Açude Totoró, em Currais Novos - RN
Foto de
Hugo Macedo
BALAIO PORRETA 1986
n° 2799
Natal, 1 de outubro de 2009
Minha cisterna secou
Na estiagem prolongada
De tua ausência
(Fernanda PASSOS. 'Aridez', in Poesia na Veia)
POEMA de
CHICO DOIDO DE CAICÓ
Eu sou mais devasso e enjeitado
Do que o baitola Velocidade
Eu escrevo mais besteira
Do que a mulher cabaceira
Eu falo mais difícil e enfeitado
Do que o doidelo Mocidade
Eu sou mais cruel e sonso
Do que o sargentão Afonso
Eu sou mais eu sou menos sou pior
Sou tudo sou mais ou menos
Sou um doido que pensa que é
Chico Doido de Caicó.
Foto de
Hugo Macedo
BALAIO PORRETA 1986
n° 2799
Natal, 1 de outubro de 2009
Minha cisterna secou
Na estiagem prolongada
De tua ausência
(Fernanda PASSOS. 'Aridez', in Poesia na Veia)
HÁBITO
Camilo Rosa
[ in Papel Passado ]
cravo unhas
no que sobrou
de tua liberdade
ímpar perfeição
minha mão
em concha
molde
de teu alto
relevo
PERSUASÃO
Márcia Maia
[ in Em queda livre, 2005 ]
as palavras me amanhecem
estrangeiras
sobre a cama escondidas
nos lençóis
e me amarram e me vendam
e me amordaçam
traiçoeiras
para que eu nunca mais ouse
escrever versos a ti.
Camilo Rosa
[ in Papel Passado ]
cravo unhas
no que sobrou
de tua liberdade
ímpar perfeição
minha mão
em concha
molde
de teu alto
relevo
PERSUASÃO
Márcia Maia
[ in Em queda livre, 2005 ]
as palavras me amanhecem
estrangeiras
sobre a cama escondidas
nos lençóis
e me amarram e me vendam
e me amordaçam
traiçoeiras
para que eu nunca mais ouse
escrever versos a ti.
POEMA de
CHICO DOIDO DE CAICÓ
Eu sou mais devasso e enjeitado
Do que o baitola Velocidade
Eu escrevo mais besteira
Do que a mulher cabaceira
Eu falo mais difícil e enfeitado
Do que o doidelo Mocidade
Eu sou mais cruel e sonso
Do que o sargentão Afonso
Eu sou mais eu sou menos sou pior
Sou tudo sou mais ou menos
Sou um doido que pensa que é
Chico Doido de Caicó.
PRIMEIRO MANDAMENTO
Paulo de Tarso Correia de Melo
[ in Rio dos homens, 2002 ]
Coronel Chiquinho não chegava
a desejar mal ao próximo.
Apenas perguntava:
Com tanta cascavel desocupada
por aí, como é que gente ruim
no mundo não se acaba?
MANHÃZINHA
Wescley J. Gama
[ in A Taberna ]
toda vez que a lenha estalava no fogo
o cheiro do café gritava,
acordando todo mundo
Paulo de Tarso Correia de Melo
[ in Rio dos homens, 2002 ]
Coronel Chiquinho não chegava
a desejar mal ao próximo.
Apenas perguntava:
Com tanta cascavel desocupada
por aí, como é que gente ruim
no mundo não se acaba?
MANHÃZINHA
Wescley J. Gama
[ in A Taberna ]
toda vez que a lenha estalava no fogo
o cheiro do café gritava,
acordando todo mundo
Do BARÃO DE ITARARÉ
[ in AlManhaque, 2° semestre 1955 ]
[ in AlManhaque, 2° semestre 1955 ]
Grave engano
Muitos homens casados falam do casamento como de uma desgraça, não percebendo que se trata apenas de uma besteira.
Ultimatum
O prefeito de Paraguaçu Paulista recebeu o seguinte ultimatum dos presos recolhidos ao presídio municipal: "Ou consertam esta cadeia ou nós fugimos!"
LIVROS, AUTORES & CREPÚSCULOS
Moacy Cirne
[ in Balaio n° 2180, de 6 de dezembo de 2007 ]
Eu vi uma coisa. Coisa mesmo. Eram dez horas da noite na Praça Tiradentes e o táxi corria. Então eu vi uma rua que nunca mais vou esquecer. Não vou descrevê-la: ela é minha. Só posso dizer que estava vazia e eram dez horas da noite. Nada mais. Fui porém germinada. (Clarice LISPECTOR. A descoberta do mundo [9/12/1967]. Rio de Janeiro : Rocco, 1999, p.51)
O universo interior de Clarice Lispector sempre desafiou seus leitores mais atentos. Dizer que se pautava em uma espécie de "delírio ontológico" talvez nos leve a divagações metafísicas sem maiores consequências críticas. Afinal, o seu "delírio" era por demais concreto, mesmo quando suas viagens literárias apontavam para a imaginação em transe. Não nos esqueçamos: Clarice é um dos nomes capitais da literatura brasileira. Ao lado de Machado, Graciliano e Guimarães Rosa. A rigor, um dos nomes capitais nos mais diversos sentidos.
Mas façamos um exercício de especulação ficcional. Tentemos descobrir que rua inesquecível era essa, uma rua que a germinou para todo o sempre. Seria uma Rua Perto do Coração Selvagem? Ou simplesmente uma Rua da Imaginação Delirante, Habitada por Fadas e Bruxas? Decerto, não se tratava da Rua da Carioca (ou se tratava?), nem tampouco da Rua da Constituição, muito menos da Rua Sete de Setembro ou da Avenida dos Passos, ou ainda da Rua Pedro Primeiro, ou da Rua Visconde do Rio Branco, que desemborcam na tradicional Praça Tiradentes.
Entre nuvens e neblinas, depois de reler alguns dos melhores contos de Ray Bradbury, acredito que Clarice Lispector simplesmente viajou para o passado, para os tempos do Rossio - futura Praça Tiradentes. Lá, por volta de 1825, existia o o Teatro de São João (transformado, décadas depois, no Teatro João Caetano) e a Rua da Carioca ainda era a Rua do Piolho. Na mesma época, no interior do Rio Grande do Norte, o famoso padre e político Brito Guerra era um dos maiores mulherengos de Caicó. Mas, claro, disso Clarice não sabia.
Mas devia saber que a Praça Tiradentes, que já fora Rossio, também fora Campo dos Ciganos. Antes mesmo de ser Rossio, quando não passava de um simples pantanal abandonado, longe da "civilização", habitado por alguns poucos ciganos, considerados "infames" pelos registros coloniais existentes. Na verdade, seu lugar de origem era a atual Rua da Constituição, que liga a Praça Tiradentes ao Campo de Santana, ou seja, Praça da República. Ouso dizer: Clarice Lispector, ucraniana de nascimento, era uma cigana da escrita.
Daí a sua viagem em dezembro de 1967, quando a Praça Tiradentes já era um espaço privilegiado de prostitutas, homossexuais e malandros de todas as espécies. Mas também era - e ainda é - o espaço do Teatro João Caetano, do Teatro Carlos Gomes e da gafieira Estudantina (aliás, será que ainda existe?), além, nas proximidades, do Centro de Artes Hélio Oiticica e do Real Gabinete Português. E mais: do centenário Bar Luiz, na Rua da Carioca. A Praça Tiradentes tem história (segundo dizem, foi lá que enforcaram o dito cujo, daí o nome).
A Praça Tiradentes tem história e histórias. Histórias de amantes desesperados, de loucuras inconfessáveis, de enforcamentos políticos. E de uma Clarice Lispector que um dia viu uma coisa: uma rua que, enquanto viveu, nunca mais saiu de sua lembrança. Provavelmente, a Rua do Piolho, sim, a Rua do Piolho, que abrigaria, no início do século XX, já como Rua da Carioca, o Cinema Íris. Sim, lembro-me perfeitamente de tê-la encontrado, nos idos de 1919, numa sessão do Íris. Para ver um filme de Tom Mix. Lembro-me bem do seu ar de felicidade quando a sessão terminou.
Muitos homens casados falam do casamento como de uma desgraça, não percebendo que se trata apenas de uma besteira.
Ultimatum
O prefeito de Paraguaçu Paulista recebeu o seguinte ultimatum dos presos recolhidos ao presídio municipal: "Ou consertam esta cadeia ou nós fugimos!"
LIVROS, AUTORES & CREPÚSCULOS
Moacy Cirne
[ in Balaio n° 2180, de 6 de dezembo de 2007 ]
Eu vi uma coisa. Coisa mesmo. Eram dez horas da noite na Praça Tiradentes e o táxi corria. Então eu vi uma rua que nunca mais vou esquecer. Não vou descrevê-la: ela é minha. Só posso dizer que estava vazia e eram dez horas da noite. Nada mais. Fui porém germinada. (Clarice LISPECTOR. A descoberta do mundo [9/12/1967]. Rio de Janeiro : Rocco, 1999, p.51)
O universo interior de Clarice Lispector sempre desafiou seus leitores mais atentos. Dizer que se pautava em uma espécie de "delírio ontológico" talvez nos leve a divagações metafísicas sem maiores consequências críticas. Afinal, o seu "delírio" era por demais concreto, mesmo quando suas viagens literárias apontavam para a imaginação em transe. Não nos esqueçamos: Clarice é um dos nomes capitais da literatura brasileira. Ao lado de Machado, Graciliano e Guimarães Rosa. A rigor, um dos nomes capitais nos mais diversos sentidos.
Mas façamos um exercício de especulação ficcional. Tentemos descobrir que rua inesquecível era essa, uma rua que a germinou para todo o sempre. Seria uma Rua Perto do Coração Selvagem? Ou simplesmente uma Rua da Imaginação Delirante, Habitada por Fadas e Bruxas? Decerto, não se tratava da Rua da Carioca (ou se tratava?), nem tampouco da Rua da Constituição, muito menos da Rua Sete de Setembro ou da Avenida dos Passos, ou ainda da Rua Pedro Primeiro, ou da Rua Visconde do Rio Branco, que desemborcam na tradicional Praça Tiradentes.
Entre nuvens e neblinas, depois de reler alguns dos melhores contos de Ray Bradbury, acredito que Clarice Lispector simplesmente viajou para o passado, para os tempos do Rossio - futura Praça Tiradentes. Lá, por volta de 1825, existia o o Teatro de São João (transformado, décadas depois, no Teatro João Caetano) e a Rua da Carioca ainda era a Rua do Piolho. Na mesma época, no interior do Rio Grande do Norte, o famoso padre e político Brito Guerra era um dos maiores mulherengos de Caicó. Mas, claro, disso Clarice não sabia.
Mas devia saber que a Praça Tiradentes, que já fora Rossio, também fora Campo dos Ciganos. Antes mesmo de ser Rossio, quando não passava de um simples pantanal abandonado, longe da "civilização", habitado por alguns poucos ciganos, considerados "infames" pelos registros coloniais existentes. Na verdade, seu lugar de origem era a atual Rua da Constituição, que liga a Praça Tiradentes ao Campo de Santana, ou seja, Praça da República. Ouso dizer: Clarice Lispector, ucraniana de nascimento, era uma cigana da escrita.
Daí a sua viagem em dezembro de 1967, quando a Praça Tiradentes já era um espaço privilegiado de prostitutas, homossexuais e malandros de todas as espécies. Mas também era - e ainda é - o espaço do Teatro João Caetano, do Teatro Carlos Gomes e da gafieira Estudantina (aliás, será que ainda existe?), além, nas proximidades, do Centro de Artes Hélio Oiticica e do Real Gabinete Português. E mais: do centenário Bar Luiz, na Rua da Carioca. A Praça Tiradentes tem história (segundo dizem, foi lá que enforcaram o dito cujo, daí o nome).
A Praça Tiradentes tem história e histórias. Histórias de amantes desesperados, de loucuras inconfessáveis, de enforcamentos políticos. E de uma Clarice Lispector que um dia viu uma coisa: uma rua que, enquanto viveu, nunca mais saiu de sua lembrança. Provavelmente, a Rua do Piolho, sim, a Rua do Piolho, que abrigaria, no início do século XX, já como Rua da Carioca, o Cinema Íris. Sim, lembro-me perfeitamente de tê-la encontrado, nos idos de 1919, numa sessão do Íris. Para ver um filme de Tom Mix. Lembro-me bem do seu ar de felicidade quando a sessão terminou.
20 comentários:
embarcas nos voos de clarice - embarco nos teus voos - e assim, uns nas asas dos outros, jamais aterrissamos!
besos
Moacy,
delicioso o balaio de hoje. Os poemas são ótimos (a Marcia Maia em sua melhor forma) e quanto ao seu texto, estou com a líria (sinhá!!): embarco nos teus voos voando nos voos da clarice.
beijo
Já incorporei o Primeiro Mandamento - é de torar - Clarice é sempre alumbramento e te invejo Moacy pela sessão de cinema (quem sabe em outra ficção eu me transporte para lá). Abração.
Moa,
As palavras que (sadomasoquistamente) amordaçaram Márcia, a Manhãzinha e a presunção de Chico-Doido-do-Caicó-Amalucado acordaram a minha manhã paulistana.
Abração,
Marcelo.
Moacy, somente o texto da rua da Clarice ou da Clarice e a sua rua, já me melhoraria o dia e o final de semana. Mas o Balaio também é poesia então, esse post está mais que especial nesse início de outubro. Um cheiro grande, S.
"as palavras me amanhecem
estrangeiras"...
Só isso tudo já bastava o post, mas, como sempre, o camarada Moa traz uma Gama de coisas boas... Abraços e saudades de nossos papos noir!
adorei a foto do hugo macedo. beijos, pedrita
Oi Moacy!
Que beleza de BALAIO!
Todos os poemas sem exceção de grande beleza.
O "fator" Clarice, que adoro como escritora e pessoa, me lembrou o meu pai que me proibia e à minha mãe de passar pela Rua "JOGA A CHAVE MEU AMOR", atual ih esqueci, acho que fica entre a Rodolfo Dandas e... Bem era chamado Beco das Garrafas. E eu achava que o marido da digníssima esposa como era a minha mãe tinha esquecido a chave. Nunca entendi o porque de não passar por ali, mas até os dias de hoje evito.
Muiro legal!
Beijos
Mirse
ai, a praça tiradentes. ai, aausência...
recuérdos sin berguencia porraqui...
Oi Moacy.
É um privilégio viajar pelo universo de Clarice com você na direção. Sentei na janelinha e curti a viagem.
***
Vigoroso o sintético poema da Fernanda Passos.
***
CDC dispensa comentários. É o cara.
Um abraço.
Moacy, voltei para comentar a foto, que me impressionou.
Lindo esse açude, o nome Totoró, tem algo a ver com o cavalinho branquinho? Bem Parabéns HUGO MACEDO!
Conseguiu uma bela foto.
Beijos
Mirse
Queria entrar nesse açude aí...hehehe
um abraço
Queria entrar nesse açude aí...hehehe
um abraço
Oi querido
só comunicando que transferi o link do balaio pra cafeteria. O Estranhos está passando por mudanças...estranhas...rss
esmaques
Muito bom Moacy, adorei o poema da Marcia Maia...
bjo
nannnnnn moacy!!!
esse balaio hoje tá rechonchudo todo!!!
primeiro essa foto linda do hugo, desse nosso berço que nos salva do esquecimento, nosso açude totoró, tão caro à história curralense, tão belezas, tão doçuras, tantas poesias inspiradas em seu leito.
depois essa leva infestada de gente de prima, inquietando nossos corações com lirismo impagável, beleza inalterável. dentre eles a manhãzinha do grande e lindo wescley, poema que quase vi romper madrugadas aqui nessas terras de totoró.
e por último, clarice lispector que, a cada aparição, em qualquer lugar do mundo, atormenta e apaixona, ainda mais sendo dedilhada a mãos tão sensíveis como a desse dono de balaio, poesia, vida e mais.
grandes beijos aqui do seridó, com gosto de águas do totoró!
Esta foto e esta MANHÃZINHA, que encanto, Moacy.
Beijos
Moacy, Chico Doido de Caicó é foda...Tá lá no Bloguinho.
E este foi feito para quem nasceu e foi criado no interior. Continua um garimpeiro de preciosidades raras.
Um abraço!
sim.
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