domingo, 31 de agosto de 2008



1.
Clique na primeira imagem
(La belle Liseuse, de L.-F. Comerre, 1850-1916)
para ver
Women in art,
de Philip Scott Johnson (2007),
ao som da Suite n° 1, BWV 1007, de Bach, por Yo-Yo Ma
2.
Clique na segunda imagem
(Marylin Monroe, em foto de 1962)
para ver
Women in film,
do mesmo autor,
igualmente ao som de J.S. Bach


BALAIO PORRETA 1986
n° 2415
Rio, 31 de agosto de 2008


Quando se terá o direito de instituir e de praticar uma crítica afetuosa, sem que ela seja tomada por parcial? Quando estaremos bastante livres (liberados de uma falsa idéia da "objetividade") para incluir na leitura de um texto o conhecimento que podemos ter de seu autor?
(Roland BARTHES. Sollers escritor, 1979)


APOSSADO
Romério Rômulo
[ in Recalcitrante, 15/junho/2008 ]

o amor chega
te aplica uma gravata destravada,
te morde até o tudo ser um nada,
te arrebenta a veia chamuscada.

o amor chega
te diz uma razão sobressalente,
te esmurra o queixo até quebrar um dente,
te faz se ver um verme de repente.

o amor chega
no salto estapafúrdio de um cavalo,
no canto estarrecido de um galo,
no estertor de um sino só badalo.

o amor chega
sem avisar de nada e chuta a porta,
sem perguntar se alguma coisa importa,
sem se inteirar se é viva ou se é morta.

o amor chega
da garganta traduz um brusco vento,
do estômago teu faz um tormento,
do intestino realiza o excremento.

daí, então
banguela, idiota a entender de nada,
chegado o amor, esqueces, e demente
num esforço frouxo que te sai dormente
ainda tens força pra gritar: amada!


RECOMENDAÇÕES DO BALAIO

[] O dinheiro, de Robert Bresson (1983),
lançamento em DVD da Versátil:
um filme imperdível.

[] Prontuário 666 - Os anos de cárcere de Zé do Caixão,
quadrinhos de Adriana Brunstein & Samuel Casal,
lançamento da Conrad Editora (São Paulo).


GRANDE SERTÃO: CAICÓS

Na próxima quarta-feira, dia 3, estarei em Caicó, no Seridó potiguar,
para abrir, às 8:30h, a VIII Semana de Estudos Históricos,
promoção da Universidade Federal do Rio Grande do Norte,
quando apresentarei a palestra/comunicação
Grande sertão: Caicós.
Na semana seguinte, em Natal, lançarei o livro
A cinemateca imaginária (Ed. Sebo Vermelho).

sábado, 30 de agosto de 2008


Cliquem na imagem-colagem
criada por
Luiz Rosemberg Filho
(publicada em Via Política)
para verouvir fragmento de uma entrevista
com o autor de Assuntina das Amérikas,
com cenas de alguns de seus filmes,
tema do vídeo Bricolage,
de Ricardo Miranda,
a ser exibido amanhã, às 22h, no Canal Brasil.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2414
Rio, 30 de agosto de 2008

A colagem e o cinema se aproximam, pois sou possuído e invadido por imagens e visões de um mundo apodrecido. Tento então fazer do nosso horror diário algo entre o indizível e o sonho. Entre o desejo e a transgressão. ... Abandono-me silencioso na embriaguez das idéias proibidas.
(Luiz ROSEMBERG Filho, in Via Política, 22/08/2008)


POEMA
Amanda Bigonha Salomão
[ in Fotografias, poesias e um tantinho de prosa ]

Já tentei croché
Já tentei tricô
Já fiz pão e teatro.
Entrei pra esquerda,
cutuquei o partido.
Fiz bolo e artesanato.
Tentei de tudo, tentei de nada.
Fui Zé Ninguém e dona-de-casa.
Já dormi sonhando reis
Já dormi sonhando putas,
amantes de Sol, amantes de Lua.
Mas não me encaixei em nada
E fui ser coringa no meio da rua.


A MAIS BELA DO CINEMA AMERICANO?

Terá sido Ava Gardner (1922-1990),
a atriz de Os assassinos (1946), O barco das ilusões (1951), Mogambo (1953), A condessa descalça (1954), E agora brilha o sol (1957), A hora final (1959) e A noite do iguana (1964), entre outros filmes, a mais bela estrela do cinema americano?
Pelo sim, pelo não,

cliquem na imagem abaixo

para vê-la numa cena de O barco das ilusões.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008


1.
Clique na primeira imagem
para ver o trêiler anglo-americano de
Pierrot le fou (Godard, 1965)
2.
Clique na segunda imagem
para ver o trêiler original de
La chinoise (Godard, 1967)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2413
Rio, 29 de agosto de 2007


Unida pelo amor ao cinema, pela necessidade de novidades, pela vontade de questionar e por uma sensação de perigo, que não era nem tão real, nem tão imediato, a juventude da classe média carioca viabilizou o novo cinema. O grande diferencial do espaço começou então a se definir em mais elementos do que a seleção da programação. Sessões especiais ocupavam as noites de sexta, 22h, e sábado, meia-noite. ... Para os espectadores mais engajados, estes horários ofereciam o atrativo extra da possibilidade de uma animada noitada de discussões nos bares ao lado.
(Rogério DURST. Geração Paissandu, 1996)


O FIM DO PAISSANDU?

A notícia caiu como uma bomba sobre os cinéfilos mais antigos: o Cinema Paissandu, emblema de uma época no Rio (segunda metade dos anos 60, basicamente), fechará suas portas. Para mais uma igreja evangélica? Para um supermercado? Não se sabe ao certo; ao que parece, o Grupo Estação não está mais interessado em mantê-lo. Alguns afirmam que ele será fechado apenas para uma ampla reforma. Que seja assim. Símbolos não podem ser destruídos. E o Paissandu foi um símbolo na vida da cidade. Aliás, quando conheci o Rio, em setembro de 1966, antes de fixar residência aqui (em março do ano seguinte), tive a oportunidade de ver um de seus lançamentos mais cultuados: Pierrot le fou, de Godard. Tornei-me freqüentador, a partir de 67, das famosas sessões promovidas pela Cinemateca do MAM, aos sábados. Quantas e quantas vezes, depois dos filmes, fiquei nos bares (Cinerama, hoje Garota do Flamengo; Oklahoma, hoje completamente remodelado) discutindo sobre política, poesia, o mundo, as mulheres e, claro, os filmes? Inúmeras. Inúmeras. Éramos sonhadores. Sonhávamos com a Revolução. Com a Utopia. Com o Novo Cinema. E hoje já posso revelar sem maiores problemas: foi depois de ter visto A chinesa, no templo sagrado dos amantes do bom espetáculo cinematográfico, e em função do poema/processo e das várias leituras que eu fazia então (Marx, Lênin, Mao, Althusser), que resolvi me tornar militante do Partido Operário Comunista; em seguida, vivi uma longa experiência na Política Operária Marxista-Leninista. Sem perder a ternura, jamais. A possível morte do Paissandu será como a morte de um ente querido. Há que lamentar.


OS FILMES QUE MARCARAM O PAISSANDU
segundo
Rogério Durst
[ in Geração Paissandu. Rio, 1996 ]

Cinzas e diamantes (Wajda, 1958)
Acossado (Godard, 1960)
Ano passado em Marienbad (Resnais, 1961)
Jules et Jim (Truffaut, 1962)
Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964)
Alphaville (Godard, 1965)
Pierrot le fou (Godard, 1965)
A chinesa (Godard, 1967)
Week-end à francesa (Godard, 1967)
A classe operária vai ao paraíso (Petri, 1971)

Nota1:
Um ou dois desses filmes não foram lançados no Paissandu,
mas lá fizeram grande sucesso quando relançados.
Nota2:
Também marcaram época, no Paissandu,
Terra em transe (Glauber Rocha), A guerra acabou (Resnais),
A bela da tarde (Buñuel), Trinta anos esta noite (Malle),
Persona (Bergman), O desprezo (Godard),
os festivais de curta do Jornal do Brasil.
Nota3:
A deliciosa e irônica canção Mao Mao,
que se ouve em La chinoise,
é de Claudes Channes.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008


Clique na imagem
de
Andy Warhol
para ver o curta/animação
Mona Lisa descending a staircase
(Joan Gratz, 1992)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2412

Rio, 28 de agosto de 2008

Toda época deve reinventar seu próprio projeto de "espiritualidade".
(Susan SONTAG. A vontade radical, 1969)


Repeteco
BALAIO INCOMUN n° 1598
Desde 8 / 9 / 1986
Rio, 27 de setembro de 2005


A ESTRADA
Moacy Cirne

Sinto o primeiro impacto. De imediato, sou dominado por inesperada quentura nas costas. Mas consigo correr. E corro. Um segundo impacto me atinge. Preciso correr, mais ainda. Um rio me aguarda, à esquerda. Mergulho nele. Suas águas me envolvem com certa doçura. Mas de onde surgira aquele rio, em plena Glória, entre a Lapa e o Catete? Não importa; o que importa é que estou a salvo. O calor aumenta. Ouço os sinos da igreja mais próxima. Uma voz de rapariga me chama. Ambrósio, Ambrósio, cuidado com a ponte, não se deixe enforcar. O fogo me queima por dentro. Não sei nadar, lembro-me de repente. O que está acontecendo, então? Só sei que não existe mais qualquer sinal de rio; estou numa estrada de tijolos amarelos, familiar cena de filme antigo. Caminho com passos lentos; o calor que me domina é intenso. Pressinto que minhas roupas estão encarnadas. E encarnado é o meu cordão, em disputa contra o cordão azul. Sou uma criança apaixonada pela rainha do Encarnado na cidade da minha infância. Carlitos, o Gordo e o Magro me fazem companhia, sorrindo. Durango Kid aproxima-se: Não se preocupe, estou aqui para defendê-lo dos bandidos. Estou aqui para salvá-lo das balas perdidas. Confie em mim. Olho para o meu avô, com sua ternura sem fim. No caminhão da feira, cortando o cheiro da manhã carregada de mangas e esperanças, contamos os jumentos à beira da estrada, a mesma estrada de tijolos amarelos. À esquerda e à direita vemos jumentos tristes e honestos. São dezenas, são centenas deles. Estranho, parecem pássaros que não sabem voar. Quem ganhará a aposta? O feirante bêbado de auroras garantindo que à direita do veículo, beirando a estrada, maior seria o número daqueles pobres e inevitáveis animais? Ou vencerá o outro? O outro não sou eu; eu sou aquele que precisa mergulhar no Poço de Santana, no final da estrada. Mas o Poço está longe, muito longe. Nunca fiz um filho. Nunca plantei uma árvore. Nunca escrevi um livro. Nunca entrei num túnel tão comprido. E as coisas estão ficando cada vez mais nebulosas. Além, já noite, do alto do coreto da praça, Luiz Gonzaga acena para mim. Asa branca, assum preto, légua tirana. Baião-de-dois. Baião-de-três. Baião-de-cinco. O império submarino. Flash Gordon no Planeta Mongo. A volta do Aranha-Negra. Sansão e Dalila. Nunca houve uma mulher como Gilda. Os melhores anos de nossas vidas. Belinda. O barco das ilusões. Amar foi minha ruína. Dois palermas em Oxford. Paraíso proibido. Tarzan e as amazonas. O império das ilusões. O Aranha-Negra no Planeta Mongo. Sansão, Gilda, Belinda e Dalila. Nunca houve uma mulher como Tarzan. Estou cansado. O chão da Glória tem gosto de sangue e sertão. Preciso dormir.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008


Clique na imagem
para ver o trêiler de
Acossado
(Godard, 1959)
e
clique aqui
para ver a série gráfica
AntiCinema,
de Luiz Rosemberg Filho,
no blogue do
Poema/Processo


BALAIO PORRETA 1986
n° 2411
Rio, 27 de agosto de 2008


A arte não se limita a re-produzir o mundo com o automatismo inerte de um espelho: ao transformar em signos as imagens do mundo, a arte enche-o de significações.
(Yuri LOTMAN. Estética e semiótica do cinema, 1973)


A JORGE GUINLE FILHO
em memória
Tanussi Cardoso
[ in Viagem em torno de, 2000 ]

O que acontecerá aos céus
quando se morre um artista?
Que silêncios, que gritos
Que deuses riscam os ventos
quando se morre um artista?
O que dizer aos filhos
Aos pássaros, ao poema
quando se morre um artista?
Que pintura tão linda
Que natureza tão vil
Que fala tão amarga
quando se morre um artista?
Noiteluzsomdiapasãoharmoniavendavalfuracão?
O que sobra da vida
quando se morre um artista?


POEMA GRÁFICO DE
SEBASTIÃO NUNES
(anos 70)
Veja a entrevista com o poeta mineiro,
por Lívio Oliveira,
in
Substantivo Plural


terça-feira, 26 de agosto de 2008


Rita Hayworth:
uma das belezas maiores do
cinema americano
nos anos 40


BALAIO INCOMUN 1986
n° 2410
Rio, 26 de agosto de 2008

Olhar bem as coisas que de repente
deixaremos de ver para sempre.

(Aníbal MACHADO. Cadernos de João, 1957)


Memória
13 POR 1
Manoel Onofre Jr., escritor
[ in Preá. Natal, dezembro 2003 ]

Romancista: Eça de Queiroz
Poeta: Fernando Pessoa
Livro: Judas, o obscuro, de Thomas Hardy
Filme: Um corpo que cai
Diretor/Cinema: Billy Wilder
Ator/Atriz: Dustin Hoffman/Rita Hayworth
Pintor: Portinari
Cantor/Cantora: Orlando Silva/Elis Regina
Compositor: George Gershwin
Música: Bachianas 2 e 8
Peça teatral: Auto da Compadecida
Intelectual: Oswaldo Lamartine
Personalidade cultural do RN
: Câmara Cascudo

13 POR 1
Ailton Medeiros, jornalista
[ in Preá. Natal, março/abril 2005 ]

Romancista: Gabriel García Márquez
Poeta: Zila Mamede
Livro: Deserto dos tártaros
Filme: Sexo, mentiras e videoteipe
Diretor/cinema: Spike Lee
Ator/atriz: Juliette Binoche
Pintor: Juan Miró
Cantor/cantora: Cazuza
Compositor: Chico Buarque
Música: Todo amor que houver nessa vida
Peça teatral: Vestido de noiva
Intelectual: João Wilson de Mello
Personalidade cultural do RN: Nei Leandro de Castro

13 POR 1
Laurence Bittencourt, jornalista
[ in Preá. Natal, novembro/dezembro 2005 ]

Romancista: Eulício Faria de Lacerda
Poeta: Alex Nascimento
Livro: A banalidade do mal:
O julgamento de Eichmann em Jerusalém

Filme: O homem de Kiev
Diretor/Cinema: Charles Chaplin
Ator/atriz: Marlon Brando
Pintor: Leopoldo Nelson
Cantor/cantora: Sarah Vaughan
Compositor: Ludwig van Beethoven
Música: Pour Elise
Peça teatral: Hamlet
Intelectual: Harold Bloom
Personalidade cultural do RN: Câmara Cascudo


O MILAGRE DO BAR
Aníbal Machado
[ in Cadernos de João. Rio: José Olympio, 1957 ]

Aquela noite, no bar de Amundsen, um sujeito tinha passado de uma mesa para outra de modo a chamar a atenção.
As mesas estavam bem distantes, ninguém duvidava. E separadas ainda por uma barricada de cadeiras, louças, mulheres-da-vida e homens que fumavam - resíduos do dia na madrugada dos bares.
Pois, certa hora, o tal sujeito se ergueu muito suavemente, passou por cima das cabeças, quase tocou na careca do gerente, e foi pousar na mesa do fundo. De lá, um tanto pálido mas calmo, reclamou o seu chope. Um vôo incontestável.
Mas ninguém podia admitir a possibilidade de qualquer anjo naquele bar. Houve certa inquietação entre os fregueses. O gerente errou o troco na máquina registradora. Uma mulher sentiu falta de ar e foi abanada.
Daí por diante, produziu-se completo silêncio. Ninguém tirava os olhos do sujeito. Uma onda que vinha vindo do fundo escuro da baía se quebrou perto da janela.
Alguns minutos depois - o homem deu um jeito na gravata, levantou-se e mergulhou na noite, sem pagar a conta.
E o bar voltou a funcionar normalmente.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008


Foto de
Pierre Lord Gabeon
in
Sensualizarte


BALAIO PORRETA 1986
n° 2409
Rio, 25 de agosto de 2008


Quem me inundou esqueceu de orar para as estrelas.
(Marize CASTRO. Esperado ouro, 2005)


Memória 2005
BALAIO INCOMUN n° 1615
Desde 8 / 9 / 1986
Natal, 26 de outubro de 2005


Comentários atravessados
O LIVRO DESCONHECIDO


Estou à procura de um livro para ler. É um livro todo especial. Eu o imagino como a um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem o autor. Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito desse livro desconhecido e já tão profundamente amado. Uma das fantasias é assim: eu o estaria lendo e de súbito, a uma frase lida, com lágrimas nos olhos diria em êxtase de dor e de enfim libertação: "Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus!" [CLARICE LISPECTOR. A descoberta do mundo; crônicas. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 233]

Estou à procura de um livro para escrever. Ou melhor, de um tema que possa ser transformado em livro. Já tenho o título, a partir de inspirações construídas com sangue, suor e lamentos. Também tenho minhas fantasias a respeito desse livro ainda inédito e, portanto, desconhecido inclusive para mim. Não será um livro qualquer. Eu, que já escrevi Os lusíadas e A divina Comédia, estou pronto para novos metaplágios e novas metacriações. Como todos sabem, Camões e Dante nunca existiram; foram criados pela minha imaginação. Contudo entretanto porém todavia, pensando bem, e desde já revelando a essência do meu ser angustiante-angustiado-borgeano, são vários os livros que escreverei nos próximos 120 anos. Os primeiros já podem ser nomeados, considerando-se a minha particular visão epistemológico-aramaico-tricolor-caicoense-existencial do mundo. Darei as dicas necessárias, para que não me acusem de tarado sexual. Ou de extra-terrestre enlouquecido pelas vogais do alfabeto greco-natalense-potengíaco. Eis os títulos e as devidas inspirações, com os inclassificáveis cuidados acadêmicos daqueles que, como eu, freqüentaram, na capital potiguar, Maria Boa e o Cova da Onça, nos anos 40 do século passado:

Perto do coração clandestino : baseado em Clarice Lispector, claro;
Os desesperados do Mar Vermelho : releitura da Bíblia, a partir de uma sugestão de Umberto Eco;
Os mortos são passageiros : inspirado em Newton Navarro;
As aventuras de James Joyce na Cidade do Caicó : a partir de indicações do historiador Muirakytan Macedo;
O triste fim de Dom Casmurro: Lima Barreto/Machado de Assis sob a ótica de um seridoense pra lá de Jucurutu;
Memórias sentimentais de José Bezerra Gomes : o encontro de Oswald de Andrade com o escritor currais-novense;
O canto de muro do jardim das delícias : Câmara Cascudo/Bosch, para alegrar o coração dos descontentes;
As dunas vermelhas de Caiçara do Rio dos Ventos : com a devida aprovação de Nei Leandro de Castro, mesmo que não existam dunas, sejam azuis, sejam amarelas ou vermelhas, em Caiçara de todos os rios e de todos os ventos;
Velhas comédias da vida privada : entre Milton Ribeiro e Luís Fernando Veríssimo;
Livro de poemas de Zila Mamede : de Jorge Fernandes à cristalina Zila, só a poesia e a música podem nos salvar;
Peleja de Zé Limeira da Paraíba com Chico Doido de Caicó : releitura das anotações de Orlando Tejo;
Para não esquecer a hora da estrela : Clarice Lispector, mais uma vez, para não dizer que não falei de águas vivas e maçãs no escuro.

domingo, 24 de agosto de 2008


Foto de
Luís Diogo


BALAIO PORRETA 1986
n° 2408
Rio, 24 de agosto de 2008

Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
depois da Luz, se segue a noite escura,
em tristes sombras morre a formosura,
em contínuas tristezas e alegria.
(Gregório de MATOS. A instabilidade das cousas no mundo)


FEIRA DE PROVÉRBIOS ESPORRENTOS

Ele me prometeu brincos,
mas apenas furou minhas orelhas.

(Árabe)
Os homens são como tapetes:
às vezes precisam ser sacudidos.

(Árabe)
Se os filhos da puta voassem,
nunca veríamos o sol.

(Argentino)
Aqueles que não sonham estão perdidos.
(Australiano)
A língua suave é a árvore da vida,
a língua perversa quebra o coração.

(Bíblico)
A tinta mais fraca é melhor que a melhor memória.
(Chinês)
Falar sem pensar é atirar sem mirar.
(Espanhol)
Três espanhóis, quatro opiniões.
(Espanhol)
A partir de uma certa idade,
o único afrodisíaco é a variedade.

(Francês)
Dinheiro público é como água benta:
todos põem a mão.

(Italiano)

[ Fonte: Duailibi das citações, de Roberto Duailibi ]


O TRANSITÓRIO DEFINITIVO
Aníbal Machado
[ in Cadernos de João. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957 ]

O meu fim é Santa Maria, castelo de passarinhos...
Me casaram várias vezes. Aos homens que feri em brigas pelo caminho, eu dizia: - Não há de ser nada; estou de passagem para Santa Maria.
E às mulheres que abracei: - Fiquem com os filhos. Eu levo a lembrança. Estou indo para Santa Maria, castelo de passarinhos.
Entre as muitas aldeias de pouso, numa acordei com banda de música e gente debaixo da sacada: - Senhor, sabemos que estais de passagem. Aqui ninguém presta. Aceitai ser o nosso chefe.
- Eu também não presto, respondi. E estou de passagem. Deixai-me dormir...
E bati-lhe a veneziana.
Fiquei. Armei pontes, retifiquei o rio. Construí piscinas e um auditório onde preguei a centenas de ouvintes.
Falaram-me de algumas precisões: um chafariz, uma igeja, uma escola, talvez uma nova seita. Que eu poderia etc...
Abri jardim para os namorados, horrorizei-me de meu próprio busto erguido entre as flores do canteiro principal.
E quando a moça mais linda que eu estreitara nos braços gemia: "Ó tu que para sempre será meu!", logo eu atalhava: "Não pode ser, minha filha, não pode ser... Estou seguindo para Santa Maria, castelo de passarinhos...".

Mais adiante, me condenaram. Respondi aos juízes:
- Para quê, se estou de passagem para Santa Maria? Mais vale, em vez da pena, um banho delicioso no rio.
E segui caminho.
Há mais de cinqüenta anos que estou indo para Santa Maria. O que não é sacrifício para quem sabe que há de chegar.
E enquanto não chego, vou-me distraindo à minha maneira, ora rindo, ora gemendo.
Os pequenos acontecimentos avultam aos meus olhos, os grandes se amesquinham.

Tomo parte na vida das cidades, nos negócios dos homens. E se acaso tropeço, não é contra as pedras, é contra a minha sombra.
Prendo-me aos seres e objetos com o fervor de quem vai perdê-los para sempre. Porque afinal este mundo, tal como está, se eu gosto dele um bocadinho, é no momento mesmo em que penso largá-lo. Mas isso eu nunca digo.
E vou andando...
Se alguém pergunta quem sou, respondem todos: - Não se sabe. Vive dizendo que está indo para um castelo de passarinhos...
Sempre assim.
Quando a vida me aborrece, largo tudo de repente, apanho a trouxa, e vou tocando devagarinho para Santa Maria, castelo de passarinhos...

[ Aníbal Machado ]


COMO SE FOSSE A PRIMAVERA
Márcia Maia
[ in Mudança de Ventos ]

Às seis da tarde, a lua nascia cheia despertando jasmins em meu vestido. Girassóis brotavam nas calçadas. E o mar floria de estrelas nossos pés.

sábado, 23 de agosto de 2008


Clique na imagem
para ver os minutos finais de
Luzes da cidade
(Chaplin, 1931)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2407
Rio, 23 de agosto de 2008

Como uma legítima canção de "gesta", o romance tradicional sertanejo só tem ação, movimento, finalidades exclusivamente humanas. A natureza é um acessório.
(Luís da Câmara CASCUDO. Vaqueiros e cantadores, 1939)


ALMANAQUE DO BALAIO - 2008/1

Um filme:
Luzes da cidade (Chaplin, 1931)

Dois quadrinhos:
Zeferino & Graúna (Henfil, 1972)
Flash Gordon (Raymond, 1934)

Três discos:
Arapuá no cabelo (Carlos Zens, 2008)
Choros, valsas, tangos e polcas (Jacob do Bandolim, 1997)
Missa Pange Lingua (Desprez, por Marcel Pérès, 1986)

Quatro livros:
Vaqueiros e cantadores (Luís da Câmara Cascudo, 1939)
Zoozona (Mauro Gama, 2008)
Poesias (Adriano de Sousa, 2008)
Crônicas marcianas (Ray Bradbury, 1950)

Cinco porretâncias:
O sebo Kriterion, em Natal
A livraria Folha Seca, no Rio
O açude Itans, em Caicó
O MASP, em São Paulo
O sítio Substantivo Plural, de Natal

Um poema:
O amor, o tempo e o trem
Ana de Santana
para Henrique

Desde sempre te espero
E é como se regasse a primavera
Inteira no meu jardim de sonhos
Imaginei um calendário de tua chegada
e colecionei contos
Que te narrarei antes de dormir
Escuto o barulhinho do trem:
“café com pão, café com pão
Piuiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii”
Todos a postos na estação
O Maquinista, senhor dos tempos,
Acelerou meu coração
Arrumei o quarto, os cabelos, a casa
Mas ainda aguardo a hora
Em que entrarás por esta porta
Para escrever o verso que falta
....

Agora que o amor dorme comigo
Sei das lágrimas do paraíso.
E agradeço.


Duas ou três considerações
Como nas edições anteriores, o presente Almanaque não pretende ser uma seleção de "melhores entre os melhores", mas sim uma seleção de obras que, antigas ou recentes, nos interessam, pelos mais variados motivos.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008


Gravura de
William Blake
(1757-1827)
para uma das edições inglesas de
Paraíso perdido,
de Milton


BALAIO PORRETA 1986
n° 2406
Rio, 22 de agosto de 2008

Há os que plantam ventos
e colhem velas
pra ganhar os mares
e voar para os seus mares
(Bosco SOBREIRA, in A Pedra e a Fala, 22/07/2008)


POEMA
Romário Gomes
(São José do Seridó, RN)
[ in Cacos ]

nonada. algures. fluvial.
verbo. luz. sertão.
suor. história. emoção.
como pensar São José?


A PRIMEIRA MULHER DE DEUS
Cláudia Magalhães
[ in Paraíso Perdido ]

Nas primeiras horas do anoitecer de uma sexta-feira, depois de desejar fortemente fugir daquele maldito lugar, a primeira mulher de Deus sentiu nascer do centro das suas costas, um enorme par de asas negras. Descobriu, então, que a liberdade nasce no centro escuro de todas as coisas, onde moram os desejos mais secretos, nas tocas, nos cárceres, nos lugares fechados, onde a saída não é visível ao olhar humano.

Amava Deus com todas as suas forças. Ele, na sua infinita bondade, dera-lhe a vida, e sentia-lhe uma enorme gratidão por isso. Ensinara-lhe tudo. Falou-lhe da existência do diabo, seu maior inimigo, e do seu enorme poder de sedução. Disse-lhe que ele habitava nas terras além do abismo e, que deixar-se seduzir por ele, só lhe traria grande dor, grande tormento. Inexplicavelmente, a partir desse momento, desejou fortemente conhecê-lo. Condenada a viver isolada naquele lugar chamado Paraíso, pensava, dia e noite, numa maneira de atravessar o abismo e fugir da solidão.

Certa noite, deixou-se cair sobre a terra úmida e ficou contemplando o céu vestido de estrelas. Leve-me com você!, Pensou ao observar uma delas cair. Nesse momento, sentiu o seu corpo elevar-se do chão. Um enorme par de asas negras, úmidas de sangue, nascia em suas costas. Sem raciocinar sobre o ocorrido, sentiu-se carregada para o invisível e, com o coração em febre, alçou vôo pela noite fria, deixando para trás uma chuva rala de sangue. Era a liberdade que se levantava ao vento, que se movia no compasso do seu ventre. Agora, sou eu quem me persigo, pensou, sonhando com um mundo novo, cheio de novas possibilidades. Perdeu-se no deserto.

Exausta e com olhar cheio de espanto, viu uma nuvem de poeira tomar a forma de um belo homem. Era ele, o diabo. Ele a olhava de uma maneira que lhe fez gelar os ossos. Estou perdida, pensou desejando fugir dali. Tenho sede, ele falou docemente. Ofereço-te as minhas águas, não para matar a tua sede, mas para roubar a tua calmaria. E, por livre escolha, prendo-me em tuas pernas de fogo, rodeada de respostas. Esta noite, te amarei... Na tua sombra, esconderei os meus medos, aliviarei o meu pranto. Quando a luz nascer, gritarei ao mundo que ressuscitei no gosto das maçãs, respondeu, tentando fugir da solidão. Uniram os seus destinos. Sob o céu aberto, com gosto de vinho, as suas línguas, demoniacamente puras, uniram-se, acendendo fogueiras, penetrando mundos invisíveis, anulando o bem e o mal. Em busca do amor, ela ofereceu-lhe o que tinha de mais sagrado, a sua cruz: a sua boca, o seu sexo e os seus seios. E, nessa cruz, morreu por amor...

Depois de algumas horas, ela acordou. Procurou o seu amor e não o encontrou. As horas de loucuras impensadas deixavam, agora, uma enorme tristeza, um grande vazio no seu coração. Precisava fazer o céu voltar e com ele o seu amor. Procuro aquele que perdi, mas aquele que perdi não me procura, pensou sem desistir da sua busca. Passaram-se meses. Grávida, prestes a dar a luz, ela ainda o procurava. Arrancou-me o coração, os olhos, o sexo! Ávido de sangue, possuiu as minhas carnes e todas as noites, me persegue. Em fuga, o experimentei, e ele nunca mais sairá de mim, porque ferida de amor eu estou!, Pensou mergulhando na loucura.

Nesse imenso vazio, ela trouxe ao mundo o seu filho, o fruto do seu pecado. Em seguida, sentiu-se arrastar, por forças desconhecidas, invisíveis, até uma grande cruz . Nela, com o corpo em chamas, gritou em desespero: Deus, por que faz isso comigo? O amor e o pecado habitam em mim. É esse o meu castigo? O primeiro não me trouxe nada de bom. O segundo, intitulado Satanás, nada mais é que o meu instinto de viver. Por que me criastes imperfeita e com sabedoria? Porque me criastes das fezes, do excremento ao invés do pó puro? Não me livrei da luz, foi ela quem fugiu de mim... Sou feroz no amor como também no ódio. Quando entro numa rixa, não admito insultos. Maldita armadilha! Mesmo que, em minhas sucessivas vidas, queimem a minha anca viva, seguirei em busca do amor... Não tenho saída... Sabes que toda a alma almeja a companhia de outra que lhe complete... Maldito! Trouxestes o amor para o meu espírito feminino e, a partir desse momento, não haverá paz, nem para mim, nem para os homens!...

Nesse momento, o Diabo, observando-a ser consumida pelas chamas, flutuava sobre as águas, refletindo, nelas, a sua outra face, a sua porção divina, a sua imagem de Deus, que satisfeito com a sua criação, sorria, tremendo de felicidade.


Cinema
RECOMENDAMOS EM NATAL

Santiago, de João Moreira Salles,
numa das salas do Praia Xópim, em Ponta Negra.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008


Imagem:
Pascal Renoux
in
AltPhotos


BALAIO PORRETA 1986
n° 2405
Rio, 21 de agosto de 2008


Os poetas que eu amei me deixaram, no mínimo,
três imperfeições. Com as quais invento sonhos,
desenho caminhos e ergo muros.

(Sheyla AZEVEDO, in Bicho Esquisito, 18/08/2008)


POEMA
Sandra Camurça
[ in O Refúgio ]

sob o chumbo da nuvem
descarga elétrica forja a lâmina -
corta-me o céu da carne!


AMANHECENDO
Ana de Santana
[ in Em nome da pele, 2008 ]

Não conto o tempo quando demoro
os dedos sobre teus cardeais
Tudo que preciso amanhece no teu corpo
Criado pela infância das almas
Tudo é minguado
Se não sou vizinha do teu rosto
Se não sou eu mesma a manhã
Que te desperta o afã
de morar em mim

DIVAGAÇÕES & PROVOCAÇÕES

Sou um homem
de poucas certezas e muitas e muitas dúvidas. Uma das raras certezas: Dom Quixote é o maior livro de todos os tempos. Outra certeza: Grande sertão: veredas continua insuperável, em se tratando de literatura brasileira. Mais uma: Moby Dick é o mais admirável dos romances norte-americanos. E mais: Antonioni, Godard, Renoir e Welles formam o "meu" quarteto mágico cinematográfico, assim como as Vésperas da Virgem, de Monteverdi (seja por Savall, seja por Gardiner), e a obra de Bach constituem as minhas principais referências musicais, ao lado das Cantigas de Santa Maria e dos últimos quartetos de Beethoven. Mas adianto: são certezas docemente provisórias, que enfrentam mil desafios. E mil dúvidas. Ou mil autoquestionamentos.

Sou ateu,
graças a Marx, Sartre e Darwin. A idéia de um Deus Superior não passa, para mim, de simples abstração político-metafísico-religiosa. Contudo, é bom registrar, como bom seridoense, caba criado nas veredas do sertão potiguar, tenho o maior carinho por Nossa Senhora de Sant'Ana, e procuro compreender, com respeito, e na medida do possível, a religiosidade popular que a cerca. Já o disse, antes: em minha sala de estudos, figuram - lado a lado - as imagens de Marx e Sant'Ana. Sem maiores problemas. Sem maiores ciúmes.

A minha pequena provocação
sobre a poesia (verbal) norte-riograndense suscitou alguns comentários interessantes no Substantivo Plural. Justas ou equivocadas, as preferências por mim anotadas (particularmente José Bezerra Gomes, Jorge Fernandes, Zila Mamede e Nei Leandro de Castro, além de Luís Carlos Guimarães) não excluem, decerto, a minha admiração por outros poetas e/ou poemas, nem todos citados. E mais: concordo com Marcos Silva - a importância de uma dada literatura também se faz com a inclusão de autores que eu nomearia como "supostamente menores ou de qualidade literária discutível". O que seria, aliás, uma "qualidade literária discutível"? A rigor, a não ser em casos extremos (outro ponto para discussão!), todos os autores são importantes, em maior ou menor grau. Posso ter restrições, por exemplo, a Walflan de Queiroz, Palmira Wanderley, Othoniel Menezes e/ou Antoniel Campos, mas reconheço a importância (cultural) de todos eles para a história da literatura potiguar.

Confesso a minha dificuldade
em aceitar o conceito de "pensador imbecil" aplicado a Ariano Suassuna (cf., mais uma vez, o
Substantivo Plural). Sei que as suas opiniões, em se tratando de arte, música e literatura, são conservadoras ou mesmo retrógradas. Sei que a sua defesa do "nacionalismo armorial" pode levar a equívocos. Mas como negar a importância (inclusive estética), por exemplo, de um Antônio Madureira? Seu Romançal (ao lado de outros autores) é, seguramente, ou pelo menos assim me parece, uma verdadeira obra-prima da sonoridade brasileira. Poder-se-á dizer: Romançal, Auto da Compadecida (do próprio Ariano), alguns discos de Antonio Nóbrega extrapolam o seu "pensamento vivo" - ou, se preferirem, o seu "pensamento morto". Neste caso, só uma discussão devidamente fundamentada contemplará o problema colocado por aqueles que o rejeitam de forma radical como possível pensador. De resto, o que seria um "pensamento imbecil"? Não haveria, aqui, uma contradição em termos? Digamos, como hipótese: Ariano é um sujeito imbecil ao falar de arte e, assim sendo, o seu pensamento é um pensamento "menor" quando comparado a outros pensadores e estetas. Resta a pergunta: será mesmo? Não se trata de simples filigrana semântica; discutir conceitos exige rigor crítico.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008


Sely
Foto de
Jorge Claudino
in
Olhares


BALAIO PORRETA 1986
n° 2404
Rio, 20 de agosto de 2008

Da mesma forma como não temos mais necessidade de reconhecer a poesia através dos procedimentos mais ou menos sutis da versificação ..., não temos também mais nenhuma necessidade de reconhecer a música apenas através dos parâmetros preestabelecidos de uma certa cultura musical.
(Luciano BERIO. Poesia e música - uma experiência, 1959)


SOBRE O VAZIO
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Agora não me restam mais
dedos. Eles já sucumbiram
de solidão.


ESTIO
Ana de Santana
[ in Em nome da pele, 2008 ]

Queria ser derramada
como a chuva nas encostas verdes
vertendo exagero. Mas
uma frieza reumática
ataca-me pés, mãos
e as juntas do que em mim
matuta e canta
Se não o excesso,
muito menos a síntese
Sou o médio
dos riachos perenes
Em tempo de estiagem,
apenas o suficiente pro gasto

PARA UMA DISCOTECA BÁSICA
DE MÚSICA ERUDITA
/ Sem ordem preferencial /

Concertos de Brandenburgo, de J.S. Bach,
por Gustav Leonhardt & outros [RCA, 1977 ]

Laborintus II, de Luciano Berio,
por Luciano Berio [ Harmonia Mundi, 1968 ]

Lições das trevas, de Marc-Antoine Charpentier,
por René Jacobs & outros [ Harmonia Mundi, 1978-82 ]

O mar & outras composições, de Claude Debussy,
por Pierre Boulez [ CBS, 1967 ]

Missa n° 4, K.139, de W.A. Mozart,
por Nikolaus Harnoncourt [ Teldec, 1989 ]

Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi,
por Jordi Savall [ Astrée/Auvidis, 1988 ]

Lieder: Viagem de inverno ..., de Franz Schubert,
por Fischer-Dieskau (bar) & Moore (pn) [ EMI, 1951-58 ]

Onze peças para piano, de Karlheinz Stockhausen,
por Herbert Henck [ Wergo, 1985-86 ]

terça-feira, 19 de agosto de 2008


Poema concreto
de
Décio Pignatari
(1957)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2403
Natal, 19 de agosto de 2008


Por que a poesia concreta (lançada nos anos 50) e o poema/processo (lançado nos anos 60) continuam incomodando tanta gente? Será que Freud explica?


DIVAGAÇÕES & PROVOCAÇÕES

Para quem sabe ler, ver e ouvir
sem preconceitos culturais e/ou pequenezas literárias, a antropofagia, a poesia concreta, o neoconcretismo, a instauração práxis e o poema/processo ofereceram e ainda oferecem informações estéticas valiosas. Gostemos ou não de seus produtos, não podemos ignorar sua importância para a história das formas (anti/contra)literárias. Seria o mesmo que negar, por exemplo, a revolução cinematográfica de um Vertov, de um Welles, de um Godard, de um Kubrick ou a relevância quadrinhográfica de um McCay, de um Herriman, de um Eisner, de um Moebius. De minha parte, com o poema/processo passei a compreender melhor e com mais sensibilidade crítica a literatura clássica, o poema verbal, a poesia popular, a teoria da informação, a luta política, o marxismo, o próprio Brasil.

Qual seria o maior nome
da história literária do Rio Grande do Norte, no campo da verbalidade poética? Segundo a minha particular leitura crítico-afetivo-libertinária, há quatro nomes que merecem ser destacados de forma especial: José Bezerra Gomes, Jorge Fernandes, Zila Mamede e Nei Leandro de Castro. Decerto, há outros poetas de valor inestimável: Luís Carlos Guimarães, Marize Castro, Sanderson Negreiros, Homero Homem. Quem mais? Quem mais?
Iracema Macedo? Miguel Cirilo? Gilberto Avelino? Myriam Coeli? Paulo de Tarso? João Gualberto? Moysés Sesyom?

segunda-feira, 18 de agosto de 2008


Ponte da Pedra Lavrada,
em Jardim do Seridó

Foto de
Joaquim Júnior
in
Grande Ponto


BALAIO PORRETA 1986
n° 2402
Natal, 18 de agosto de 2008


É muito difícil saber pecar com profundidade.
(Murilo MENDES. O discípulo de Emaús, 1945)


A MESMICE
política, intelectual, artística e literária
que assola o Brasil
precisa e deve ser combatida por todos aqueles
que acreditam
no sonho, na poesia, no socialismo, na arte,
na aventura libertária.
"Ver com olhos livres"
- de origem oswaldiana -
continua sendo o lema do Balaio.
Contra o preconceito, o racismo e o fascismo
continuamos na luta.
E a luta é o nosso norte, o nosso nordeste,
a nossa paixão mais constante,
o nosso gesto mais arrebatado,
a nossa esperança mais ousada.
Não somos ratos;
somos seres humanos,
com nossas fraquezas e nossas grandezas.
E como seres humanos
combateremos
qualquer tipo de preconceito,
qualquer manifestação de racismo,
qualquer forma de fascismo.
Ou qualquer empulhação chamada neoliberalismo.
No Balaio,
sempre e sempre,
continuaremos privilegiando
o choro, o samba, o frevo, o baião,
o jazz, a música erudita, o humor, o cinema,
a poesia alternativa, a poesia revolucionária,
a cultura popular, o poema/processo,
o socialismo, o erotismo, o Brasil.
E a aventura libertária.

[ in Balaio, n° 931. Rio, 14/03/1997 ]


O IMPORTANTE É NÃO PARAR DE QUESTIONAR
(Albert Einstein)

Apesar de todas as dificuldades, é preciso ousar;
apesar de todos os desencontros, é preciso amar;
apesar de todos os pesadelos, é preciso sonhar;
apesar de todas as incertezas, é preciso lutAR.

[ in Balaio, n° 276. Rio, 12/04/1991 ]

sábado, 16 de agosto de 2008

Um disco de Dorival.
Um disco de 1954.
Um disco para sempre.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2401
Natal, 16 de agosto de 2008

Na história do cancioneiro brasileiro, o baiano Dorival Caymmi ocupa um lugar especial: um cancioneiro marcado por mares e marés, marinas e morenas. Ontem como hoje, é doce mergulhar em suas canções praieiras.


DORIVAL CAYMMI (1914-2008)
Eduardo Goldenberg
[ in Buteco do Edu ]

O BUTECO cumpre o doloroso dever de informar a todos aqueles que aqui chegarem nesse sábado de céu azul e calor confortante, que subiu aos céus, hoje cedinho, pra conversar com Oxum mais de perto, Dorival Caymmi.

O que se beber hoje, não apenas no balcão imaginário, será em homenagem a ele - um dos maiores compositores do mundo.

Lembro-me da primeira vez que ouvi uma canção do Caymmi. Foi quando meu pai, assobiando ACALANTO, tentava fazer meu irmão dormir. Sabe-se lá por quais razões, essa certeza mora em mim: foi assim, desse jeito, que ouvi a primeira canção de Dorival Caymmi. Lembro-me, um bocado mais tarde, de meu pai (de novo e sempre ele) chegando em casa com um LP duplo, presente de final de ano da PETROBRAS, onde meu velho trabalhou a vida inteira, com Caymmi cantando ao vivo, no Teatro Castro Alves, em Salvador, acompanhado apenas por seu próprio violão.

Ouvi esse disco centenas de vezes. Decorei cada letra, aprendi a tocar cada uma delas no violão, e - ah, nossas maluquices... - passei a sonhar com o dia em que eu conheceria a Bahia e a cidade de Salvador.

Fui conhecer Salvador muito depois, há poucos anos, e não saberia explicar a vocês - as maluquices não nos deixam nunca! - o por quê disso, mas senti uma emoção indescritível quando pisei naquela terra.

Tudo o que eu vi, tudo o que eu ouvi, cada cheiro que senti, eu já conhecia. Cada baiana, cada ladeira, cada beco, cada igreja, cada praia, eu já conhecia.

Graças a ele.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008


Casablanca.
Casablanca?

(Versão/recriação: Moacy Cirne)
Clique na imagem

para ver o trêiler do filme


BALAIO PORRETA 1986
n° 2400
15 de agosto de 2008

A vida na sua totalidade me ensinou como grande lição que é impossível assumi-la sem risco. E é assim que eu vivo.
(Paulo FREIRE, citado por Marcius Cortez,
in O golpe na alma, 2008)


CASABLANCA
Adriano de Sousa
[ in Poesia. Natal, 2008 ]

play, sam
play as time goes by
porra, estou farto de ouvir esses velhos escrotos
citando-me em falas que não são minhas
e que eles rolam entre os dedos
como ranho de nostalgia impotente
por uma nuvem de vestido azul
um mcguffin sentimental de merda
para fazê-la engolir sem engulhos
a porra da propaganda de guerra
a porra da aliança dos babacas franceses
com os babacas do meu país
play, sam
play as time goes by
se ela pode eu também posso, caralho
A COPA
Carmen Vasconcelos
[ in Substantivo Plural ]

Não se fala de boca cheia!
E é com molho de pimenta
que um prato se tempera,
não com assuntos desagradáveis.

Às vezes, uma folha de bananeira
e um camaleão
achavam de espiar pela janela da copa.

No depois,
as bananeiras foram cortadas.
O camaleão, que habitava o pomar
e as fantasias da menina brumosa,
sumiu do mapa
da minha casa.