APETRECHOSHercília Fernandes[ in
HF Diante do Espelho ]
Reuni os meus apetrechos,
espalhei flores sobre a cama.
Penteei meus longos cabelos
joguei os pés, doídos, à santa.
Caí na calada da noite
cantei, dancei música cigana.
Colei retratos na janela
bebi álcool com laranja.
Depois subi pelas paredes:
(quase lhe pedindo...)
socorro, pano, lâmpada!
Mas você nada me disse
nem nada me fingiu dizer.
Nem mesmo me arriscou um palpite
sobre o meu jeito lânguida de ser.
É por isso que eu fico assim meio triste
(nesse disse me disse)
Esperando...
minhas coisas:
[cama (de flores)
[santa (de redenção)
[cigana (de amores)
[laranja (de odores)
[lâmpada (de contemplação)
[lânguida (de solidão)
Você [me] recolher!...
[][][]
ESTAREI EM CAICÓ no próximo final de semana para as duas comemorações: 1. A festa dos 50 anos da minha turma (conclusão do ginasial), no velho e querido GDS; 2. a festa dos 50 anos do Bar de Ferreirinha, quando receberei, das mãos do próprio dono do buteco, com muita alegria, a medalha de Amigo do Bar de Ferreirinha.
Memória 2002
UMA VEZ CAICÓ, SEMPRE CAICÓ
Em Caicó, aprendi a amar o cinema. Em Caicó, aprendi a amar os quadrinhos. Em Caicó, aprendi a amar o Fluminense. Em Caicó, nasceu o meu interesse pela poesia e pela literatura. Em Caicó, mergulhei simbolicamente na magia do Poço de Santana. Entre suas ruas e serrotes, fiz grandes amizades: Eduardinho, Rubinho, Irandi, José Geraldo, tio Silvino... Entre suas praças e escolas, tive mestres memoráveis, que me despertaram para o saber e para o sabor da vivência a mais humanística possível: na infância, Da. Teresa Mota e Da. Lourdes; na adolescência, Pe. João Agripino, Mons. Walfredo Gurgel, Pe. Galvão, Prof. Levi. E outros. E outros.
Em Caicó, vivi os anos 50, ainda sem conhecer o rock e a poesia concreta (a não ser, superficialmente, através das páginas d'O Cruzeiro), mas vibrando com os seriados no Cine Pax (como esquecer O império submarino, para ficar em um só exemplo?). Vibrando igualmente com os filmes de Tarzan, Durango Kid, Hopalong Cassidy e Esther Williams, a minha primeira grande paixão cinematográfica, ao lado de Ava Gardner (quantas e quantas vezes a tive nos meus braços; talvez mais do que o próprio Frank Sinatra).
O cinema de Seu Clóvis, em particular, ocupa um lugar todo especial em meus relembramentos caicoenses (assim como ocupa um lugar especial a lembrança dos gibis vendidos semanalmente por Seu Benedito). De certa maneira, a história dos filmes exibidos pelo Pax nos anos 50 se confunde com a própria história da cidade naquele período, período que viu o surgimento de A Folha, em 1954, que viu - sempre maravilhada - as festas de Sant'Anna e do Rosário, que viu a passagem do Circo Copacabana, do Circo Teatro Show, que viu e ouviu Luiz Gonzaga na Praça da Liberdade (em 1954), que viu uma das partidas da final entre Caicó e Nova Cruz pelo Campeonato do Interior de 58 (Caicó 4x3, depois de fazer 3x0; infelizmente, na finalíssima, em Natal, deu Nova Cruz: 2x1), que viu a grande seca de 58. E que viu filmes como Sansão e Dalila (com Victor Mature e Hedy Lamarr), Tarzan e a mulher-leopardo (com Johnny Weismuller), O ébrio (com Vicente Celestino); Luzes da cidade (com Carlitos), Dois palermas em Oxford (com o Gordo & o Magro), Paraíso proibido (com Joseph Cotten), O barco das ilusões (com Ava Gardner), Joana d'Arc (com Ingrid Bergman), Cristóvão Colombo (com Fredric March), Gilda (com Rita Hayworth e Glenn Ford). E mais: Rashomon (com Toshiro Mifune), Rio Vermelho (com John Wayne e Montgmery Clift), Pandora (com James Mason e Ava Gardner), Laura (de Preminger), O segredo das jóias (de Huston), O drama do deserto (documentário com a marca Disney), A um passo da eternidade (com Burt Lancaster e Deborah Kerr), A nave da revolta (com Humphrey Bogart), Os vencidos (de Antonioni), O rastro da Bruxa Vermelha (com John Wayne), A estrada e Agulha no palheiro (nacionais; o segundo, de Alex Viany), Velhas lendas tchecas (extraordinário filme de animação).
Sansão e Dalila, por exemplo, terminou sendo um acontecimento na cidade. Para começo de conversa, foi lançado em pleno sábado, fato no mínimo incomum (o sábado era reservado para o seriado, com um bangue-bangue ou um policial classe B, mera repetição do programa da quinta-feira); depois, no domingo, inaugurou as sessões matinais. Ao todo, foram seis sessões, em cinco dias. Um recorde absoluto! Até então, um filme de apelo comercial era exibido, no máximo, duas ou três vezes. E Gilda? Para frustração da garotada, o primeiro filme a ser proibido para menores no Pax... Bem, na verdade, ele só permaneceu proibido na "sessão nobre" do domingo; na segunda - aleluia!, aleluia! - já estava liberado para todos nós. A partir daí, passou a ser uma prática mais ou menos rotineira; aos domingos, o filme - qualquer filme, mesmo o mais inocente - era proibido até 18 anos, já às segundas... O seu Clóvis tinha uma "ótima" justificativa para essa estranha censura: "Aos domingos, privilegiamos a família caicoense; nos outros dias, a gandaia". E haja gandaia no velho e querido Pax, o poeira mais amado do país! Pobre daquele que adormecesse em suas sessões... Sofria o diabo, com as piúbas e/ou os palitos de fósforo queimando entre seus dedos. E a vaia, do primeiro ao último minuto, dada ao belo Velhas lendas tchecas, em 1959? Confesso: fiquei indignado.
Depois, a partir de 1960, Caicó passou a ser simples memória, embora memória viva - uma grata memória retrabalhada pelo devaneio e pela emoção. Um novo porto me abrigava: Natal. Veio a consciência diante dos ideais socialistas, veio o aprofundamento em cinema e literatura, vieram novas paixões, novas amizades, novas sensações. Novos alumbramentos. Novos estudos. E veio o Rio de Janeiro, em 1967, depois de conhecê-lo em 1966. E no Rio, o Fluminense em pleno Maraca. E no Rio, a participação no lançamento do poema/processo, a participação na luta política. E no Rio, o primeiro livro publicado. E no Rio, o ingresso - como professor - no Departamento de Comunicação da UFF. E no Rio, duas filhas maravilhosas: Ana Morena e Isadora.
E no Rio, a lembrança de Caicó. O cheiro de Caicó. Os serrotes de Caicó. As águas de Caicó. O calor de Caicó. As mulheres de Caicó. E, como tricolor, em homenagem a alguns caros amigos rubro-negros, direi: Eu sentiria um desgosto profundo se não existisse Caicó no mundo. [Moacy Cirne, em 2002]