Clique na imagem
para ver um dos melhores
e mais inquietantes curtas
da história do cinema,
segundo a minha leitura
crítico-afetivo-libertinária:
Prólogo
(2004),
do cineasta húngaro
Bela Tarr
BALAIO PORRETA 1986
n° 2390
Rio, 5 de agosto de 2008
As vitórias da técnica parecem ser adquiridas por meio da perda do caráter. No mesmo ritmo em que a humanidade domina a natureza, o homem parece se tornar escravo de outros homens ou de sua própria infâmia. Até mesmo a pura luz da ciência parece incapaz de brilhar a não ser sobre o pano de fundo sombrio da ignorância.
(Karl MARX. Discurso, 1856)
QUEM É BELA TARR
Nascido em 1955, na Hungria, o cineasta Bela Tarr é, hoje, um dos mais prestigiados diretores do cinema europeu. Seu curta Prólogo é uma pequena obra-prima. Mas são seus longas que têm causado espanto e admiração, como o extraordinário Danação, de 1988, e o cultuado Satan's tango, de 1994 (por enquanto, só conheço-o parcialmente), que mereceu o seguinte comentário da ensaísta americana Susan Sontag: "Devastador, fascinante, em cada minuto de suas sete horas. Ficaria feliz de vê-lo todo ano pelo resto de minha vida".
REGIONALISMO/UNIVERSALISMO
O ótimo Substantivo Plural, editado em Natal por Tácito Costa, abriu espaço para uma discussão ainda atual, nem que seja por questões econômicas e editoriais. Abriu espaço, como o faz, aliás, para qualquer tema de ordem cultural, entre seus leitores, muitos deles poetas, historiadores e ficcionistas. No caso, a discussão das implicações regionais no interior do "ser universal". Ou vice-versa, bem entendido. Sobre o assunto também tenho minhas (in)certezas.
Quando faço um poema/processo, por exemplo, por mais universal que seja, carrego o sertão dentro de mim. Do mesmo modo, quando escrevo sobre quadrinhos, humor gráfico, literatura fantástica e ficção científica. Sim, sim, é verdade: quando vejo um filme de Antonioni, por mais europeu que possa ser, vejo-o com os olhos de um homem marcado pelo cheiro da terra molhada nos invernos & veredas do sertão, do meu sertão.
Quando escuto Bach, Monteverdi, Charpentier, Beethoven, Coltrane, Parker, Davis ou Pixinguinha, ou Paulinho da Viola, ou Naná Vasconcelos, com suas diferenças musicais e culturais, sinto-me completo e realizado como ser humano. Um ser humano nascido e criado em pleno Seridó. Ouvindo cordel e Luiz Gonzaga, saboreando canjica, pamonha e queijo de coalho - fatos culturais que, até hoje, fazem parte da minha vida. Seja no Rio, seja em Caicó.
Tem mais, muito mais. Quando vou ao Maracanã torcer pelo Fluminense, um eterno amor (nas vitórias e nas derrotas), ou ao Frasqueirão para ver o ABC, sou mais caba da peste do que nunca. Ou quando, em política, luto pelo socialismo, sou ao mesmo tempo regional e universal. Karl Marx e Luiz Maranhão, Antonio Gramsci e Astrojildo Pereira - todos eles me são importantes para uma dada visão de mundo. Afinal, marxista sou, seridoense sempre fui.
Mas é preciso avançar, é preciso sonhar, é preciso ousar: realizo-me, com a plenitude do meu seridoísmo, ao lerouvir&ver Godard, Joyce e Graciliano Ramos, Welles, Eisner e Guimarães Rosa, Renoir, Kafka e Henfil, Visconti, McCay e Clarice Lispector, Glauber Rocha, Pratt e Cervantes, Maiakóvski, João Cabral e Murilo Mendes, Miguel Cirilo, José Bezerra Gomes e Luís Carlos Guimarães. E Urbano Medeiros. E outros muitos. E outros mundos. Sempre e sempre.
Se carrego em cada palavra um Itans, em cada gesto um Poço de Santana, em cada olhar um Cinema Pax, em cada emoção um Rio Carioca, em cada espanto uma vontade de viver, por que me prender à dicotomia regional/universal? Por quê? Por quê? "Tudo vale a pena/ se a alma não é pequena", já dizia um poeta. Dos maiores. Dos mais universais. Sendo português. Sendo Fernando Pessoa.
n° 2390
Rio, 5 de agosto de 2008
As vitórias da técnica parecem ser adquiridas por meio da perda do caráter. No mesmo ritmo em que a humanidade domina a natureza, o homem parece se tornar escravo de outros homens ou de sua própria infâmia. Até mesmo a pura luz da ciência parece incapaz de brilhar a não ser sobre o pano de fundo sombrio da ignorância.
(Karl MARX. Discurso, 1856)
QUEM É BELA TARR
Nascido em 1955, na Hungria, o cineasta Bela Tarr é, hoje, um dos mais prestigiados diretores do cinema europeu. Seu curta Prólogo é uma pequena obra-prima. Mas são seus longas que têm causado espanto e admiração, como o extraordinário Danação, de 1988, e o cultuado Satan's tango, de 1994 (por enquanto, só conheço-o parcialmente), que mereceu o seguinte comentário da ensaísta americana Susan Sontag: "Devastador, fascinante, em cada minuto de suas sete horas. Ficaria feliz de vê-lo todo ano pelo resto de minha vida".
REGIONALISMO/UNIVERSALISMO
O ótimo Substantivo Plural, editado em Natal por Tácito Costa, abriu espaço para uma discussão ainda atual, nem que seja por questões econômicas e editoriais. Abriu espaço, como o faz, aliás, para qualquer tema de ordem cultural, entre seus leitores, muitos deles poetas, historiadores e ficcionistas. No caso, a discussão das implicações regionais no interior do "ser universal". Ou vice-versa, bem entendido. Sobre o assunto também tenho minhas (in)certezas.
Quando faço um poema/processo, por exemplo, por mais universal que seja, carrego o sertão dentro de mim. Do mesmo modo, quando escrevo sobre quadrinhos, humor gráfico, literatura fantástica e ficção científica. Sim, sim, é verdade: quando vejo um filme de Antonioni, por mais europeu que possa ser, vejo-o com os olhos de um homem marcado pelo cheiro da terra molhada nos invernos & veredas do sertão, do meu sertão.
Quando escuto Bach, Monteverdi, Charpentier, Beethoven, Coltrane, Parker, Davis ou Pixinguinha, ou Paulinho da Viola, ou Naná Vasconcelos, com suas diferenças musicais e culturais, sinto-me completo e realizado como ser humano. Um ser humano nascido e criado em pleno Seridó. Ouvindo cordel e Luiz Gonzaga, saboreando canjica, pamonha e queijo de coalho - fatos culturais que, até hoje, fazem parte da minha vida. Seja no Rio, seja em Caicó.
Tem mais, muito mais. Quando vou ao Maracanã torcer pelo Fluminense, um eterno amor (nas vitórias e nas derrotas), ou ao Frasqueirão para ver o ABC, sou mais caba da peste do que nunca. Ou quando, em política, luto pelo socialismo, sou ao mesmo tempo regional e universal. Karl Marx e Luiz Maranhão, Antonio Gramsci e Astrojildo Pereira - todos eles me são importantes para uma dada visão de mundo. Afinal, marxista sou, seridoense sempre fui.
Mas é preciso avançar, é preciso sonhar, é preciso ousar: realizo-me, com a plenitude do meu seridoísmo, ao lerouvir&ver Godard, Joyce e Graciliano Ramos, Welles, Eisner e Guimarães Rosa, Renoir, Kafka e Henfil, Visconti, McCay e Clarice Lispector, Glauber Rocha, Pratt e Cervantes, Maiakóvski, João Cabral e Murilo Mendes, Miguel Cirilo, José Bezerra Gomes e Luís Carlos Guimarães. E Urbano Medeiros. E outros muitos. E outros mundos. Sempre e sempre.
Se carrego em cada palavra um Itans, em cada gesto um Poço de Santana, em cada olhar um Cinema Pax, em cada emoção um Rio Carioca, em cada espanto uma vontade de viver, por que me prender à dicotomia regional/universal? Por quê? Por quê? "Tudo vale a pena/ se a alma não é pequena", já dizia um poeta. Dos maiores. Dos mais universais. Sendo português. Sendo Fernando Pessoa.
9 comentários:
Para mim, Moacy, essa questão universalismo/regionalismo não tem o relevo que muitos procuram dar. O homem é o mesmo, seja em Nova York, seja em Conceição do Mato Dentro (MG). A cultura, os costumes é que são diferentes entre os países, até entre regiões de um mesmo país. Você citou Fernando Pessoa. Mas ou esqueceu, ou não achou necessário citar, a célebre frase de Tolstoi, segundo a qual se o escritor quiser ser universal, fale de sua aldeia. Um abraço.
SOBREIRA, não me esqueci. Apenas, por ser muito conhecida, não me pareceu necessário citá-la. Para a feitura do artigo, para o que eu pretendia dizer, preferi ficar com Fernando Pessoa. De resto, outros autores poderiam ser citados, não é mesmo? Um abraço.
Ótimo texto, Moacy! Mundomacunaimãginário que nos atrai atropomagicamente... Tenho em mim um spagheti a la pescatori neri numa cantina numa tarde chuvosa em Siena assim como um pão doce (huuummmmm!!!) numa tarde em Pirangi chegando na Kombi azul com Q-Suco vermelho... Prefiro ser da região da lua...
Queria que o mundo todo fosse isso aqui! Com uma pitada de Borges!!
Um beijão para o caríssimo amigo Moacy
PORRETA é o BALAIO!
Agora com vídeos.
Eu gosto.
Abraços,
Douglas Thomaz.
PORRETA é o BALAIO!
Agora com vídeos.
Eu gosto.
Abraços,
Douglas Thomaz.
Passei apenas para me reabastecer de cultura querido amigo!
é fantástica a idéia de curtas!parabéns! seu espaço é gostoso, com cheiro de pós-sertão. sou caicoense voltando as origens e cada vez mais maravilhada com a minha re-leitura daqui. um abraço.
Caro Moacy,
Procurei seu email, ou emeio como vocês dizem, e não encontrei.
Depois da sua visita atrevo-me a
manifestar o meu interesse em entrar em contacto consigo sobre a possibilidade de publicação de alguns dos seus escritos aqui no meu blog.Pode contactar-me por
a.recalcitrante@gmail.com
Já andei a pesquisar e tive a grata surpresa de ver que alguém hoje fala do baião de Luis Gonzaga.
Tem no seu perfil muitos interesses que nos são comuns...
Sei que está ligado a Tião Nunes, amigo de meu amigo, o poeta Romério Rômulo.
Se este meu pedido lhe merecer uma palavra...Fantástico!
Um abraço da Meg
PS:Tomei a liberdade de linkar seu blog.
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