazes? Tens algum parentesco com Raul Seixas, o roqueiro? E teus amigos, desapareceram? E minhas primas, sumiram? Ah, como é forte o teu olhar, como é firme a tua presença!"

E o Senhor da Cruz por ela logo se apaixonou. Era a sua primeira paixão, sua primeira grande paixão. E lembrou-se, então, de alguns versos de um poeta pernambucano recolhidos em tempos idos na Biblioteca de Babel, biblioteca essa cantada em rosa e prosa no Primeiro Testamento, que ele tanto admirava. E, assim sendo, sendo assim, para a jovem Sheyla sussurrou: "Escute-me, escute a voz que vem de longe, que vem do país de Sandra Sandrix, a amiga de Jens Colorado, segundo o Altíssimo, Aquele que nos guia". E depois de pequena pausa disse, lentalentamente:

"O enorme céu que cobre mar e mágoas
e abriga os astros,
sustém meu claro sonho sobre as águas,
oh doce Sheyla.
Por trás do muro silencioso e espesso,
que cresce no teu ventre abençoado,
nasce um mundo renovado e inusitado
que eu não sei se mereço ou desmereço,
oh doce Sheyla.
Senhora de muito espanto,
vestindo coisas longínquas
e alguns farrapos de sono,
eu estou aqui para te dizer
que me perco e me transformo
na planície de teus olhos"(²).

E Sheyla Madá, que viera de férias para conhecer a gente caicoense e a Festa de Sant'Ana, entre surpresa e emocionada, sentiu que também se apaixonaria por ele. E assim se expressou, encantada com aquele inesperado encontro, como se o Altíssimo estivesse tecendo com esmero e magia o destino de duas vidas:

"Hoje eu comprei sementes de gerânio, rosa e jasmim
(que agora são tuas).
A fome me abraça quase terna
(mas a fome se foi com o teu olhar ).
Os poetas que amei
deixaram gosto de relva nos meus cabelos
(mas as tuas palavras me deixam outro gosto,
e não outro agosto).
Sempre me senti um bicho meio deslocado.
Há quem chame isso de cansaço
(mas espero que a partir de hoje tudo mude:
não ficarei muda, não ficarei com medo)"(³).

E os dois,
Jesus e Sheyla, Sheyla e Jesus,
mão na mão, olho no olho,
mergulharam nas águas sagradas do Poço de Santana.
E seus corpos vibraram de emoção.

Próximo capítulo:
Os apóstolos

Notas:

(¹) A casa mais antiga da Caicó atual, construída sobre as ruínas da Queicuó bíblica.
(²) A teóloga Inês Motta, de Caicó, em leitura comparativa, observou a incrível semelhança entre os versos recolhidos na Biblioteca de Babel e alguns poemas de Carlos Pena Filho, igualmente pernambucano, que viveu no séc. XX da Era Comum, com algumas diferenças mínimas: "ventre abençoado" em vez de "ventre desolado"; "mundo renovado e inusitado" no lugar de "mundo obscuro e inusitado"; "eu estou aqui para te dizer/ que me perco e me transformo/ na planície de teus olhos" substituindo, séculos antes, "eu vim para te dizer/ que inutilmente contemplo/ na planície de teus olhos/ o incêndio do meu orgulho". Além dos acréscimos "oh doce Sheyla".
(³) O pesquisador Romário Gomes, de São José da Bonita, verificou que, com exceção dos versos entre parênteses, as palavras de Madalena serão retomadas por uma possível descendente, em poemas e crônicas de sua autoria: Sheyla Azevedo, que é jornalista e blogueira em Natal.

16 comentários:

Mme. S. disse...

Sheyla Maria de Magdala está prostrada ao pé do poço fazendo uma prece para esse moço chamado Jesus (e para o outro - seu porta-voz, escrevinhador de encantamentos). É uma prece cheia de espanto e alegria pois ela descobriu o amor e vai mandar que todos os verificadores de caracteres revelem o quanto ela se sente meninaespanto quando se encontra com os olhos do menino Jesus.
lindo texto, um misto de talento com asas abertas para o infinito.

um abraço bem apertado de saudades. S.

BAR DO BARDO disse...

ZIZUIZ!

Potiguarando disse...

Belo texto, amigo Moacy! Fiquei até sem ação, meio multicolor, sendo também amigo da bela Madá... (rs)
Abraço forte e quero ler sobre os apóstolos.
José Correia Torres Neto

Anônimo disse...

Olá garoto, obrigada pela visita e venho responder-lhe que Flávia Medeiros nã otem blog o que é uma pena porque ela é uma excelente escritora.

Bj carinhoso, a bíblia continua tudo de bom!

Caicó Subterrâneo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Caicó Subterrâneo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Caicó Subterrâneo disse...

Grande profeta...deve ter conhecido Cidronio, uma andarilho que vez ou outra aparece as margens do serido...

Caicó Subterrâneo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

È Moacy,não tem jeito, já tenho outro vicio.O Balaio.Pituleira.

Ines Mota disse...

Olá, meu escriba peferido!
Queria dizer que fiquei por demais vaidosa de poder contribuir com meus préstimos de "teóloga" nesse tão Porreta Balaio.
A Biblioteca de Babel, tem inspirado muitos poetas.

Besitos, besitos!

Jens disse...

Pô, Moacy, fiquei todo pimpão com a alusão à minha humilde pessoa. Gostei também de estar na companhia da Sandrix.

Um abraço.

Anônimo disse...

Agora é esperar os apostólos.
Bjs.

Lou Vilela disse...

Vim atualizar a leitura e escrever o "óbvio ululante" (risos): é sempre bom ler as suas postagens/seletas.

Abraços,
Lou

Unknown disse...

Beleza, Moacy!

Impressionante "Meninaurora meninauroramoreneza", só pra complicar um pouquinho!

Diálogos de fazer uma reinvenção bíblica!

Parabéns, amigo!

Beijos

Mirse

Anônimo disse...

Ai, pobre jesuizinho...que ce tá fazendo com o santo homem??? rsss...
um abraço!

Marisete

Maria Maria disse...

Menino, esse texto está demais!!!!
Dessa vez, Aijesus vai conhecer o que a Sheyla tem.

Beijos