para verouvir
o trêiler de
Anticristo
(Lars Von Trier, 2009)
Um filme excessivamente doloroso? Sim, é verdade. Um filme terrivelmente cruel? Sim, é verdade. Um filme desesperadamente repulsivo? Sim, é verdade. Mas, em muitos momentos, um filme belo, ou mesmo belíssimo. Para ser amado ou odiado. Com toda a sua dor, com toda a sua crueldade, com todo o seu desespero, com todo o seu desalento, com todo o seu simbolismo negativista, com toda a sua violência física e psicológica. Um filme radical - para o bem ou para o mal. Uma experiência (quase) única. Assim como Lautréamont, na literatura; como Bosch, na pintura; como Salò (no próprio cinema). Gostemos ou não de seus efeitos estéticos e dramáticos. Gostemos ou não de suas particularidades punitivas e autopunitivas.
BALAIO PORRETA 1986
n° 2769
Rio, 31 de agosto de 2009
nada desprezo nesta dor:
o cheiro de pão quente
e o barulho de talheres
despencando da mesa
(Diva CUNHA. A palavra estampada, 1993)
De Zila Mamede a Jeanne Araújo e Diva Cunha (a grande homenageada do XIII Seminário Nacional Mulher & Literatura, a ser realizado em Natal, nos próximos dias 2, 3 e 4, no Hotel Praia Mar, promovido pela Universidade Potiguar/UnP), de Myriam Coeli a Iracema Macedo e Ana de Santana, de Marize Castro a Ada Lima e Maria Maria, de Nivaldete Ferreira a Iara Carvalho e Civone Medeiros, entre outras, o Rio Grande do Norte sempre primou pela presença criadora de vozes femininas da melhor qualidade literária. O encontro ora anunciado, ao lado do IV Seminário Internacional, em parceria com a UFRN e outras instituições (e que homenageará a portuguesa Maria Tereza Horta), promete ser um acontecimento marcante, com as mais diversas temáticas relativas ao universo feminino: são dezenas e dezenas de palestras, conferências, debates, paineis, minicursos e comunicações. Haja fôlego (e tempo) para tanta coisa boa! Para tanta coisa interessante!
OITO DÍSTICOS PARA A MINHA TERRA
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]
Queria agora uma tarde de chuva no Seridó
com seu aconchego de mãe verdadeira.
Queria agora construir castelos
na areia permeável do terreiro de casa.
Queria botar água no vaso de louça
para as horas sertanejas.
Queria o lençol de retalhos coloridos
cheirando a pedras do quaradouro.
Queria sentir o redemoinho na entrada da casa
para eu dizer: “cruz, cruz, cruz!”.
Queria um sonho com melaço de açúcar
para adoçar os meus confusos sentimentos.
Queria construir um tempo de memórias
com antíteses disfarçadas em ventanias.
Queria alimentar meus sonhos verdes
Para receber, tranqüila, a maturidade.
Ada Lima
[ in Menina Gauche ]
Não é por ser vingativa
que guardo na bolsa
cacos de paixão:
quem
além de mim
eles podem ferir?
Ouço Amy cantar que
o amor é um jogo perdido
enquanto contemplo
pedaços do meu rosto
nos estilhaços
espalhados no chão
e me convenço:
não quero a loucura que me mantém viva.
A outra é mais sábia.
PÁTIO
Jeanne Araújo
Ai, debaixo do teu corpo
é que me reviro, resvelo
pontiagudas farpas
e palavras.
Meu coração brota
indevidas fantasias
que meus caninos refazem
caminhando sobre tua pele
mordendo tuas flores
mastigando o escuro
das tuas fendas obscenas.
E no fundo de mim mesmo
encontro-me clandestinamente
no largo da minha própria cama.