Mulata brasileira Oxun
Zea Jara Yovani
BALAIO PORRETA 1986
n° 2771
Rio, 2 de setembro de 2009
o realismo, em arte, é grego
o alegorismo, é hebraico
(Cesare PAVESE. O ofício de viver, 1952)
AMARELO-PÁLIDO
Marcelo Movaes
[ in Prosas Poéticas ]
Não sei de onde veio esse cheiro de coentro na tua mão esquerda. Nem você sabe. Tua mulher não gosta de coentro, nem você. E ela não cozinhou esta noite. Acabou o gás. E ela fez as mamadeiras dos bebês [gêmeos] no chuveiro quente. A luz, ainda não cortaram. Só na semana que vem. E ainda que andando sob um sol amarelo-pálido, você está todo suado, com esta camisa flanelada, cheirando a mão esquerda, sem entender nada. Parece um cheiro errado. Já faz tempo que você não come na casa de outra mulher, nem em nenhum boteco. Você tomou jeito. E não tem dinheiro. Há sempre o dia do acerto. Não foi boa coisa sair com essa camisa flanelada, sem nada por baixo, porque o suor te encharca o corpo. E você não fica sem camisa fora de casa. Há contravenções às quais você não se permite, ainda que tenha andado de skate, cinco anos atrás, na contramão das avenidas principais. Uma vez, no camburão. Mas agora é outra hora. Hora da responsabilidade. Da responsa. De levar pra casa leite e pão. De uma forma ou de outra. Pedindo ou tomando emprestado. Se existe ainda alguma sorte neste seu caminho [sem sul e sem norte], é tua mulher já ter parado de chorar. E estar dormindo, abraçada aos dois bebês. Não mais famintos. E sair esse cheiro que não se desprega de você.
Zea Jara Yovani
BALAIO PORRETA 1986
n° 2771
Rio, 2 de setembro de 2009
o realismo, em arte, é grego
o alegorismo, é hebraico
(Cesare PAVESE. O ofício de viver, 1952)
O GÊNIO DA RAÇA
Ascenso Ferreira
[ in Catimbó, 1927 ]
Eu vi o Gênio da Raça!!!
(Aposto como vocês estão pensando que eu vou falar de
Rui Barbosa.)
Qual!
O Gênio da Raça que eu vi
foi aquela mulatinha chocolate
fazendo o passo do siricongado
na terça-feira de carnaval!
PRA NÃO PREVARICAR
Nina Rizzi
[ in Ellenismos ]
eu quero a poesia de unhas roxas de terra
dos sem-terrinha, mais papagens que visagens
da reintegração de posse: nossa história,
nós sujeitos e arremates, quiçá solturas.
o texto que grita o corpo meu e dele
gasto o que quiser, gosto, desinvasão
ninsense, resoluta, ri-se
em ode, batê-lata, bicicletada:
os meus aneis, alegres, soturnos, te vão
feito de recuerdos, doces anelos mais que imposturas.
como aos colares, raimbows de nossa liberdade
(ou ao que disso cremos)
o meu poema é pra salvar menino.
TROVAS
José Lucas de Barros
[ in Caminhada, 1998 ]
O mar é monstro sagrado,
mas fragilmente desmaia
quando beija apaixonado
os lábios quentes da praia.
Quando a jangada flutua
sobre as águas, ao luar,
é uma lágrima da lua
nos olhos verdes do mar.
Do ninho azul das estrelas
me veem sonhos de esplendor,
e foi de sonhar e vê-las
que me tornei trovador.
EU QUE NÃO SABIA
Márcia
/a partir de uma indicação de Sheyla Azevedo/
[ in Parece Que Foi Assim ]
Ascenso Ferreira
[ in Catimbó, 1927 ]
Eu vi o Gênio da Raça!!!
(Aposto como vocês estão pensando que eu vou falar de
Rui Barbosa.)
Qual!
O Gênio da Raça que eu vi
foi aquela mulatinha chocolate
fazendo o passo do siricongado
na terça-feira de carnaval!
PRA NÃO PREVARICAR
Nina Rizzi
[ in Ellenismos ]
eu quero a poesia de unhas roxas de terra
dos sem-terrinha, mais papagens que visagens
da reintegração de posse: nossa história,
nós sujeitos e arremates, quiçá solturas.
o texto que grita o corpo meu e dele
gasto o que quiser, gosto, desinvasão
ninsense, resoluta, ri-se
em ode, batê-lata, bicicletada:
os meus aneis, alegres, soturnos, te vão
feito de recuerdos, doces anelos mais que imposturas.
como aos colares, raimbows de nossa liberdade
(ou ao que disso cremos)
o meu poema é pra salvar menino.
TROVAS
José Lucas de Barros
[ in Caminhada, 1998 ]
O mar é monstro sagrado,
mas fragilmente desmaia
quando beija apaixonado
os lábios quentes da praia.
Quando a jangada flutua
sobre as águas, ao luar,
é uma lágrima da lua
nos olhos verdes do mar.
Do ninho azul das estrelas
me veem sonhos de esplendor,
e foi de sonhar e vê-las
que me tornei trovador.
EU QUE NÃO SABIA
Márcia
/a partir de uma indicação de Sheyla Azevedo/
[ in Parece Que Foi Assim ]
E eu que da vida pouco sabia, inventei de amar tão cedo.
Inventei de me atirar no poço fundo do desejo.
De cruzar a escuridão do labirinto sem o fio do novelo noite longa céu despido tremendo de medo.
Eu que não sabia de armadilhas nem conhecia de abismos e atropelos, de dor de adeus desencanto e solidão, de aperto no peito soco no estômago desesperança desilusão.
Não sabia. Nem imaginava. E inventei de amar, assim, desavisada.
Pois mais, muito mais cedo de amar tinha inventado, soubesse de magia, tanto encanto e maravilha, paz em desassossego, plenitude em agonia.
De sorte inventei eu de amar tão cedo. Do contrário não vivia pra morrer de tantas mortes.
Não teria tantas vezes renascido.
Inventei de me atirar no poço fundo do desejo.
De cruzar a escuridão do labirinto sem o fio do novelo noite longa céu despido tremendo de medo.
Eu que não sabia de armadilhas nem conhecia de abismos e atropelos, de dor de adeus desencanto e solidão, de aperto no peito soco no estômago desesperança desilusão.
Não sabia. Nem imaginava. E inventei de amar, assim, desavisada.
Pois mais, muito mais cedo de amar tinha inventado, soubesse de magia, tanto encanto e maravilha, paz em desassossego, plenitude em agonia.
De sorte inventei eu de amar tão cedo. Do contrário não vivia pra morrer de tantas mortes.
Não teria tantas vezes renascido.
AMARELO-PÁLIDO
Marcelo Movaes
[ in Prosas Poéticas ]
Não sei de onde veio esse cheiro de coentro na tua mão esquerda. Nem você sabe. Tua mulher não gosta de coentro, nem você. E ela não cozinhou esta noite. Acabou o gás. E ela fez as mamadeiras dos bebês [gêmeos] no chuveiro quente. A luz, ainda não cortaram. Só na semana que vem. E ainda que andando sob um sol amarelo-pálido, você está todo suado, com esta camisa flanelada, cheirando a mão esquerda, sem entender nada. Parece um cheiro errado. Já faz tempo que você não come na casa de outra mulher, nem em nenhum boteco. Você tomou jeito. E não tem dinheiro. Há sempre o dia do acerto. Não foi boa coisa sair com essa camisa flanelada, sem nada por baixo, porque o suor te encharca o corpo. E você não fica sem camisa fora de casa. Há contravenções às quais você não se permite, ainda que tenha andado de skate, cinco anos atrás, na contramão das avenidas principais. Uma vez, no camburão. Mas agora é outra hora. Hora da responsabilidade. Da responsa. De levar pra casa leite e pão. De uma forma ou de outra. Pedindo ou tomando emprestado. Se existe ainda alguma sorte neste seu caminho [sem sul e sem norte], é tua mulher já ter parado de chorar. E estar dormindo, abraçada aos dois bebês. Não mais famintos. E sair esse cheiro que não se desprega de você.
NOTAS HUMORÍSTICO-ESPORTIVAS DA PRK-30
com Lauro Borges e Castro Barbosa,
na Rádio Nacional, provavelmente no final dos anos 40
[ in No ar: PRK-30!, 2003 ]
Megatério anuncia no Hipólito da Gávea, em Madureira, o jogo de futebol ao cesto entre os quadros da Associação Atlética Botafogo Futebol Clube de Remo e o Mau Sucesso¹ de Regatas. 'Otelo Trigueiro' irradia:
"Diretamente do Estrado de São Januário, nas Laranjeiras, ao lado do Morro do Pinto², ouvem a palavra desprovida de pigarros e isenta de perdigotos do maior espícler esportivo de primeira classe.
Com uma assistência calculejada em mais ou menos uma porção de gente, vai ter início dentro de poucas horas o começo da grande pelada entre o São Cristofles F.C. e o América Central.
Berascochetti movimenta o couro cabeludo cabeceando a bola no sentido de seus companheiros. A esfera coral está agora com Careca, que se carecateriza pela violência de seus arremessos e desfere um pelotaço de arrepiar os cabelos.
Berinjela defende, controla a bola, suspende com a cabeça, controla novamente, passa para o pé direito. Esse passa para o Pé de Valsa, que suspende para a cabeça de Cabeção.
Agora é Santa Maria, que combina muito bem com Santo Cristo. Joga mal o juiz. Pelo meu canômetro faltam apenas 99 minutos para completar meia hora de jogo. (Megatério lê anúncio)
Enquanto meu colega dava esse anúncio, foram conquistados cinco gols, três para cada bando. Vence portanto o time que está jogando do outro lado do relógio pelo escore de 2 a 1. Tito Schippa escapa, entra na área de Rigoletto. A assistência tenta invadir o campo, porém a Cavalaria Rusticana tosca o pessoal para fora. Esse juiz é um pagliacci".
"Oh, Leão Cavalo!", acrescenta Megatério. E Otelo: "Agora ninguém sabe onde puseram a bola. Está ex-Traviata a bola!"³
Informa o lusitano Megatério: "O jogo realizado entre portugueses e argentinos teve o seguinte resultado: portugueses 4, argentinos... (Gongo) ... não interessa!" Otelo intervém: "Como é que não interessa, rapaz! Argentina, 10". Megatério: "O que interessa é o jogo do Vasco, que acabou oxo". Otelo: "Oxo? Que negócio de oxo é esse?" Megatério: "Antão, 0-x-0. Quer dizer, zero a zero, oxo!"
Notas do Balaio:
¹ Referência irônica ao Bonsucesso, agremiação futebolística do Rio. Há também, no decorrer do texto, uma referência ao São Cristóvão, campeão carioca de 1926.
² Leia-se: "Estádio de São Januário, em São Cristóvão, em frente à Barreira do Vasco", sendo que, na época, dificilmente o espaço na frente do estádio cruzmaltino era conhecido como tal.
³ Referências a famosas óperas italianas: Rigoletto e La Traviata, de Giuseppe Verdi; Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni; I Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo. E Tosca é uma ópera de Giacomo Puccini.
com Lauro Borges e Castro Barbosa,
na Rádio Nacional, provavelmente no final dos anos 40
[ in No ar: PRK-30!, 2003 ]
Megatério anuncia no Hipólito da Gávea, em Madureira, o jogo de futebol ao cesto entre os quadros da Associação Atlética Botafogo Futebol Clube de Remo e o Mau Sucesso¹ de Regatas. 'Otelo Trigueiro' irradia:
"Diretamente do Estrado de São Januário, nas Laranjeiras, ao lado do Morro do Pinto², ouvem a palavra desprovida de pigarros e isenta de perdigotos do maior espícler esportivo de primeira classe.
Com uma assistência calculejada em mais ou menos uma porção de gente, vai ter início dentro de poucas horas o começo da grande pelada entre o São Cristofles F.C. e o América Central.
Berascochetti movimenta o couro cabeludo cabeceando a bola no sentido de seus companheiros. A esfera coral está agora com Careca, que se carecateriza pela violência de seus arremessos e desfere um pelotaço de arrepiar os cabelos.
Berinjela defende, controla a bola, suspende com a cabeça, controla novamente, passa para o pé direito. Esse passa para o Pé de Valsa, que suspende para a cabeça de Cabeção.
Agora é Santa Maria, que combina muito bem com Santo Cristo. Joga mal o juiz. Pelo meu canômetro faltam apenas 99 minutos para completar meia hora de jogo. (Megatério lê anúncio)
Enquanto meu colega dava esse anúncio, foram conquistados cinco gols, três para cada bando. Vence portanto o time que está jogando do outro lado do relógio pelo escore de 2 a 1. Tito Schippa escapa, entra na área de Rigoletto. A assistência tenta invadir o campo, porém a Cavalaria Rusticana tosca o pessoal para fora. Esse juiz é um pagliacci".
"Oh, Leão Cavalo!", acrescenta Megatério. E Otelo: "Agora ninguém sabe onde puseram a bola. Está ex-Traviata a bola!"³
Informa o lusitano Megatério: "O jogo realizado entre portugueses e argentinos teve o seguinte resultado: portugueses 4, argentinos... (Gongo) ... não interessa!" Otelo intervém: "Como é que não interessa, rapaz! Argentina, 10". Megatério: "O que interessa é o jogo do Vasco, que acabou oxo". Otelo: "Oxo? Que negócio de oxo é esse?" Megatério: "Antão, 0-x-0. Quer dizer, zero a zero, oxo!"
Notas do Balaio:
¹ Referência irônica ao Bonsucesso, agremiação futebolística do Rio. Há também, no decorrer do texto, uma referência ao São Cristóvão, campeão carioca de 1926.
² Leia-se: "Estádio de São Januário, em São Cristóvão, em frente à Barreira do Vasco", sendo que, na época, dificilmente o espaço na frente do estádio cruzmaltino era conhecido como tal.
³ Referências a famosas óperas italianas: Rigoletto e La Traviata, de Giuseppe Verdi; Cavalleria Rusticana, de Pietro Mascagni; I Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo. E Tosca é uma ópera de Giacomo Puccini.
17 comentários:
boa noite/madrugada, Moa!
adorei os poemas, mas o da Ninóca é de salvar menino e gente grande também :)
aqui no Balaio a palavra é sempre desprovida de pigarros e isenta de perdigotos! bão dimais.
beijo
o balaio é de salvar menino!!
besos
Muita boa essa postagem, Moacy. Lauro Borges e Castro Barbosa formaram uma dupla humorística muito apreciada no rádio daqueles tempos. E que bom reler Ascenso! Um abraço.
Moa,
O menino está salvo. A narrativa humorístico-futebolística redime o pior jogo. E a Márcia, que alegou nada saber, soube.
Abração,
Marcelo.
este post ficou super interessante, moacy. imagem e textos - e comentários - que dialogam. muito bom. abraços.
moacy,
como sempre é uma honra estar aqui. agradeço, visse, bichinho.
eu detesto coentro. das manias cearenses acho que é a pior.. é que eles colocam em TUDO que fazem. tenho a impressão de que tira o sabor dos outros alimentos...
bem, é preciso demuito humor pra sobreviver. e que trovas, companheiro, que trovas!!! eu e meu mar e a jangada do caymmi que saiu pro mar... seria essa a mulata que me perfumaria a cama de alecrim e fazia as rezas pr'eu voltar? bem que fosse..
então, estive na fronteira do ceará e natal. eu iria esticar as bandas, mas... perdemos pro rio.. rsrsrs..
bejo, moacy. estamos salvos :D
Bons poemas, para não fugir a regra. Sensacional o pessoal da PRK 30.
Um abraço.
Moacy,
Pra agradecer o privilégio de figurar no seu Balaio (de ouro), cercada de tanta belezura!
E pela desenviazada no olhar sobre o "Parece".
Obrigada também a Marcelo Novaes, cujo lugar que importa sigo de perto, sempre.
Muitos beijos aos dois,
Márcia
Olá, Mocy!
Adorei o poemas. Amo o mar gostei misde lre o trecho de Caminhad do José Lucas.
Ilário o pssoal da RK 30. Muito bom!
Foi ótimo vir ao Balaio.
Show!
Muita paz! Beijssssssssss
Oie...de novo!
Meu teclado aqui do escritório está muito ruim...
Perdoe-me os erros de digiação.
Mais paz...mais beijosssssss
uma antologia das boas...
vou dizer que amo a ninette, só isso!
boa e significativa coletânea de poemas. Acertou em cheio. Destaque para Nina Rizzi. beijo.
O Balaio está cada vez melhor.Essa Nina Rizzi é danadinha.Mestre, a solenidade de inauguração da Galeria dos Imortais do Bar de Ferreirinha foi adiada para o dia 26 de setembro.Um abraço.
Nada como a beleza da mulata brasileira! Eu me orgulho!
Nina como sempre é destaque e dos melhores, também José Lucas de Barros, em Trovas, gostei!
Marcelo Novaes....SEM COMENTáRRIOS. tUDO QUE ESLE ESCREVE É MUITO BOM!
Só não comento o futebol, porque não entendo.
As óperas são maravilhosas: Rigoletto, La traviata e Tosca, são maravilhosas!
Parabéns, amigo!
Beijos
Mirse
Saudações Moacy,
este Balaio tá um Trem belíssimo
trilhando...
na frente a arte e em cada vagão-palavras-textos-poemas da melhor qualidade
Namastê Nina
Namastê crianças sem-terra, crianças sem-terrinha
Lindo Trovas do José
Maravilha de indicação da Sheila
a Márcia que não sabia, mas escreveu, eu também não sabia, mas fiquei...
que doido esta sequencia do Marcelo, gosto de coentro
Jeanne lá embaixo
todo este de cima, que foto heim!?
Mirse, Ânima da Adrianna e Fetiche da Renata.
Se me permite uma minifestação
O PRÉ-SAL É NOSSO!!!!!!
dá-lhe governo Lula pra cima desta direita escrota, que tão rasgando o cu com a unha de inveja, explícito nos discursos resmungados, enquanto a mídia agourenta e terrorista e do tipo, quanto pior melhor, critica as comemorações, AAAAAAAA êta direita infeliz
vi uma charge otésima, na floresta um bicho tucano beijando uma foto da Marina, ela se equivocou feio
inté e tudo de bom
Parabéns e um abraço
só mais coisa
fiquei pinicando de curiosidade de assistir Anticristo
beijo
Mestre,
lindo o poema da Márcia. Aqui sempre venho e levo algo bonito. Por isso sinto saudades de vir aqui.
Beijos carinhosos
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