sábado, 14 de abril de 2007

três poemas de josé bezerra Gomes incomodam
muita gente
dois poemas concretos incomodam muito mais
dois poemas concretos incomodam incomodam
muita gente
um poema/processo incomoda muito mais
muito mais
muito mais

(Moacy Cirne,
a partir de uma idéia de Wlademir Dias Pino)


BALAIO PORRETA 1986
nº 1996
Rio, 14 de abril de 2007

Na próxima semana: BALAIO nº 2000


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
666 livros indispensáveis (11/111)

Velhos costumes do meu sertão, de Juvenal Lamartine de Faria. Natal: Sebo Vermelho; Mossoró: Fundação Guimarães Duque, 3ª ed., 2006, 127p. [] Importante documento antropológico, que é substancioso "depoimento de um sertanejo sobre o sertão do seu tempo" (JLF, setembro de 1963). Um dos livros capitais para que possamos compreender, em toda a sua plenitude social e cultural, o nosso Rio Grande: o Rio Grande do Norte de todas as paixões e de todos os alumbramentos, de todos os seridós e de todas as descobertas – o Rio Grande de todos nós, potengíacos ou não, agrestinos ou não, mossoroenses ou não. Seus temas, variados, recobrem a casa-grande, as indumentárias, a alimentação, a escola, as relações de parentesco, a hospitalidade sertaneja, as festas de casamento, as festas populares e religiosas, os vaqueiros e as vaquejadas, os cangaceiros, os matadores de onça. E mais. E mais. Os velhos costumes do nosso sertão, apesar da globalização, estão mais vivos do que nunca.

Cantadores [1921], de Leonardo Mota. Capa & ilust. Aldemir Martins. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará (1960), 304p. [] Um livro definitivo, ou quase, sobre a poesia popular brasileira, a partir de suas raízes nordestinas, considerando-se o rico mapeamento de nomes & poemas, como o incrível Luís Dantas Quesado, paraibano-cearense, que glosou o mote Nem todo pau é esteio (p.115-6) com exemplar vivacidade, assim como nos sensibilizou e ainda nos sensibiliza com o inspirado Beijo (p.116), de autoria às vezes questionada, é verdade. No final, há dois capítulos deliciosos: o primeiro, de “causos sertanejos” (p.327-77); o segundo, de vocábulos e expressões regionais da época, anos 10 do século passado (p.279-302). Trata-se de um elucidário verdadeiramente porreta: brochote (= rapaz atrevido, pessoa sem importância); cabra da rede rasgada (= indivíduo desabusado); desmastreio (= contratempo); dormir chiquerado (= dormir separado da mulher); farrambamba (= gabolice, fanfarronada); grungunzar (= remexer); lambugem (= vantagem que se propõe numa aposta); na rosca da venta (= face a face); pilóia (= aguardente). Etc. e tal, etc. e tal.

A luta literária, de Fausto Cunha. Rio de Janeiro: Lidador, 1964, 210p. [] No Brasil, pode-se dizer que certos nomes da literatura caem no esquecimento de forma injustificada. Fausto Cunha é um deles. Ótimo autor de ficção cientifíca (vide As noites marcianas, de 1960), sempre foi um crítico lúcido e antenado com as novidades, muito mais interessante do que 90% da crítica acadêmico-universitária produzida entre nós, estruturalista ou não. Se não foi o primeiro, foi um dos primeiros a chamar a atenção para o público brasileiro de autores como Jorge Luis Borges, Robert Musil, Ítalo Svevo, H.P. Lovecraft e – pasmem! – Gaston Bachelard. Aliás, em se tratando de Bachelard, a sua leitura ensaística sobre o criador de A poética do espaço e A poética do devaneio permanece modelar: “Nenhum crítico ou exegeta me fez até hoje compreender melhor o mistério da poesias do que Bachelard. Cada livro seu é uma porta sobre o cosmos. Para ele poesia é conhecimento, uma forma superior de conhecimento – e os filósofos mais lucrariam lendo os poetas do que mastigando a palha seca dos tratados” (p.122).

O direito de sonhar [1970], de Gaston Bachelard. Trad. José Américo Motta Pessanha & outros. São Paulo: Difel, 1985, 202p. Livro póstumo de um dos maiores e mais brilhantes prosadores da língua francesa do século XX: Gaston Bachelard (1884-1962), o pensador que bebia as palavras como se bebe vinho -- com sabedoria ímpar e delicadeza murmurante, sobretudo em suas obras noturnas. Estamos diante de textos produzidos de 1930 a 1962, reunindo, entre outros, As ninféias ou as surpresas de uma alvorada de verão (sobre Monet), O pintor solicitado pelos elementos (sobre Van Gogh), A Bíblia de Chagall, Castelos na Espanha, Edgar Poe: As aventuras de Gordon Pym, A dialética dinâmica do devaneio mallarmeano, Germe e razão na poesia de Paul Eluard. Sonhemos com Bachelard, sonhemos com os seus sonhos e devaneios:
"As chamas do incêndio destruidor possuem uma claridade de sol. Mas, na sombra, a felicidade humana é, por si só, uma pequena luz" (p.20);
"Um amarelo de Van Gogh é um ouro alquímico, ouro colhido de mil flores, elaborado como um mel solar" (p. 27);
"Há em toda adivinhação uma espiritualidade viva e melancólica, uma mistura de secreta perenidade e leve angústia, porque o adivinho dá sempre um pouco de sua própria luz para aclarar os outros" (p.49);
"No reino dos devaneios da vontade pode-se esperar desencadear reações tão simples que elas se tornam objetivas. Nas raízes do querer encontra-se a mais forte das comunhões. Um artista e um filósofo devem, aqui, entender-se facilmente" (p.55);
"O homem, com seus grandes signos, possui um valor cósmico. Todo grande valor estético do corpo humano pode colocar sua marca sobre o universo" (p.70); "A obra de arte multiplica sua temporalidade. As alegrias do olhar se renovam conforme a hora e a estação, conforme o humor" (p.79);
"Pela profundeza do sonho e pela habilidade da narrativa, [Edgar Allan Poe] soube conciliar em suas obras duas qualidades contrárias: a arte da estranheza e a arte da dedução" (p.107).
E assim por diante. E assim por diante, entre o sonho e a realidade
.

A peste [1947], de Albert Camus. Trad. Graciliano Ramos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1950, 281p. Nos anos 60, este livro -- que marcou toda a geração pós-guerra moldada pelo existencialismo sartreano, ao lado de O estrangeiro e das obras do próprio Jean-Paul Sartre -- era, para nós, leitura anual obrigatória . Aqui, nesta edição, em verdadeira recriação do Mestre Graciliano, aparece mais enxuto, mais limpo, mais conciso. A peste, em Camus, é simbólica. O horror da Segunda Guerra nos levou ao horror da desesperança. Como seria reler o romance de Camus, hoje? Para alguns de nós, freqüentadores dos cabarés da velha Ribeira e dos cinemas do Grande Ponto, leitores vorazes das novidades vendidas na Universitária, potenginautas de amores impossíveis, não havia muita diferença entre Natal e Oran, a cidade argelina que serve de ambientação para o livro: uma certa náusea, um certo enfado, um certo tédio que, por exemplo, o diretor Antonioni, por outros caminhos, iria explorar muitíssimo bem em sua reflexão cinematográfica sobre a falência dos sentimentos contemporâneos. Aliás, O estrangeiro, a obra-prima de Camus, deveria ter sido adaptada pelo cineasta de A aventura, A noite e Eclipse e não por Visconti, genial em outros momentos, mais abertos e mais operísticos. O intimismo existencial de Camus encontra eco em Antonioni, sem dúvida. Não por acaso, o autor de O deserto vermelho foi o primeiro a escrever sobre O estrangeiro na Itália. No Brasil, quem primeiro escreveu sobre A peste? Quem primeiro sofreu o seu impacto? Em tempo: a nossa Biblioteca das Águas Seridoenses contém La peste (Paris, Gallimard, 1961, 332p.).

Maravilhas do conto moderno brasileiro, seleção de Fernando R. Santos. São Paulo: Cultrix, 1958, 330p. [] Uma boa coletânea, incluindo O piano (Aníbal Machado) e outros títulos, entre os quais: O Natal de Tia Calu (Orígenes Lessa), Labirinto (Marques rebelo), Sarapalha (Ghuimarães Rosa), Crime mais que perfeito (Luís Lopes Coelho), O preso (Moreira Campos), O homem na torre (Joel Silveira). Há que destacar, também, As pérolas (Lygia Fagundes Telles), Elegíada (Osman Lins), A hospedeira (Edilberto Coutinho). Olhos alheios (Afonso Schmidt), Paisagem perdida (Luís Jardim), além de O chapéu de meu pai (Aurélio Buarque de Hollanda). Introdução e notas de José Paulo Paes, poeta e crítico. Dos melhores.

Maravilhas do conto português, seleção, prefácio e notas de Edgard Cavalheiro. São Paulo: Cultrix, 1958, 318p. [] Ainda hoje, uma boa introdução à literatura ficcional lusitana. Contém Singularidades de uma rapariga loura (Eça de Queiroz), O filho (Fialho d’Almeida), Um drama (pequena obra-prima de Júlio Dantas). E mais, entre outros contos: O remorso (Aquilino Ribeiro), O Senhor dos Navegantes (Ferreira de Castro), Maria do Ahú (José Régio), Meia-Noite (João Gaspar Simões). E A mais linda mulher de Espanha (Domingos Monteiro). E Uma mulher como as outras (Maria Archer). E Um caso sem importância (Pereira Gomes). Além de Estrada 43 (José Cardoso Pires). Além de A festa ficou-me barata (José Gomes Ferreira).

Não faça tragédia, de Guidacci. Rio de Janeiro: Codecri, 1982, 96p. [Com dedicatória desenhada pelo Autor, acompanhada do seguinte texto: “Moacy, não faça tragédia, faça humor! Um abração.”] Humor gráfico da melhor qualidade, criticando, à base de cartuns, os bunda-moles da época, sobretudo os políticos da ditadura. Tendo se iniciado no Pasquim, em 1970, o amazonense (e tricolor!) Jorge Guidacci, premiado em Cuba, é responsável por um traço vigoroso e sarcástico. Um dos expoentes da geração de ouro do jornal editado por Jaguar, Ziraldo, Henfil, Ivan Lessa e outros. Nas palavras de jaguar, “Ele, Henfil e Vasques, o gaúcho, são os cartunistas da porrada mais forte”. Concordamos plenamente.


ALMANAQUE DO BALAIO

ESTIRPE
LAU SIQUEIRA (PB)

sou inconstante
e uma parte de mim
- confesso ) anda distante

olhos profundos
como um peixe-boi

aprendi que só fala
quem escuta e cala

como um pássaro noturno
em sobrevôo perco meu sonho
no sumidouro da estrada

y busco esse tanto esse tudo
no oco de um eco incontido

sou inconstante
e uma parte de mim
- confesso ) anda distante

[ Clique aqui para ver outros poemas de Lau Siqueira ]

6 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Moacy,
Oportuna, feliz, a lembrança de Fausto Cunha. Foi um grande crítico e possuía um estilo atraente, em que a ironia afiada marcava presença. Infelizmente não conheço "A Luta Literária", mas sim "Situações da Ficção Brasileira", que é muito bom. E você foi também feliz ao dizer que a tradução de Graciliano de A Peste é uma recriação do mestre alagoano. Agora, em que pese a qualidade da postagem, achei-a um pouco extensa, contrariando os seus princípios de não colocar textos muito longos na Net. E concordo inteiramente com você. Um abraço.

Anônimo disse...

Caro Sobreira: É extensa, sim, mas me parece variada, mesmo em relação à Biblioteca (com 8 títulos). Sem falar que há dois poemas. Na verdade, costumo questionar postagens longas de um mesmo "texto unitário". Não é o caso, né? Um grande abraço.

Anônimo disse...

Adorei, teu poema, adorei!

A Peste... Puxa, faz tempo que li. Engraçado que eu li O Estrangeiro depois, curti mais este último. Mas sei lá, talvez se relesse a A Peste hoje, gostasse mais.

De resto, tudo muito bom.

Beijos
e um bom final de semana procê.

Anônimo disse...

Sandra: Também prefiro "O estrangeiro", uma belíssima novela. E que também li depois. Um beijo.

dade amorim disse...

Moacy, você fala de livros que marcaram muito minha vida, em especial os que tratam de Bachelard ou os do próprio (fui aluna de José Américo Pessanha, uma figura ímpar em seu tempo). E você não faz idéia de como seus comentários são estimulantes. Obrigada por eles. Um beijo.

Iara Maria Carvalho disse...

afffi.....esse Lau é tudo!
adorei!
beijos...