OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
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o trêiler de
O processo
(Orson Welles, 1962)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2706
Rio, 28 de junho de 2009
1. Como pensar a relação cinema/literatura dentro de uma perspectiva crítica moderna capaz de contemplar mediações culturais pertinentes aos bens simbólicos que constituem as duas linguagens?; 2. Como entender a passagem de um discurso seco, sem maiores arroubos formais, de tessitura apolínea, para um discurso neo-expressionista formalmente arrebatado(r), de tessitura dionisíaca?; 3. Como relacionar o universo de Orson Welles com o de Franz Kafka?
(Moacy Cirne, in O Processo, o livro)
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o trêiler de
O processo
(Orson Welles, 1962)
BALAIO PORRETA 1986
n° 2706
Rio, 28 de junho de 2009
1. Como pensar a relação cinema/literatura dentro de uma perspectiva crítica moderna capaz de contemplar mediações culturais pertinentes aos bens simbólicos que constituem as duas linguagens?; 2. Como entender a passagem de um discurso seco, sem maiores arroubos formais, de tessitura apolínea, para um discurso neo-expressionista formalmente arrebatado(r), de tessitura dionisíaca?; 3. Como relacionar o universo de Orson Welles com o de Franz Kafka?
(Moacy Cirne, in O Processo, o livro)
Repeteco
O CONTO de Moacy Cirne Diante do computador, depois de alguns minutos sem nada fazer, começo a escrever, enquanto um calor sufocante toma conta do meu quarto e dos meus sentidos: Este conto, o texto que agora se apresenta, será mínimo, de pouquíssimas palavras, e terá apenas um personagem, alegre e raparigueiro, a repetir o tempo todo: um conto é um conto é um conto. Não, convenhamos, não é um bom começo para um conto, mesmo para um conto que se pretende um nadinha de nada. E que teria apenas mais um ou dois parágrafos. Resolvo mudar, portanto: Este conto será pequeno, pequeno como uma pequena praça de uma vila do interior, e terá dois personagens – um homem e sua amante. Será que um conto é um conto é um conto? Ainda não está me agradando. Falta-lhe mais concretude, mais sustança, mais sentimento. Digamos que seja assim: Este conto, naturalmente pequeno como uma pequena praça do interior, terá dois personagens – um homem jovem e jocoso e sua amante velha e vistosa, leitores de Murilo Mendes, Carlos Zéfiro e Affonso Ávila. Não, nada disso. Mudemo-lo mais uma vez: Este conto, íntimo como uma pequena praça, como em Lorca, em sendo curto, apresentará dois personagens e uma aurora bronzeada. Melhor, melhorando: Este conto, em sendo curto, apresentará um crepúsculo e um personagem em conflito, um personagem chamado Gregório. Ou Samuel, tanto faz. Não sei, não sei, um conto – ao que me consta – tem que ser impactante já em seu início. Impactante ou não, impactante ou sim, precisa envolver o leitor desde o princípio. E se for curto, como pretendo que seja, é necessário que, em sendo pura síntese, pura concreção, termine por se fazer tenso e denso. Tensão e contensão, não como um poema concreto, mas como um poema minimalista. Posso começar, mais uma vez, mais uma vez: Um dia, depois de um sono agitado e inquieto, Gregório acordou, e caminhou, e caminhou, e caminhou à espera do crepúsculo. À espera de um crepúsculo que se fazia aurora abismada, como no poeta popular. Que se fazia desespero, como no escritor angustiado. Não, não convém uma aurora desesperada, ou abismada, ou menos ainda um crepúsculo fatigado. De novo, diante do computador, ouvindo velhos cancioneiros medievais, sufocado pelo calor, recomeço, o conto está começando a se definir na minha cabeça, transfigurando seu rumo, transfigurando seu norte: Um dia, depois de um sono agitado e inquieto, entre crepúsculos metafísicos e auroras arrepiantes, Gregório acordou e viu que não passava de uma enorme barata. Agora sim, agora sim: trata-se, sem dúvida, de uma idéia bastante original. Por que será que, num século de tantos e tantos absurdos como o XX, ninguém a teve antes? Seria considerado um conto fantástico, tenho certeza. É preciso insistir, claro, dando-lhe nova forma: Um dia, depois de uma noite de sono agitado e crepúsculos anoitecidos, Gregório acordou e se sentiu como um monstruoso inseto. Não, ainda não. É possível mudar, mais uma vez, quero um conto que seja a essência máxima da construção mínima. Assim, talvez assim: Quando certa manhã Gregório acordou de sonhos intranqüilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Perfeito, o máximo de concisão. Será que devo aumentá-lo? Como Gregório se comportaria, ou se comportará, a partir daí? Vou pensar no assunto. Vou pensar no assunto. Preciso também pensar no título. Algo como A demanda judicial. Não, Transformação parece-me mais adequado. Ou não? Enquanto isso, o ideal seria providenciar uma possível tradução para outra língua, talvez o alemão. Será que o professor paulista Modesto Carone gostaria de traduzi-lo? Não deixa de ser uma idéia interessante. |
14 comentários:
vixe mãe - eu não sei porque e nem em que sintonia, acabo de colocar um poema no blog, mesmo antes de te ler, que me põe dentro do teu conto...
besos
ah - adorei!!
o futuro de gregório de fatos é inseto, um futuro inseto num conto de parede... acordou e caiu em cirne!
Moacy: lembro-me que no dia 9 de novembro de 1963, no cine Coliseu, no Recife, assistimos(eu, você e o nosso saudoso Berilo Wanderley) a este grandioso filme do Welles. Foi uma sessão única (parece-me) para jornalistas e críticos de cinema. Foi arrebatadora a primeira impressão desta obra-prima do cineasta de 'Cidadão Kane'.
Lembra-se da volta para Natal?
Do pileque que você tomou com o Berilo?
Anos dourados(e passados) de uma cidade hoje ensandecida pelo progresso e ganância de governantes e similares.
Viva Welles! Viva Kafka!
Um abraço...
Bom Dia, Moacy!
Belíssimo o trailler, mas vou reler "O Processo", pois sempre acho melhor o entendimento literário anterior ao filme. Seu questionamento está perfeito!
Esse conto está o "MÁXIMO".
Lembrou-me um livro de Clarice em que ela contracena com o personagem e vai modificando o conto, ora porque não quer que a personagem que criou e se tomou de amores, morra, noutra hora a dúvida da transformação dos vários personagens e do título também.
Esse conto, é seu, Moacy! Valeu a bela leitura!
Bom domingo!
Beijos
Mirse
Moacy.
Gosto do filme, mas acho que a visão que Welles tem do livro de Kafka fez com que o filme fosse mais wellesiano do que kakfiano. Quanto ao seu conto, já o conhecia e me agradou de novo. Em um tom brincalhão, na verdade, você mostra a dificuldade de todo escritor quando vai iniciar uma obra. Um abraço.
* Bené costuma elogiar a minha memória, mas a dele supera a minha.
BENÉ: Claro que eu me lembro do pileque, depois que o ônibus deu o prego, na estrada, em frente a um buteco. Em Natal, fui direto para a sua casa.
SOBREIRA: Claro que o filme é mais wellesiano do que kafkiano. Aliás, ele é muito pouco kafkiano.
MIRSE: Não me lembro desse conto da Clarice (como é o nome dele?). Gostaria de lê-lo. Vou procurá-lo. Será que, inconscientemente, usei o mesmo processo de uma autora que tanto admiro?
Abraços.
Taí um conto que eu gostaria de ter escrito. Uma bela homenagem a Kafca, porém, não é só isso. É um conto que vai muito além. E a partir desse ponto, eu não sei explicar. Só sentir. Um cheiro, S.
Um conto é um conto, um conto, um conto. Grande, Moacy.
Um abraço.
Um conto é um conto é um conto, como pode ser um (poema)processo qualquer, em qualquer balaio, em qualquer poeta, em qualquer tudo.
Moacy e amigos:
Um aviso aos navegantes: o comentário excelente de Moacy sobre os dois processos (Kafka e Welles) está no livrinho
"Metamorfoses das linguagens (Histórias, Cinemas, Literaturas)", que eu organizei junto com dois outros professores da FFLCH/USP - Júlio Pimentel Pinto e Maurício Cardoso - e sairá agora em julho pela editora LTDE. Haverá lançamentos, anunciarei por aqui.
Gosto muito do filme de Welles (e do texto de Kafka tb, é claro). Concordo com Sobreira a respeito do caráter mais "wellesiano" do filme mas não considero isso um defeito. Revendo "O homem errado", na tv, tive a impressão de que Hitchcock navegou pelo mesmo oceano... hitchockianamente.
Abraços a todos:
Marcos Silva
Nossa, que delícia de conto Moacy! Faz a devida homenagem, revelando a dificuldade que é começar uma obra, de forma super gostosa e envolvente! Valeu demais! Parabéns, querido!
Beijos.
Olá Moacy,
A idéia de ver o filme me soa genial. Foi uma ótima dica. Quanto ao seu conto, me lembrou muito, de certo modo, ao tratamento que o Ponge dava aos poemas dele. São paralelos temáticos distintos, mas a idéia de discorrer sobre o próprio processo como matéria de criação é o que me fez criar uma referência ao Ponge.
abraços,
Moa, você é demais... já comentaram à exaustão aí em cima, mas eu tô aqui abestada =)
adorei, homenagens mil num único mini conto... até nossa gertrude apareceu =)
fiquei ausente, perdi vários Balaios, mas é tão gostoso isso aqui!
grande beijo.
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