domingo, 31 de janeiro de 2010

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
Clique na imagem
para verouvir os dez minutos iniciais
do filme alemão
M, o vampiro de Dusseldorf
(Fritz Lang, 1931)
"Embora tenha feito filmes importantes, inclusive em Hollywood, não resta dúvidas que M... é o maior de todos. E dos maiores do cinema. Na enquete que Moacy Cirne promoveu recentemente no seu Balaio Vermelho, consultando mais de 60 cinéfilos sobre os 20 maiores filmes de todos os tempos, o de Lang figurou entre eles, recebendo, inclusive, o voto do cineasta Luiz Rosemberg Filho (Assuntina das América). É o seu primeiro filme falado. Ele levou quatro anos para aderir ao som, e, nesse período, realizou dois filmes mudos. Esse fato, contudo, não indica uma atitude misoneísta de Lang em relação à inovação técnica; inclusive, não se sabe de nenhuma opinião dele desfavorável ao emprego do som. Ao contrário de René Clair e, principalmente, de Chaplin, Lang viu certamente no som mais um recurso à disposição para os fins pretendidos; e se não o experimentou na primeira hora é porque, talvez, tivesse preferido antes avaliar as suas potencialidades para, então, usá-lo como um elemento que servisse à linguagem. E de fato em M... o som foi utilizado de uma forma não apenas criativa, mas, para a época, revolucionária."
(Francisco SOBREIRA, in Luzes da Cidade)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2918
Rio, 31 de janeiro de 2010

Penso que quando se tem uma teoria sobre qualquer coisa já se está morto. Não tenho tempo para pensar em teorias. Devem-se criar emoções, não criar a partir de regras.
(Fritz LANG, in Entrevista para o Cahiers, setembro 1959,
cf. A política dos autores, ed. port. 1976)


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 35 / 43 )

A política dos autores (Entrevistas com cineastas, ed. port. 1976)
Enquanto agonizo (Faulkner, 1930)
Uma centena de poemas (Dickinson, ed. bras. 1985)
Poema sujo (Ferreira Gullar, 1975)
Cândido ou O otimismo (Voltaire, 1759)
A vida e as opiniões de Tristram Shandy (Sterne, 1759-67)
Os frutos da terra (Gide, 1947)
Sidarta (Hesse, 1922)
O homem sem qualidades (Musil, 1933)
Desonra (Coetzee, 1999)


NINFOMANÍACA
Sandra Terra
[ in Antolorgia, 1984 ]

trepo com tudo
e com todos
tarada por opção
gozo gozo gozo
e nunca perco o tesão


FILMES FUNDAMENTAIS
dos anos 30
segundo a leitura crítico-afetivo-libertinária de
Moacy Cirne

[ 1 ]

1. Um dia no campo (Renoir, 1936)
2. A regra do jogo (Renoir, 1939)
3. Entusiasmo (Vertov, 1930)
4. A grande ilusão (Renoir, 1937)
5. M, o vampiro de Dusseldorf (Lang, 1931)
6. No tempo das diligências (Ford, 1939)
7. A mocidade de Lincoln (Ford, 1939)
8. Luzes da cidade (Chaplin, 1931)
9. A terra (Dovjenko, 1930)
10. Levada da breca (Hawks, 1938)
11. O homem de Aran (Flaherty, 1934)
12. Atalante (Vigo, 1934)

[ 2 ]

O Anjo Azul (Sternberg, 1930)
Sangue de um poeta (Cocteau, 1930)
Tabu (Murnau, 1931)
A cadela (Renoir, 1931)
Limite (Mário Peixoto, 1931)
Que viva México! (Eisenstein, 1932)
Boudou salvo das águas (Renoir, 1932)
Toni (Renoir, 1934)
Quermesse heróica (Feyder, 1935)
Tempos modernos (Chaplin, 1936)
Pépé, le Moko / O demônio da Argélia (Duvivier, 1937)
Do mundo nada se leva (Capra, 1938)
An optical poem (Fischenger, 1938), curta/abstração
O mágico de Oz (Fleming, 1939)

[ 3 ]

A idade de ouro (Buñuel, 1930)
Sem novidades no front (Milestone, 1930)
Viva a liberdade (Clair, 1931)
Frankenstein (Whale, 1931)
Drácula (Browning, 1931)
Scarface, a vergonha de uma nação (Hawks, 1932)
O fugitivo (LeRoy, 1932)
Vampiro (Dreyer, 1932)
Ganga bruta (Humberto Mauro, 1932)
Monstros (Browning, 1932)
Terra sem pão (Buñuel, 1932), curta
Zero em comportamento (Vigo, 1932), curta
Duck soup / O diabo a quatro (McCarey, 1933)
Êxtase (Machaty, 1933)
Três cantos sobre Lênin (Vertov, 1934)
O delator (Ford, 1935)
Fúria (Lang, 1936)
Alexander Nevsky (Eisenstein, 1937)
As aventuras de Robin Hood (Curtiz & Keighley, 1938)
Anjos de cara suja (Curtiz, 1938)
A besta humana (Renoir, 1938)
Paraíso infernal (Hawks, 1939)
O morro dos ventos uivantes (Wyler, 1939)
Trágico amanhecer (Carné, 1939)
Ninotchka (Lubitsch, 1939)
Filhos do deserto (Seiter, 1939)


[ No próximo domingo: Os filmes fundamentais dos anos 40 ]

sábado, 30 de janeiro de 2010

Clique na imagem
para verouvir o trêiler de
A costela de Adão

(George Cukor, 1949)
Spencer Tracy e Katharine Hepburn estão ótimos nesta deliciosa comédia romântica dos anos 40: um casal de advogados (ela, defendendo uma esposa traída que tentara matar o marido [Judy Holliday, na foto acima]; ele, atacando-a no processo jurídico estabelecido por lei) em atrito permanente, ou quase. A canção 'Farewell, Amanda', que fez bastante sucesso na época, foi escrita pelo famoso Cole Porter especialmente para o filme.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2917
Rio, 30 de janeiro de 2010

... no tempo do cinema mudo, a montagem evocava o que o realizador queria dizer; em 1938, a decupagem descrevia; hoje [1950], enfim, podemos dizer que o diretor escreve diretamente em cinema. A imagem - sua estrutura plástica, sua organização no tempo -, apoiando-se num maior realismo, dispõe assim de muito mais meios para infletir, modificar de dentro a realidade. O cineasta não é somente o concorrente do pintor e do dramaturgo, mas se iguala enfim ao romancista.
(André BAZIN. O cinema, ed. bras. 1991)


OS MELHORES FILMES VISTOS EM JANEIRO
( Cotações: de * [Bom] a *** [Excelente] )

Satantango *** (Tarr, 2006), em casa
A tomada do poder por Luís XIV *** (Rossellini, 1966), em casa
Muito cedo, muito tarde *** (Straub & Huillet, 1982), em casa
Decálogo, 2 ** (Kieslówski, 1988), no CCBB
Decálogo, 3 ** (Kieslówski, 1988), no CCBB
Ervas daninhas ** (Resnais, 2009), no Arteplex
Legião invencível ** (Ford, 1949), em casa
Diário de Sintra ** (Paula Gaitán, 2007), no Arteplex
Abraços partidos * (Almodóvar, 2009), no Espaço de Cinema

Revisões mais importantes

As férias do Sr. Hulot *** (Tati, 1953), em casa
Acossado *** (Godard, 1959), na Caixa
O desprezo *** (Godard, 1963), na Caixa
Conto de outuno *** (Rohmer, 1998), em casa
Conto de inverno *** (Rohmer, 1992), em casa
Pauline na praia *** (Rohmer, 1983), em casa
A inglesa e o duque *** (Rohmer, 2001), em casa
Conto de verão *** (Rohmer, 1996), em casa
A marquesa d'O *** (Rohmer, 1976), em casa
O raio verde *** (Rohmer, 1986), em casa
Menilmontant *** (Kirsanoff, 1926), em casa
Amor à tarde ** (Rohmer, 1972), em casa
O joelho de Claire ** (Rohmer, 1970), em casa
Os homens preferem as louras ** (Hawks, 1953), em casa


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 33 / 43 )

O cinema (Bazin, ed. bras. 1991)
A rampa; Cahiers du Cinéma (Daney, ed. bras. 2007)
Bloodstar (Corben, 1976)
Um contrato com Deus (Eisner, 1978)
A cidade antiga (Coulanges, 1864)
O ramo de ouro (Frazer, 1890)
História da Antropologia (Boas, 1904)
A linguagem e o pensamento (Piaget, 1923)
Os 100 melhores contos de humor da literatura universal
(Flávio Moreira da Costa, 2001)
Almanhaque, 1, 2 e 3
(Aparício Torelly, o Barão de Itararé, 1949-55)


RECORDANDO O BARÃO DE ITARARÉ
[ in Almanhaque, 3, 2° semestre 1955 ]

O golpe
(Texto sob cartum: um cinquentão, careca,
e uma jovem aparentando 19-20 anos, ambos numa praia:)
- Senhorita, além de arquimilionário, ainda sou portador de um bruto distúrbio cardiovascular. Proponho-lhe, agora, solenemente, ser minha viúva, mas tudo dentro dos princípios constitucionais...

O dilúvio
A história é mais ou menos conhecida. Choveu quarenta dias e quarenta noites sem parar, sem uma folga. As águas subiram tanto que toda a terra ficou alagada e, como consequência lógica da tremenda inundação, morreram, mais ou menos afogados, todos os homens e todos os animais que não conseguiram tomar passagem na arca de Noé.
Agora, que já se passaram tantos séculos depois do terrível cataclisma, parece que ninguém poderá leval a mal esta pergunta:
- Que foi feito dos peixes?

Ladrões de automóveis
Um jornal americano publicou uma queixa levada a
uma delegacia de polícia:
- "Efetuando algumas compras, deixei meu auto na rua. Na minha volta, verifiquei que os ladrões levaram uma guitarra, 2 quilos de carne, 10 maços de cigarros e 8 pares de meias.
P.S. - Meu marido, que estava no carro, igualmente desapareceu".

Máximas
(ao pé da página)

Juramento é a mais solene e grave das mentiras
Boate é uma gafieira metida a besta
Nem tudo mel nem tudo fel
Cada um dança com as pernas que tem
Quem tem saúde de ferro pode um dia enferrujar
Para este mundo ficar bom, é preciso fazer outro
Não há amor sem beijo nem goiabada sem queijo
Há mulheres que amam um só homem. Um só de cada vez
- e mais, muito mais -
(Clique aqui para ver Máximas dos outros Almanhaques)


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 34 / 43 )

História da Filosofia (Châtelet, org., 1973)
A galáxia de Gutemberg (McLuhan, 1962)
Moisés e o monoteísmo (Freud, 1939)
A invenção de Deus (Armstrong, 1991)
Cantos (Pound, 1919-70)
Folhas de relva (Whitman, 1855)
A sangue frio (Capote, 1966)
Trópico de câncer (Miller, 1934)
Fogo morto (José Lins do Rego, 1943)
Bordel Brasilírico Bordel (Jomard Muniz de Britto, 1992)


Fragmento inicial d'
O BURACO SOMOS NÓS
Jomard Muniz de Britto
[ in Bordel Brasilírico Bordel, 1992 ]

o buraco é veroz como a vida severina
e outras anônimas, te re si nas.
o buraco é o vazio mais pleno,
zen e sem.
o buraco sugere e supera todas as contradições
do homem brasileiro, latinoamericano, terceiro
mundista e outras menos famosas e fesceninas.
o buraco incomoda como o cão sem plumas,
o poema sujo, o olhar santiago, a maçã no escuro,
vampiro vampirizado pelo im-próprio talento.
o buraco é o processo mais experimental
de todos os bruxos e brinquedos de morte.
o buraco é o nosso teto, texto, terremoto
como projétil de vida, pornochanchadeiro,
tal e qual pre-vista patética dos pregressos,
frevo e merengue na beira dos mangues,
maracatu de mariaparecida no cume dos morros,
anjo avesso pelas avenidas do mundo.
...

A FOTO DA SEMANA
Haiti, depois do terremoto:
mulher, desesperada, implora por ajuda alimentícia
Foto:
Ramon Espinosa / AP

[ Clique na imagem para ampliá-la ]

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Uma Olímpia moderna
(1872-73)
Paul Cézanne


BALAIO PORRETA 1986
n° 2916
Rio, 29 de janeiro de 2010

Esse quadro [Uma Olímpia moderna] guarda ainda uma forma romântica, mas a visão impressionista se revela através do jogo de cores luminosas e vibrantes. A obra traduz uma certa intenção irônica, não para com Manet, em quem Cézanne se inspirou, mas para com o próprio romantismo, que limitou seus passos durante anos. O homem representado em frente a Olímpia é, provavelmente, o próprio autor.
(Nina RIZZI, in Ellenismos, em 9 de novembro de 2009)


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 29 / 43 )

Cartas sobre Cézanne (Rilke, 1907)
O paraíso de Cézanne (Sollers, 1995)
Uma temporada no inferno (Rimbaud, 1873)
Iluminações (Rimbaud, 1874)
Para ser caluniado (Verlaine, trad. bras. 1985)
Festas galantes (Verlaine, 1869)
Rimbaud livre (Augusto de Campos, 1992)
El problema de la legua poética (Tinianov, trad. esp. 1972)
Um lance de dados (Mallarmé, 1897)
Poesias (Mallarmé, 1899)

A carne é triste, sim, e eu li todos os livros.
Fugir! Fugir! Sinto que os pássaros são livres.
(Stéphane MALLARMÉ, in Brisa marinha, cf.
Poesias, trad. A. de Campos)


IMPROVÁVEL
Nydia Bonetti
[ in Longitudes ]

outra vez estendo meus braços
e tento
tento tento tento tocar

- não posso

cada vez mais tudo se distancia

- e a vida

que sempre me pareceu
intangível
agora - me parece improvável


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 30 / 43 )

Belo Belo (Manuel Bandeira, 1948)
Vaga música (Cecília Meireles, 1942)
Jeremias sem chorar (Cassiano Ricardo, 1964)
Pauliceia desvairada (Mário de Andrade, 1922)
Paulisseia ilhada - Sonetos tópicos (Glauco Mattoso, 1999)
Antologia poética (Castro Alves, org. 1975)
Palavra (Armando Freitas Filho, 1963)
Anatomias (José Paulo Paes, 1967)
Obras em dobras (Sebastião Uchoa Leite, 1988)
O livro da agonia (Hildeberto Barbosa Filho, 1991)


TOCATA EM FUGA
Hildeberto Barbosa Filho
[ in O livro da agonia, PB, 1991 ]

Minhas mãos
não alcançam o silêncio
das manhãs.

O dia escorre,
torto,
pelos meus dedos.

O mundo,
matéria prima,
não me é dado retê-lo

e vai e se esvai
pelo meu olho adentro
como a agonia de um camelo.


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 31 / 43 )

O apanhador no campo de centeio (Salinger, 1951)
Nove histórias (Salinger, 1953)
Curso de linguística geral (Saussure, 1915)
Totem e tabu (Freud, 1913)
A função do orgasmo (Reich, 1926)
Ideologia e utopia (Mannheim, 1929)
O novo espírito científico (Bachelard, 1934)
Os princípios da psicologia das formas (Koffka, 1935)
Coleção da Revista da Antropofagia (SP, 1928)
Coleção da revista Senhor (RJ, 1959-64)


BRANCO
Dade Amorim
[ in Inscrições ]

sete palmos de silêncio
nas planícies da memória

histórias nuvens ao vento

sem nome nem endereço
começos em andamento
perdidos num chão sem rastros
no mastro sem documentos
a palma da mão sem traços

uma canção que não canta
sem letra nem partitura
dói como uma cicatriz


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 32 / 43 )

Insônia (Graciliano Ramos, 1947)
Em liberdade (Silviano Santiago, 1981)
Desabrigo (Antônio Fraga, 1945)
Pour Marx (Althusser, 1965)
A arqueologia do saber (Foucault, 1969)
Tristes trópicos (Lévi-Strauss, 1955)
Eros e civilização (Marcuse, 1955)
História do marxismo, 9 (Hobsbawn, org., ed. bras. 1987)
Índios do Açu e Seridó (Olavo de Medeiros Filho, 1984)
Antologia da alimentação no Brasil (Câmara Cascudo, 1977)


LUAS
Iara Maria Carvalho
[ in Mulher na Janela ]

põe-me no ventre
coisas miúdas
e castanhas

que te absolvo
do linho rasgado.


CORTE RECORTE ATALHO RETALHO
Betina Moraes
[ in Sensytiva ]

Costura a boca
Tecido de pele
Sobre as veias
A língua agulha.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Enchente em São Paulo
Foto:
Sérgio Neves / AE


BALAIO PORRETA ESPECIAL
n° 2915
Rio, 28 de janeiro


LÁGRIMAS DE SÃO PAULO
Marcius Cortez
[ Escritor, RN / SP ]

Aqui perto de onde moro, no bairro da Consolação, em S. Paulo, há uma vila de sobrados geminados e, na garagem de um deles, o proprietário abrigou uma família que perdeu tudo por causa das chuvas que castigam a maior capital do país. Contei: uma mulher, três crianças e dois homens dormindo no chão, às seis da manhã do dia 25 de janeiro. Mais tarde, por volta das nove horas, passei outra vez por lá. As crianças me pediram dinheiro e então as convidei para um lanche na padaria. O menorzinho deles perguntou se podia chamar a mãe: Pode, disse eu. No balcão da Bela Pão, falei para o Reginaldo atender os pedidos daquela família.

Com exceção do caçula que puxava conversa comigo, ninguém mais queria papo e era visível um certo nervosismo entre eles. Reginaldo e o Gordo foram trazendo as vitaminas, os sanduíches, os sucos, as médias de café com leite, os iogurtes, o pão com manteiga. Comemos em silêncio. Quando levantei o rosto, observei que a mulher tinha lágrimas nos olhos. Tomei coragem e não desviei meu olhar. Fiz questão que aquela senhora visse que eu estava espiando ela chorar. Dona Célia me dirigiu a palavra, pela primeira vez: O senhor pegou a confusão?

Dei de ombros: Que confusão, minha senhora? Acabando de mastigar um pedaço de pão de queijo, a mãe dos meninos aumentou a voz: Os moradores da vila fizeram um abaixo-assinado pra gente ir embora. Indaguei a ela: E o dono da casa aceitou? Emocionada, Célia declarou que os moradores podem chamar a Polícia, mas que na casa dele quem manda é ele e que ninguém vai embora não. Injetando esperança no pessoal, comentei: Tenho certeza que vocês vão sair dessa para uma melhor. A criança mais velha abriu um discreto sorriso. Pedi a conta, enfiei uma nota de dez no bolso do pixote e nos despedimos.

À noite, por volta das 22 horas, retornei à vila e verifiquei que a família permanecia acampada na garagem da mesma casa. Os desabrigados talvez não estivessem dormindo, talvez estivessem apenas deitados, pescando o sono.

Quando fui saindo da vila, vi um carro da Polícia entrando na ruazinha. O motorista diminuiu a marcha, parou o automóvel e os soldados ficaram olhando para o pessoal, olhando, olhando... Não falaram nada e partiram. Começou a intimidação, pensei.

No caminho até o prédio onde moro, encontrei o Pernambuco, o segurança que faz a ronda noturna em nosso quarteirão. Ele me confirmou que a Polícia tá passando direto lá. Por curiosidade, quis saber quem era o cidadão que acolhera os novos sem teto da nossa cidade: O senhor conhece, seu Márcio, é aquele cabeludão, só um maluco mesmo, aquele pessoal, seu Márcio, é tudo invasor. O cara vai se dar mal, quero ver ele se livrar desse bando de vagabundo... Fitei o Pernambuco bem dentro dos seus olhos, desejei-lhe uma boa noite e me retirei.

Naquele momento senti toda a ciência social que aprendera com meus mestres Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Ruy Coelho na velha Faculdade da rua Maria Antônia, sumir do meu cérebro. Acalentei essa sensação. Pouco importava entender aquilo pelo viés da sociologia, da dialética, do estruturalismo, de que diabo fosse.

Óbvio, tive uma noite de cão. Foi um tormento atravessar aquela cordilheira de dor.

Não consegui pensar em mais nada. Logo a água subiu e eu me vi em cima do telhado da minha casa, ilhado, náufrago como toda a minha cidade. A São Paulo onde outrora fui feliz fora tragada pela vingança da natureza. Não acredito que meus netos, paulistanos, viverão numa metrópole civilizada. Com o Tietê limpo, com espaço para o rio se infiltrar quando chegar a época das enchentes, com o transporte coletivo no lugar do transporte individual, com um trânsito que anda, com a população consciente de como deve tratar o lixo, com políticos responsáveis que tenham um projeto para a cidade e que descartem obras eleitoreiras, faraônicas e apressadas, com ar puro, árvores e flores. Não acredito que essa sociedade tão desigual e tão mal informada possa se unir em torno de uma mudança radical que coloque o progresso a serviço de todos e não apenas das classes sociais mais privilegiadas.

À mercê de uma insônia sufocante, fiquei de pé, no meio da sala do meu apartamento a olhar para a cesta de alimentos que deixara perto da porta, cesta que no dia seguinte iria levar para aqueles adultos e para aquelas crianças. Isso era a única coisa que me acalmava, me acalmava pensar que ouviria de novo, o menor de todos me dizer com a sua voz de esperança: Muito obrigado por tudo que o senhor está fazendo por nós.


Clique na imagem
(xilogravura do paraibano
Ciro Fernandes)
para verouvir,
na voz de Francisco Aafa
- em interpretação absolutamente antológica -,
Arrumação,
uma das obras-primas de
Elomar :
jóia rara da música brasileira
de todos os tempos


BALAIO PORRETA 1986
n° 2914
Rio, 28 de janeiro de 2010

A xilogravura - a arte de gravar em madeira - é a "alma gráfica" do artista nordestino. E pelo menos desde 1907, sobretudo a partir dos anos 30, tem sido o suporte visual das capas dos folhetos de cordel. Neste particular, grandes nomes têm se destacado, como J. Borges, Abraão Batista, Dila (José Soares da Silva), Franklin Maxado, Minelvino Silva. Ou, atuando na área das artes plásticas, Ciro Fernandes. Mas, diretamente através do cordel, ou fora dele, outros nomes têm se imposto. É o caso de Stênio Diniz.
(Moacy Cirne, 2010)


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 27 / 43 )

Romance do Pavão Misterioso
(João Melquíades Ferreira da Silva, 1932)
Peleja do Cego Aderaldo com Zé Pretinho
(Firmino Teixeira do Amaral, 1916)
Proezas de João Grilo
(João Martins de Athayde, 1951)
Literatura de cordel - Antologia
(Ribamar Lopes, org., 1972)
Processo: linguagem e comunicação (Pino, 1971)
Poesia (Villon, org. Sebastião Uchoa Leite, 2000)
Poesias escolhidas (Púchkin, org. José Casado, 1992)
O coronel de Macambira (Joaquim Cardozo, 1963)
Lanterna mágica (Crepax, 1979)
Construtivismo - origens e evolução (Rickey, 1967)

Nota:
No cordel, antes de João Martins de Athayde
João Ferreira Lima versou sobre o mesmo tema (João Grilo).


POEMA OBLÍQUO
Marcelo Novaes
[ in O Lugar que Importa, 2007 ]

Oblíqua é a chicotada
de vento, e a saudade
que se inclina como
filamento de
lamparina, a
esmaecer
esmaecer.

Oblíquo é o voo da linha
sem peso, e o choro que
se espreme como uma nota triste,
sem pemissão para aliviar-se.

Obíquo é o fantasma errante
a carregar um fiapo de luz,
no lugar do coração.


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 28 / 43 )

Psicologia da composição (João Cabral, 1947)
Broquéis (Cruz e Souza, 1893)
Caprichos & relaxos (Paulo Leminski, 1983)
Concerto a céu aberto para solos de aves (M. de Barros, 1993)
Diário de um ladrão (Genet, 1949)
Mitologias (Barthes, 1957)
O ser e o nada (Sartre, 1943)
Rumo à Estação Finlândia (Wilson, 1940)
Sexualidades ocidentais (Foucault & outros, 1982)
História da Revolução Francesa (Michelet, 1846-53)


SERPENTE DE CABELOS
Cruz e Souza
[ in Broquéis, 1893 ]

A tua trança negra e desmanchada
por sobre o corpo nu, torso inteiriço,
claro, radiante de esplendor e viço,
ah! lembra a noite de astros apagada

Luxúria deslumbrante e aveludada
através desse mármore maciço
da carne, o meu olhar nela espreguiço
felinamente, nessa trança ondeada.

E fico absorto, num torpor de coma,
na sensação narcótica do aroma,
dentre a vertigem túrbida dos zelos.

És a origem do Mal, és a nervosa
serpente tentadora e tenebrosa,
tenebrosa serpente de cabelos!...


[POEMA]
Paulo Leminski
[ in Caprichos & relaxos, 1983 ]

objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo

seja a estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza

faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
ou de nós dois
seja


FEIRA DE CITAÇÕES ESPORRENTAS

Deus inventou o mundo e o diabo o arame farpado,
(Glauber Rocha)
Não existem mulheres frígidas, apenas mal esquentadas.
(Albertina Duarte)
Nenhum homem é rico o bastante para comprar seu passado.
(Oscar Wilde)
Todo homem tem o sagrado direito de ser imbecil por conta própria.
(Ivan Lessa)
O homem perde o seu sendo de direção depois de quatro drinques;
a mulher, depois de quatro beijos.
(H.L. Mencken)


VIRGOLINO
Jarbas Martins
a Manoel Onofre Jr.

A estrela como um ultraje no chapéu.
Já não bastava? Em sua carne fria
trazia assinalado outro troféu:
a morte, essa jocosa companhia.

No horizonte de pedra e cascavel
pressagiava, ao sol, o irado Dia;
mais aquém, as pegadas de Lusbel
que o seu único olho entrevia.

Acovardado, sim. Mas que esperto!
Adotara o punhal, o chão deserto,
o rosário, o bornal e a quizília.

Esconjurava a noite e a quadrilha
dos remorsos. Mas Deus (que é santo velho)
decretou a irrisão como evangelho.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010


Verão índio
(1983)
Hugo Pratt & Milo Manara


BALAIO PORRETA 1986
n° 2913
Rio, 27 de janeiro de 2010

O encontro de Pratt com Manara, dois mestres dos quadrinhos italianos, só poderia resultar numa obra-prima da arte sequencial do século XX. Foi o que aconteceu com Verão índio, em 1983, assim como aconteceria depois com O gaúcho. E se é verdade que as mulheres de Manara adquirem certas expressões repetitivas em seu maneirismo estilístico, também é verdade que são sinuosas o suficiente para darem "vida gráfica" a histórias quase sempre de alto nível erótico-temático, eventualmente de corte metalinguístico.
(Moacy Cirne, 2010)


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 25 / 43 )

Do contrato social (Rousseau, 1762)
Novum Organum (Bacon, 1620)
Sandman - Noites sem fim (Gaiman & outros, 2003)
Verão índio (Pratt & Manara, 1983)
31 poetas, 214 poemas (D. Pignatari, org., 1996)
Obras poéticas (Bocage, 1812)
Mais provençais (Augusto de Campos, trad., 1987)
Antologia de textos medievais (José Pereira Tavares, org., 1957)
Lautréamont (Bachelard, 1939)
Os cantos de Maldoror (Lautréamont, 1869)


LAUTRÉAMONT
por
Gaston Bachelard
(Trad. Maria Isabel Braga)

O ser ducassiano não digere, ele morde; para ele a alimentação é morder. O querer-viver, aqui, é um querer-atacar. Nunca adormece, nunca se encontra na defensiva, nunca fica saciado. ... Comparado a Lautréamont, como Nietzsche é lento, como é tranquilo, como se mostra familiar com a sua águia e a sua serpente. O primeiro move-se com passos de dançarino, o outro em saltos de tigre!


LAUTRÉAMONTÍSSIMO
Moacy Cirne

Provavelmente, na história da literatura ocidental não existe nada mais "subterrâneo" ou "repelente", em sua amargura existencial autodestrutiva, do que Os cantos de Maldoror, de Lautréamont, publicado em 1869: porrada pura. Um soco no estômago de tal modo violento que a sua leitura não é para qualquer um, sobretudo aqueles mais sensíveis. Não há, inclusive, sequer como classificá-lo dentro dos padrões literários conhecidos. Prosa poética? Só se for como uma prosa poética que renega a poesia, a emoção pensada de forma "tradicional", ou mesmo qualquer sentido de humanismo ou humanidade. Um livro que vai além do livro, que vai além da literatura, até por que não tem uma "história" no sentido comum do enredo. E mais ainda: que vai além do próprio desespero, com suas perversões e crueldades inimagináveis. Um livro único escrito com sangue, suor e porra. Se o Demônio existisse, diríamos que Maldoror seria de sua autoria. Ou seja, uma obra-prima.


Três fragmentos d'
OS CANTOS DE MALDOROR
(Trad. Claudio Willer)

Do Canto Primeiro
(4)
Há quem escreva em busca dos aplausos humanos, através das nobres qualidades do coração que a imaginação inventa ou que eles podem ter. Quanto a mim, faço que meu gênio sirva para pintar as delícias da crueldade!
(7)
Eu fiz um pacto com a prostituição, afim de semear a desordem entre as famílias.

Do Canto Quarto
(4)
Estou sujo. Os piolhos me roem. Os porcos, quando me olham, vomitam. As cistas e as pústulas da lepra, escamaram a minha pele, coberta de pus amarelado. Não conheço a água dos rios, nem o orvalho das nuvens. Sobre minha nuca, como sobre um monte de esterco, cresce um enorme cogumelo, com seus pedúnculos umbelíferos.


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 26 / 43 )

Era dos extremos (Hobsbawm, 1994)
Marxismo e forma (Jameson, 1971)
200 crônicas escolhidas (Rubem Braga, 1978)
Ecce homo (Nietzsche, 1908)
Diário (Kafka, 1883-1924)
Contos de Canterbury (Chaucer, 1478)
Tartufo (Molière, 1664)
Esperando Godot (Beckett, 1955)
O jardim das cerejas (Tchekov, 1999)
O rinoceronte (Ionesco, 1958)


Memória 1981
MANIFESTO ANTROPOFÁLICO
TROPICALINDO TOUCHEZUDO
Antônio Carlos Lucena / Touché
[ in Antolorgia, 1984 ]

1. Contra a arte bem comportada, pela putaria poética
2. Pelo tesão irrestrito de criar livremente
3. A impotência na arte gera mediocridasde
4. Contra a ejaculação precoce na poesia
5. Pela ereção contínua do cacete criativo
6. Pela penetração total do poemapornô no seio do povo
7. Penetrar em todos os buracos e frestas da realidade
8. Pelo uso generalizado da língua
9. Contra a poesia e a trepada sem sabor
10. Pelo orgasmo total da poesia e da vida

(São Paulo, março de 1981)

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Olinda (em primeiro plano) e Recife
Foto:
Alex Gurgel
[in
Grande Ponto ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2912
Rio, 26 de janeiro de 2010

Os amantes atuais reconstituem ... o ensinamento mais seguro e mais profundo do erotismo dos trovadores segundo o qual o pior dos crimes é um crime contra o amor, é fazer amor sem amor.
(Jacques SOLÉ. Os trovadores e o amor-paixão,

in Amor e sexualidade no Ocidente, 1984)


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 23 / 43 )

Amor e sexualidade no Ocidente (Solé & outros, 1984)
O erotismo (Bataille, 1957)
Estatismo e anarquia (Bakunin, 1873)
As bases sociais da questão feminina (Kollontai, 1909)
Fausto (Goethe, 1808)
A luta corporal (Ferreira Gullar, 1954)
Poemas escolhidos (Gregório de Matos, ed. 1976)
Sonetos luxuriosos (Aretino, 1525)
Uns fesceninos (Oswaldo Lamartine de Faria, org. 1970)
Era uma vez Eros (Nei Leandro de Castro, 1993)


MUSA DE VERÃO
Nei Leandro de Castro
[ in Era uma vez Eros, 1993 ]

Quero uma musa
nada obtusa
Que tenha os peitos
perfeitos de menina moça
e acima dos quadris
aquelas duas pequenas poças.
Uma musa que saia
do mar de verão
como uma deusa
de anúncio de televisão.
Quero uma musa moderninha
que não faça questão
de ser só minha.
Que no gozo gema tão forte
que dê a impressão
dos estertores da morte.
Quero uma musa na medida
exata, na escala
do falo e da fala.


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 24 / 43 )

Minima moralia (Adorno, 1944-47)
O Príncipe (Maquiavel, 1513)
Marxismo e luta de classes (Eric Sachs, 1987)
Cadernos da prisão (Gramsci, 1929-37 [1948])
A revolução traída (Trotski, 1936)
O homem revoltado (Camus, 1951)
Crítica da razão dialética (Sartre, 1960)
Morfologia do conto (Propp, 1928))
Cinema e verdade (Francisco Luiz de Almeida Salles, 1988)
Um filme é um filme (José Lino Grunewald, 2001)


Memória 1960
OS DEZ MELHORES FILMES EXIBIDOS NO RIO EM 1960
segundo
José Lino Grunewald
[ in Um filme é um filme, 2001 ]

1. Hiroshima meu amor (Resnais)
2. A doce vida (Fellini)
3. Abismo de um sonho (Fellini)
4. Marcha de heróis (Ford)
5. Homens em fúria (Wise)
6. Onde começa o inferno (Hawks)
7. Os incompreendidos (Truffaut)
8. Noite candente (Fine & Friedkin)
9. Sem saída (Holt)
10. Terra maravilhosa (Parrish)


O PÁSSARO IMPOSSÍVEL
Sônia Brandão

Cortaram-me as asas e a garganta.
Nada esperem de mim.

Sou um pássaro impossível.


Memória 1963
OS DEZ MELHORES FILMES
segundo
Stanley Kubrick
[ in Cinema, USA, 1963 ]

1. Os boas vidas (Fellini, 1953)
2. Morangos silvestres (Bergman, 1957)
3. Cidadão Kane (Welles, 1941)
4. O tesouro de Sierra Madre (Huston, 1948)
5. Luzes da cidade (Chaplin, 1931)
6. Henry V (Olivier, 1945)
7. A noite (Antonioni, 1961)
8. The bank Dick / O turbulento (Cline/Fields, 1940)
9. Pernas provocantes (Wellman, 1942)
10. Anjos do inferno (Hughes, 1930)

[ Informação enviada pelo escritor Marcius Cortez ]


OUTRA VARIAÇÃO, OUTRA
Nina Rizzi
[ in Putas Resolutas ]

em te sonhar fiquei tão santa
que agora pra me comer
só de joelhos.


FELINA
Lau Siqueira
[ cf. Balaio n° 1115, de 13 set 1998 ]

teu corpo
é linguagem pura
frágil refúgio
da minha loucura
metade prazer
metade tortura


POEMA
Chico Doido de Caicó
[ in 69 poemas de Chico Doido de Caicó, 2002 ]

Ai, eu ficava doidinho
Quando Maria Bezerra da Costa
Se danava a puxar os cabelos e a gritar
Eu vou morrer eu vou morrer eu vou morrer
Mal eu enfiava a vara nela.


EM DEFESA DA DEMOCRACIA,
DOS DIREITOS HUMANOS E DA VERDADE

As entidades e militantes dos Direitos Humanos e da Democracia de São Paulo-SP juntam-se ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), rede que reúne cerca de 400 organizações de direitos humanos de todo o Brasil, para manifestar publicamente seu REPÚDIO às muitas inverdades e posições contrárias ao III Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), e seu APOIO INTEGRAL a este Programa, lançado pelo Governo Federal no dia 21 de dezembro de 2009.

Como o MNDH, entendemos que o PNDH 3, aprovado durante a 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos (2008), é um importante passo no sentido de o Estado brasileiro assumir a bandeira dos Direitos Humanos em sua universalidade, interdependência e indivisibilidade como política pública; expressa avanços na efetivação dos compromissos constitucionais e internacionais com direitos humanos; e resultou de amplo debate na sociedade e no Governo.

Por isto, nenhuma instância do Governo Federal pode alegar ter conhecido esse Programa somente depois do ato do seu lançamento público no dia 21 de dezembro e, menos ainda, afirmar que o assinou sem haver lido, sob pena de mentir no primeiro caso e, no segundo, de acrescentar à mentira um atestado de irresponsabilidade.

As reações contra o PNDH 3 estão cheias de conhecidas motivações conservadoras, além de outras que, pela sua própria natureza, são inconfessáveis em público pelos seus defensores. Estas resistências, claramente explicitadas ou não ao PNDH 3, provam que vários setores da sociedade brasileira ainda se recusam a tomar os direitos humanos como compromissos efetivos tanto do Estado, quanto da sociedade e de cada pessoa. É falso o antagonismo que se tenta propor ao dizer que o Programa atenta contra direitos fundamentais, visto que o que propõe tem guarida constitucional, além de assentar seus alicerces no que é básico para uma democracia, e que quer a vida como um valor social e político para todas as pessoas, até porque, a dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais de nossa Constituição e a promoção de uma sociedade livre, justa e solidária é o objetivo de nossa Carta Política.

[ Leia, no SuperVerme, o texto na íntegra]

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Cartão postal
de origem francesa
[ Primera década do século passado ]
in
Alma Nômade


BALAIO PORRETA 1986
n° 2911
Rio, 25 de janeiro de 2010


Não acredito em horóscopos
Por causa deles
Dei em cima de uma dona
E me estrepei qui nem uma besta
(Chico Doido de CAICÓ)



HORÓSCOPO DA SEMANA

Áries
Evite a melancolia: sonhe com Paris. Ou Caicó.
Prestigie o cinema brasileiro. E o africano.
Leia William Faulkner: Palmeiras selvagens.
Encante-se com a Serra do Mulungu, no Seridó.


Touro
Boa semana para viajar numa máquina do tempo.
Leia Ray Bradbury: Os frutos dourados do sol.
Contemple a poesia do seridoense Miguel Cirilo.
Colecione cartões postais antigos da Europa.


Gêmeos
Exija seus direitos dionisíacos. Leia Bachelard.
Seja pai/mãe mais uma vez. Em São Saruê.
Se mulher, seja atrevida: faça arte com vida.
Relacione-se com pessoas de outras galáxias.


Câncer
Vá ao trabalho de bicicleta. Ou na primeira nuvem do dia.
Mergulhe com vontade no universo de Dostoiévski.
Lute contra qualquer tipo de preconceito.
Veja com olhos livres. Como em Oswald de Andrade.


Leão
É preciso sonhar. Como em Lênin e outros revolucionários.
Conheça o Poço da Bonita, em São José do Seridó.
Tome um porre no Bar de Ferreirinha, em Caicó.
Escute a música de Jacob do Bandolim. E de Elino Julião.


Virgem
Se homem, seja manicaca. Dos bons. Dos mais fiéis.
Mulher, continue sendo devassa; homem, raparigueiro.
Preserve a natureza; confie no horóscopo celta.
Em Natal, vá ao Beco da Lama. E ao Sebo Vermelho.


Libra
Bach ou Couperin? Depende das auroras da semana.
Clarice ou Ursula LeGuin? Escolha as duas para ler.
Tom Zé ou Tom Jobim? Depende dos crepúsculos.
Rossellini ou Visconti? Escolha os dois para ver.


Escorpião
Almanhaque-se com o Barão de Itararé, o Aparício.
Conheça a poesia de Jarbas Martins. E a de Cacaso.
Seja ambientalista; seja historiador; seja escritor.
Escute Schubert. E Nelson Gonçalves. E Sílvio Caldas.


Sagitário
É preciso repetir: nenhuma paixão é impossível.
Sendo assim: nenhum saber é completo.
Repetir é preciso: nenhum Deus é perfeito.
Assim sendo: nenhuma verdade é absoluta.


Capricórnio
No jogo do bicho, faça sua fezinha em onça pintada de azul.
Sorria: você não será filmado(a). Nem fotografado(a).
Que tal uma garapinhada de pinha com sabor de quiquiriquinha?
Leia o Flash Gordon de Raymond. E o Quixote de Cervantes.


Aquário
Viaje para os olhos de Ava Gardner. Ou de Kim Novak.
Na próxima Copa do Mundo, torça pelo Íbis de Recife.
Leia a Carta Capital. E Caros Amigos. Não leia a Veja.
Participe, se assim o desejar, de um baita baião-de-cinco.


Peixes
Embriague-se com os anéis dourados de Saturno.
Alimente-se de manga manhosa. E de abacaxi doidão.
Edite um blogue. Ou um saite. Ou um amor desvairado.
Que tal ouvir Monteverdi: as Vésperas da Virgem?


Serpente
Na próxima sexta, transforme-se em jacaré. Ou lobisomem.
Na próxima quinta, dance uma rumba arretada em Caicó.
Na próxima quarta, vá ao Mercado de Petrópolis, em Natal.
Construa uma bicicleta atrevida, pintada de azuljerimum.

Pequeno glossário para o Horóscopo da Semana:

Serra do Mulungu : Serra em São João do Sabugi, RN
Miguel Cirilo : Poeta de São José do Seridó, RN
São Saruê : Lugar utópico criado por
Manoel Camilo dos Santos, poeta popular, em 1954
Manicaca : Homem que se deixa dominar pela mulher
Garapinhada : Espécie de milque-sheique
Quiquiriquinha [termo de origem sudestina] : Buceta
Baião-de-cinco : Sexo grupal


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 21 / 43 )

Teatro dialético (Brecht, ed. bras. 1967)
Teatro político (Piscator, ed. bras. 1968)
Pantagruel (Rabelais, 1532)
O rei da vela (Oswald de Andrade, 1937)
Bouvard e Pécuchet (Flaubert, 1881)
A volta do parafuso (James, 1898)
O leopardo (Lampedusa, 1958)
O apanhador no campo de centeio (Salinger, 1951)
O homem ilustrado (Bradbury, 1951)
Les spectres de la bande (Rey, 1978)

PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA
( 22 / 43 )

Pequena estética (Bense, 1968)
Antologia (Adília Lopes, ed. bras. 2002)
A sereia e o desconfiado
(Roberto Schwarz, 1965)
La bande dessinée
(Fresnault-Deruelle, 1972)
Seis contos da era do jazz
(Fitzgerald, 1922)
São Bernardo
(Graciliano Ramos, 1934)
Histórias fantásticas
(Casares, 1972)
Ilusões perdidas
(Balzac, 1843)
Dublinenses
(Joyce, 1914)
Emma
(Austen, 1816)


AUTOBIOGRAFIA SUMÁRIA DE ADÍLIA LOPES
Adília Lopes
[ in A pão e água de colônia, 1987 ]

Os meus gatos
gostam de brincar
com as minhas baratas


PROVIDÊNCIA
Hercília Fernandes
[ in HF Diante do Espelho ]

Busco-te....

como quem prende âncora ao mar
como quem cai abismo sem fim
como quem peleja a vagar

sabendo que é trabalho sem termo
se me vens: contemplo, apavoro, esmoreço

porque meu olhar se perdeu no horizonte
e a cegueira, se providência, é límpida, é monte

Busco-te
para me silenciar...

(29 set. 2008)