segunda-feira, 31 de agosto de 2009

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o trêiler de
Anticristo
(Lars Von Trier, 2009)
Um filme excessivamente doloroso? Sim, é verdade. Um filme terrivelmente cruel? Sim, é verdade. Um filme desesperadamente repulsivo? Sim, é verdade. Mas, em muitos momentos, um filme belo, ou mesmo belíssimo. Para ser amado ou odiado. Com toda a sua dor, com toda a sua crueldade, com todo o seu desespero, com todo o seu desalento, com todo o seu simbolismo negativista, com toda a sua violência física e psicológica. Um filme radical - para o bem ou para o mal. Uma experiência (quase) única. Assim como Lautréamont, na literatura; como Bosch, na pintura; como Salò (no próprio cinema). Gostemos ou não de seus efeitos estéticos e dramáticos. Gostemos ou não de suas particularidades punitivas e autopunitivas.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2769
Rio, 31 de agosto de 2009


nada desprezo nesta dor:
o cheiro de pão quente
e o barulho de talheres
despencando da mesa
(Diva CUNHA. A palavra estampada, 1993)


VOZES FEMININAS EM NATAL

De Zila Mamede a Jeanne Araújo e Diva Cunha (a grande homenageada do XIII Seminário Nacional Mulher & Literatura, a ser realizado em Natal, nos próximos dias 2, 3 e 4, no Hotel Praia Mar, promovido pela Universidade Potiguar/UnP), de Myriam Coeli a Iracema Macedo e Ana de Santana, de Marize Castro a Ada Lima e Maria Maria, de Nivaldete Ferreira a Iara Carvalho e Civone Medeiros, entre outras, o Rio Grande do Norte sempre primou pela presença criadora de vozes femininas da melhor qualidade literária. O encontro ora anunciado, ao lado do IV Seminário Internacional, em parceria com a UFRN e outras instituições (e que homenageará a portuguesa Maria Tereza Horta), promete ser um acontecimento marcante, com as mais diversas temáticas relativas ao universo feminino: são dezenas e dezenas de palestras, conferências, debates, paineis, minicursos e comunicações. Haja fôlego (e tempo) para tanta coisa boa! Para tanta coisa interessante!


OITO DÍSTICOS PARA A MINHA TERRA
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Queria agora uma tarde de chuva no Seridó
com seu aconchego de mãe verdadeira.

Queria agora construir castelos
na areia permeável do terreiro de casa.

Queria botar água no vaso de louça
para as horas sertanejas.

Queria o lençol de retalhos coloridos
cheirando a pedras do quaradouro.

Queria sentir o redemoinho na entrada da casa
para eu dizer: “cruz, cruz, cruz!”.

Queria um sonho com melaço de açúcar
para adoçar os meus confusos sentimentos.

Queria construir um tempo de memórias
com antíteses disfarçadas em ventanias.

Queria alimentar meus sonhos verdes
Para receber, tranqüila, a maturidade.


POEMA
Ada Lima
[ in Menina Gauche ]

Não é por ser vingativa
que guardo na bolsa
cacos de paixão:
quem
além de mim
eles podem ferir?

Ouço Amy cantar que
o amor é um jogo perdido
enquanto contemplo
pedaços do meu rosto
nos estilhaços
espalhados no chão
e me convenço:

não quero a loucura que me mantém viva.
A outra é mais sábia.


PÁTIO
Jeanne Araújo

Ai, debaixo do teu corpo
é que me reviro, resvelo
pontiagudas farpas
e palavras.
Meu coração brota
indevidas fantasias
que meus caninos refazem
caminhando sobre tua pele
mordendo tuas flores
mastigando o escuro
das tuas fendas obscenas.

E no fundo de mim mesmo
encontro-me clandestinamente
no largo da minha própria cama.

domingo, 30 de agosto de 2009

CINEMA, CINEMA
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uma das sequências mais sensuais
da história do cinema:
Kim Novak e William Holden
em
Picnic / Férias de amor
(Joshua Logan, 1955)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2768
Rio, 30 de agosto de 2009

Miguel Ângelo é botafogo, Leonardo é flamengo, Rafael é fluminense; Stendhal é botafogo, Balzac é flamengo, Flaubert é fluminense; Bach é botafogo, Beethoven é flamengo, Mozart é fluminense. Sem desfazer dos outros, é com eles que eu fico, Miguel, Henrique, João Sebastião. Dostoievski é botafogo, Tolstoi é flamengo (na literatura russa não há fluminense); Baudelaire é fluminense, Verlaine é flamengo, Rimbaud é botafogo; Camões não é vasco, é flamengo, Garret é fluminense, Fernando Pessoa é botafogo. Sim, Machado de Assis é fluminense, mas no fundo, debaixo da cepa cética, Machado, um bairrista, morava onde? Laranjeiras!
(Paulo Mendes CAMPOS. O gol é necessário)


BELEZA
Sônia Brandão
[ in Pássaro Impossível ]

A beleza do pássaro
levou para o céu
os meus olhos.


POEmeto QUASE erótico
Jomard Muniz de Bitto
[ Recife, 2006 ]

ao eterno helenismo da américa latina

Adormeceu com cheiro de jasmins
deslizando em coxas e abraços.
O mundo aberto, rosa rubra desejante.

Sonhou esquecendo estórias do luar
de agosto incendiando olhos e mãos.
O tempo fugaz de lábios umedecidos.

Acordou sem pressentir limites do corpo
a corpo, pulsos e pernas entrelaçados.
A vida inserta e incerta em outros jardins.


DE PUNHO CERRADO
Marcelo Ikeda
[ in Cinecasulofilia ]

Vivo
De punho cerrado
Não dou tapa
Dou um murro

Amo
De punho cerrado
Não dou a face
Eu a uso
Como escudo

Meu punho fere
Qual punhal
Lança ocre
Mortal

Nesse castelo de mim mesmo
Ninguém entra
Que não seja convidado

E por entre as frestas deste punho
Não há luz
Nem poesia

Como um machado
De ourives nobre
E matéria podre


POEMA
Euclides Amaral
[ in Desmaio Público, nº 35.
Nova Iguaçu, RJ, agosto/1993 ]

Há um pouco de sangue
Nos poemas
Que ainda não escrevi.


Repeteco / Humor involuntário
AS REGRAS DO SEXO NOS ESTADOS UNIDOS

A revista Istoé que se encontra nas bancas [agosto de 2006] publicou uma curiosa e engraçada matéria sobre As absurdas regras do sexo no país de W.C. Bushit, o maior e mais completo escrotonojentofeladaputosobostaico do mundo, hoje. Vale a pena conferir três delas, dignas da babaquice americana, recorrendo ao próprio semanário paulistano:

[] Em Nevada, "É ilegal a qualquer membro da legislatura conduzir negócios oficiais fantasiado de pênis, quando o Legislativo estiver em sessão", segundo a Lei. Mas, conforme a Istoé, "Não explica ... se o ilustre representante público pode ostentar o traje viril caso o plenário esteja em recesso".

[] Em Minnesota, por exemplo, "está totalmente proibido a um homem manter relações sexuais com um peixe vivo. No Brasil, o povão teria apelidado de Lei JK, em homenagem ao ex-presidente Juscelino Kubitschek e sua canção predileta. A lei, porém, é omissa no trato de peixes mortos".

[] Em Nova York, a sodomia não é proibida: "É perfeitamente legal até mesmo o chamado fist sex -- o ato de introduzir toda a mão ou braço no esfíncter de alguém. A exigência que se faz é que o consentimento para a perfomance seja dado na frente de testemunhas ou em documento autenticado por notário. Imagina-se que os possuidores de sangue frio suficiente para se engajar numa manobra sexual destas não terão constrangimento em levar mais dois dedinhos de prosa no cartório para oficializar o contrato".


Repeteco / Futebol
ACONTECEU EM JARDIM DO SERIDÓ, RN

O fato narrado a seguir teria acontecido no início dos anos 50 na cidade de Jardim do Seridó, interior do Rio Grande Norte, então com 1,5 ou 2 mil habitantes. O seu time de futebol, muito respeitado nas vizinhanças, tinha como goleiro um funcionário dos Correios, o seu Garcia, ligeiramente gorducho, mas muito ágil, segundo testemunhas da época. Num jogo em Jardim contra uma das cidades vizinhas (Caicó? Parelhas? Acari? Ouro Branco? Currais Novos?), o juiz tivera a coragem de marcar um pênalti (aparentemente duvidoso) contra as cores jardinenses. O atacante adversário, conhecido por seu potente chute, preparava-se para bater a penalidade quando Garcia, em jogada bem pensada para mexer com os brios do temido goleador, resolveu ficar de costas para o sujeito. Espanto geral. Apreensão entre os torcedores. Um sol de rachar o quengo. O centro-avante, mostrando-se nervoso, reclamou perante o juiz da partida pela insólita situação provocada por nosso goleiro. Mas o juiz, na dúvida, já que desconhecia qualquer regra que impedisse que o goleiro ficasse de costas para o atacante, mandou bater o pênalti assim mesmo. E Garcia continuava de costas, no centro da meta, movimentando as pernas e os braços. Parecia um arremedo de bailarino, mal saindo do lugar. Suspense geral. Silêncio paralisante. Até as andorinhas abismaram-se no ar, acima do campo. Ao apito do juiz, Garcia virou-se de repente: o tempo necessário para encaixar a bola, chutada sem a menor força pelo atacante, que ficara desnorteado diante da inesperada situação. Pior: chutara no meio do gol. Entre gritos de puro alívio embriagador, a multidão delirava com o arqueiro da nossa pequena cidade. Mais de 50 anos depois, a dúvida permanece: terá mesmo ocorrido tão inusitada acontecença? Não sabemos, mas entre a realidade e a ficção, publique-se a ficção. Ou a lenda. Como em John Ford.

sábado, 29 de agosto de 2009

OS FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
&
OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
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uma das primeiras sequências de
Maldição
(Fritz Lang, 1950)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2767
Rio, 29 de agosto de 2009

Com um elenco desconhecido, ou pelo menos pouco expressivo (Louis Hayward, Lee Bowman, Jane Wyatt nos principais papeis), o diretor Fritz Lang, investindo no film noir com requinte visual, e uma produção bastante modesta em termos orçamentários, construiu uma de suas mais sólidas obras-primas: House by the river (no Brasil, Maldição). Um crime (mais ou menos) acidental serve de trampolim temático para um drama de conotações psicológicas envolvendo dois irmãos e a mulher de um deles.
Exibido em Caicó em 1959
.


POEMA
de
Chico Doido de Caicó

Nunca mais vi o Itans sangrar.
Nunca mais, nunca mais!
Nunca mais mergulhei no Poço de Santana.
Nunca mais, nunca mais!
Nunca mais vi um filme no Cinema Pax.
Nunca mais, nunca mais!
Nunca mais li um livro de Edgar Allan Poe.
Nunca mais, nunca mais!
Nunca mais champrei as raparigas de Caicó.
Nunca mais, nunca mais!


HAI-CÃES UIVANTES
Cássio Amaral
[ in Sonnen, 2009 ]

raio de sol
na página traçada
filtro de luz na madrugada

endoidar as metáforas
para comê-las com hipérboles
safadas e ávidas de metalinguagem

urro desatento de Michel Foucault
na lua negra
ponto Gno êxtase das estrelas

todo dia me suicido
lembrando que nunca envelheço
meu preço é ser inocente

aturdido no meio do caos
risco um fósforo no asfalto
e encontro um poema anômalo


CINEMA 2008
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uma das sequências de
Drácula: páginas do diário de uma virgem
(Guy Maddin, 2002),
produção independente canadense,
um dos filmes mais bizarros que vi, até o momento, em 2008:
balé clássico-horror gótico-humor trash,
em preto & branco com pinceladas coloridas,
além de ser uma homenagem ao expressionismo alemão,
ao som de Mahler,
sem palavras (mas com intertítulos)
a partir do livro de Bram Stoker,
redimensionado com bastante criatividade
tomando como referência cenográfica
a adaptação do Royal Winnipeg Ballet.
Imperdível.
[Visto no CCBB. Cotação: ** /ótimo/]

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Colagem de
Luís Rosemberg Filho
(2001/2002)
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BALAIO PORRETA 1986
n° 2766
Rio, 28 de agosto de 2009

Eu tenho um sonho. Que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter.
(Martin Luther KING. Eu tenho um sonho, em 28/8/1963)


COM VIGOR E COM AFETO
Moacy Cirne

Permaneço deserta para me ler
em cada pedaço de meu ser
(Tchi)

A partir dos anos 80, alijado pela indústria cinematográfica nacional, que, com raras exceções, sucumbira ao padrão global de qualidade hollywoodiana, o cineasta Luís Rosemberg Filho, autor de Assuntina das Amérikas, passou a se dedicar à produção "caseira" de vídeos muitas vezes experimentais. Em cerca de 25 anos, realizou mais de 30 curtas e médias, investindo num olhar crítico - de matriz godardiana - nem sempre compreendido pelo leitor/espectador acostumado à imbecilização do discurso cinematográfico dominante.

Se alguns o acusam de fazer um cinema por demais "literário", por demais "panfletário", convém determinar, com olhos livres (vide Oswald de Andrade), o lugar histórico dessa "literatura", dessa "panfletagem" aparentemente deslocada no tempo e no espaço. O seu espaço é o espaço da palavrimagem, em última instância. É, de igual modo, o espaço da politização da forma, mais do que da politização da imagem, que, por si, já existe politicamente, não apenas de modo conjuntural, mas de modo estrutural.

Neste sentido, pode-se dizer que a sua cinevideografia, em sendo estimulante, em sendo múltipla e criadora - mesmo quando dela nos distanciamos -, tem-se pautado por duas vertentes que se configuram simbolicamente. De um lado, na maioria das realizações, por um discurso político - eventualmente agressivo - aberto ao agenciamento amoroso, por mais estranho que isso possa parecer a muitos. De outro lado, sobretudo em títulos mais recentes, por um discurso amoroso aberto ao agenciamento político.

É o caso do inédito Afeto.

Realizado com extrema delicadeza, Afeto - como o título já indica -, em seus mínimos detalhes, quer na maneira como é lida uma carta que o sustenta enquanto encenação temática (carta, aliás, que, a partir de uma emocionante voltagem existencial, é apresentada com bastante propriedade cênica), quer nas várias homenagens ao próprio cinema (Antonioni, Tarkóvski, Tarr, em particular) , é antes de mais nada um cinevídeo afetuoso. Tecnicamente afetuoso. Formalmente afetuoso. Tematicamente afetuoso.

Fotografado com sensibilidade e bom bom gosto por Renaud Leenhardt - colaborador de outras obras rosemberguianas - e parcialmente interpretado por uma expressiva e talentosa Denise Solot, Afeto é uma joia rara. É preciso vê-lo. É preciso amá-lo. É preciso divulgá-lo.


BALADA PARA UMA CRIANÇA ORFÃ DO AFEGANISTÃO
Paulo Jorge Dumaresq
[ in Nariz de Defunto ]
Não sei teu nome
tatuado na mão do destino.
Nem sequer desconfio que exista felicidade
para além das montanhas
que abrigam o dragão na caverna.
Mas saibas, criança sem nome e nação,
que minha alma latina - eterno porto de abrigo -
canta-a nesta balada final.
Para além de Cabul e Kandahar,
há alguém que ora por ti e teu destino repleto de vazio.
Algum dia, quando cessarem a tirania e a miséria,
talvez te reconheças no recorte da fria geografia do deserto,
e possas, quem sabe, me apontar flores na ponta do fuzil.

[ Foto distribuída pelo Fórum Social Mundial/2009 ]

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ponta do Morcego, em Natal, ao alvorecer
Foto:
Mário Március


BALAIO PORRETA 1986
n° 2765
Rio, 27 de agosto de 2009


Sofrer é sempre culpa nossa.
(Cesare Pavese. O ofício de viver, 1952)


Memória / Repeteco
O FESTIVAL DE BESTEIRA QUE ASSOLOU O PAÍS EM 1965

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)
[ in FEBEAPÁ - O Festival de Besteira que Assola o País, 1966)

"Segundo Tio Zulmira, 'o policial é sempre suspeito' e - por isto mesmo - a Polícia de Mato Grosso não é nem mais nem menos brilhante do que as outras polícias. Tanto assim que um delegado de lá terminou seu relatório sobre um crime político com estas palavras: A vítima foi encontrada às margens do Rio Sucuriu retalhada em 4 pedaços, com os membros separados do tronco, dentro de um saco de aniagem, amarrado e atado a uma pesada pedra. Ao que tudo indica, parece afastada a hipótese de suicídio" (p.15-16, grifo do Balaio). De minha parte, mais de 40 anos depois, continuo na maior dúvida: afinal, a vítima suicidou-se ou não?


DA ALEGRIA
Lara de Lemos
[in palavrAvara, 1986]

Todos os ontens passaram
sem deixar traço
ou traça.

Agora só amanhãs
claros, simples
de graça.


Uma foto antiga
do início do século passado
(autoria anônima)

A TI
Vais

Meu desejo delírio
Lírios...
de que pra quem
como gostaria de ser tocada
muito mais
para além da leveza
dos olhos pousados
em uma foto antiga


DE UMA ENTREVISTA ETÍLICO-BALAIOGRÁFICA
COM CHICO DOIDO DE CAICÓ, EM 2004
P - Se vivo ainda fosse, você estaria fazendo o quê,
com seus 80 anos?

R - Em primeiro lugar, lambendo xibius; em segundo lugar, lambendo rapaduras; em terceiro lugar, não estaria lambendo o saco de ninguém. Sou caicoense dos bons, viu!?!


OLHOS DE PEDRA
Nydia Bonetti
[ in Longitudes ]

de esperar
arranco
das pedras, os olhos

meus olhos, arranco
e os atiro ao mar

pesados,
logo serão tragados

pelo abismo
dos olhos cansados

eu, sigo
com meus olhos
de pedra


QUE ÉTICA
Ailton Medeiros

O senador José Agripino Maia anunciou agora há pouco [ontem] que os Democratas vão deixar o Conselho de Ética.

Ora, faz anos que o partido abandonou a ética.

A medida, claro, não passa de teatro. Teatro de péssima qualidade, diga-se de passagem.

Parem o mundo que eu quero descer. Ou subir.


AO MEU CORPO
Henrique Pimenta
[ in Bar do Bardo ]

O corpo me limita, mas é tudo
que posso por enquanto. Sou mesquinha,
eu sei, na pequenez em que desnudo,
que excito o meu exército na linha

de fogo, no combate feito ludo,
com a pele depilada e tão fresquinha,
com o musse pelo musgo, no miúdo,
no gozo da beleza que definha.

O dúbio delimita a decisão,
decide-se, em efêmero cotejo,
de espírito e matéria por cisão.

Cindidos, que se danem ao despejo!
Por mim me basta a carne sem razão,
o corpo que eterniza o meu desejo.


Poema Primitivo
Lou Vilela
in
Nudez Poética


quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Clique na imagem
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o trêiler espanhol
ou
clique aqui
para o trêiler inglês de
A cidade de Sylvia
(Guerín, 2007)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2764
Rio, 26 de agosto de 2009

A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.
(Mario QUINTANA, in Sapato florido, 1947)


Em resposta ao IMDB
OS MELHORES FILMES DOS ANOS 2000
(até o momento),
segundo a nossa leitura crítico-afetivo-libertinária

1. Uma visita ao Louvre (Straub & Huillet, 2003)
2. A cidade de Sylvia (Guerín, 2007)
3. A inglesa e o duque (Rohmer, 2001)
4. Juventude em marcha (Costa, 2006)
5. Arca russa (Sokúrov, 2002)
6. Amantes constantes (Garrel, 2004)
7. A viagem do balão vermelho (Hou, 2007)
8. O homem de Londres (Tarr, 2007)
9. Bamako (Sissako, 2006)
10. Tropical malady (Weerasethakul, 2004)
11. Dogville (Von Trier, 2003)
12. LavourArcaica (Carvalho, 2001)


DE POSSÍVEIS LAMPARINAS
Mario Cezar
[ in Coivara ]

1.
- dona minina, o que é uma vagina?
- é o poço da alma.
2.
o que é um gozo?
(pergunta antiga)
morreu cega e cacunda.

CONFESSO
Nathália de Sousa/Nei Leandro de Castro
[ in Poemas devassos, 2006)

A primerira vez
que molhei a calcinha
foi num filme romântico
no escurinho
do Cinema São Luiz.
Quase menina, boba,
não entendi muito.
Mas fiquei feliz.


A MÁSCARA
(a Paulo Autran)
Lívio Oliveira
[ in O Teorema da Feira ]

A máscara que vesti
não era a máscara que
alguns homens
e mulheres,
incautos,
desavisados,
insistiram
e teimam em ostentar.

A máscara que vesti
e o nariz de palhaço
me trouxeram dignidade
e honra.

E o sonho
me chegou
perto,
bem perto!

Com aquela máscara,
aquela fantasia.
eu, um mero clown,
um operário sonhador,
dei, de volta,
o sorriso surrupiado
do povo.

Dei, de volta,
àqueles que me viram
em cena,
àqueles que me tomaram
no ato,
toda força do meu corpo
e de minha alma,
e, ainda, do meu sonho,
algo que nunca
teve máscara!


CRIMES EXEMPLARES - O LIBIDINOSO
Inês Motta
[ in Objeto Obscuro ]

Havia chegado do sepultamento de pai, triste e abalada.
Tudo que necessitava naquele momento era apoio e conforto.
Ele, de fato a confortou, abraçando-a no leito enquanto repousavam.
E isso era louvável.

Mas ao fazê-lo, ficou excitado e ela pode sentir o ousado
e atrevido volume que lhe tocava as coxas.

Era necessário um pouco mais de respeito num momento
de tão grande dor e sofrimento.

Foi sem pensar.
E quando se deu conta, já arremessara contra ele
o primeiro objeto ao alcance da mão.

Não teve culpa se o ferro de passar era tão pesado.


O DIABO NUMA ENTREVISTA DE EMPREGO
Marconi Leal

- E então? O que é que o senhor sabe fazer?
- Ah, eu solto fogo pela venta, retalho carne humana, coloco um ou outro sujeito num caldeirão de óleo fervente, enfim, essas coisas básicas... Também produzo CDs de pagode e música sertaneja. E, claro, dou assessoria em Brasília. Mas isso daí tô abandonando, o pessoal lá é muito sacana...

- Uhmm, sei... Só isso?
- Não, não. Eu também voo, olha aí... Vou de zero a cem em cinco batidas de asa. Se não tiver tráfego aéreo, claro.

- Entendi. E qual é o cargo que o senhor está pretendendo mesmo?
- Bom, eu queria uma coisa assim onde eu pudesse humilhar e explorar, tornar a vida dos funcionários uma desgraça, deixar as pessoas tensas e nervosas, sabe?

- Me desculpe, mas os cargos de chefia já estão todos ocupados.
- Então, quem sabe algo como ficar o dia todo de perna pro ar, sem fazer nada, vendo os outros trabalhar feito burro e, de vez em quando, passar a mão na bunda de uma funcionária?

- Nesse caso, o senhor vai ter que comprar ações da empresa. Me diga uma coisa, qual a sua idade mesmo?
- No calendário judaico ou cristão?

- Cris... Uhm! Mas que cheiro é esse?
- Enxofre, modéstia à parte.

- Urgh!... Olha, normalmente eu não faço isso, mas vou ser bem sincera com o senhor. Esse seu currículo está um tanto ou quanto antiquado, entende? O que é que eu vejo aqui? Correntes, fogo, caldeirões, ácido, tridentes... Esses são métodos ultrapassados. As empresas modernas utilizam outro tipo de tortura, como a hora extra não remunerada ou o amigo secreto no final do ano.
- Mas, moça, eu consigo me transformar no que eu quiser. Olha aqui... Tcha-ran! Virei um pastor evangélico!

- Não vi diferença.
- Agora, veja... bééé... me transformei num bode!

- Já tentou o Se Vira nos Trinta?
- Calma... Eu também faço caretas horrorosas, horripilantes. Vê? Fiquei a cara daquele cantor, o Lenine!

- Ha! O senhor precisa ver é a cara do meu chefe de manhã!... Não vai dar.
- Não diga isso, moça. Eu sei que eu tô meio velhão, mas, e a experiência? Eu tava aqui quando o primeiro raio de luz cruzou o firmamento! Vi os oceanos se formarem! Presenciei o nascimento da Hebe Camargo!

- Me desculpe.
- Moça, minha vida tem sido um inferno, eu tenho centenas de faunos pra sustentar... A senhora não entende! Me dê uma chance, por favor!

- Bom... Deixa ver... O senhor disse que sabe voar?
- Sim, sei. Olha aí...

- Tudo bem, tudo bem, já vi. E é rápido mesmo?
- Mais que um deputado desviando verba do orçamento.

- Então tá. Acho que tenho o cargo ideal para o senhor. Aperte aqui, o senhor está contratado.
- Puxa! Mesmo? Como diretor?

- Não, como boy. Começa na segunda-feira, parabéns! Agora, por favor, vê se toma um banho, sim?

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Memória 1959:
às margens do Itans, em Caicó,
ao lado de um pirarucu pescado pouco antes,
da esquerda para a direita,
Pajá (ainda hoje frequentador do Bar de Ferreirinha),
Luiz Cirne (meu pai), Antônio Lins e Seu Bento.
Clique na imagem para ampliá-la.

[Foto do acervo de Souza, o Bacuê, inventor do iPosso]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2763
Rio, 25 de agosto de 2009

Toda época deve reinventar seu próprio projeto de "espiritualidade". ... Na era moderna, uma das mais ativas metáforas para o projeto espiritual é a arte.
(Susan SONTAG. A vontade radical, 1969)


MATINO
Mário Ivo
[ in Cidade dos Reis ]

Ao amanhecer todas as cidades se parecem.

Só você ao despertar não se assemelha a ninguém
nem a nada no mundo.


No alto dos prédios imóveis pastoreia as nuvens o sol.

A teus pés apascento o sonho. Para quando despertes o mundo não se pareça a nenhuma manhã conhecida.


HISTÓRIAS DO BRASIL: PEQUENAS VERGONHAS
Marcos de Vasconcelos
(1983)

Benedito Valadares, então governador de Minas (dizia-se Presidente), quando soube que um determinado político circulava por todo canto a falar mal dele:
- Mas que favor que eu fiz a ele?

Mendonça Falcão, o folclórico dirigente do Santos de Pelé, quando era chefe da Delegação Brasileira de Futebol em viagem à Europa, dirigindo-se ao Presidente da Federação Portuguesa, agradecendo à saudação deste, desfechou este brinco, para horror dos companheiros:
- Sua senhora é a verdadeira portuguesa de desportos.

Mauritônio Meira e José Geraldo Costa subiam as ruas empedradas do Alfama, o lindo bairro da Lisboa Velha, admirando o casario irregular, celebrado já no tempo da ocupação moura.
Numa das vielas, cruzaram com duas raparigas. Uma delas comentou alto, com forte sotaque brasileiro e nordestino:
- Copiaram tudo isso da Bahia!...

Almoço na casa de Oscar Niemeyer, a famosa residência do arquiteto nas Canoas, no Rio. Comensais, além do anfitrião: o [então] vice-governador carioca Darcy Ribeiro, o poeta e engenheiro Joaquim Cardoso, o arquiteto Nauro Esteves, assistente do Oscar nos projetos de Brasília e eu.
Pode-se supor o alto nível da conversa formada por atuantes trabalhadores intelectuais brasileiros. A tese eleita para discussão, enquanto traçávamos uma salada de tomate, arroz e bife, foi a proposta pelo antrpólogo Darcy Ribeiro: como seriam as relações entre os seres humanos se tivéssemos rabo.


AUTO-FLAGELO
de Suzana Vargas
[in Caderno de outuno, 2ª ed., 1998 ]

Na mesa:
o pão, o leite, a manteiga
e o
Nescafé
insolúvel dos meus dias.


POEMA
Alexandre Lourenço


O amor impossível
não se intimida com os crepúsculos
de cimento azul.
Nem com as catedrais
grávidas de silêncios barrocos.
O amor impossível
constroi sua geometria do imprevisível.
E se basta em sua impossibilidade desenhada
pelo voo noturno da gaivota de papel e melancia.



POEMA
Sandra Camurça
[ in O Refúgio ]

acordou sem saber
se era segunda ou domingo...
era segunda
e abandonado entre lençóis
seus sonhos adormeceram



O ADEUS DOS POETAS
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

No dia em que os poetas
se disserem adeus,
a alma humana se perderá
no escuro da palavra.



POEMA de
Zé Limeira
[ Republicado in Balaio 1213, de 14/10/1999 ]

Quando D. Pedro II
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e ao mundo
O poeta Zé Raimundo
Começou a capar jumento.
Daí veio um pensamento:
Tudo aquilo era boato.
Oito noves fora quatro,
Diz o Velho Testamento.



OBSCURO
Marcílio Medeiros
[ in Vida Literária ]

sempre há uma brecha

raios a decepar flores

a nudez das cores reservadas

estiletes eretos na raspagem

da poeira que se esconde

e repousa na limitada

decomposição que lhe resta

as dobras dos móveis

sua carapaça, seu secreto

labirinto onde maturam

os dias passados em objetos


um sopro, uma falha

traz o arpão incendiado

a gralha silenciosa, mas munida

a riscar o olhar assustado

de coisas mal-dormidas


TEXTO DA REVOLUÇÃO CONTIDA
Romério Rômulo

há um tempo.
mesmo das infidelidades há um tempo.
o olho do campo regurgita os pastos.

há um tempo.
mesmo da permanência havida há um tempo.
os bruscos lençóis resvalam cores
amplas de medo.

há um tempo.
mesmo de braços contidos há um tempo.
sem mais ver,
bruscos rugidos vão prestar tempestades.

quantas noites os tumultos violam
de manter falências e medos?
quantas gargantas se contêm de dizer?

há um tempo. claro e justo tempo


Humor
MULHER SUSPEITA
Armando Negreiros
[ in Viva a Verve!, 2000 ]

Conhecido político paraibano, Raimundo Asfora, era notório pelas farras desmanteladas que fazia. Certa feita, já de meio lastro a queimado, acompanhado por duas gazelas cuja profissão o vulgo, erradamente, chama de "mulher de vida fácil", tentou entrar no clube mais elitista de Campina Grande, segunda maior cidade da Paraíba. O porteiro, respeitosamente, posto que Raimundo era deputado, o advertiu:
- As acompanhantes não podem entrar.
- Qual o motivo?
- São mulheres suspeitas.
- Suspeitas? Essas duas? De maneira nenhuma! Essas duas são putas, as suspeitas estão aí dentro.


UMA PEQUENA NOTA POLÍTICA

Em se tratando da política do Rio Grande do Norte, o sen. José Agripino Rabo de Palha Maia - para usar uma expressão muito cara a Leonel Brizola - não passa de um "filhote da ditadura". Aliás, será que existe alguma diferença entre ele e Sarney?

segunda-feira, 24 de agosto de 2009


1.
Clique na imagem superior
(La belle Liseuse, de L.-F. Comerre, 1850-1916)
para ver
Women in art,
de Philip Scott Johnson (2007),
ao som da Suite n° 1, BWV 1007, de Bach, por Yo-Yo Ma
2.
Clique na imagem inferior
(Charlize Theron, por Peggy Sirota)
para ver
Women in film,
do mesmo autor,
igualmente ao som de J.S. Bach

[Repeteco do Balaio n° 2415, de 31/08/2008]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2762
Rio, 24 de agosto de 2009

Quem me inundou esqueceu de orar para as estrelas.
(Marize CASTRO. Esperado ouro, 2005)


POEMA
Amanda Bigonha Salomão
[ in Fotografias, poesias e um tantinho de prosa ]

Já tentei croché
Já tentei tricô
Já fiz pão e teatro.
Entrei pra esquerda,
cutuquei o partido.
Fiz bolo e artesanato.
Tentei de tudo, tentei de nada.
Fui Zé Ninguém e dona-de-casa.
Já dormi sonhando reis
Já dormi sonhando putas,
amantes de Sol, amantes de Lua.
Mas não me encaixei em nada
E fui ser coringa no meio da rua.


AMANHECENDO
Ana de Santana
[ in Em nome da pele, 2008 ]

Não conto o tempo quando demoro
os dedos sobre teus cardeais
Tudo que preciso amanhece no teu corpo
Criado pela infância das almas
Tudo é minguado
Se não sou vizinha do teu rosto
Se não sou eu mesma a manhã
Que te desperta o afã
de morar em mim


CASABLANCA
Adriano de Sousa
[ in Poesia. Natal, 2008 ]

play, sam
play as time goes by
porra, estou farto de ouvir esses velhos escrotos
citando-me em falas que não são minhas
e que eles rolam entre os dedos
como ranho de nostalgia impotente
por uma nuvem de vestido azul
um mcguffin sentimental de merda
para fazê-la engolir sem engulhos
a porra da propaganda de guerra
a porra da aliança dos babacas franceses
com os babacas do meu país
play, sam
play as time goes by
se ela pode eu também posso, caralho


A JORGE GUINLE FILHO
em memória
Tanussi Cardoso
[ in Viagem em torno de, 2000 ]

O que acontecerá aos céus
quando se morre um artista?
Que silêncios, que gritos
Que deuses riscam os ventos
quando se morre um artista?
O que dizer aos filhos
Aos pássaros, ao poema
quando se morre um artista?
Que pintura tão linda
Que natureza tão vil
Que fala tão amarga
quando se morre um artista?
Noiteluzsomdiapasãoharmoniavendavalfuracão?
O que sobra da vida
quando se morre um artista?


O IMPORTANTE É NÃO PARAR DE QUESTIONAR
(Albert Einstein)

In Balaio, n° 276. Rio, 12/04/1991:


Apesar de todas as dificuldades, é preciso ousar;
apesar de todos os desencontros, é preciso amar;

apesar de todos os pesadelos, é preciso sonhar;
apesar de todas as incertezas, é preciso lutAR.


AS FACES DA MENTIRA
Luís Nassif

A esta altura, até pela leitura da Época - que pertence ao mesmo grupo - O Globo sabe que a tal reunião entre Lina e Dilma não existiu. A Folha sabe, o Estadão sabe.

Mas a intenção do jogo não era chegar à verdade. Era mentir sistematicamente até que a pecha de mentirosa pegasse na vítima. Em plena segunda, com a trama desvendada, prosseguem mentindo.

[ Clique aqui para ler a matéria na íntegra ]


domingo, 23 de agosto de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
Clique na imagem
para verouvir
uma sequência de
Vidas secas
(Nelson Pereira dos Sanos, 1963)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2761
Rio, 23 de agosto de 2009

Da literatura (Graciliano Ramos) ao cinema (Nelson Pereira dos Santos), Vidas secas é a hstória de uma saga brasileira - das mais fortes, das mais brilhantes, das mais consistentes, das mais pujantes. O cinema e a literatura, aqui, com suas diferenças, com suas especificidades, apresentam-se com o melhor olhar sofrido e doloroso que se possa imaginar, seja esteticamente, seja socialmente, numa verdadeira e cabralina "morte e vida severina". Para um livro perfeito, um filme perfeito.


DESVENTURA
Paulo Jorge Dumaresq
[ in Nariz de Defunto ]

Da marquise do tempo
Observo esses poetas dolentes
Grávidos de tangos e tragédias.
Que um anjo os abençoe, porque a mim me resta
sublimá-los com fina pena e tinta.

O que será desses poetas,
Quando secarem as lágrimas turvas do rio?
Será que vão chorar
Sob a lua na sarjeta?
Ou cantar uma canção desesperada?

Desafortunados os poetas
Que perdem o dom da esperança;
Enquanto contemplam o sol
Perder-se no infinito
Tornado arrebol da ilusão.

A partida do sol
Traduz a perda da mulher amada
Outrora idolatrada em noite de luar,
Quando a alma parecia reacender
A chama do amor esconso.

E é nessa desilusão
Que o poeta veste a cidade
De versos melancólicos;
Rebentos de sua dúbia ironia
De viver e de morrer sutilmente.


DECISÃO
Sônia Brandão
[ in Vida Literária, de Marcílio Medeiros]

Entre morrer e não morrer
Escolhi as palavras.

Voam de minhas mãos
Como pássaros ou punhais.


PROEZA
Tchi
[ in Nuassombro ]

Regresso. Ao vento.
Os ponteiros do relógio cessam.
Ao sono do sol.


O TESTAMENTO DE M.
Tainan Costa
[ in Germina Literatura ]

11.
De tanto sonhar nuvens
Amanheci cheirando a chuva.
15.
Brinquedear:
Escrever para dizer coisa nenhuma.


PEQUENO ATO DE AMOR I
Sheyla Azevedo
[ in Bicho Esquisito ]

você é doce
triste
velho
criança
nuvem.
o homem que eu escolhi
(todos os dias)
para ser meu
(um dia)


GATA
José Correia Torres Neto
[ in Potiguarando ]

Eu lambo o meu sexo aberto, cheiro o meu excremento, repugno-o no meio da rua. Passo por entre os carros, desvio de minha sombra, defloro o silêncio, guardo, em minha única roupa, manchas dos sangues alheios. Minhas unhas sem cores desfiam os dias, meus olhos, ora amarelos, ora castanhos, ardem sob os sois. Mastigo os meus filhos de ossos pequeninos e frágeis, engulo-os sentindo sua carne fria se misturar com as minhas certezas. Sinto-os voltarem para dentro de mim e me devolverem os restos de minhas vidas. Sento-me no portal de casas estranhas e num susto qualquer caio no meio de um tempo que, covardemente, nunca ousou me contar. Sou tantas que desapareço em breves piscares de olhos ignorantes, de olhos que despercebem os dias e as noites. Sou portadora de segredos de outras eras. Um dia, como contam, eu falava palavras que hoje não compreendo. Apenas sigo lambendo o meu sexo ainda aberto...


MÁXIMAS E MÍNIMAS DO BARÃO DE ITARARÉ
in Almanhaque para 1949

[] Os homens são de duas categorias: - os solteiros e os loucos.
[] A ervilha é uma esmeralda com vitaminas.
[] A lágrima é o suor do coração.
[] Há mudos tão inteligentes que nem querem aprender a falar.
[] O bacalhau é um peixe lavado e passado a ferro.
[] Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
[] Tempo é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.
[] A bicicleta é um cavalo, mas completamente diferente.
[] O fígado faz muito mal à bebida.
[] A estrela de Belém foi o primeiro anúncio luminoso.


UMA HISTORINHA DO BARÃO, NO ALMANHAQUE PARA 1949

No consultório de um psiquiatra houve o seguinte diálogo entre o médico e um novo cliente:
- O que faz o senhor, com respeito à sua vida social?
- Quase nada...
- Não costuma passear acompanhado de uma ou outra garota?
- Nunca.
- Não sente ao menos um desejo de passear com garotas?
- Bem... às vezes...
- E por que não o faz?
- Porque minha mulher não deixa!


Rio Grande do Sul
O MST, SÃO GABRIEL E O DESGOVERNO DO PSDB
[ in Carta Maior ]

sábado, 22 de agosto de 2009

FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
Clique na imagem
para verouvir
o trêiler de
Belinda
(Jean Negulesco, 1948)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2760
Rio, 22 de agosto de 2009

Muita gente, no Brasil e fora do Brasil, emocionou-se com o drama da surda-muda, interpretada por Jane Wyman, que, violentada, ficaria grávida e terminaria por matar o seu agressor. Baseado numa história real, ocorrida no interior dos Estados Unidos na primeira metade do século passado, o filme Belinda, de fato, mobilizou uma série quase interminável de espectadores. Por que seria difefrente em Caicó, quando o Cinema Pax apresentou-o
por volta de 1953?



UMA EXPOSIÇÃO IMPERDÍVEl
O Centro Cultural Banco do Brasil (Rio) apresenta, só até amanhã, uma exposição que recomendamos com entusiasmo: Virada russa. Na mostra, originais de Marc Chagall (na ilustração, com as cores ligeiramente alteradas, o seu Passeio, de 1917), Kandinski, Maliévtch (com o seu famoso Quadrado negro, de 1923), Ródtchenko, Tátlin, Matiúchin. Em outras palavras, a nata da arte russa e soviética, em suas várias tendências, do construtivismo revolucionário a outras manifestações - ou seja, como diz o catálogo, com propriedade, "revelações de uma arte em transgressão".


PARA UM NEGRO
Adão Ventura
[ in Jornal de Poesia ]

para um negro
a cor da pele
é uma sombra
muitas vezes mais forte
que um soco.

para um negro
a cor da pele
é uma faca
que atinge
muito mais em cheio
o coração.


POEMA
Cássio Amaral
[ via O Refúgio, de Sandra Camurça ]

a madrugada
lambe o sono
enquanto o sonho acorda


Para um álbum de fotos
UM BAR É UM BAR É UM BAR
Moacy Cirne

A mitologia de uma cidade - por menor que seja - não se constroi de repente, de um crepúsculo para a aurora, assim como não se constroi uma história da vida urbana apenas com as biografias de suas principais personalidades, de seus agentes culturais consagrados pelas classes dominantes, de seus monumentos arquitetônicos. O que dizer dos populares, dos trabalhadores e também dos loucos e dos boêmios que a fazem pulsar na memória afetiva de seus habitantes? O que dizer daqueles que, marcados pela mais pura insubordinação social, colocam-se à margem da margem, sempre e sempre?

O que dizer da história de um bar? Ou melhor: o que seria de uma cidade sem pelo menos um bar-referência, sem pelo menos um bar-emblema, sem pelo menos um bar-empolgação? Um bar capaz de reunir, através dos tempos, quer etilícos, quer rotineiros, figuras memoráveis? Um bar capaz de ser a soma de causos e mais causos? E Ferreirinha, em Caicó, é mais do que um bar conhecido desde 1959: é um buteco. Dos melhores. Dos mais envolventes. Dos mais representativos. Há bares metidos a besta e bares "da gente", há botecos pseudopopulares e butecos que são de todos nós.

Neste sentido, um álbum com fotos de um dado bar (como o de Ferreirinha, por ex., e que não é metido a besta), contando a sua história, recontando as suas emoções mais dionisíacas, registrando seus clientes, é mais do que "um retrato na parede", do que um livro de simples recordações inertes e/ou passivas. É um acontecimento social, em sendo um fato cultural. É um acontecimento plural, em sendo um fato editorial. A rigor, no caso presente, é uma acontecência etilicamente substantiva: e se "viver é muito perigoso", beber é muito saudável. Quando se sabe beber, bem entendido.

É assim que um registro fotográfico, amadorístico ou não, artístico ou não, arretado ou não, pode adquirir sustança memorialística. Não importa se o registro de um grande evento - do social ao esportivo, do estético ao político -, ou se o registro de alguns amigos reunidos em torno de uma mesa de bar. Um registro é um registro: tem sua significação simbólica, sua história por trás da história, sua leitura particular. Decerto Caicó já teve seu grande cronista fotográfico (José Azelino, dos anos 20 ao início dos anos 50), mas o campo da imaginação fotográfica concretiza-se pelos mais variados caminhos.

E eis que os irmãos Pituleira, radialista, e Roberto Fontes, jornalista, que sabem beber, que sabem organizar, que sabem divulgar, que sabem festejar, oferecem - através de imagens - 50 anos de história: a história do simpático e atraente Bar de Ferreirinha. O mesmo Ferreirinha que, flamenguista fanático, tinha um irmão vascaíno, o amigo Celso Moraes, pessoa da melhor qualidade humana. O mesmo Ferreirinha que, aos 80 anos, ainda é capaz de ter olhos amorosos para as mulheres que frequentam a Praça da Matriz e a Praça da Liberdade. E outras praças. E outras viagens. E outras miragens.

São fotos que dizem da alegria do caicoense. São fotos que dizem da simpatia de Ferreirinha. São fotos que, quase sempre sem maiores "pretensões artísticas", documentam 50 anos da história de um bar. Já imaginaram como era Caicó em 1959? E nos anos seguintes? Era uma cidade que fazia do seridoísmo a sua energia mais vibrante. Comos antes, nos anos 40. E também nos anos 30. E também nos 20. Ou bem antes. Ou como hoje, apesar de tudo, é capaz de fazê-lo. Não é por acaso que ainda somos capazes de vibrar com a sangria do Itans. Com a Festa de Sant'Ana. Com uma cerveja bem gelada.

E assim é, e assim será. Quando a história e a mitologia se encontram há todo um espaço socializante aberto para a antropologia cultural. No caso presente, para a antropologia dos bêbados que compõem o universo etilíco-dionisíaco do Bar de Ferreirinha, em pleno sertão seridoense da Cidade de Caicó.

Um brinde para todos! Ferreirinha, seus clientes e seus amigos fazem por merecê-lo.