Não conheço Luanda
mas conheço a fibra
daqueles que a amam.
Não conheço Luanda
mas conheço a bravura
daqueles que a vivem.
Não conheço Luanda
mas conheço a lida
daqueles que a sonham.
Não conheço Luanda
mas conheço a garra
daqueles que a revivem.
Não conheço Luanda.
Mas conheço Luanda.
(Moacy Cirne, 2010)
[ Foto in Ondjira Sul ]
BALAIO PORRETA 1986
n° 2929
Rio, 11 de fevereiro de 2010
... a assiduidade do contato determinou n'algumas cidades angolanas, notadamente Luanda, uma fisionomia familiar aos olhos brasileiros. Uma semelhança tão flagrante que, atualmente, Luanda, transformada e moderna, ainda permite o delicioso encontro desses pormenores coincidentes. ... Luanda é a terra com os valores emocionais da evocação. ... Luanda é sempre uma projeção lírica, um apelo à Poesia recordadora, fórmula de compensação ao sofrimento, recurso à saudade viajeira, atravessando
as águas do mar.
(Luis da Câmara CASCUDO. Made in África, 1965)
PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 48 / 50 )
Made in África (Luis da Câmara Cascudo, 1965)
Os africanos no Brasil (Nina Rodrigues, 1906 [1932])
O Quilombo dos Palmares (Edison Carneiro, 1947)
Antologia do negro brasileiro (Edison Carneiro, 1950)
Religiões negras (Edison Carneiro, 1963)
O escravo nos anúncios ... (Gilberto Freyre, 1961)
Claros e escuros (Muniz Sodré, 1999)
Espetáculos populares do Nordeste (Hermilo Borba Filho, 1966)
Sagrada esperança (Agostinho Neto, 1974)
Na noite grávida de punhais:
Antologia temática de poesia africana
(Andrade, org., 1976)
NOITE
Agostinho Neto
Angola, 1922-79
[ in Sagrada esperança, 1974 ]
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
SAUDADES DE ANGOLA
Lobitino Almeida N'gola
[ in Malambas ]
Duas palavras existem
que de tão fortes
quanto poderosas
definição não têm.
E quando cá longe andamos
e as duas desabusadas se associam,
tão penosas se trasladam
em alma expatriada menstrua.
Uma, etérea,
de Saudade se apelida;
outra, qual sublime arte terrena
por Angola assim se clama!
Tudo se define,
e quase tudo se compreende;
se a Saudade é algo que se sente,
Angola é fogo presente sempre ardente!
PEDRAS-DE-TOQUE DA POESIA ANGOLANA
[ cf. Na noite grávida de punhais, 1976 ]
Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações.
[ António Jacinto, in Monangamba ]
homens de peito
ao relento,
quissanges dispersos
nas insónias do mar.
[ Manuel Lima, in Escravos ]
Espero a tua carta e a minha vida
[ Mário António, in Sob as acácias floridas ]
o vento irado nas frestas chora
e ramos xuaxalham de altas mulembas
[ Viriato da Cruz, in Serão de menino ]
Não há luz
não há estrelas no céu escuro
Tudo na terra é sombra
Não há luz
não há norte na alma da mulher
[ Agostinho Neto, in Partida para o contrato ]
A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
- Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos
- Xê
mana rosa peixeira
responde?
[ Luandino Vieira, in Canção para Luanda ]
Glossário:
Mulemba : Árvore de fruto comestível
Quissange : Instrumento musical, para dedilhar
Xuaxalhar : Ruído onomatopaico provocado pelos folhas
das árvores ao vento
mas conheço a fibra
daqueles que a amam.
Não conheço Luanda
mas conheço a bravura
daqueles que a vivem.
Não conheço Luanda
mas conheço a lida
daqueles que a sonham.
Não conheço Luanda
mas conheço a garra
daqueles que a revivem.
Não conheço Luanda.
Mas conheço Luanda.
(Moacy Cirne, 2010)
[ Foto in Ondjira Sul ]
BALAIO PORRETA 1986
n° 2929
Rio, 11 de fevereiro de 2010
... a assiduidade do contato determinou n'algumas cidades angolanas, notadamente Luanda, uma fisionomia familiar aos olhos brasileiros. Uma semelhança tão flagrante que, atualmente, Luanda, transformada e moderna, ainda permite o delicioso encontro desses pormenores coincidentes. ... Luanda é a terra com os valores emocionais da evocação. ... Luanda é sempre uma projeção lírica, um apelo à Poesia recordadora, fórmula de compensação ao sofrimento, recurso à saudade viajeira, atravessando
as águas do mar.
(Luis da Câmara CASCUDO. Made in África, 1965)
PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 48 / 50 )
Made in África (Luis da Câmara Cascudo, 1965)
Os africanos no Brasil (Nina Rodrigues, 1906 [1932])
O Quilombo dos Palmares (Edison Carneiro, 1947)
Antologia do negro brasileiro (Edison Carneiro, 1950)
Religiões negras (Edison Carneiro, 1963)
O escravo nos anúncios ... (Gilberto Freyre, 1961)
Claros e escuros (Muniz Sodré, 1999)
Espetáculos populares do Nordeste (Hermilo Borba Filho, 1966)
Sagrada esperança (Agostinho Neto, 1974)
Na noite grávida de punhais:
Antologia temática de poesia africana
(Andrade, org., 1976)
NOITE
Agostinho Neto
Angola, 1922-79
[ in Sagrada esperança, 1974 ]
Eu vivo
nos bairros escuros do mundo
sem luz nem vida.
Vou pelas ruas
às apalpadelas
encostado aos meus informes sonhos
tropeçando na escravidão
ao meu desejo de ser.
São bairros de escravos
mundos de miséria
bairros escuros.
Onde as vontades se diluíram
e os homens se confundiram
com as coisas.
Ando aos trambolhões
pelas ruas sem luz
desconhecidas
pejadas de mística e terror
de braço dado com fantasmas.
Também a noite é escura.
SAUDADES DE ANGOLA
Lobitino Almeida N'gola
[ in Malambas ]
Duas palavras existem
que de tão fortes
quanto poderosas
definição não têm.
E quando cá longe andamos
e as duas desabusadas se associam,
tão penosas se trasladam
em alma expatriada menstrua.
Uma, etérea,
de Saudade se apelida;
outra, qual sublime arte terrena
por Angola assim se clama!
Tudo se define,
e quase tudo se compreende;
se a Saudade é algo que se sente,
Angola é fogo presente sempre ardente!
PEDRAS-DE-TOQUE DA POESIA ANGOLANA
[ cf. Na noite grávida de punhais, 1976 ]
Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações.
[ António Jacinto, in Monangamba ]
homens de peito
ao relento,
quissanges dispersos
nas insónias do mar.
[ Manuel Lima, in Escravos ]
Espero a tua carta e a minha vida
[ Mário António, in Sob as acácias floridas ]
o vento irado nas frestas chora
e ramos xuaxalham de altas mulembas
[ Viriato da Cruz, in Serão de menino ]
Não há luz
não há estrelas no céu escuro
Tudo na terra é sombra
Não há luz
não há norte na alma da mulher
[ Agostinho Neto, in Partida para o contrato ]
A pergunta no ar
no mar
na boca de todos nós:
- Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos
- Xê
mana rosa peixeira
responde?
[ Luandino Vieira, in Canção para Luanda ]
Glossário:
Mulemba : Árvore de fruto comestível
Quissange : Instrumento musical, para dedilhar
Xuaxalhar : Ruído onomatopaico provocado pelos folhas
das árvores ao vento
14 comentários:
muito boas as postagens sobre Luanda.
belo o seu poema, Moacy.
PARA LÍRIA PERDIDA EM TANTO MAR
hai
- tua pequena rosácea -
ku
Conhecendo.
Vozes da e que cantam África. Balaio temático muito do bom. Para conhecer mais e apreciar. Abraço.
Belo e combativo poema, camarada Moacy. Também conheço esta Luanda de que falas.
***
Preciosos, os bebes & comes do CDC. Já fazem parte do meu receituário etílico-gastronômico.
***
Tenho um presente para ti - o livro os Juizes do Juiz, devidamente autografado pelos organizadores (o Simon, o Moah e eu). Te envio em março, quando voltar ao pago (estou em Flopis).
Um abraço.
Muito boa esta postagem de hoje, como sempre... parabéns pelo poema, GOSTEI! Boa poesia, sempre.
Tem Moacy no Cores & Palavras de hoje.
Kandandu
tb não conheço luanda. beijos, pedrita
eu conheço Luanda, o espaçoi e o tempo e a física nada sabem do que e quem conheço. quando eu tô no lavatório da meu banheiro, eu tou também em luanda. faustinina.. rsrs...
sim, lavínia era pra chamar luanda, mas não havia consenso...
eita, apretei. adorei tudo isso.
beijo e kandandu :)
Luanda, quantos sorrisos e brasis...
____________________
Abraço forte!
eu morro de saudades da áfrica, da lua da áfrica - é visceral! e nunca fui à áfrica...
amo luanda!
besos
Moa,
Afro-postagem, angolana, com biblioteca sempre boa.
Tu conheces!
Abração,
Marcelo.
"Não conheço Luanda.
Mas conheço Luanda."
Nossa! Como me identifiquei e fiquei
com isso.
Moacy, bonito seu poema para Luanda. E a sequência de poesia angolana é demais! Valeu! Abraços do João
Parabéns Moacy, de coração, pelo poema e pelo seu belíssimo trabalho de nos, desta forma, através do Balaio, do Poema/Processo, engrandecer nossa cultura.
Demais
Uma releitura
ANOTAÇÕES DE UMA AUTOBIOGRAFIA
Roberto Rossellini
e, bem, as imagens, os poemas, a porreta biblioteca, e..., e..., e...,
um Abraço prati
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