VIAGENS AO PASSADOImaginemos que vivemos num mundo digno das melhores histórias de ficção científica. À nossa disposição
- e de todos os amigos e amigas
- uma sofisticada máquina de viagem no tempo, em direção ao passado. Qualquer passado, qualquer lugar. Seria fascinante, não? Digamos que cada um de nós poderia optar por 13 viagens, com duração, cada uma delas, de 3 a 13 dias. Por que esses números? Nada de especial, garanto. Apenas gosto dos números 3 e 13. Mas não sou supersticioso, a não ser quando o assunto é futebol. Assim sendo, vamos aos fatos. Vamos às viagens.
No meu caso, eis as opções preferenciais em relação ao passado:
1.Rio de Janeiro, 1941: para vibrar com o Fla-Flu da Lagoa, quando se decidiu o campeonato carioca do ano. O tricolor jogava pelo empate e os últimos seis minutos da partida (o Fluminense fizera 2 a 0, mas os rubro-negros empataram quase no final), os mais dramáticos da história do futebol mundial, duraram uma eternidade. O 2 a 2, por fim, deu o título ao clube das Laranjeiras.
2.Caicó, Rio Grande do Norte: para viver com intensidade uma semana qualquer de 1820, 1821 ou 1822, ou mesmo 1828/29. Na época, a cidade seridoense talvez contasse com 200 ou 300 moradores em sua reduzida área urbana e o padre Brito Guerra, namorador que só ele, já dominava o cenário político da região. Já pensaram na magia do Poço de Santana, então?
3.Natal, em dezembro de 1928: para sentir a cidade, com aproximadamente 25 mil habitantes, e presenciar, à distância, os encontros do Mestre Cascudo com Mário de Andrade. Além do mais, procuraria passar 13 dias entre a Redinha e Areia Preta, vagamundando, nas horas matutinas, pela Ribeira e pela Cidade Alta. Papoprosearia com Jorge Fernandes, por que não?
4.São Petersburgo, Rússia, em outubro/novembro de 1917: para ver de perto o nascimento da revolução soviética. Talvez ouvisse os discursos inflamados do próprio Lênin. Encontraria uma maneira de viajar para Moscou, para conhecer Maiakóvski. Se possível. Decerto, o meu russo-seridoense não seria assimilado pelos moscovistas. E daí? Pouco importa(va).
5.Copacabana, Rio, qualquer época entre 1920 e 1929. O bairro ainda não era a "princesinha do mar", mas já era, sem dúvida, um lugar maravilhoso: suas garotas, seu charme, seus encantos, suas ruas, suas praças, seus mistérios. Sua praia. A Praia de Copacabana. A Praia de todos os amores. A Praia de todas as ilusões. A Praia de todos os sonhos. A Praia de todos os azuis.
6.Novamente Natal. A época? Final dos anos 40. Quando o Rio Grande foi inaugurado, com seus filmes que atraíam 1.500 pessoas nas sessões dominicais. Quando a esquerda era uma realidade dinâmica na capital potiguar. Quando o Grande Ponto reunia políticos, jornalistas e poetas ávidos pelas últimas novidades. Quando Maria Boa era um belo e importante cabaré.
7.Palestina, primeiros anos da Era Comum: para ver, de perto, a morte de Cristo. Lenda, mito, ficção ou realidade? Muitas e muitas dúvidas poderiam desaparecer; muitos e muitos questionamentos poderiam (re)começar. Como dimensionar o cristianismo? Qual teria sido o verdadeiro papel de Cristo? E o de Madalena? Poderia confirmar
- ou não
- a
ressureição?
8.Paris, final da II Guerra Mundial: o dia da libertação. Os dias seguintes. A euforia das pessoas nas ruas da capital francesa. Os amantes perambulando pelos bairros mais tradicionais. Os filmes. Os vinhos. Os livros. Os jornais. As peças de teatro. Os crepúsculos. As auroras. As águas e os sonhos. A poética do devaneio. O combate ao nazismo, em todas as frentes.
9.
Veneza, 1910: para me emocionar com a estréia das
Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi. "Esta genial composição sacra, contemporânea das últimas obras de Shakespeare, é tão grandiosa e bela que nos poderíamos julgar chegados a uma espécie de apogeu da história da música" (Roland de Candé. A
s obras-primas da música, I. Porto, 1994).
10.
Havana, 1959: a vitória da Revolução Cubana. O (possível) contato com os guerrilheiros de Fidel Castro e Che Guevara. Sim, é verdade: Cuba deixava de ser um mero "quintal dos Estados Unidos" e transformar-se-ia numa esperança socialista. Cuba deixava de ser um reles "prostíbulo dos ricaços norte-americanos" e tornar-se-ia uma esperança revolucionária.
11.
Paris, maio de 1968: para, com emoção, participar das manifestações políticas dos estudantes, professores, poetas, cineastas e outros trabalhadores da cultura. Estaria ao lado daqueles que escreveriam nos muros da Cidade Luz: "É proibido proibir", "A imaginação no poder", "Sejamos realistas, almejemos o impossível", "Amai-vos uns sobre os outros". E mais. E muito mais.
12.
Brasil, litoral baiano, abril de 1500: ao lado dos índios, para ver e sentir aquelas estranhas embarcações, com aqueles homens igualmente estranhos, "achando" nossa terra e nossa gente. Como reagimos, de fato? Como nossos deuses se comportaram? Como sentimos o momento, plenamente? A Mata Atlântica (qual o seu nome original) era um colosso. O que fariam com ela?
13.
Região do Seridó, Rio Grande do Norte, 4 de novembro de 1917: para vivenciar o nascimento de um lugar, por muitos amado, por muitos desejado, por muitos vislumbrado
- São José da Bonita. Ou São José de Todos os Encantos. Ou São José de Todos os Rios. Ou São José de Todos os Jardins. Ou São José de Todas as Águas. Ou, simplesmente, São José do Seridó.
A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
Postaes do Brazil - 1893-1930, pesquisa & texto de Pedro Karp Vasquez. São Paulo : Metalivros, 2002, 240p. [Repeteco de um número anterior do Balaio, com novo texto] Uma viagem ao passado brasileiro através de alguns belos cartões-postais, reproduzidos com engenho e arte: uma viagem que contempla, por exemplo, a Praça 15 de Novembro, no Rio, postado em julho de 1926 (p.34-35); a enseada de Botafogo vista do alto do Corcovado, no Rio, em abril de 1911 (p.70); a Pedra da Itapuca na Praia de Icaraí, em Niterói, em abril de 1913; o Teatro Amazonas, em Manaus, em março de 1907 (p.122); o Mercado Ver-o-Peso e o casario da Travessa do Seminário, em Belém, em março de 1908 (p.132). Tem mais e mais e mais (ao todo, são 204 reproduções, mantendo as cores originais): uma vista geral de São Luiz, cartão postado em dezembro de 1911 (p.138); um trecho da Rua Paissandu, em Teresina, em dezembro de 1908 (p.142); a Rua Formosa, em Fortaleza, em janeiro de 1909 (p.1909); a Praça Augusto Severo, em Natal, em c1902 (p.152); a Igreja das Mercês, em Parahyba do Norte [atual João Pessoa], em c1910 (p.156-7); a Ponte Buarque de Macedo, em Recife, em novembro de 1906 (p.161). Há também cartões de Penedo (AL), Aracaju (SE), Salvador (BA), Ilhéus (BA), Vitória (ES), Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Santos (SP), Cuiabá (MT), Goiás, hoje Goiás Velho (GO), Laguna (SC), Porto Alegre (RS), Caxias do Sul (RS). Nas referências cronológicas (p.227-28), há uma informação curiosa: 1 de outubro de 1869 pode ser considerada a data da criação oficial do cartão-postal, em Viena, Áustria. Outra curiosidade: a criação no Rio, em 1904, da primeira associação brasileira de colecionadores de cartões-postais, a Sociedade Cartophila; o poeta Olavo Bilac pertenceu a seus quadros. Enfim, em vários sentidos um livro maravilhoso. E que faz justiça à epígrafe de Theodor Adorno ao texto de apresentação da obra: "Não se trata de conservar o passado, mas de realizar suas esperanças".