domingo, 31 de maio de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA

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o final
de
Ordet / A palavra
(Carl T. Dreyer, 1955)
um dos grandes filmes europeus
da história do cinema mundial


BALAIO PORRETA 1986
n° 2678
Rio, 31 de maio de 2009

O sentido religioso do mundo escapa à sensibilidade. Ordet é uma espécie de tragédia teológica, sem a menor
concessão ao terror.

(André Bazin. O cinema da crueldade, 1975)


TEXTOPOEMA
Mariana Botelho
[ in Suave Coisa ]

o poeta é um mar de si mesmo.


EXERCÍCIO POÉTICO
Flávio Corrêa de Mello
[ in Rio Movediço ]

No quarto sentado
no colo do meu corpo
me desafio conhecer
estas paredes que me narram
no centro das vigas e no visgo
do concreto sem poros.
Por ora assisto o desfolhar
dos cupins expondo o estertor
do mofo e do aniquilamento
no armário e nos lençóis,
enquanto na janela do quarto
um black-out estendido
derrete as cinzas de sol
e esconde para além
o além dos meus pensamentos.



INVESTE
Rubens Guilherme Pesenti
[ in Poemastigando ]


CREPÚSCULO DE UM FAUNO
Henrique Pimenta
[ in Bar do Bardo ]

0.
quem dá pensão às entranhas de Deus?
a terra

1.
as folhas não desejam a quietude
e se arrepiam
em carrilhão de suspense

2.
as borboletas
multíplices e irisadas
pelo condão de sua gênese laminar

3.
a flor é uma
anomalia do verde
como um sol recluso
estúpida de beleza
resiste por existência mínima

4.
espinhos?
a farra da infância
sua ingenuidade lanceia víboras
ao torso da adolescência rubra
um aroma de gengibre
recende

5.
cintila ao horizonte
a cegueira lilás
...
por um colibri


Fragmentos do
DICIONÁRIO DO DIABO
Ambrose Bierce
(1842-1913)
Trad. Jorge Arnaldo Fortes, 1973

Absurdo - Declaração ou crença manifestamente discordante da nossa opinião. - Qualquer objeção levantada a este excelente dicionário.

Advogado - Pessoa hábil em burlar a lei.

Aliança - Em política internacional, a união de dois ladrões que teem as mãos de tal modo enfiadas nos bolsos um do outro que não podem separadamente pilhar um terceiro.

Antiamericano - Perverso, intolerável, pagão.

Chato - Sujeito que fala quando queremos que ouça.

Covarde - Alguém que numa emergência arriscada
pensa com as pernas.


Deplorável - O estado de um inimigo ou adversário após um choque imaginário conosco.

Diplomacia - A arte honrosa de mentir pela pátria.

Infiel - Em Nova Iorque, alguém que não crê na religião cristã; em Constantinopla, o que crê.

Liberdade - Um dos mais preciosos bens da imaginação.

Niilista - Um russo que nega a existência de tudo, menos de Tolstoi. O chefe da escola é Tolstoi.

Orar - Pedir que as leis do universo sejam anuladas em favor de um peticionário isolado confessadamente imerecedor.

Religião - mUma filha da esperança e do medo, explicando à ignorância a índole do incognoscível.

Zeus - O chefe dos deuses gregos, adorado pelos romanos como Júpiter e pelos americanos modernos como Deus, ouro, povo ou cão. (...)


POEMA DE CHICO DOIDO DE CAICÓ
(1922-1971)

O primeiro sessenta e 9
A gente nunca esquece.
Já dizia Platão, já dizia Raquel,
já dizia Camonge.

O primeiro sessenta e 9
a gente sempre bebe.
Já dizia o prefeito, já dizia a puta,
já dizia o monge.

sábado, 30 de maio de 2009

FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
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uma das cenas finais de
O ébrio
(Gilda de Abreu, 1946)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2677
Rio, 30 de maio de 2009

Exibido em Caicó em 1950/51, O ébrio - com Vicente Celestino - conseguiu a proeza de levar ao cinema de Seu Clóvis até mesmo o meu pai. Acredito que em toda a sua vida, Seu Luís não deve ter visto mais de cinco ou seis filmes. O ébrio foi um deles. Por aí se vê como a obra de Gilda de Abreu - o maior dramalhão da história do cinema brasileiro - marcou a vida social e cultural de uma cidade interiorana, na ocasião com aproximadamente 5 mil habitantes. Lembro-me perfeitamente: no final de cada sessão, a começar por Seu Clóvis e suas irmãs, o chororô era geral. A expressão "cinema de lágrimas", que coroaria igualmente alguns títulos mexicanos, não nasceu por acaso. Sem dúvida, trata-se de um filme importante, apesar de suas deficiências técnicas e de sua estética discutível.


Memória 1978
OS MELHORES CONTOS DA LITERATURA MUNDIAL
[ in Revista de Cultura Vozes, Petrópolis - RJ, setembro de 1978 ]

Na opinião de Moacyr Scliar (RS):

1. Despertar (Babel)
2. O nariz (Gogol)
3. Colônia penal (Kafka)
4. Acender um fogo (London)
5. Missa do galo (Machado de Assis)
6. O ousado rapaz do trapézio suspenso (Saroyan)
7. O inimigo (Tchecov)
8. Objetos sólidos (Woolf)
9. Arábia (Joyce)
10. Bontzie, o silencioso (Peretz)


Na opinião de Murilo Rubião (MG):

1. O poço e o pêndulo (Poe)
2. Os exilados de Poker Flat (Harter)
3. Quatro encontros (James)
4. Missa do Galo (Machado de Assis)
5. Acender um fogo (London)
6. Bola de sebo (Maupassant)
7. A luz da outra casa (Pirandello)
8. Os assassinos (Hemingway)
9. O capote (Gogol)
10. Uma rosa para Emily (Faulkner)

Segundo José Paulo Paes (SP):

A queda do Solar de Usher (Poe)
O grande inquisidor (Dostoiévski)
Um conto de Natal (Dickens)
Olhos mortos de sono (Tchecov)
O homem de areia (Hoffmann)
A escrita de Deus (Borges)
Fricassé astrológico (Miller)
Um artista da fome (Kafka)
O retábulo de Santa Joana Carolina (Osman Lins)
5.271.009 (Bester)


Segundo Nei Leandro de Castro (RN):

1. Olhos mortos de sono (Tchecov)
2. Meu tio o iauaretê (Guimarães Rosa)
3. Uns braços (Machado de Assis)
4. O aniversário da princesa infanta (Wilde)
5. Folhas vermelhas (Faulkner)
6. O último bom lugar (Hemingway)
7. Um dia ideal para os peixes-banana (Salinger)
8. O colar de brilhantes (Maupassant)
9. Infância de um chefe (Sartre)
10. A lição de canto (Mansfield)

Segundo Tarcísio Gurgel (RN):

Missa do Galo (Machado de Assis)
Auto-estrada do sul (Cortázar)
Os funerais da Mamãe Grande (Márquez)
Episódio do inimigo (Borges)
A terceira margem do rio (Guimarães Rosa)
Kaschtanka (Tchecov)
Escaramuça contra Sartoris (Faulkner)
O piano (Aníbal Machado)
Torotumbo (Astúrias)
A morte de D.J. em Paris (Roberto Drummond)

Segundo Benedito Nunes (PA):

1. A lenda de São Julião, o hospitaleiro (Flaubert)
2. Olhos mortos de sono (Tchecov)
3. A morte de um cavalo (Tolstói)
4. Cocorico! (Melville)
5. Cantiga de esponsais (Machado de Assis)
6. Casa tomada (Cortázar)
7. O grande passeio (Clarice Lispector)
8. Turpid smoke (Nabokov)
9. The chinago (London)
10. A terceira margem do rio (Guimarães Rosa)

Segundo Gilberto Mendonça Teles (GO/RJ):

1. O violino de Cremona (Hoffmann)
2. O barril de amontilado (Poe)
3. O colar de brilhantes (Maupassant)
4. O Dr. Sabe Tudo (Maugham)
5. A igreja do diabo (Machado de Assis)
6. Angústia (Tchecov)
7. O ferreiro da catarata (Mikhaszáth)
8. O machado (Quiroga)
9. Desenredo (Guimarães Rosa)
10. Verão (Cortázar)

Na opinião de Antônio Torres (BA/RJ):

1. O alienista (Machado de Assis)
2. A hora e vez de Augusto Matraga (Guimarães Rosa)
3. Folhas vermelhas (Faulkner)
4. Uma rosa para Emily (Faulkner)
5. A curta e feliz existência de Francis Macomber (Hemingway)
6. O fim (Borges)
7. O homem da esquina rosada (Borges)
8. Balada do café triste (McCullers)
9. O perseguidor (Cortázar)
10. Babilônia revisitada (Fitzgerald)

Na opinião de Francisco Sobreira (CE/RN):

Missa do Galo (Machado de Assis)
A causa secreta (Machado de Assis)
Continuidade dos parques (Cortázar)
Casa tomada (Cortázar)
Viagem aos seios de Duília (Aníbal Machado)
A terceira margem do Rio (Guimarães Rosa)
O encontro (Borges)
Porque somos muito pobres (Rulfo)
Uma rosa para Emily (Faulkner)
Mademoiselle Perle (Maupassant)

Na opinião de Moacy Cirne (RN/RJ):

1. A biblioteca de Babel (Borges)
2. A cor que veio do espaço (Lovecraft)
3. O flautista (Bradbury)
4. William Wilson (Poe)
5. Uma ocorrência na ponte de Owl Creek (Bierce)
6. Uma odisséia marciana (Weinbaum)
7. Em memória de Paulina (Casares)
8. A terceira margem do rio (Guimarães Rosa)
9. A cidade do tempo (Ballard)
10. Aqui há tygres (Bradbury)


POEMA
Li Tai Pô
[ in Germina Literatura ]

Na vida
é preciso tanto seriedade
quanto delírio.
Se tiveres mais de um pão,
vende um
e compra um lírio.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

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o belíssimo choro
Bole bole
(Jacob do Bandolim, 1967)
interpretado pelo Trio Madeira Brasil
& conjunto, incluindo
Zé da Velha e Silvério Pontes
[ Dica: Nina Rizzi]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2676
Rio, 29 de maio de 2009

Contradigo-me? Pois bem, então contradigo-me.
Sou extenso, contenho multiplicidades.
(Walt WHITMAN, citado por Nydia Bonetti)


50 ANOS DA REVISTA SENHOR
Na história do jornalismo cultural brasileiro nada se compara à revista Senhor (lançada no Rio em março de 1959; encerrada em janeiro de 1964). Quer temática, quer graficamente, a revista - que pretendia ser voltada para o público masculino, sem apelações machistas, mas que logo atingiu o público feminino - primou pela excelência de seus colaboradores: textos ficcionais inéditos de Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Antônio Callado, Aníbal Machado, Truman Capote, James Baldwin, Albert Camus, Mary MacCarthy, entre muitos outros, poemas de João Cabral, ilustrações de Jaguar (na quase totalidade), Fortuna, Marius, fotos diversas, além de textos críticos e/ou ensaísticos de José Guilherme Merquior, Glauber Rocha, Ferreira Gullar, Eneida, José Honório Rodrigues, Luiz Lobo, Sérgio Porto, Alex Viany, Salvyano Cavalcanti de Paiva, Jean-Paul Sartre, e assim por diante. E mais as entrevistas. E mais as criativas e variadas capas, algumas delas assinadas por Glauco Rodrigues. E os números especiais (sobre o carnaval, o Natal, a mulher)? Verdadeiras preciosidades. Durante muito tempo, Reynaldo Jardim foi seu diretor. Ah, sim: havia uma ótima seção - quase um encarte - com o nome de Balaio. Uma coleção completa da Senhor, hoje, vale uma pequena fortuna -
por seu valor literário, por seu valor artístico,
por seu valor editorial.


Publicada na Senhor de abril de 1962
A ENTREVISTA DE ANTONIO MARIA
COM VINICIUS DE MORAIS
que resultou no
DECÁLOGO DO POETA PARA A MULHER AMADA

"1 - Amar a mulher amada sobre todas as coisas.
2 - Não tomar o seu santo nome em vão,
e não brincar em serviço.
3 - Guardar todos os domingos para ela
e fazer-lhes milhões de festas.
4 - Ser um pouco pai dela e ela um pouco a mãe da gente.
5 - Só matá-la de amor, ou por amor.
6 - Pecar o mais possível contra a sua castidade.
7 - Nunca furtar para dar-lhe coisas.
Furtar é um crime vil
e a mulher que ama precisa respeitar o seu homem.
8 - Ser absolutamente discreto em tudo
que se relacione à mulher em geral.
9 - Fazer toda a força possível para não desejar
a mulher do próximo.
O preço do amor é uma eterna vigilância.
10 - Não cobiçar as coisas alheias,
pois à mulher que ama, basta-lhe o amor do ser amado".

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Pastorais taitianas
(1893)
Paul Gauguin


BALAIO PORRETA 1986
n° 2675
Rio, 28 de maio de 2009

A poesia de Jó é sempe assombrosa em sua força e inventividade. Sua compressão permite possibilidades múltiplas de interpretação, correspondendo à visão de realidade aberta e não resolvida do autor. Ela é um veículo maravilhosamente apropriado para um escritor empenhado em estimular-nos a ver as coisas de maneiras novas.
(Moshe GREENBERG, in Guia literário da Bíblia, 1987)


O LIVRO DOS LIVROS
(31b)

Texto estabelecido por Escribas Anônimos

O Livro de Jó da Silva e Silva
- Parte 2 -

E a aposta foi sacramentada entre o Senhor das Sombras e o Senhor das Alturas, sem os acréscimos propostos pelo Anjo Subalterno, mas com uma condição imposta pelo Altíssimo: se Ele vencesse, doaria os prêmios para o futuro Ginásio Diocesano Seridoense, em Caicó; se o vencedor fosse o Anjo Escorregadio, o prêmio seria doado para as raparigas do Cai Pedaço e do Pinga Pus, igualmente na Caicó do futuro.

E assim aconteceu. E aconteceu assim.

No primeiro dia após a aposta, graças ao poder do Senhor das Sombras, desabou um toró dos diachos(¹) sobre o sítio de Jó da Silva e Silva. E mais de 1000 raios caíram sobre os seus bois, ovelhas e jumentos. Todos morreram. E morreram todos. Em seguida, os filhos e as filhas se afogaram quando tentavam atravessar o Rio Acauã.

Ao saber do fato, Jó da Silva e Silva momentaneamente ficou lelé da cuca, rasgou a roupa que o cobria, raspou a cabeça, chutou as paredes de sua casa, urrou feito um cão raivoso e disse aos berros:

"Nu saí do ventre de minha mãe
e nu voltarei para lá.
O Senhor deu, o Senhor tirou
bendito seja o nome do Senhor.
Daqui não saio
daqui ninguém me tira"(²).

E sua mulher, também abatida, consolou-o. E seus vizinhos, espantados com o estranho e cruel acontecimento, consolaram-no. E Paulo Balá Bezerra o consolou. E os demais amigos o consolaram. Todos, como bons seridoenses, mostraram-se solidários.

Mas atroz era o seu sofrimento.
Mas terrível era a sua dor.
Mas 1000 vezes maldita era a sua tristeza.

E no segundo dia, diante dos amigos, o desesperado Jó disse:

"Senhor das Alturas, eu Te adoro,
mas por que não morri já no ventre materno,
ou pereci ao sair de suas entranhas?
Por que me recebeu um regaço
e peitos me amamentaram?"

E repetiu:
"Senhor das Alturas, eu Te respeito,
mas por que não morri ao deixar o ventre materno,
ou pereci ao sair das entranhas?
Por que me recebeu um regaço
e seios me deram de mamar(³)".

E a esposa e os amigos choraram com ele e não sabiam o que dizer.

Ao longe, do alto da Serra da Lagoa Seca, o Senhor das Alturas disse: "Como fui idiota em me deixar enrolar pelo Senhor das Sombras. Afinal, como Criador de todo universo, se sou o Verbo Divino, não era para ter duvidado(ª¹) da perseverança de Jó, o meu bom e honesto Jó".

E o Senhor das Sombras retrucou: "Se és o Verbo Divino, sou o Substantivo Plural(ª²). Aposta é aposta. Tenho mais cinco dias para me consagrar como vencedor".

(Continua)

Notas:

(¹) Toró dos diachos : Pé d'água apaideguado; chuva de proporções bíblicas [Paid'égua : enorme].
(²) Os dois versos finais, que lembram uma famosa música carnavalesca do século XX da Era Comum, são atribuídos à loucura momentânea de Jó da Silva e Silva, com implicações metafísicas e antropológicas.
(³) Nos dois casos de poeticidade explícita, os Escribas Anônimos valeram-se do teólogo Luis Stademanannius, da família das Vozes Petropolitanas, excetuando-se os dois versos mencionados na nota anterior.
(ª¹) Haveria aqui uma possível contradição do texto bíblico? Afinal, o Senhor das Alturas fora bastante firme na parte incial do relato de Jó: em nenhum momento, Ele duvidou da Fé do cearense-seridoense.
(ª²) Substantivo Plural : Diz-se daquele que é adepto da seita medieval dos substantivistas fanáticos por arte e literatura, sob a coordenação do alquimista Tacitus Costaverdi. [Em tempo: seus membros não se consideravam "substantivistas" e sim "Substantivos", assim como os poetas concretos do séc. XX da Era Comum rejeitam a expressão "poesia concretista".] Seria então o Senhor das Sombras um Substantivo Plural? Nenhum Concílio Ecumênico - seja o de Caicó, seja o de Acari, seja o de São José do Serido, sejam os demais - chegou a uma conclusão teológica definitiva sobre a questão assim colocada.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Rua da Consolação, em São Paulo
Foto recente de
Fábio Candeias
in
Internetcidade


BALAIO PORRETA 1986
n° 2674
Rio, 27 de maio de 2009

eu te amo
porque não te amo mais
e porquê não te amo mais
te amo tanto assim
(Sheyla AZEVEDO. (In)coerências, in Bicho Esquisito)


OFÍCIO
Antônio Morais de Carvalho
[ in Jogo de sentidos, 1986 ]

Não quero o poema-perfeito:
O fastio dos Deuses,
A bondade do Diabo,
O Verbo,
A Bomba!

Não quero o poema-perfeito:
Eu sei que o ultrapasso
Ao tocar o seu mistério.

Não quero o poema-perfeito,
O último-poema:
A poesia
É meu ofício cotidiano.



O ADEUS DOS POETAS
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

No dia em que os poetas
se disserem adeus,
a alma humana se perderá
no escuro da palavra.



GLOSSÁRIO SERIDOENSE: ALGUNS EXEMPLOS
[ in Palavreado cá de nós. Caicó, 2007,
de Max Antonio Azevedo de Medeiros ]

Ababacado : Desatinado; Sem rumo; Bobo; Tolo.
Abalufado : Cheio de si; Metido.
Abancado : Sentado; Acomodado.
Abudegado : Afobado; Nervoso; Colérico.
Abuticado : Arregalado; Saliente.
Acatrozado : Diz-se do indivíduo sem iniciativa.
Acatruzar : Aborrecer; Apoquentar; Importunar.
Achuvalhada : Roupa levemente amarrotada, ou um pouco úmida.
Adoidaiado : Desatinado; Sem rumo; Bobo; Tolo.
Afolozado : Frouxo demais; Rasgado; Estragado; Roto.
Afrescaiar : Enfeitar; Adornar; Ornamentar.
Afuleimado : Briguento; Velentão; Inflamado.
Afulibar : Alisar [ficar sem dinheiro; ficar liso]; Perder até o saco da bufa.
Agarramento : Contato voluptuoso; Esfregação; Sarro.
Aguar : Irrigar; Regar; Molhar.
Aleruado : Doido; Besta; Idiota.
Aloprar : Agitar; Reagir com violência.
Aluado : Doido; Distraído; Amalucado; Bobo.
Amigado : Que vive maritalmente; Amancebado.
Amoquecar : Fraquejar; Acovardar-se; Fugir da luta.
Amunhecar : Cair; Fraquejar; Fugir da luta.
Amorrinhado : Deprimido; Enfraquecido; Alquebrado.
Ânus : Anel de couro; Anel de peia; Ás de copas; Bicho preto; Boca de ninho; Boga; Bosteiro; Bufante; Buzanfan; Copo de sola; Enrugadinho; Farinheiro; Fedegoso; Fiofó; Flozô; Foba; Fogareiro; Fogoió; Fonfom; Foroboscoite; Forobosquito; Franzido; Frezado; Frinfa; Frosquete; Fruta rara; Fuamba; Furiboca; Glorioso; Gobilha; Lata de doce; Quinca; Rodela; Roseira; Taioba; Zereguedé.
Apiolado : Doido; Desmiolado.
Apocado : Acanhado; Envergonhado.
Apragatado : Achatado; Esmagado.
Aprochegado : Chegado; Aproximado; Amigo íntimo.
Arataca : [Armadilha para capturar pequenos animais]
Arengar : Brigar; Discutir.
Arenzê : Barulho; Zoada; Alarido.
Arisia : Conversa fiada; Mentira; Papo furado.
Aritica : Coisa nenhuma.
Arretado : Legal; Bacana; Bonito; Elegante.
Arromba-peito : [Cigarro de palha, feito com fumo forte]
Arroz-de-festa : [Indivíduo assíduo freqüentador de festas]
Arrudião : [No futebol, o drible da vaca]
Atochar : Fazer entrar de qualquer maneira; Apertar.
Atubibar : Perseguir; Aporrinhar; Importunar.
Azucrinar : Atananazar; Aborrecer; Aperrear.
Baixa-da-Égua : Lugar indeterminado.
Baixio : Terras de boa qualidade no sertão.
Bate-saco : O ato sexual; Cópula; Coito.
Beradeiro : Matuto; Simplório; Otário; Caipira.
Bife-do-oião : Ovo estrelado.
Bode : Confusão; Complicação; Indivíduo namorador.
Bololô ; Desordem; Briga; Confusão; Arruaça.
Brechar : Espiar; Olhar escondido; Olhar pelas brechas.
Bucho-furado : [Indivíduo que não guarda segredos]
Buchuda : Grávida.
Bunda-cagada : [Indivíduo insignificante, sem importância]
Buceta : Bacurinha; Bandeirinha; banguela; Barbuda; Beloncha; Buçanha; Cara-preta; Florzinha; Gaveta; Giribel; Gloriosa; Passarinha; Perseguida; Porta-jóia; Prexeca; Priquita; Priquito; Tabaca; Tabaco; Talhada; Tareco; Xana; Xaranha; Xereca; Xiba; Xibiu; Xota; Xoxota.

Algumas expressões porretas:

A cobra vai fumar - A situação vai piorar.
A dar com pau - Em grande quantidade.
A merda virou boné - Deu tudo errado.
Acabar na peia - Levar uma surra.
Acabar no caritó - Ficar solteirona.
Acabar-se na mão - Masturbar-se.
Bambolê de otário
: Aliança de casamento.
Beleza de Creuza
: Tudo bem; Tudo legal; Numa boa.
Besta de cagar rodando : Indivíduo inconveniente; Bobo; Babaca.

terça-feira, 26 de maio de 2009

Imagem:
Martin Iman

BALAIO PORRETA 1986
n° 2673
Rio, 26 de maio de 2009

Como a polpa de uma fruta,
o teu corpo.
(José Carlos BRANDÃO. Polpa, in Poesia Crônica)


ETERNO
Mercedes Lorenzo
[ in Cosmunicando ]
Clique na imagem
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a versão ideográfica
do poema


CARTA PELO VENTO
Marize de Castro
[ in Grande Ponto ]

Néctar
A verdade aproxima-se.

Olha-me com os olhos abismados da beleza.
Não sou a mulher
que corta os pulsos e se joga da janela
nem aquela que abre o gás
nem mesmo a loba que entra no rio
com os bolsos cheios de pedra.

Sou todas elas.
Escrever me fez suportar todo incêndio
– toda quimera.


PARA ENTENDER UM POEMA
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

para entender um poema
basta olhar no céu
as entrelinhas.

* * *

mas um poema não se entende
se estende
ao sol.

um poema é criação do filho varal
de secar lágrimas.

faça chuva
ou faça só!


EXERCÍCIO POÉTICO
Flávio Corrêa de Mello
[ in Rio Movediço ]

No quarto sentado
no colo do meu corpo
me desafio conhecer
estas paredes que me narram
no centro das vigas e no visgo
do concreto sem poros.
Por hora, assisto o desfolhar
dos cupins expondo o estertor
do mofo e do aniquilamento
no armário e nos lençóis,
enquanto na janela do quarto
um black-out estendido
derrete as cinzas de sol
e esconde para além
o além dos meus pensamentos.


LONJURA
Mário César
[ in Coivara ]

a palavra alcança o avesso da carne?


CARTESIANA
Antonio Carlos de Brito
[ in Beijo na Boca ]

daquele amor que nunca tive tenho
saudade ou esperança?


De GOETHE
[ in Máximas e reflexões ]

Na tradução deve ir-se até ao intraduzível:
só então nos daremos conta da nação estrangeira
e da língua estranha.



De CHICO DOIDO DE CAICÓ

Mais vale uma buceta na mão do que duas na imaginação.


DE UM CORINTHIANO
[ in Blog do Torcedor ]

No dia seguinte a Fluminense 2 x 2 Corinthians, que acabou eliminando o Tricolor da Copa do Brasil, um torcedor do time paulista que esteve no Maracanã postou um comentário que elucida que destreza, reconhecimento e educação nunca deixarão de estar em voga. Pelo contrário: serenidade e palavras afáveis sempre encontrarão reciprocidade da parte exaltada, que, lisonjeada, desejará fazer o mesmo.

Leia agora o exemplo edificante dado pelo corintiano Wandel numa das maiores comunidades de relacionamento do clube paulista, “Corinthians – O Poderoso Timão”, com quase 1,3 milhão de integrantes.

Trata-se de uma gota no oceano.

Ou um primeiro passo de uma longa caminhada.

Mas é assim que se constrói.

“Você me abre os braços e a gente faz um país”.

Abre os braços aí, Wandel!


“Depois desse jogo (Flu x Corinthians), concluí algo que eu já suspeitava: Alessandro e Cristian foram muito infelizes em dizer que a torcida do Flamengo faz mais pressão que a do Fluminense. Além da festa bonita que fizeram, a torcida dos caras foi de emocionar. O time estava perdendo a vaga, precisando de um milagre, e eles continuavam cantando.

“É claro que não era todo mundo, mas na situação que o time estava, daria pra entender se o estádio ficasse calado. Em vez disso, continuaram a empurrar até o final.

“A torcida dos caras fez do Fluminense o nosso adversário mais digno que enfrentamos em MUITO tempo. Tanto pela belíssima festa [clique aqui para ver o mosaico tricolor, do qual participei com entusiasmo ímpar] que fizeram, quanto pelo respeito à torcida adversária.

“Receber bem os tricolores cariocas no jogo do Campeonato Brasileiro é obrigação. Deram exemplo a ser seguido por todos, inclusive por nós mesmos.

“Vai, Corinthians!”.


domingo, 24 de maio de 2009

O balanço
(1767)
Jean Honoré Fragonard


BALAIO PORRETA 1986
n° 2672
Rio, 25 de maio de 2009

Jó é um dos personagens mais conhecidos da Bíblia. Ao mesmo tempo, é um dos caracteres mais complexos e as palavras que aparecem em seu livro amiúde são indecifráveis. A beleza literária do texto, escrito originalmente em hebraico e praticamente todo em verso, impressiona. O livro é obra de várias mãos e de várias tradições e lendas que se foram superpondo. Aborda o tema universal da dor e da justiça. Por que tem de sofrer o inocente? Pode existir um Deus incapaz de fazer justiça?
(Juan ARIAS. A Bíblia e seus segredos, 2004)


O LIVRO DOS LIVROS
(31a)

Texto estabelecido por Moatidatotatýne, o Escriba,
Eme Costa, o Ateu, e Josias F. Negreiros, o Gnóstico

O Livro de Jó da Silva e Silva

Justo, honesto, podre de rico, feliz, bem casado, sete filhos e sete filhas, apreciador de poesia, temente e fiel ao Senhor das Alturas, assim era Jó da Silva e Silva, cearense de Nova Russas e amigo de Mário Pontes(¹). A sua riqueza material, além de uma baita propriedade rural, abrangia 500 bois e vacas, 600 cabras e 500 jumentos e éguas. E de tanto ouvir falar na fartura, na religiosidade e na beleza do Seridó, em plena Capitania do Ryo Grande, para lá resolveu se mudar com a família. E assim o fez. Em lá chegando, estabeleceu-se na região de Acari, adquirindo a propriedade Viração(²). Em poucos dias, fez vários amigos, entre os quais o violeiro Paulo Balá Bezerra(³), do sítio Pinturas Sagradas.

Jó da Silva e Silva adorava jantar coalhada com rapadura e visitar os novos amigos, aos domingos. Quase sempre, deliciava-se com as histórias narradas por Paulo Balá Bezerra, sobretudo quando o seridoense escavacava o passado(ª¹) iluminando trovões trovejantetetes(ª²) em invernos de outrora. Em outras ocasiões, Jó da Silva e Silva dirigia-se para o alto da Serra da Lagoa Seca. Um cenário paradisíaco, então, descortinava-se diante de seus olhos: a Serra do Bico da Arara, a Serra da Acauã, a Serra da Rajada, as águas do Gargalheiras. Tudo era paz. Tudo era felicidade. Tudo era aurora. E todos os dias, ouvindo as cantatas de Johann Sebastian Bach - que ainda não nascera -, Jó da Silva e Silva agradecia aos céus e orava ao Senhor das Alturas.

Mas eis que o Senhor das Sombras, com uma inveja danada daquela felicidade toda e daquele amor por um Ser intangível, desafiou o Senhor das Alturas, que em estado de sonolência se encontrava, brincando com as nuvens e os passarinhos: "Mestre, é muito fácil adorá-Lo quando se tem tudo e tudo vai muito bem, como é o caso desse tal de Jó Não Sei das Quantas. Se ele fosse um pobre coitado, e infeliz ainda por cima, por certo O amaldiçoaria". "Duvi-d-o-dó", respondeu o Todo Poderoso. "E por que não?", insistiu o Senhor das Interpretações(ª³). "Não estaria o Senhor acima do bem e do mal, do justo e do injusto, do verdadeiro e do falso?", continuou. E foi além: "Topas uma aposta?". "Como assim?", espantou-se o Senhor das Alturas. "Uma simples aposta, uma bobagem. Quero mostrar ao Senhor que o ser humano, mesmo o mais temente a Teus poderes, pode renegá-Lo", disse o Senhor das Sombras. "Mas que tipo de aposta?", impacientou-se a Suprema Singularidade do Universo.

E o Senhor das Sombras disse: "Preciso de apenas sete dias e sete noites para que ele passe a odiá-Lo. E então? Topas? Vamos apostar?" E o Senhor das Alturas ficou pensando, pensando, pensando. E pensando. Três meses depois respondeu: "Tudo bem, desde que o meu querido Jó não pereça através de suas diabolices". Mais um mês e o Magnífico, o Inclemente, o Intangível completou: "Apostemos 66 jumentos, 1000 quilos de queijo de manteiga e seis vacas leiteiras; terás sete dias e sete noites para fazer com que Jó mude radicalmente de opinião". "Só isso? Esperava que apostássemos algo mais glorioso", dessa vez quem se espantou foi o Senhor da Escuridão. "Só, e pronto. É pegar ou largar", disse o Senhor das Alturas. "Por que não acrescentamos, a essa jumentaiada toda, 66 virgens das mais formosas e cheirosas?", indagou o Senhor das Sombras. "Não!", respondeu secamente o Grande Chefe. O Senhor das Sombras insistiu: "Vamos fazer o seguinte: para mim, no caso de vitória, 12 jumentos, um quilinho de queijo, uma vaca e as 66 virgens; para o Senhor, se for o vencedor, os 66 jumentos, a tonelada de queijo, as seis vacas leiteiras, ou mais, se o desejar, e... 3.000 figurinhas do Padim Ciço. Que tal?"

(Continua)

Notas:

(¹) Decerto, não se trata do escritor Mário Pontes, coincidentemente cearense, autor de Milagre em Salinas, livro de contos do século XX da Era Comum.
(²) Viração : o vento das cinco horas da tarde.
(³) Seria o mesmo o consagrado Paulo Bezerra, médico conceituado, autor de famosas cartas sertanejas para o cronista Woden Madrugador, publicadas na Tribuna do Nordeste, da Cidade dos Reys, e posteriormente transformadas em livro? Os teólogos e os autores de ficção científica ainda não chegaram a uma conclusão razoável sobre o personagem bíblico em pauta.
(ª¹) Escavacar o passado : Recordar o passado.
(ª²) Nota do tradutor: o texto original - em aramaico-tapuia-seridoense - indica um som onomatopaico-trovejante de difícil transliteração linguística. Há que reconhecer que houve perda de qualidade literária na transcriação da palavra "trohtrohtrohpykaparradahdahvah", cujo significado literal seria mais ou menos o seguinte: "trovões [que] trovoavam trovejando
trovas tremendamente tropicais". Ou resumindo: "trovões [que] arrebentavam as ouças" [isto é, "arrebentavam os ouvidos"]. Como se vê, procurou-se a solução mais simples, embora ligeiramente roseana.
(ª³) Pela primeira vez, em todo O Livro, o Senhor das Sombras é nomeado como Senhor das Interpretações: no Concílio São José do Seridó 1917 EC, debaixo do maior temporal, houve uma interminável discussão histórica dominada por várias tendências teológicas: a freudiana, a junguiana, a lacaniana, a althusseriana e a miguelciriliana, com suas respectivas propostas, em busca de uma compreensão mística de seu significado ontológico. Mas não houve acordo papal, a não ser em suas diretrizes básicas, que ficaram conhecidas como 'Apontamentos metafísicos para uma Nova Era': 1. Uma interpretação é uma interpretação é uma interpretação; 2. Se o Senhor das Sombras é um Senhor das Interpretações, tudo é possível; 3. Não se interpreta aquilo que não é para ser interpretado; 4. O Senhor das Sombras é um Não-Ser, um Não-Tempo e um Não-Nada: não há como interpretá-lo, a não ser, excepcionalmente, à luz de Goethe, Guimarães Rosa e José Bezerra Gomes.

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
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o trêiler original de
Deus e o diabo na terra do sol
(Glauber Rocha, 1964):
para muitos,
o mais impactante filme nacional,
ao lado de
Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963) e
Terra em transe (Rocha, 1967).
Acrescentaríamos um quarto título:
Porto das Caixas (Paulo César Saraceni, 1962).


BALAIO PORRETA 1986
n° 2671
Rio, 24 de maio de 2009


Neste filme [Deus e o diabo na terra do sol], o autor desenvolve um lirismo frenético de natureza encantatória (o papel da música [Villa-Lobos e Sérgio Ricardo], dos coros populares, é preponderante) que conquistou a admiração
de Buñuel e de Fritz Lang.

(Claude BEYLIE. As obras-primas do cinema, 1987)


OBRAS-PRIMAS DO CINEMA

Neste número do Balaio iniciamos a série Obras-primas do cinema, destacando um filme por semana, preferencialmente aos domingos. Decerto, levamos em consideração elementos estéticos que passam por nossa formação cultural, por nossas vivências literárias e cinematográficas, por nossa visão do real e do social - e da própria estética, que, para nós, parte de fundamentos semiológicos e marxistas. Sempre relativizamos nossas opiniões sobre os melhores filmes que já vimos, opiniões essas sujeitas a novas leituras e novas revisões. Nunca o negamos. Claro, pelo menos para nós, há aqueles filmes que são definitivos, que sempre são lembrados. Um exemplo, a título de curiosidade: em 1991, quando adquirimos a edição brasileira do livro de Claude Beylie, anotávamos em sua primeira página os nossos 13 filmes preferidos, assim especificados:

1. A aventura (Antonioni)
2. Ano passado em Marienbad (Resnais)
3. Cidadão Kane (Welles)
4. A grande ilusão (Renoir)
5. O homem da câmera (Vertov)
6. Outubro (Eisenstein)
7. My darling Clementine (Ford)
8. O tesouro de Sierra madre (Huston)
9. Viver a vida (Godard)
10. Tempos modernos (Chaplin)
11. Hiroshima, meu amor (Resnais)
12. Eclipse (Antonioni)
13. Deus e o diabo na terra do sol (Rocha)

Hoje apontamos os seguintes, todos eles vistos até 1991,
mas revistos nos últimos anos:

1. A aventura (Antonioni)
2. Um dia no campo (Renoir)
3. Persona (Bergman)
4. Ano passado em Marienbad (Resnais)
5. Eclipse (Antonioni)
6. Crônica de Ana Madalena Bach (Straub & Huillet)
7. Rastros de ódio (Ford)
8. 2001: uma odisséia no espaço (Kubrick)
9. Madre Joana dos Anjos (Kawalerowicz)
10. Cidadão Kane (Welles)
11. Viver a vida (Godard)
12. Era uma vez no Oeste (Leone)
13. Deus e o diabo na terra do sol (Rocha)

Em tempo:
Nossa relação de filmes preferidos - em sendo apenas 13 títulos - não contempla, necessariamente, os diretores que mais apreciamos, que no momento são: 1) Antonioni, Bergman, Ford, Godard, Renoir e Welles; 2) Bresson, Buñuel, Dreyer, Keaton, Kubrick, Rossellini, Straub & Huillet e Visconti; 3) Cassavetes, Coppola, Eisenstein, Hawks, Lang, Mizoguchi, Ray, Resnais, [Glauber] Rocha, Rohmer, Tarkovski e Vertov.


PRA NÃO SENTIR (AUTO)PIEDADE
Nina Rizzi
[ in Germina Literatura ]

quero uma tarde de vento. ventania. um tornado. leve. que me leve ao chão.


quero machucar o joelho. joelhos. terra carne sangue vento. minhas compras ao chão a encontrar novos livros.


quero o cuidado de mãos estrangeiras. desconhecidas. um apartamento num prédio antigo. quem sabe um café de esquina.


quero uma poesia arrancada. como um souvenir. aulas de cerâmica. algo que eu fizesse por mim mesma. um festival de filmes asiáticos.


quero a alegria. o toque da descoberta. a primeira noite.


a sensibilidade dos infiéis. a coragem dos suicidas.


sábado, 23 de maio de 2009

FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
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Esther Williams
em
Escola de sereias
(George Sidney, 1944)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2670
Rio, 23 de maio de 2009

Exibido no Pax por volta de 1950-51, Escola de sereias representou o meu primeiro contato com a atriz Esther Williams, a campeã das piscinas. Confesso: aos sete/oito anos, foi paixão à primeira vista (que depois, aos doze/treze anos, seria substituída pela paixão por Ava Gardner). O enredo do filme? Pouco importa. O que importa, aqui, é mostrar a sequência do balé aquático que tanto nos encantou, já que a cidade amava os filmes musicais da época. O mais curioso é que a sequência - embora o filme seja dirigido pelo correto e eventualmente sensível George Sidney - foi realizada por John Murray Anderson. Enfim, uma sequência inesquecível. E a sirene do Pax, que anunciava a sessão única das 19:30h, naquela noite parecia mais especial do que nunca.


AH, EU QUERIA
Yasmina Curi

Eu queria ser homem,
eu queria ser homem.
Aos doze anos, me masturbaria na classe
olhando as pernas da professora
linda de morrer.
Aos treze, pegaria um fumo no beco
escuro cheio de medos.
Aos quinze anos, me apaixonaria
por uma menina feia, dentuça,
deslumbrante aos meus olhos.
Quando ela ameaçasse me abandonar,
eu tomaria formicida
com guaraná.


O AVESSO DAS COISAS
Theo G. Alves
[ in Museu de Tudo ]

o corpo íntimo das coisas
compõe seus
avessos:
como o ventre mineral
de uma pedra
como a musculatura em farrapos
de uma porta.

o avesso das coisas
é a natureza
de suas verdades -
como as raízes frágeis
de uma nuvem
como os ossos rijos
de uma parede.

o útero
os músculos
intestinos
e ossos
das coisas expostos
constroem seus avessos:
como as nuvens
do ventre de um cão
como o concreto
do ventre de uma casa.


'TRATOS, TRATADOS & TRATAMENTOS'
Betina Moraes
[ in Sensytiva ]

O corpo é deserto que o silêncio habita de ausências,
A pele tem nome.

Evaporam as suscetíveis tentativas de agradar o outro,
A pele tem mágoa.

Desfazem-se cantos e rimas sem vontade de ser de novo,
A pele tem pena.

Não adere vergonha aos pudores já há muito esquecidos,
A pele tem pressa.

Ao avesso desamando se debate, cansado animal de carga,
A pele tem pêlo.

Veste quanto mais pesado casaco mais segura muralha,
A pele tem couro.

Arrepia por sorriso, quase nada, através do nada, contra todos,
A pele tem seda.

Reconstrói o castelo na nuca e carrega o sonho consigo,
A pele tem força.

Desmente o fatídico ontem uma flor nascida na testa,
A pele tem pele.

Grava palmos e unhas e cercas emancipando territórios,
A pele tem dono.


O TRANSITÓRIO DEFINITIVO
Aníbal Machado
[ in Cadernos de João. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957 ]

O meu fim é Santa Maria, castelo de passarinhos...
Me casaram várias vezes. Aos homens que feri em brigas pelo caminho, eu dizia: - Não há de ser nada; estou de passagem para Santa Maria.
E às mulheres que abracei: - Fiquem com os filhos. Eu levo a lembrança. Estou indo para Santa Maria, castelo de passarinhos.
Entre as muitas aldeias de pouso, numa acordei com banda de música e gente debaixo da sacada: - Senhor, sabemos que estais de passagem. Aqui ninguém presta. Aceitai ser o nosso chefe.
- Eu também não presto, respondi. E estou de passagem. Deixai-me dormir...
E bati-lhe a veneziana.
Fiquei. Armei pontes, retifiquei o rio. Construí piscinas e um auditório onde preguei a centenas de ouvintes.
Falaram-me de algumas precisões: um chafariz, uma igreja, uma escola, talvez uma nova seita. Que eu poderia etc...
Abri jardim para os namorados, horrorizei-me de meu próprio busto erguido entre as flores do canteiro principal.
E quando a moça mais linda que eu estreitara nos braços gemia: "Ó tu que para sempre será meu!", logo eu atalhava: "Não pode ser, minha filha, não pode ser... Estou seguindo para Santa Maria, castelo de passarinhos...".

Mais adiante, me condenaram. Respondi aos juízes:
- Para quê, se estou de passagem para Santa Maria? Mais vale, em vez da pena, um banho delicioso no rio.
E segui caminho.
Há mais de cinqüenta anos que estou indo para Santa Maria. O que não é sacrifício para quem sabe que há de chegar.
E enquanto não chego, vou-me distraindo à minha maneira, ora rindo, ora gemendo.
Os pequenos acontecimentos avultam aos meus olhos, os grandes se amesquinham.

Tomo parte na vida das cidades, nos negócios dos homens. E se acaso tropeço, não é contra as pedras, é contra a minha sombra.
Prendo-me aos seres e objetos com o fervor de quem vai perdê-los para sempre. Porque afinal este mundo, tal como está, se eu gosto dele um bocadinho, é no momento mesmo em que penso largá-lo. Mas isso eu nunca digo.
E vou andando...
Se alguém pergunta quem sou, respondem todos: - Não se sabe. Vive dizendo que está indo para um castelo de passarinhos...
Sempre assim.
Quando a vida me aborrece, largo tudo de repente, apanho a trouxa, e vou tocando devagarinho para Santa Maria, castelo de passarinhos...