quarta-feira, 31 de março de 2010

Espanha: o flamenco dançado por
Sara Baras, em foto de Paul Hanna

(Clique na imagem para verouvir o flamenco por Sara Baras)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2977
Natal, 31 de março de 2010


DIVA
Líria Porto
[ in Tanto Mar ]

tem algo de bette davis
talvez aquele olhar de mulher capaz de tudo
de matar de morrer de esmagar baratas


CEREJAS, MEU AMOR
Renata Pallottini
[ in Poesia Erótica ]

Cerejas, meu amor,
mas no teu corpo.
Que elas te percorram
por redondas.

E rolem para onde
possa eu buscá-las
lá onde a vida começa
e onde acaba

e onde todas as fomes
se concentram
no vermelho da carne
das cerejas...


ERÓTICA. SÓ MINTO UM POUCO...
Sandra Camurça
[ in O Refúgio ]

basta-me um olhar que me deixe nua
entre o último e o primeiro gole

basta-me uma palavra obscena
que embriague a carne úmida

basta-me uma falange e um anel
corrompendo-me entre as coxas

basta-me uma foda macia
e seu cheiro de macho pra levar na calcinha


Memória
Balaio, n° 2641, de 27 de abril de 2009
10+2 GRANDES POETAS POTIGUARES
segundo
43 leitores e/ou amigos do
Balaio,
a partir de uma idéia lançada pelo
Substantivo Plural

1. ZILA MAMEDE (34 citações)
2. JORGE FERNANDES (30)
3. LUÍS CARLOS GUIMARÃES (26)
4. NEI LEANDRO DE CASTRO (23)
5. MARIZE CASTRO (20)
6. IRACEMA MACEDO (19)
7. JOSÉ BEZERRA GOMES (18)
8. MIGUEL CIRILO (14)
9. DIVA CUNHA (13)
10. FERREIRA ITAJUBÁ
e SANDERSON NEGREIROS (12)
12. ADRIANO DE SOUSA (11 citações)

UM POEMA DE
ZILA MAMEDE
[ in Corpo a corpo, 1978 ]

Onde

Entre a ânsia
e a distância
onde me ocultar?

Entre o medo
e o multiapego
onde me atirar?

Entre a querência
e a clarausência
onde me morrer?

Entre a razão
e tal paixão
onde me cumprir?

Algumas breves considerações

1. Será que poderíamos considerar esses nomes os mais adequados para o estabelecimento formal de um possível Cânone da Poesia Potiguar? Sim e não, provavelmente. Sim, porque todos eles são bastante representativos: há clássicos consagrados (Zila Mamede, Jorge Fernandes, José Bezerra Gomes, Ferreira Itajubá, além de Luís Carlos Guimarães e Miguel Cirilo, todos falecidos) e há nomes que já são referência obrigatória para a formação de nossa poeticidade (Nei Leandro de Castro e Sanderson Negreiros, praticamente dois clássicos em vida, e Marize Castro, Iracema Macedo, Diva Cunha, Adriano de Sousa). E não, porque a nossa enquete, mesmo sendo abrangente, não pode ouvir muita gente capacitada para opinar a respeito de suas preferências (ora pessoais, ora exclusivamente literárias). De qualquer modo, acreditamos que o resultado final não seria muito diferente daquele ora apresentado, com duas ou três possíveis exceções.

2. Alguns poderão estranhar - ou lamentar - a ausência de poetas que sempre apareceram em nossas melhores antologias: Auta de Sousa, Henrique Castriciano, Othoniel Menezes, Gothardo Neto, Juvenal Antunes, Newton Navarro, Gilberto Avelino ou mesmo o carioca-potiguar Homero Homem - nomes expressivos, sem dúvida, mas que, sobretudo no caso dos mais antigos, não mobilizam mais, ou mobilizam muito pouco, os leitores atentos dos nossos dias. De certo modo, ainda em relação àqueles que marcaram época nas primeiras décadas do século passado, são poetas que fazem parte da "arqueologia literária" do Estado. E o afirmamos sem qualquer peso pejorativo, apenas como adendo para a história da literatura do Rio Grande do Norte.

3. Destaquemos: além dos 12 nomes mais citados, receberam votos - de forma expressiva ou razoável, pode-se dizer - os poetas Paulo de Tarso Correia de Melo (9 citações), Moacy Cirne (9), Antonio Francisco (8), Jarbas Martins (8), João Lins Caldas (7), Carmen Vasconcelos (6), Myriam Coeli da Silveira (6), Walflan de Queiroz (6 citações). Ao todo, foram citados 86 poetas. Um bom número, sem dúvida. Mas a verdade é que não há lista perfeita, nem cânone que dure para sempre (a não ser em casos excepcionais, considerando-se alguns autores ou algumas obras).

4. Para muitos dos consultados, com mais ou menos intensidade, fazíamos questão de salientar que a enquete tinha por objetivo destacar única e exclusivamente os poetas que trabalham a verbalidade. Mesmo assim poetas visuais como Anchieta Fernandes, Avelino de Araújo e Jota Medeiros foram contemplados com algumas (poucas) indicações. Sabemos que a questão da poesia visual é um tabu para muita gente. E como poeta/processo não temos o menor problema com a poesia verbal; preferimos privilegiar, na enquete, o que já estava subentendido na proposta inicial do Substantivo Plural: a nossa verbalidade, que encontra em Zila Mamede (a paraibana que, em criança, veio residir entre nós) o seu parâmetro estético-literário mais sólido. Ao lado do modernista Jorge Fernandes e dos demais.


PARA VOCÊ
Walflan de Queiroz
[ in O livro de Tânia, 1963 ]

Eu venho de uma montanha, Tânia.
De uma montanha de fogo e de sombras,
De fogo como o sol e de sombras como a noite.

Venho de um vale, Tânia.
Um vale com mil flores brilhantes.
E todas estas flores eram tuas.

Venho de uma floresta, Tânia.
Uma floresta com apenas um pássaro.
Um pássaro azul como as águas do rio.

Venho de um lago também azul, Tânia.
Um lago tranquilo e sem rumores,
Com cisnes brancos, cisnes selvagens,
Selvagens como meu amor.

Eu venho do mar, Tânia.
Um mar sem praias e sem gaivotas,
Com uma ilha de carne,
E com o sangue de uma estrela.

Venho do deserto quente, Tânia.
Um deserto com ventos de areia,
E com monumentos que são sepulcros,
Onde enterro a minha solidão.


Diretamente do Bar de Ferreirinha

BOA SORTE, SR. GORSKI

No dia 20 de julho de 1969, Neil Armstrong, comandante do módulo lunar Apolo 11, se converteu no primeiro ser humano a desembarcar na Lua.

Suas primeiras palavras ao pisar no nosso satélite foram: "Este é um pequeno passo para o ser humano, mas um salto gigantesco para a humanidade".

Estas palavras foram transmitidas para a Terra e ouvidas por milhares de pessoas.

Mas antes de voltar à nave, Armstrong fez um comentário enigmático: "Boa Sorte, Sr. Gorsky."

Muita gente na NASA pensou que tinha sido um comentário sobre algum astronauta soviético.

Checaram e não havia nenhum Gorsky no programa espacial russo ou americano.

Através dos anos, muita gente perguntou-lhe sobre o significado daquela frase sobre Gorsky, e ele sempre respondia com um sorriso.

Em 5 de julho de 1995, Armstrong se encontrava na Baia de Tampa, respondendo perguntas depois de uma conferência, quando um repórter lembrou-lhe sobre a frase que ele havia pronunciado 26 anos atrás.

Desta vez, finalmente Armstrong aceitou responder: o sr. Gorsky havia morrido e agora Armstrong sentia que podia esclarecer a dúvida.

O esclarecimento:
Em 1938, sendo ainda criança em uma pequena cidade do meio oeste americano, Neil estava jogando baseball com um amigo no pátio da sua casa.
A bola voou longe e foi parar no jardim ao lado, perto de uma janela da casa vizinha.
Seus vizinhos eram a senhora e o senhor Gorsky.

Quando Neil agachou-se para pegar a bola, escutou que a senhora Gorsky gritava para o marido: "O quê??? Sexo anal? Você quer sexo anal? Sabe quando você vai comer a minha bunda? Só no dia que o homem caminhar na lua!"

Por isto, o astronauta Armstrong mandou o recado direto da Lua: "Boa sorte, Sr. Gorski"

terça-feira, 30 de março de 2010

Foto:
Denis Saint Clair


BALAIO PORRETA 1986
n° 2976
Natal, 30 de março de 2010


A poesia de Nei Leandro de Castro
NÚMERO ESPECIAL DEDICADO
A UM DOS GRANDES AUTORES BRASILEIROS
DA ATUALIDADE


BELEZA QUE SALTA AOS OLHOS
Poema inédito de
Nei Leandro de Castro

Mulher: ternura previsível, imprevisível,
Beleza que salta aos olhos e se inflama.
Colinas, colunas de mármore onde se gravam
O som, o sono, o sonho de quem ama.
Mulher: feita de beijos, calor, sombra e sorriso.
Belo e bravo animalzinho, cheio de graça,
Quando vai à luta, conquista e prende
O homem, só alumbramento e caça, e caça.
Mulher, não importa a cor de seu olhar,
O que emerge é a força, a sedução, a luz
Que vêm dos seus olhos, seios, lábios
E tudo mais que enternece, atrai, seduz.
Beleza que salta aos olhos, festa e festival.
Saudemos todas elas no seu Dia Internacional.

(Natal, 8 de março de 2010)


AMOR AMORA
[ in Era uma vez Eros, 1993 ]

Me lembro que trazias na boca
o gosto e a cor de uma fruta selvagem:
amor? amora?
Me lembro de tua calcinha
suavemente encharcada
que deixava teu leite
nos meus dedos.
Me lembro do teu beijo
com o exato gosto da amora
e me lembro que eu dizia aos teus ouvidos
todas as palavras que os deuses
permitem a um amante dizer a outro amante
na manchada planície de uma cama.
Me lembro que te lambia,
te mordia, te feria. E não cedias.

MUSA DE VERÃO
[ in Era uma vez Eros, 1993 ]

Quero uma musa
nada obtusa
Que tenha os peitos
perfeitos de menina moça
e acima dos quadris
aquelas duas pequenas poças.
Uma musa que saia
do mar de verão
como uma deusa
de anúncio de televisão.
Quero uma musa moderninha
que não faça questão
de ser só minha.
Que no gozo gema tão forte
que dê a impressão
dos estertores da morte.
Quero uma musa na medida
exata, na escala
do falo e da fala.


GALANTERIA

[ in Diário íntimo da palavra, 2000 ]

Sei.
Concentras no teu sexo
o leite, o sal, o mel
que há na framboesa silvestre
do teu beijo.


Fragmentos de uma
ENTREVISTA COM NEI LEANDRO DE CASTRO
publicada na Tribuna do Norte (Natal), em 23/10/2008

O termo “vulgar” se aplica à poesia erótica ou é algo que depende do preconceito de cada um?
NLC – Poesia, erótica ou não, só merece ser considerada vulgar se for mal escrita. Vulgar, por exemplo, é a literatura de Paulo Coelho.

Você duvida da sanidade do mundo?
NLC – Insanos são todos os criminosos, os avarentos, os agiotas, os traidores, os pedófilos, os falsos amigos, os ególatras que escrevem odes a si mesmos. Não tenho dúvida sobre isso.

Depois de teu nome ter ficado doce na boca das pessoas depois do filme, como você observa essa ligação da literatura e do cinema? Você ficou realmente satisfeito com o filme O Homem que Desafiou o Diabo ou ficou incomodado em algum momento?
NLC – O filme fez muito bem ao romance. As vendas subiram, uma grande editora de São Paulo se interessou pela reedição do Ojuara e pelo meu romance inédito, A Fortaleza dos Vencidos [Nota do Balaio: editado em 2009].Quanto ao filme em si, ele me agrada. Só senti falta daqueles personagens paralelos que dão mais humor à narrativa.

O que mais te dá prazer hoje? O que te move?
NLC – Gosto de escrever, gosto de ler ficção, um vício que adquiri aos 12 anos de idade. Quero continuar escrevendo poesia e ficção, agora e sempre. O que me move, acima de qualquer glória, é o hábito da leitura e da escrita. Adoro brigar com meus personagens quando estou elaborando uma história.

segunda-feira, 29 de março de 2010


Povos indígenas do Brasil:
1. Etnia Araweté
2. Etnia Trumai


Fotos:
1. Eduardo Viveiros de Castro, em 1991
2. Maria Cristina Troncarelli, em 2000


BALAIO PORRETA 1986
n° 2975
Natal, 29 de março de 2010


HORÓSCOPO DA SEMANA

Áries
Mergulhe na imaginação em transe da ficção científica.
Entre a coca-cola e a água de coco, opte pela água de coco.
Para ouvir de madrugada: Rapshody in blue (Gershwin).
Procure conhecer a cultura indígena da etnia Trumai.


Touro
Não se deixe enganar pelas mentiras de José Agripino Maia.
Leia a poesia de Nei Leandro de Castro. E a de Zila Mamede.
Faça a viagem de seus delírios: para Florença, na Itália.
Procure penetrar nos meandros da etnia Kanamari.


Gêmeos
Ouça Vivaldi. Veja Antonioni. Leia Sartre e Anaïs Nin.
Defenda a legalização da maconha. Proteja os animais em extinção.
Seja vegetariana; seja pós-moderna; seja poeta; seja sol e lua.
Procure sonhar, no Pará, com a etnia Araweté.


Câncer
Lute pela preservação da Mata Atlântica.
Não acredite no PV de Gabeira e Micarla de Sousa.
Escute música renascentista. Escute música clássica.
Procure estudar, com Lévi-Strauss, a etnia Nambikwara.

Leão
Cores verdes da sorte: vermelho-sertão e azul-litoral.
Reveja Luzes da cidade (Chaplin). Ou Macunaíma (JPA).
Volte a ser criança: brinque de esconde-esconde.
Procure o mundo da etnia Munduruku, longe de Jucurutu¹.

Virgem
Pesquise sobre as virgens da Europa medieval.
Seja um(a) feiticeiro(a): admire a beleza de Jericoacoara, CE.
Faça amor em lugares estranhos; em Júpiter, por exemplo.
Conheça o Brasil conhecendo a etnia Ye'kuana, entre outras.


Libra
Graciliano Ramos ou Franz Kafka? Os dois.
Faça de sua biblioteca um oásis cultural. Seja lua e sol.
Combata o crack, a coca-cola, a pedofilia e o BBB.
Que tal mergulhar na cultura da etnia Nahukuá?


Escorpião
Banhe-se com as cores de um crepúsculo barroco.
Ouça Paulinho da Viola. Ou Mozart. Ou Tom Jobim.
Colecione olhares. E fotos antigas. E silêncios prolongados.
Aprenda a viver com os costumes da etnia Pankará.


Sagitário
Descubra quem foi Maria Antonieta Pons.
Participe de um grupo de estudos sobre a utopia.
Leia as crônicas de Berilo Wanderley, na TN dos anos 50.
Passe uma semana com os indivíduos da etnia Kaxixó.


Capricórnio
Peque, peque muito, mas sempre a favor da natureza
.
Seja determinado; seja uma planície marciana.
Ame-se. Ame a natureza. Ame a literatura de Borges.
Uma boa dica: conheça a etnia Kambeba.

Aquário
Mergulhe nas palavras lombra sombra solombra.
Leia Clarice Lispector. Escute os quartetos de Beethoven.
Caso ainda não o seja, torne-se vegetariano(a) radical.
Assuma a etnia Xipaya que existe em você.


Peixes
Navegue pelas ondas de Pirangi do Norte, em Natal².
Cuidado com lobisomens e jacarés. E com o Tio Sam.
Lute contra os preconceitos sociais. Politize-se.
Procure estudar, com afinco, a etnia Umutina.

Serpente
Sonhe com Angola. E Moçambique. E Cabo Verde.
Faulkner. Haydn. Rossellini. Maiakóvski. Assim é a vida.
Prestigie a arte de Mondrian. E os quadrinhos de McCay.
Que tal conhecer, em profundidade, a etnia Potiguara?


Notas:

¹ Jucurutu : Cidade seridoense, seis léguas ao norte de Caicó.
² A rigor, Pirangi do Norte pertence ao muncípio de Parnamirim,
na Grande Natal.

domingo, 28 de março de 2010

Clique na imagem
para verouvir o trêiler de
A chinesa
(Jean-Luc Godard, 1967)
Politicamente emblemático [ cf. o Balaio de ontem ], La chinoise marcou toda uma geração de cinéfilos e estudantes socialistas. O seu tema musical ('Mao Mao'), para muitos, figurou entre os "hinos revolucionários" dos anos 60. [Nota: A relação dos filmes fundamentais dos '60 foi reprogramada para o próximo domingo.]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2974
Natal, 28 de março de 2010


SAGRAÇÃO DO VERÃO
Luís Carlos Guimarães
[ in A lua no espelho. Natal, 1993 ]

De repente a mulher desabrochou nua
saindo do mar, pois a água não a vestia,
antes a desnudava, fazendo a sua
nudez mais nua à dura luz que afia
seu gume no sol da manhã que inaugura
o verão. Dezembro só luz reverbera
em seu corpo, doura-lhe as coxas, fulgura
nas ancas, no dorso ondulado de fera.
Fera que guarda no ventre uma colmeia
com a flor em brasa do sexo que ateia
fogo ao meu desejo e tanto me consome
a vulva, gruta, rosa de pêlos - que nome
tenha - que desfaleço como se em sangue
me esvaísse morrendo de amor. Exangue.


MEU CORAÇÃO ESCONDE
Carmen Vasconcelos
[ in Chuva ácida. Natal, 2000 ]

Meu coração esconde,
a palavra escapa,
a palavra que preciso cuspir.

Mas não é porque me cobre
a túnica do silêncio,
que estarei despida de poesia
ou perecerá,
sobre o branco impecável desta página,
o meu reflexo.


PONTO FINAL
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Hoje não me interessa pensar,
nem mesmo pescar algum boto.

Não me interessam as suas agruras,
os seus desconsolos ou soluços
roucos.

Chega de tanta mentira,
o meu choro já me basta.
Eu já me basto.


QUANDO ME DEITAS
Jeanne Araújo

Quando me deitas

vais abrindo meus caminhos lentamente
tocando os vãos, desvãos inacabados,
cheios de silêncios mórbidos.
Teu olhar me suga, vertiginosamente,
enquanto murmuras águas marinhas,
algas e um tanto de sal.
Pareces pequeno.
No entanto, consegues envolver-me
despojada e extrema
no teu peito vasto.

Quando me deitas
e percorres lentamente meus caminhos,
minhas flores se entregam nesse claustro
de anseios e sussurros.
E as tuas palavras, as mais doces,
vão queimando os muros,
lençóis e o pequeno quarto.
Pareces pequeno.
No entanto, abranges inocente,
todos os meus cantos e recantos.
E tudo é gozo de tanto tempo.
E tudo é cio e umidade.


FEIRA DE CITAÇÕES BOROGODOSAS

[] O assombro é a causa de todo descobrimento.
(Cesare Pavese, 1908-1950)

[] A vida só pode ser compreendida olhando para trás:
mas só pode ser vivida olhando para a frente.
(Soren Kierkgaard, 1813-1855)

[] O desejo é a própria essência do homem.
(Baruch de Spinoza, 1632-1677)

[] Jamais sofri uma mágoa que uma hora de leitura não tenha curado.
(Montesquieu, 1689-1755)

[] A verdade é sempe mais importante que o dogma.
(Henry Lefebvre, 1905-1991)

[] A vida necessita de pausas.
(Carlos Drummond de Andrade, 1902-1987)

[] Maravilhar-se é o primero passo para o descobrimento.
(Louis Pasteur, 1822-1895)

sábado, 27 de março de 2010

Clique na imagem
para verouvir o trêiler inglês de
Blow-up
(Antonioni, 1966)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2973
Natal, 27 de março de 2010


30 FILMES EMBLEMÁTICOS DOS ANOS 60

A aventura (Antonioni, 1960)
Rocco e seus irmãos (Visconti, 1960)
Shadows (Cassavetes, 1960)
Psicose (Hitchcock, 1960)
A doce vida (Fellini, 1960)
Ano passado em Marienbad (Resnais, 1961)
A noite (Antonioni, 1961)
Eclipse (Antonioni, 1962)
O anjo exterminador (Buñuel, 1962)
O processo (Welles, 1962)
Jules et Jim (Truffaut, 1962)
O leopardo (Visconti, 1963)
Oito e meio (Fellini, 1963)
Paixões que alucinam (Fuller, 1963)
Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)
Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964)
O evangelho segundo Mateus (Pasolini, 1964)
Persona (Bergman, 1966)
Blow-up (Antonioni, 1966)
Pierrot le fou (Godard, 1966)
A chinesa (Godard, 1967)
A bela da tarde (Buñuel, 1967)
Terra em transe (Glauber Rocha, 1967)
2001: uma odisseia no espaço (Kubrick, 1968)
O bebê de Rosemary (Polanski, 1968)
Teorema (Pasolini, 1968)
O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla, 1968)
La hora de los hornos (Solanas, 1968)
Perdidos na noite (Schlsinger, 1969)
Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969)


MÁXIMAS & MÍNIMAS
d'O GRELO FALANTE
[ in Tapa de humor não dói, 1999 ]

* No homem, o sistema nervoso central funciona
na cabeça do pau.

* No fundo, o que toda mulher quer
é ser (m)amada.

* A principal causa do divórcio é o casamento.

* Mulher fala muito pra não ter que ouvir
o que o homem não diz.

* A mulher se sente dividida
na hora em que tem que se multiplicar.

* Nós desejamos os homens
porque eles sempre nos deixam a desejar.


A FOTOGENIA DO VENTO
Fernando Monteiro
[ in Substantivo Plural ]

Michelangelo Antonioni tinha uma percepção naturalmente visual das coisas, como se pode perceber de uma pequena observação sua que parece simples, mas é, na verdade, daquela leveza complexa do vôo de uma pluma:

“Como é fotográfico o vento!”

A primeira reação é pensar no vazio que a curta frase abstratamente contempla, até que vemos, por exemplo, o vento agitando as copas das árvores (como no parque inglês da obra-prima de Antonioni, Blow-up).

Então, percebemos a sutileza do olhar do “poeta das imagens”, conforme Antonioni era chamado. Entretanto, não é preciso ser um poeta (das letras ou do cinema) para saber enxergar além da paisagem cotidiana. É preciso, apenas, ver com o olhar que “descansa” do foco exato, do centro da atenção geralmente desviada do lateral ou do periférico.

O diretor dizia que treinou o olhar em Ferrara, a cidade onde ele nasceu (em 1912), e que hoje tem um museu dedicado à sua vasta obra.

Lá, as imagens de alguns filmes memoráveis revelam as névoas da sua cidade natal, o vazio das avenidas de Milão – com os fios molhados dos postes, na chuva –, os jardins das mansões romanas, e (extremo cuidado), a grama que Michelangelo mandou pintar de verde!, a fim de realçá-la, durante as filmagens do mesmo Blow-up. O realizador explicou, mais tarde, que o fez pensando nas tomadas noturnas, quando a relva talvez fosse parecer “normalmente” mais cinzenta do que daquela cor bem nuançada na frase do pintor Paul Gauguin: “Um quilo de verde é mais verde do que meio quilo”.

O que vale para as outras cores, e também vale para incentivar uma atenção visual mais próxima de descobrir a beleza nas mais simples coisas. Na sua modéstia, elas não são vistas, mas apenas olhadas – como um carrinho de bebê, pungentemente vermelho, sobre a relva não-pintada.

Tenham certeza: ter o olhar intensificado para ver (realmente ver) coisas assim, é como respirar mais largamente, num mundo menos poluído pelo “feio”. Por preguiça ou pressa – ou, pior, pelas duas combinadas – nos afastamos da visão dos Michelangelos que existem dentro de nós. Sabe-se que nem todos são capazes de escrever belos poemas ou de realizar filmes importantes etc, porém todos são capazes, sim, de ver as coisas mais do que ao acaso, no pleno mistério do que acontece e do que não-acontece (justamente o tema de Blow-up, que – para quem não conhece o filme de 1966 -, eu recomendo, procurem nas locadoras de DVD, sob o estranho título brasileiro “Depois daquele beijo”).

Depois, tentem ver e rever tudo – se possível – com uma atenção que nada perca (ou nada deixe passar) do universo que muda a cada hora, sob a aparência dos minutos para sempre mergulhados no tempo que não retorna a fim de captarmos a “fotogenia do vento” e outras surpresas.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Morreu Jim Marshall,
o fotógrafo das celebridades roqueiras dos '60

Uma imagem emblemática:
Jimi Hendrix queima a sua guitarra
no Monterey International Pop Festival, em 1967


BALAIO PORRETA 1986
n° 2972
Natal, 26 de março de 2010


40 MOMENTOS EMBLEMÁTICOS
DOS ANOS 60 DO SÉCULO PASSADO

Althusser / Teoria marxista
Antonioni / Cinema
Ballard / Literatura (FC)
Beatles / Música
Bergman / Cinema
Bossa Nova / Música
Buñuel / Cinema
Capote / Literatura
Cinema Novo / Cinema
Coltrane / Música
Contracultura / Comportamento
Crepax / Quadrinhos
Crumb / Quadrinhos
Estruturalismo / Teoria literária
Foucault / Filosofia
Garrincha / Futebol
Godard / Cinema
Grupo Oficina / Teatro
Guerra do Vietnã / Política & & Revolução
Guerras de libertação / Africanidade
Janis Joplin / Música
Jimi Hendrix / Música
João XXIII / Catolicismo
Kubrick / Cinema
Maio Francês / Política
Martin Luther King / Direitos Humanos
Panteras Negras / Política
Pasquim / Jornalismo
Poema-processo / Poesia & Poema
Pop-art / Arte
Primavera de Praga / Política
Resnais / Cinema
Revolução Cubana / Política
Revolução Cultural Chinesa / Política
Revolução sexual / Comportamento
Senhor / Jornalismo
Stan Lee / Quadrinhos
Tropicália / Arte & Música
Visconti / Cinema
Woodstock / Música & Comportamento


ARDÊNCIAS

Patrícia Gomes
[ in SensualizArte ]

põe-me no ventre
um beijo e
tua semente

que te relevo
a fúria da pegada
e a seda rasgada.


TOLICE
Lisbeth Lima
[ in Vastos, 2010 ]

Escrevo na areia o meu nome.
A água vem e apaga.

Escrevo na areia o nome do meu amor.
A água vem e apaga.

Onda teimosa,
nada entende de nomes.
Nada entende de amor.


POEMA de
CHICO DOIDO DE CAICÓ
[ in Balaio, n° 543, 13/09/1993 ]

Passei o dia todo de caneta na mão
Pelejando pra fazer um verso de amor
E a única coisa parecida com verso de amor
Que saiu da porra da minha caneta foi:
Rosinha, Rosa, Rosa de Sousa
Eu gosto mais de você do que da sua bunda.

MORADA
Adriana Monteiro de Barros
[ in Pianos invisíveis, 2008 ]

Meus urubus e demônios me visitam todos os dias.
Todos os dias meus urubus e demônios me visitam.
Me visitam os dias todos.
Entram sem bater e se instalam na sala
como se já fossem velhos conhecidos.
E, na verdade, são.
Desde pequena meus urubus e demônios me habitam.
Há tempos meus urubus e demônios moram dentro.
Meu medo não é do outro.
Meu medo tem medo de mim.
Eu sou meus urubus e demônios.
Meus urubus e demônios sou eu mesma
e muito prazer.


MÍNIMA
Nydia Bonetti
[ in Longitudes ]

Rímel. Lápis. Blush. Batom
Agenda. Aspirina. Espelho
Chaves. Talão de cheques
Carteira. Calculadora
Cartão de crédito
Lixa de unha. Desodorante
Creme hidratante

Um terço. Uma oração. Medalhas
E uma fita azul da Mãe Aparecida
(Que a casa do Senhor do Bonfim
Ficou distante)
Um canivete artesanal de estimação
Herança de meu pai
3 x 4 daqueles que amo

Lentes de contato. Óculos de sol
Lenços de papel. CIC. RG. CREA SP
Canetas. Cartão de visita. Celular
Escovas. Filtro solar
E a imprescindível folha de papel
Em branco
À espera dos versos

Deus,
Como sou pequena!
Quase tudo que sou e preciso
Cabe dentro da minha bolsa.


ERÓTICA BATALHA
Sebastião Nunes
[ in Antologia mamaluca, 1988 ]

Tua latejante buceta palpitante.
Meu amargo cacete perfilado.
Ovos batem continência à beira do saco.
Como um guerreiro de merda
o cu recua ante a dura ofensiva.
Grandes e pequenos lábios
batem palmas e riem.
Meu cacete é a bandeira nacional.
A guerra é santa e eu avanço.

Mais um POEMA de
CHICO DOIDO DE CAICÓ
[ in Balaio, n° 290, de 15/05/1991 ]

Eu vi uma pentelheira
No corpo daquela dona
Que quase caí pra trás
Era pentelho de ruma
Que não acabava mais
Era uma mata profunda
Que começava no imbigo
E terminava na bunda.
Pra descobrir o priquito
Por detrás daquela mata
Fiz um esforço tão grande
O coração quase me mata
Os pentelhos da mulher
Era uma mata de cipó
Tudo muito emaranhado
Cheio de trança e de nó.
Me fiz de bom caçador
Na frente do cipoal
E rompi aquela mata
Com a força do meu pau.


UMA HISTÓRIA NATALENSE
João Amorim Guimarães

[ in Natal do meu tempo, 1952 ]

[Zé de Quincas] Vivera ainda no tempo em que namoros eram apenas olhadelas, de longe; a moça na janela e o namorado na esquina...

Tão velados eram esses amores, que o pretendente distinguia a pretendida, de qualquer de suas irmãs, apenas por um traço qualquer mais acentuado, que a diferençasse das outras. E às vezes ignorava até que ela possuísse irmãs.

Pois bem, Zé de Quincas achara bonitos os olhos daquela moça, filha de um alto comerciante e, como os olhares dos dois jovens se combinassem, foi logo pedi-la em casamento.

Recebido fidalgamente pelo pretendido "futuro sogo", e dita a pretensão, este manifestou-se:

- Pois não. E qual das duas "meninas" você pretende?

Zé de Quincas embatucou. Agora, sim! Estava certo de que o sujeito só tinha uma filha... e, se eram duas... como iria agora identificar a Deusa dos seus sonhos, se nem ao menos lhes sabia o nome?

- Qual das duas? Escolha - repetia o velho.

Zé de Quincas, afobado ante a dificuldade da identificação, "destampou":

- É aquela dos peitos grandes...

Nem é preciso dizer que Zé de Quincas saiu dali direto para a farmácia, curar a esquimose de um olho quase cego de um soco direto...


POEMA DE CHICO DOIDO DE CAICÓ
mais uma vez, com tesão
[ in Balaio, n° 550, de 1993 ]

Quero o crepúsculo do Potengi abismado
Quero a cachaça do boteco aloprado
Quero o escuro do céu estrelado
Quero o fi-o-fó da morena de olhar dourado
E mais não quero.
A não ser, talvez,
Um verso de Zé Limeira
Um retrato de Maria Antonieta Pons
Um cigarro da marca Astória
Uma estampa do sabonete Eucalol
Um beijo de mulher da zona
E mais não quero.
A não ser, talvez,
A bunda daquela galega do Alecrim
Com sua maciez e seus mistérios sem fim
E mais não quero.
A não ser, talvez,
Uma certa buceta com cheiro de mel e capim
Desejada por marinheiros, bispos, tenentes
E também por mim,
Mais doido do que nunca
Mais doido do que Nosso Senhor do Bonfim.

quinta-feira, 25 de março de 2010

O lesbianismo
por
Nicéas Romeu Zanchett


BALAIO PORRETA 1986
n° 2971
Natal, 25 de março de 2010


O AMOR
Safo de Lesbos
(séc. VII aC)

[ in Poesia grega e latina,
sel. & trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos, 1964 ]

O amor agita meu espírito
como se fosse um vendaval
a desabar sobre os carvalhos.


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 64 / 66 )

Poemas (Safo)
Eneida (Virgílio, 19aC))
Sátiras (Horácio, 35-30aC)
As nuvens (Aristófanes, 423aC)
Medeia (Eurípedes, 431aC)
Édipo rei (Sófocles, c450-440aC)
Prometeu acorrentado (Ésquilo, c465-469aC)
Psiquiatria e antipsiquiatria (Cooper, 1967)
A revolução sexual (Reich, 1945)
Repressão sexual (Marilena Chauí, 1984)


SILÊNCIO
Maria V.
[ in Por uma Maria Só ]

Liguei pra ela
e a linha que nos unia
afinou
: o seu, o nosso silêncio
devastador.

DOS MALES O MENOR...
Leila Míccolis
[ in Poesia Erótica ]

Se te chamo de putinha
sou machista e indecorosa.
No entanto, se não chamo,
você não goza...


ZÊNITE
Marize Castro
[ in Lábios-espelhos, 2009 ]

Deuses sem rostos descem contra o sol.
Nesta cidade, lágrimas anunciam milagres.


EU...
Florbela Espanca
[ in Livro de mágoas, 1919 ]

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

quarta-feira, 24 de março de 2010


São José da (Moça) Bonita ou
São José do Seridó,
no Rio Grande do Norte:
uma das três cidades de todos os meus nascimentos
- as outras duas são Caicó e Jardim do Seridó

Foto:
José Dantas


BALAIO PORRETA 1986
n° 2970
Natal, 24 de março de 2010


POEMA
Miguel Cirilo
- São José do Seridó -
[ in Os elementos do caos, 1964 ]

o corpo branco no chão
não faz esforço.
a luz circula na intimidade.
a nudez é antiga,
o quarto também.
as palavras estão se arrumando
para um novo poema.
as coisas, postas em sossego
repousam de qualquer modo.
anônima é a presença da noite.
os chinelos esperam.
eles não sabem, mas esperam.
- pode alguém exigir mais para dormir?


QUARADOR DE NUVENS
Marcelo Novaes
[ in Prosas Poéticas ]

Ela disse que, de repente, seu corpo se colou à alma. E ele esteve feliz, por cinco dias. Precisava de uma Educação do Corpo. E uma Filosofia do Corpo. [Além de nadar e nadar um pouco]. E mais: precisava se esquer do Corpo-enquanto-imagem. Desfazer-se da multidão de espelhos [e miragens-de-si-mesma]. Quarar-se à luz das nuvens, que isso também era corpóreo [e filosofal, a um só tempo]. Quarar-se ao sol seriam outros quinhentos. E n'outras horas.


A melhor teoria sobre o poema é o poema.
(Paulo de Tarso Correia de MELO, II ENE, 2007)


AGORA COMO SEMPRE
Baquílides (séc. V aC)
[ in Poesia grega e latina,
trad. Péricles Euênio da Silva Ramos, 1964 ]

Agora, como sempre,
com outro é que se obtém perícia:
pois não é fácil alcançar
a porta das palavras nunca ditas.


DOIS POEMAS
Romério Rômulo
[ in Matéria bruta, 2006 ]

a pedra que repousa no meu olho
carrega o mastro da noite.

[][][]

a nostalgia da tela rega tudo.
são sangues que desviam tua alma.


PEDRAS DE TOQUE DA POESIA BRASILEIRA
[ org. José Lino Grunewald, 1996 ]

é régua que calcula a
linguagem e lhe engenha
modelos de medula
(Nelson Ascher, Definição de poesia)

E vestes a parábola noturna
do alfabeto das últimas folhagens
(Abgar Renault, Claro e escuro)

Entrego aos ventos a esperança errante
(Cláudio Manuel da Costa,
A cada instante, Amor, a cada instante)

Eu desenhava na praia a curva de teu seio
E continuava voando entre o farol e o mar
(Ledo Ivo, Esmeralda)

Não tem altura o silêncio das pedras
(Manoel de Barros, Uma didática da invenção - X)

Olhei-te todo o meu olhar!
(Duque Costa, Elogio exótico)

[O] outuno toca realejo
No pátio da minha vida
(Mario Quintana, Canção de outuno)


A BARRAGEM TÁ PESADA
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

Seu pranto de ave presa
É represa
Em meu coração.

Sangria de açude maior
Nunca vi.


LASCÍVIA
Acantha
[ in La Vie Bohème ]

Me entrego -
boca, língua e gestos -
enquanto liquefazes
a noite em mim.


Repeteco / Tesourapress
HUMANO, DEMASIADO FRÁGIL
Sanderson Negreiros (RN)
[ in Tribuna do Norte, em Quadrantes ]

1. Conta-se que Padre Mota, experimentado conhecedor da natureza humana e que, durante a existência inteira, marcou a vida de Mossoró, certa vez recebeu no confessionário uma dama que, penitente, foi logo dizendo:

- Padre Mota, meu grande pecado é o orgulho.
O vigário, bonachão e curioso daquele testemunho tão veraz e eloquente, foi perguntando:
- Minha filha, você é rica?
- Não, senhor.
- Você é bonita, elegante, charmosa?
- Não, senhor.
- Você é inteligente, tem cultura?
- Não, senhor.
- Me diga uma coisa: você é de uma família muito importante?
- Não, senhor.

E Padre Mota, do alto de seus sapatos de fivela - sapato de monsenhor protonotário apostólico - perdeu certa paciência magnânima e foi, como sempre, sincero e objetivo:

- Então, minha filha, você não é orgulhosa. Você é muito é da besta.

E anotemos na nossa agenda: quantas vezes na vida pensamos que agimos por orgulho, quando, na realidade, o que somos mesmo é donos da besteira universal, unânime e concreta. A besteira da arrogância.

2. Leio nas memórias de Vitorino Freire uma passagem deliciosa com Benedito Valadares, mestre da matreirice política de Minas Gerais. Certa vez, Vitorino, senador pelo Maranhão, mais o senador Gilberto Marinho, conversavam com Benedito, autor inclusive da famosa frase: "Estou rouco de tanto ouvir". O velho pessedista mineiro, que Getúlio retirou do anonimato de Patos de Minas, onde era humilde dentista, e o fez interventor por quase quinze anos. Consabidamente não falava, mas era de uma sabedoria política inquestionável. Dele também é a sábia advertência: "Só realize reunião quando tiver decidido tudo antes. Reunião é feita para aprovar". Certo dia, Benedito estava conversador mais do que a medida permitida pela prudência mineira. Vitorino e Gilberto Marinho ficaram em silêncio, vendo e ouvindo a desenvoltura do velho Valadares. Mas, mal discorria, Benedito para e cala. Vitorino interroga:

- Benedito, por que você parou de falar?
E a matreirice responde:
- Parei porque vocês estavam prestando muita atenção no que eu estava dizendo.


Há um pouco de sangue
Nos poemas
Que ainda não escrevi.
(Euclides AMARAL,
in Desmaio Públiko, nº 35, Nova Iguaçu, RJ, agosto 1993)


Memória
O QUE DIZIA RAMALHO ORTIGÃO

Eis o que escrevia o escritor português Ramalho Ortigão, no início do século passado, ao definir o que considerava ser fundamental para a boa educação da mulher:

"Os conhecimentos indispensáveis deveriam constar dos seguintes ramos de ensino:
1. Curso de asseio e de arranjo;
2. Curso de cozinha (química culinária);
3. Contabilidade, escrituração e economia doméstica.
A menina aprenderia, primeiro que tudo, a fazer um caldo. Toda mulher que não sabe fazer um caldo deveria ser proibida de dirigir uma casa".
[ Fonte: Jornal do Século XX, de Jayme Brenner ]

Nota do Balaio, nº 1277, de 9 de maio de 2000:
Já que vem por aí uma reforma curricular, propomos a seguinte disciplina (obrigatória): Introdução à teoria psicanalítica do Caldo.


terça-feira, 23 de março de 2010

A modelo Elisabetta Canalis
via
Milton Ribeiro


BALAIO PORRETA 1986
n° 2969
Natal, 23 de março de 2010


ESCURIDÃO
Lisbeth Lima
[ in Vasto, 2010 ]

Foi a tua boca que busquei,
na noite escura, quando me senti só.

Foi o teu beijo que me iluminou
até que eu encontrasse a luz do dia,
outra vez de olhos abertos.

Atenção:
Vasto, editado pelo Sebo Vermelho,
será lançado amanhã, na
Aliança Francesa, na Praça Pedro Velho, Natal,
a partir das 19 horas.


$EM TÍTULO
Clique aqui, para verouvir, no Via Política.
um dos mais surpreendentes e poéticos
curtas de Luiz Rosemberg Filho:

a crítica política e social na
voz de uma criança.

Sua delicadeza extrapola o próprio cinema
como discurso estético: um $em título que tudo diz.
Ou como afirma o autor de Assuntina das Amérikas:
"Fluir as ideias, o olhar, as imagens e as diferenças."


UM DIA
Maykson de Sousa
[ in Café Mosaïque ]

Um dia
(que não seja em dezembro)
quero ouvir um prelúdio de Bach
e dormir.


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 63 / 66 )

O banquete (Platão, c360aC)
Fédon (Platão, c360aC)
O país de outubro (Bradbury, 1955)
Contos completos (Wilde, ed. bras. 2004)
Memórias do subterrâneo (Dostoiévski, 1864)
Estrela da tarde (Manuel Bandeira, 1960)
Toda nudez será castigada (Nelson Rodrigues, 1965)
A menina do narizinho arrebitado (Monteiro Lobato, 1920)
Jerusalém libertada (Tasso, 1574)
A arte de amar (Ovídio, c1aC)


DAS IMPERFEIÇÕES
Nydia Bonetti
[ in Longitudes ]

sempre viveu
tentando ser perfeito

sempre exigiu perfeição

se encontra agora
(enfim)

na mais perfeita solidão


O AUSENTE
Márcia Maia
[ in Tábua de Marés ]

trazia sob a pele
o sol nascente

e tiritava de frio


BELO HORIZONTE
José Bezerra Gomes

Pardais
cantam
dentro da madrugada

Amanhecendo
todos
vão de encontro à vida


Repeteco
A ESTRADA
Moacy Cirne

Sinto o primeiro impacto. De imediato, sou dominado por inesperada quentura nas costas. Mas consigo correr. E corro. Um segundo impacto me atinge. Preciso correr, mais ainda. Um rio me aguarda, à esquerda. Mergulho nele. Suas águas me envolvem com certa doçura. Mas de onde surgira aquele rio, em plena Glória, entre a Lapa e o Catete? Não importa; o que importa é que estou a salvo. O calor aumenta. Ouço os sinos da igreja mais próxima. Uma voz de rapariga me chama. Ambrósio, Ambrósio, cuidado com a ponte, não se deixe enforcar. O fogo me queima por dentro. Não sei nadar, lembro-me de repente. O que está acontecendo, então? Só sei que não existe mais qualquer sinal de rio; estou numa estrada de tijolos amarelos, familiar cena de filme antigo. Caminho com passos lentos; o calor que me domina é intenso. Pressinto que minhas roupas estão encarnadas. E encarnado é o meu cordão, em disputa contra o cordão azul. Sou uma criança apaixonada pela rainha do Encarnado na cidade da minha infância. Carlitos, o Gordo e o Magro me fazem companhia, sorrindo. Durango Kid aproxima-se: Não se preocupe, estou aqui para defendê-lo dos bandidos. Estou aqui para salvá-lo das balas perdidas. Confie em mim. Olho para o meu avô, com sua ternura sem fim. No caminhão da feira, cortando o cheiro da manhã carregada de mangas e esperanças, contamos os jumentos à beira da estrada, a mesma estrada de tijolos amarelos. À esquerda e à direita vemos jumentos tristes e honestos. São dezenas, são centenas deles. Estranho, parecem pássaros que não sabem voar. Quem ganhará a aposta? O feirante bêbado de auroras garantindo que à direita do veículo, beirando a estrada, maior seria o número daqueles pobres e inevitáveis animais? Ou vencerá o outro? O outro não sou eu; eu sou aquele que precisa mergulhar no Poço de Santana, no final da estrada. Mas o Poço está longe, muito longe. Nunca fiz um filho. Nunca plantei uma árvore. Nunca escrevi um livro. Nunca entrei num túnel tão comprido. E as coisas estão ficando cada vez mais nebulosas. Além, já noite, do alto do coreto da praça, Luiz Gonzaga acena para mim. Asa branca, assum preto, légua tirana. Baião-de-dois. Baião-de-três. Baião-de-cinco. O império submarino. Flash Gordon no Planeta Mongo. A volta do Aranha-Negra. Sansão e Dalila. Nunca houve uma mulher como Gilda. Os melhores anos de nossas vidas. Belinda. O barco das ilusões. Amar foi minha ruína. Dois palermas em Oxford. Paraíso proibido. Tarzan e as amazonas. O império das ilusões. O Aranha-Negra no Planeta Mongo. Sansão, Gilda, Belinda e Dalila. Nunca houve uma mulher como Tarzan. Estou cansado. O chão da Glória tem gosto de sangue e sertão. Preciso dormir.