Colagem de
Luís Rosemberg Filho
(2001/2002)
- Clique na imagem para ampliá-la -
BALAIO PORRETA 1986
n° 2766
Rio, 28 de agosto de 2009
Eu tenho um sonho. Que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
(Martin Luther KING. Eu tenho um sonho, em 28/8/1963)
COM VIGOR E COM AFETO
Moacy Cirne
BALADA PARA UMA CRIANÇA ORFÃ DO AFEGANISTÃO
Paulo Jorge Dumaresq
[ in Nariz de Defunto ]
Não sei teu nome
tatuado na mão do destino.
Nem sequer desconfio que exista felicidade
para além das montanhas
que abrigam o dragão na caverna.
Mas saibas, criança sem nome e nação,
que minha alma latina - eterno porto de abrigo -
canta-a nesta balada final.
Para além de Cabul e Kandahar,
há alguém que ora por ti e teu destino repleto de vazio.
Algum dia, quando cessarem a tirania e a miséria,
talvez te reconheças no recorte da fria geografia do deserto,
e possas, quem sabe, me apontar flores na ponta do fuzil.
[ Foto distribuída pelo Fórum Social Mundial/2009 ]
Luís Rosemberg Filho
(2001/2002)
- Clique na imagem para ampliá-la -
BALAIO PORRETA 1986
n° 2766
Rio, 28 de agosto de 2009
Eu tenho um sonho. Que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
(Martin Luther KING. Eu tenho um sonho, em 28/8/1963)
COM VIGOR E COM AFETO
Moacy Cirne
Permaneço deserta para me ler
em cada pedaço de meu ser
(Tchi)
em cada pedaço de meu ser
(Tchi)
A partir dos anos 80, alijado pela indústria cinematográfica nacional, que, com raras exceções, sucumbira ao padrão global de qualidade hollywoodiana, o cineasta Luís Rosemberg Filho, autor de Assuntina das Amérikas, passou a se dedicar à produção "caseira" de vídeos muitas vezes experimentais. Em cerca de 25 anos, realizou mais de 30 curtas e médias, investindo num olhar crítico - de matriz godardiana - nem sempre compreendido pelo leitor/espectador acostumado à imbecilização do discurso cinematográfico dominante.
Se alguns o acusam de fazer um cinema por demais "literário", por demais "panfletário", convém determinar, com olhos livres (vide Oswald de Andrade), o lugar histórico dessa "literatura", dessa "panfletagem" aparentemente deslocada no tempo e no espaço. O seu espaço é o espaço da palavrimagem, em última instância. É, de igual modo, o espaço da politização da forma, mais do que da politização da imagem, que, por si, já existe politicamente, não apenas de modo conjuntural, mas de modo estrutural.
Neste sentido, pode-se dizer que a sua cinevideografia, em sendo estimulante, em sendo múltipla e criadora - mesmo quando dela nos distanciamos -, tem-se pautado por duas vertentes que se configuram simbolicamente. De um lado, na maioria das realizações, por um discurso político - eventualmente agressivo - aberto ao agenciamento amoroso, por mais estranho que isso possa parecer a muitos. De outro lado, sobretudo em títulos mais recentes, por um discurso amoroso aberto ao agenciamento político.
É o caso do inédito Afeto.
Realizado com extrema delicadeza, Afeto - como o título já indica -, em seus mínimos detalhes, quer na maneira como é lida uma carta que o sustenta enquanto encenação temática (carta, aliás, que, a partir de uma emocionante voltagem existencial, é apresentada com bastante propriedade cênica), quer nas várias homenagens ao próprio cinema (Antonioni, Tarkóvski, Tarr, em particular) , é antes de mais nada um cinevídeo afetuoso. Tecnicamente afetuoso. Formalmente afetuoso. Tematicamente afetuoso.
Fotografado com sensibilidade e bom bom gosto por Renaud Leenhardt - colaborador de outras obras rosemberguianas - e parcialmente interpretado por uma expressiva e talentosa Denise Solot, Afeto é uma joia rara. É preciso vê-lo. É preciso amá-lo. É preciso divulgá-lo.
Se alguns o acusam de fazer um cinema por demais "literário", por demais "panfletário", convém determinar, com olhos livres (vide Oswald de Andrade), o lugar histórico dessa "literatura", dessa "panfletagem" aparentemente deslocada no tempo e no espaço. O seu espaço é o espaço da palavrimagem, em última instância. É, de igual modo, o espaço da politização da forma, mais do que da politização da imagem, que, por si, já existe politicamente, não apenas de modo conjuntural, mas de modo estrutural.
Neste sentido, pode-se dizer que a sua cinevideografia, em sendo estimulante, em sendo múltipla e criadora - mesmo quando dela nos distanciamos -, tem-se pautado por duas vertentes que se configuram simbolicamente. De um lado, na maioria das realizações, por um discurso político - eventualmente agressivo - aberto ao agenciamento amoroso, por mais estranho que isso possa parecer a muitos. De outro lado, sobretudo em títulos mais recentes, por um discurso amoroso aberto ao agenciamento político.
É o caso do inédito Afeto.
Realizado com extrema delicadeza, Afeto - como o título já indica -, em seus mínimos detalhes, quer na maneira como é lida uma carta que o sustenta enquanto encenação temática (carta, aliás, que, a partir de uma emocionante voltagem existencial, é apresentada com bastante propriedade cênica), quer nas várias homenagens ao próprio cinema (Antonioni, Tarkóvski, Tarr, em particular) , é antes de mais nada um cinevídeo afetuoso. Tecnicamente afetuoso. Formalmente afetuoso. Tematicamente afetuoso.
Fotografado com sensibilidade e bom bom gosto por Renaud Leenhardt - colaborador de outras obras rosemberguianas - e parcialmente interpretado por uma expressiva e talentosa Denise Solot, Afeto é uma joia rara. É preciso vê-lo. É preciso amá-lo. É preciso divulgá-lo.
BALADA PARA UMA CRIANÇA ORFÃ DO AFEGANISTÃO
Paulo Jorge Dumaresq
[ in Nariz de Defunto ]
Não sei teu nome
tatuado na mão do destino.
Nem sequer desconfio que exista felicidade
para além das montanhas
que abrigam o dragão na caverna.
Mas saibas, criança sem nome e nação,
que minha alma latina - eterno porto de abrigo -
canta-a nesta balada final.
Para além de Cabul e Kandahar,
há alguém que ora por ti e teu destino repleto de vazio.
Algum dia, quando cessarem a tirania e a miséria,
talvez te reconheças no recorte da fria geografia do deserto,
e possas, quem sabe, me apontar flores na ponta do fuzil.
[ Foto distribuída pelo Fórum Social Mundial/2009 ]
22 comentários:
Uma resenha para levar ao Afeto. E um texto para nos levar à Compaixão. Hoje estou bastante iluminado...
Eu tenho um sonho. Que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
(Martin Luther KING. Eu tenho um sonho, em 28/8/1963)
Eu também tenho um sonho: que minha filha e todas as crianças afro-descendentes não desistam de lutar por seus direitos para que um dia o sonho de Matin Luther King possa se realizar verdadeiramente.
Bjs.
arrepiada com o poema, com a criança... com a vida?
Oi, Moa
É um prazer vir aqui e encontrar seus textos. Essa resenha, como o Henrique disse, nos leva ao Afeto.
O post está lindo e emocionante.
Um beijo e um cheiro.
Estou com saudade.
Reencontro antigas ternuras da alma quando o visito.
(Acantha)
sim, tudo muito bonito. a imagem da menina é de uma beleza gritante. pensei nas meninas da "cidade do sol" do housseini, meio credor em estadunidismos, mas de passagens assim também gritantes, sobretudos as de parto e essas coisas infantis e comoventes...
isso me leva ao afeto. o rosemberg é fodão mesmo, e toda asua equipe idem. fazem um trabalho de video-arte-consciencia com crianças e adolescentes. uma belezura.
beijo, moacy :)
"I have a dream..."
Gosto particularmente deste "sonho" de Luther King. E a minha voz já o disse em nome deste grande lutador. E quando o disse comoveu almas
A vida é um sonho real se deixarmos que ela seja por dentro. Tudo o que é fora de nós pode matar-nos.
Mas não te assustes (rsrsrs)
Obrigada pelo teu afecto.
Beijinhos
Moacy, vi ontem esta série de fotos das crianças afegãs e me emocionei. Com este poema então...
E você me fez lembrar um poeminha sobre o afeto:
terá o homem,
em sua eterna busca,
descoberto o antídoto
que neutraliza o mal,
que quando se aproxima
atinge e aniquila?
— o homem sempre soube:
basta o afeto.
— o afeto?
— o afeto.
e o mundo será bom.
"tem dias que a gente se sente, como quem partiu ou morreu..." hoje eu estou emocionada e lá vem o seu moacy cirne me comover ainda mais! beleza de postagem, moa! e os olhos dessa menina fincaram-se de vez na minha alma!
besos
eu sumi... virei anônima... besos
Mestre, o ensaio sobre o Afeto de Luís Rosemberg Filho encheu-me os olhos. É leitura obrigatória. Ainda lembro quando vimos no auditório da Funcarte a exibição de Assuntina das Amérikas, obra-primíssima do cinema marginal. Obrigado pela postagem do poema e amanhã zarparei para Sampa. Uma semana na Paulicéia ensopando-me de cultura. Aquele abraço.
Professor, esta foto e este poema, como diria Drummond, deixaram-me comovido feito o diabo!
______________________
Aliás, que honra danada essa de ver meu resumo nesta obra-prima de página! Assim eu tomo dois conhaques!
Obrigado pelo carinho!
Tudo de bom com essa aula que tive através dessa postagem, vem de encontro ao que descobri hoje _ que o dia 7 de setembro é também o "Dia do Grito dos Excluídos".
Dá prá pensar ou prá chorar.
Mas deveria ser carnaval, só assim...se grita mesmo que por metáforas.
Moacy, três coisas:
1. Não conheço a produção do Rosemberg de vídeos experimentais, mas gosto bastante dos seus textos e colagens, não são nada convencionais. Foi através do Poema Processo e do Balaio que tive acesso a uma parte dos seus trabalhos.
2. Na segunda-feira fui assistir o encerramente de um Encontro de Cellos na Sala cecília Meirelles. Foi bem bom! Por algum tempo procurei por você na platéia, uma amiga que também é blogueira me brincou dizendo que eu estava ali querendo encontrar uma celebridade da blogosfera!Haha.
3. Lá no Arquivo Cidade do Rio de Janeiro tem uma coleção sobre Imprensa Alternativa. É possível fazer a pesquisa através da página virtual da instituição. Fui lá e agendei para ver alguns exemplares, entre eles estava o Balaio. Ainda não voltei lá.
Abraços.
Belo post e excelente o poema de Dumaresq. Por sinal, estou gostando do que ele escreve.
Abraços.
Oi Moacy.
1. De arrepiar, o poema.
2. Depois do elogio entusiasmado, só resta ver o Afeto.
3. O Inter não foi roubado. O Bolívar é que desaprendeu a jogar.
Um abraço.
Nssa, moacy,
fiquei realmente emocionada.Teu poema é um lamento, uma prece de desejos...tomara que possamos enxergar flores nesse fuzil...
Minha cara ADRIANA:
O poema, na verdade, é de Paulo Jorge Dumaresq. Apenas o editei com uma foto que me pareceu adequada.
Um beijo.
sua resenha é du caralho!
Meu mais profundo MUITO OBRIGADO PELA TUA VIDA, SUA EXISTÊNCIA E SOBRETUDO PELA SUA AMIZADE.
DIANTE DE TI ME CURVO E TE REVERENCIO.
Grande abraço.
MUITA LUZ.
Lindo Moacy!
Rever um dos discursos mais belos do Martin, emocionou-me e muito!
A foto e o poema de Jorge Dimaresk, acabou comigo!
Que mundo é esse!
Parabenizo-o por tão bela postagem e por nos trazer sempre à realidade!
Gratidão!
Beijos
Mirse
Moa,
Vc é um grande cronista cinematográfico. Estilo literário no ver / dizer. O poema para uma órfã é de uma delicadeza que não se mimetiza: pare-se. Infalsificável.
Abração,
Marcelo.
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