sábado, 31 de outubro de 2009

FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50

Clique na imagem de
Ava Gardner
para verouvir o trêiler de
As neves de Kilimandjaro
(Henry King, 1952)
Quando o vi em Caicó, em 1955, a África já não era mais a África de Tarzan, mas ainda era um continente moldado pelas lentes equivocadas de Hollywood, mesmo que baseadas em Ernst Hemingway, mesmo que me revelassem a música de Cole Porter e a técnica pianística de Benny Carter, ou mesmo que me mostrassem - mais uma vez - a beleza de Ava Gardner. Claro, tudo aquilo, para mim e para os caicoenses em geral, era muito exótico, a começar pelo drama do escritor interpretado por Gregory Peck. A África é a África: riquíssima, multicultural, plurissocial, bela, contagiante, terra-mãe da humanidade. E Hollywood é Hollywood. Com filtro ou sem filtro.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2828
Natal, 31 de outubro de 2009

Caicó não é uma cidade, é uma pátria.
(François Silvestre de Alencar)


POEMA de
Chico Doido de Caicó

Muitos são doutores em astrologia
Alguns são doutores em politicagem
Outros são doutores em teologia
Vários são doutores em viadagem
Chico Doido é doutor em bucetologia
Os demais são doutores em sacanagem.

Nota:
Amanhã, dia do lançamento do livro-álbum sobre
os 50 anos do Bar de Ferreirinha,

entrevista exclusica com Chico Doido de Caicó,
diretamente do Além
.


EXTREMOS
Nina Rizzi
[ in Putas Resolutas, em 10/07/2008 ]

I- o machista

ela, que é tão sensível,
não sabe do terrível odor de suas entranhas,
que não suporto chupá-la
e odeio ser de companhia?

é como todas
: basta um tapa
uma estocada mais fundo
pra impregnar feito carrapato

II- a femista

ele, que é tão sabichão,
não sabe do seu grotesco suor,
do bafo, do pinto mole,
e que não quero sua companhia?

é como todos
: basta um olhar,
uma língua nos lábios ou mais fundo
pra achar que já sou sua


CANTARES X
Jeanne Araújo


No canto do mundo
Há um doce estranhamento.
Minha pouca vestimenta
É uma grande ameaça
Para quem não fala
Minha estranha língua.
Quem ousa entrar
Na casa dos meus ontens
Sem nojo do meu grito?
Estou à beira de uma palavra
E nada salva
Esta última chama acesa.



AMOR AMORA
Nei Leandro de Castro
[ in Era uma vez Eros, 1993 ]

Me lembro que trazias na boca
o gosto e a cor de uma fruta selvagem:
amor? amora?
Me lembro de tua calcinha
suavemente encharcada
que deixava teu leite
nos meus dedos.
Me lembro do teu beijo
com o exato gosto da amora
e me lembro que eu dizia aos teus ouvidos
todas as palavras que os deuses
permitem a um amante dizer a outro amante
na manchada planície de uma cama.
Me lembro que te lambia,
te mordia, te feria. E não cedias.


LÁBIOS-ESPELHOS LÁBIOS-ESPELHOS
MARIZE CASTRO MARIZE CASTRO
LANÇAMENTO LANÇAMENTO
DIA 5 SICILIANO DIA 5
NO MIDI VAI MAL
18 E TRINTA


PELEJA
Hercília Fernandes
[ in HF Diante do Espelho ]

estou farta de tanta peleja
de tanta manobra à fria mesa
de tanta sobra em falta de gentileza
de tanta humanidade...


ESFINGE
Marcelo Novaes
[ in Prosas Poéticas ]

Desde quando é ouvinte, nem sei. Nem sei desde quando. Mas ouve. E nem é mais o córrego que corre. Os homens vão ao bar quebrar os cascos. Não bebem mais. Você, com seu copo e seu espaço, continua a ouvi-los. Nem sei por que. Mas ouve. E não desiste. Teu ouvido é tato: o mundo, Esfinge.


O BALAIO ADVERTE:
José Agripino Maia, Micarla de Souza e Rosalba Ciarlini
fazem mal à saúde política do Rio Grande do Norte.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Mulher de Cabo Verde
Foto:
JMFontecha


BALAIO PORRETA 1986
n° 2827
Natal, 30 de outubro de 2009

Faz-me um favor:
desliga a música
hoje
quero escutar os meus sonhos!
(Valda COLARES, in Canto da Boca)


VOCÊ: BRASIL
Jorge Barbosa
(Cabo Verde, 1902-1971)

Eu gosto de você, Brasil,

porque você é parecido com a minha terra.

Eu bem sei que você é um mundão

e que a minha terra são

dez ilhas perdidas no Atlântico,

sem nenhuma importância no mapa.

Eu já ouvi falar de suas cidades:

A maravilha do Rio de Janeiro,

São Paulo dinâmico, Pernambuco, Bahia de Todos-os-Santos.

Ao passo que as daqui

Não passam de três pequenas cidades.

Eu sei tudo isso perfeitamente bem,

mas Você é parecido com a minha terra.


E o seu povo que se parece com o meu,

que todos eles vieram de escravos

com o cruzamento depois de lusitanos e estrangeiros.

E o seu falar português que se parece com o nosso falar,

ambos cheios de um sotaque vagaroso,

de sílabas pisadas na ponta da língua,

de alongamentos timbrados nos lábios

e de expressões terníssimas e desconcertantes.

É a alma da nossa gente humilde que reflete

A alma da sua gente simples,


Ambas cristãs e supersticiosas,

sortindo ainda saudades antigas

dos sertões africanos,

compreendendo uma poesia natural,

que ninguém lhes disse,

e sabendo uma filosofia sem erudição,

que ninguém lhes ensinou.

[ Clique aqui para ler o poema na íntegra, e outros poemas do Autor ]



OUTROS APELIDOS DE CAICOENSES
lembrados por Pituleira

Cu de Zé Gomes, Zeca Barrão, Pintei e Jurumbeiro,
Priquito de Jia, Tabaco Leso e Passassebo de Resguarde,
Nego Pica, Maria Lavanca, Nega Chia , Coruja e Bico de Luz,
Labougeiro, Zé do Óleo, Tigre Negro, Atestado, Cabeça de Alho,
Gata Maga, Boca de Vaca, Cavalo 13, Jumenta de Badalo, Carrossel.
E Airton Prikitim.

Lembramos, de igual modo, que domingo, 1° de novembro, é dia de festa no Bar de Ferreirinha, com o lançamento do livro organizado por Roberto Fontes & Pituleira em homenagem aos 50 anos do badalado buteco caicoense. No próprio bar, a partir de 10h. A blogueira Nina Rizzi garantiu presença. Vai ser festão.
Para completar, sob o sol de outubro, como parte integrante da Festa do Rosário, ocorre uma Feira do Livro do Seridó.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Ao pôr-do-sol em Florença
o ouro das ouriversarias
da Ponte Vecchio
cai sobre o Arno que se arrasta
e sente frio
e que até então
estava triste
em sua solidão de rio.
(Nei Leandro de CASTRO. Ponte Vecchio.
Foto: Sandra Porteous, in Veredas)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2826
Natal, 29 de outubro de 2009

Na Ponte Vecchio me debruço em pedra antiga
e vejo uma regata que desliza e brilha à luz.
(Dirceu VILA, in O Demônio Amarelo)


SÃO SERIDÓ AMADO
João da Mata Costa

Moxotó, camará, catingueira
Sustentam a vida
A chuva acorda a terra num
Odor de zimbro e chumbo
Meu sertão caritó
Serra Negra, Acari.
Caicó e Jardim do Seridó
Thomas - o filho - cronista
De homens-ferros,
Cachimbos, galegos
Judeus e Portugueses
A rede suspende a vida – letargia -morte
Meu avô morreu de cezão aos 33 anos
O bisavô mestre-escola
Minha avó dormia só uma madorna e
Faleceu de arteriosclerose.
Mamãe solidão
Vivendo estamos doendo
Não há fim para essa lembrança.
Engenho torto
Açúcar o sangue
Chouriço espécie
O sol a carne
Queijo de coalho e lingüiça
Fu-deu? Não, não foi Deus
Ninguém entende
Sefus gões
Quadrivium
Guerra - o Padre
Sant´anna; ensina
esse menino!


LENÇOL
Jeanne Araújo

Me ensina
a dizer de forma simples
as coisas que não entendo.
Me ensina a falar das falésias
que há no mar da minha vida.
Que eu fale dos demônios
que assombram minhas noites.
Que compreendam os cacos de vidros
que trago no rosto.
Que as palavras sejam tão simples e claras
quanto meu lençol de dormir a eternidade.


O BALAIO ADVERTE:
José Agripino Maia, Micarla de Souza e Rosalba Ciarlini
fazem mal à saúde política do Rio Grande do Norte.


HOJE É O DIA DO LIVRO
Todo dia é dia de livros

Dom Quixote / Grande sertão: veredas
Canto de muro / As pelejas de Ojuara
A divina Comédia / Dom Casmurro
Navegos / Uns fesceninos
Hamlet / São Bernardo
As cores do dia / Talhe rupestre
Moby Dick / A paixão segundo G.H.
Os mortos são estrangeiros / O écran natalense
Crônicas marcianas / A cidade e as estrelas


SERIDOENSES BIRITEIROS
e seus estranhos apelidos
[ in Bar de Ferreirinha - 50 anos
, 2009 ]

Os seridoenses, de modo geral, e os caicoenses, de forma particular, muitas vezes são mais conhecidos por seus apelidos do que por seus verdadeiros nomes. Basta ver o livro de Roberto Fontes & Clóvis Pereira Jr, o Pituleira (editado pelo Sebo Vermelho, a ser lançado no próximo domingo, dia 1 de novembro, último dia da Festa do Rosário, em pleno Bar de Ferreirinha, a partir de 10h): 50 anos - Bar de Ferreirinha.

Eis alguns dos apelidos mais curiosos, extraídos do livro sobre o querido bar caicoense, devidamente fotografados e editados :

Pituleira, Doidelo, Bibica e Tapioca,
Fofo de Linhares, Vaca Véia, Nega Balaio,
Caboré, Bacuê, Pajá e Tesourinha,
Manoel de Sofia e Pedoca de Antônia de Zé Anchieta,
Xexéu, Frasqueira e Zé Fogoió,
Zé Boré, Wilson Viola e Babaçu Teixeira,
Netinho Pororoca, Jeová Punheteiro e Valmir Cu de Lagarta,
Edilson Putufú, João Rabo Grosso e Ferro Véi,
Zé Buchim, Bala Choca e Sérgio Furico,
Jarbas Tiririca, Cisso Doido e Zé Kokim,
Meu Mel, Titiu Irmão de Bidu e Neto de Julinda.
Além de muitos outros nomes.

Repeteco / Futebol
ACONTECEU EM PARIS, COM O BOTAFOGO


A história a seguir, recontada por este Balaio, está no ótimo livro Os subterrâneos do futebol (Rio: Tempo Brasileiro, 1963), de João Saldanha, botafoguense histórico. Em maio de 1959, os alvinegros excursionavam pela Europa. Entre um jogo e outro, foram parar na capital da França. Pintou, então, uma folga. E folga, para aqueles jogadores (Amoroso, Amarildo, Garrincha, Tomé e os demais), só podia significar uma coisa: mulheres. Por obra e graça do destino, quando alguns deles cervejavam num dos bares da Cidade Luz, apareceram umas francesinhas que deixaram os marmanjos loucos. E eram jovens finíssimas, cada uma mais bonita, mais elegante e mais cheirosa do que a outra. Todos terminaram numa casa bastante distinta nas proximidades do bar. Só que havia uma senhora cinquentona, cinquentona e bonitona, dona do pedaço, que resolveu marcar um encontro para uma festinha íntima de confraternização no dia seguinte. Tudo acertado com a Madame “responsável” pelas jovens, eis que oito ou nove jogadores do Botafogo, assanhadíssimos, bem antes da hora combinada, já se encontravam na bela casa da Madame, que, além do mais, era poliglota. Acompanhava-os, meio por acaso, um jornalista esportivo francês, interessado numa entrevista com Mané Garrincha.

Passemos a palavra a João Saldanha:

“A madame dirigiu-se ao Amarildo: ‘Buenos dias amiguito. Veo que volvieran. Pero es temprano todavía. Hay que tener paciencia’ - falou com uma voz rouca e Tomé exclamou com cara de fauno: ‘Sou louco por mulher de voz grossa. Vai ser o fino’. E seguiu com o olhar o rebolado da madame que foi telefonar.

Nisto, o jornalista francês, meio embaraçado, perguntou ao Tomé:

- Mas vocês estão bem certos que é aqui o programa com as garotas? Eu bem que estava conhecendo isto. Sabem quem é esta madame? É o famoso travesti, Madame Arthur. É a dona de um cabaré de espetáculos. Aqui não tem mulher. Aqui é... é... bem, aqui é tudo homem, quer dizer... são travestis. É isto que vocês querem?!?!

Quando Madame Arthur voltou, a sala já estava vazia” (p.193-194).

Todos saíram correndo. Garrincha era o mais veloz de todos.

Não é preciso dizer que a gozação, na viagem para Madri, etapa seguinte da excursão, foi geral.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Hoje é dia de Quarta-Feira Cultural
no Mercado de Petrópolis, em Natal:
é dia de atrações musicais, feira de antiguidades,
feira de artesanato e de conversa amiga
no Bar Papo Furado e no Sebo Catalivros.
Foto in:
Grande Ponto


BALAIO PORRETA 1986
n° 2825
Natal, 28 de outubro de 2009

Um Auto de Natal, hoje, só tem sentido a partir de uma releitura criativa dos elementos que constituem a saga de Cristo: sua necessária humanização passa por "viagens" simbólicas que incorporam, em maior ou menor grau, a cultura de nossa gente.
(Moacy Cirne, 2009)


CÁLICE
Adrianna Coelho
[ in Metamorfraseando ]

Para Adriana Sunyata

da nossa entrega cotidiana
àqueles deuses embriagados
e aos casulos de borboletas

às folhas que caíram
e aos raios de luz
na penumbra dos sonhos

às nossas intenções aladas
e a tudo que era aveludado
vermelho e sanguíneo
como mosto
ou como vinho

só me resta um vazio
num cálice cheio
de poesias caladas

O FIO DA NAVALHA
Líria Porto
[ in Tanto Mar ]

eu não sei que mágoa é essa
eu não tenho olhos d'água
isso é coisa de mulher
homem que é homem não chora
não se queixa não se dobra
homem que é homem aguenta

(não posso mais suportar)

sou um dique uma represa
o meu amor foi embora
não devo dar um gemido
há um mar de sofrimento
estampado no meu riso
pobre de mim ai de mim

(sou o cinismo em pessoa)

eu não sei que dor é essa
escorrega pela cara
atravessa-me o peito
sou um cabra de respeito
sou um homem muito macho
não me agacho não me curvo

(deus do céu quero é morrer)


OU A VIDA É, ÀS VEZES, UMA FICÇÃO
Nivaldete Ferreira
[ in Lápis Virtual ]

Quando movi a cabeça buscando um garçom, flagrei, sem querer, a cena estranha e nada ficcional (ou a vida é, às vezes, uma ficção): uma moça almoçava sozinha e conversava com... ninguém. Com ninguém propriamente, não: com o copo de suco. Vez por outra, sorria, gesticulava, abria a folha das mãos para ele. Uma conversa amorosa, simpática. Que será que dizia?... Não parecia ser uma atriz (e dificilmente uma atriz iria ensaiar suas falas ali). Talvez sofresse de transtorno mental... Talvez estivesse exercendo o direito de amainar uma crise de solidão. Talvez achasse mais interessante conversar com um copo de suco do que com uma pessoa.

Ah, essa mania de querer compreender e explicar tudo...
A moça parecia em estado de graça, isso devia bastar. Quantos, naquele momento, estavam assim, tão bem, conversando com pessoas?...
Enfim, ela se levantou, esticou a blusa, arrumou o cabelo e foi pagar a conta. Notei que tinha um lado do corpo meio torto.

Mais torta, fiquei pensando, é essa vontade de encontrar resposta até para algo inofensivamente diferente.


HUMOR

Charles sempre foi um sujeito brincalhão. Sua mulher é que nunca entendeu muito bem as ironias dele. Certo dia ela embarcou para a Inglaterra, em viagem de negócios. E lhe perguntou:
- Quer que eu traga uma lembrancinha?
- Sim. Me traga uma inglesinha - disse ele.
A esposa, como sempre, não disse nada. E embarcou. Um mês depois, ela voltou e o marido foi dar as boas-vindas no aeroporto:
- Trouxe minha lembrança, querida?
- Bem, eu fiz o que pude -- respondeu a mulher. - Agora vamos ver se nasce menina.


TROVAS E TROVOADAS
de LUIZ FRANCISCO XAVIER (DEDÉ),
POETA POPULAR DO RIO GRANDE DO NORTE
EM LIVRO EDITADO EM 1996


Mote:
Tem sinônimo adoidado
o ânus que a gente tem.

Glosa:
Furico, boga, frezado,
é roda, rabo, roscofe,
ás de copas, rosa-bofe,
tem sinônimo adoidado.
Bumbum, isqueiro, rosado,
bufante, bunda, xerém,
traseiro, frasco e sedém,
é apelido pra chuchu,
também chamado de cu
o ânus que a gente tem.

Mote:
Tomei cachaça no céu,
Lá no hotel de Jesus.

Glosa:
Levando um litro de mel
dessa abelha italiana,
com muita santa bacana
tomei cachaça no céu.
Aprontei, fiz escarcel,
dancei com defuntos nus,
quebrando a famosa cruz,
os anjos bateram palmas.
Sonhei mais cantando as almas
lá no hotel de Jesus.

[ in Balaio Incomun, n° 1273, de 26/04/2000]

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Fotografia:
RetroAtelier


BALAIO PORRETA 1986
n° 2824
Natal, 27 de outubro de 2009

Queimei os meus vestidos.
Quero vestir-me apenas de palavras.
(Sônia BRANDÃO. Vestimenta, in Pássaro Impossível)



O OLHO TRIDIMENSIONAL
João Melo
[ in Angola: Os Poetas ]

vejo: a suave abóbada celeste,
a gangrena vermelha
no alto da cabeça

vejo: a ave incorruptível
no intervalo dos espigões
de aço branco e dourado

vejo: o néon sedutor
das rútilas noites urbanas,
a mítica paz dos campos

vejo: as bunganvílias definhantes
da história podre do tempo,
os homens de olhos vazios

vejo: a face gorda da fome
nos vorazes baús
de estômago electrónico

vejo: a mulher de pernas
de negro veludo
e fina penugem trémula

vejo: a bomba cirúrgica
e seus dentes cegos,
a esperança clandestina dos mortos

vejo: a canção ardente
na esquina sombria da cidade
onde jaz o mendigo surdo

vejo: a branca lua enamorada,
o misterioso oceano
e seus peixes indefesos

vejo: a alma das breves tragédias,
os tristes tambores furiosos
e a magia da poesia


METÁFORA FAUSTÍNICA

Artur Gomes

[ in A Cigarra, nº 33. Santo André, SP, agosto 1998 ]


o mundo que venci deu-me uma flor

de lótus

que desfio incontinente de malícias

faíscas na linguagem relâmpagos no meu falo

por cima de qualquer sonho grego

por dentro de qualquer fosso complexo

o mundo que venci deu-me uma flor

de cactus

troféu perigoso esse vassalo

em chão de céus infernos meus cavalos

amando a fátria que fariu língua senhora


VESTIBURRADAS
(Fonte: 500 anos de outras burradas)
[in Balaio n° 1283, 25/5/2000]

[] As glândulas salivares só trabalham
quando a gente tem vontade de cuspir.


[] Os estuários e os deltas foram
os primitivos habitantes da Mesopotâmia.


[] O ateísmo é uma religião anônima.

[] O petróleo apareceu há muitos séculos,
numa época em que os peixes se afogavam dentro d´água.

[] Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.


Repeteco
10 FOLHETOS DE CORDEL com títulos curiosos:

[] A menina que morreu em Caicó e depois de 20 horas enviveceu - falou contra o comunismo e o protestantismo,
de José Gomes da Silva

[] A mulher que o diabo surrou ou A espera da vingança,
de Hermes Gomes de Oliveira

[] A discussão da gripe asiática com o atum,
de Cuíca de Sto. Amaro

[] História em versos de um jegue que matou um homem,
a porca comeu a criança e a mulher morreu de choque,
no Município de Santana de Ipanema, Estado de Alagoas,
de José Honório Oliveira

[] História da menina, ou seja, o Padre Cícero Romão,
de Genário Vieira Barreto

[] A moça que mordeu o travesseiro
pensando que fosse Vicente Celestino,
de Cuíca de Sto. Amaro

[] O barbeiro que fez a barba do jegue, de Aristeu Guerra Moreira

[] Como Antonio Silvino fez o diabo chocar, de Leandro Gomes de Barros

[] História do burro que matou seu próprio dono de faca
e o homem que matou a vaca e a vaca
matou o homem com a mesma faca,
de Moisés Matias de Moura

[] História do casamento do Tigre
ou O cavalo do Mestre Coelho,
de Luís da Costa Pinheiro

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Ilha de Moçambique, em Moçambique
Foto de Zeca Ribeiro, in Recalcitrante


BALAIO PORRETA 1986
n° 2823
Natal, 26 de outubro de 2009

Nas curvas do teu corpo capotei meu coração.
("Filosofia" de caminhão)


PEDRAS DE TOQUE DA POESIA BRASILEIRA
[ org. José Lino Grunewald, 1996 ]

é régua que calcula a
linguagem e lhe engenha
modelos de medula
(Nelson Ascher, Definição de poesia)

E vestes a parábola noturna
do alfabeto das últimas folhagens
(Abgar Renault, Claro e escuro)

Entrego aos ventos a esperança errante
(Cláudio Manuel da Costa,
A cada instante, Amor, a cada instante)

Eu desenhava na praia a curva de teu seio
E continuava voando entre o farol e o mar
(Ledo Ivo, Esmeralda)

Não tem altura o silêncio das pedras
(Manoel de Barros, Uma didática da invenção - X)

Dentro de ti medita um
sol mediterrâneo
(Cláudia Roquette-Pinto
, tomatl)


ECOVILA PAU BRASIL

Descobrimos em Pium, nas proximidades de Natal, a partir de indicações pessoais, o melhor restaurante da cidade: o espaço alternativo Ecovila Pau Brasil, projeto planetário de agroecologia, em dois hectares, com uma proposta especial que inclui restaurante vegetariano, luaus programados, reflorestamento sustentável, ambientação mais do que agradável, áreas de acampamento e de trilhas. Enfim, a Natal Verde que a Prefeitura (do PV) desconhece.



DESERTO
Simone Oliveira
[ in Letras e Tempestades ]

A saudade
do teu corpo
silencia
minhas mãos
e minha boca.



NUDEZ
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Tirei tudo de mim
nessa madrugada:
os brincos, os anéis,
as vestes de santa,
os terços, a calcinha
branca.


TODA NUA
Abner de Brito
(Caicó, 1890 - Curitiba, 1951)

Vim pensar, hoje, no teu corpo amado,
Princesa! A escultural forma de neve
Do teu corpo tem sido o meu pecado,
Dentre todos que tenho, que é o mais leve.

Vejo, a pulsar, teu seio, que descreve
Linha estuante de escândalo, marcado
Pela eclosão do incêndio propagado
Na febre de meu sonho ardente e breve.

Abaixo, o ventre, no regaço, aonde
Corro a sorver o gozo alto e infinito
Do inferno bom que tua carne esconde...

- Nua! Reflete em mim teus membros lassos
Nesta volúpia que me torna aflito
De nunca os ter sentido nos meus braços!


DIETA OBRIGATÓRIA DE PALAVRAS
Sheyla Azevedo
[ in Bicho Esquisito ]

A fome me abraça quase terna
Ignora o divórcio de minhas mãos em sua cintura
Eu, discreta, porém, resoluta
Oculto me mim mesma o barulho que irrompe
Da boca do estômago
Às vezes,

Abro a janela sem pressa
E sinto o gosto das teclas

Ao som dos meus dedos
Falta pouco, falta bem pouco
Para que minha língua toque o doce do teu silêncio


O NAVIO
Cefas Carvalho

Leu o que havia escrito. Não gostou. Ou gostou de forma estranha, um gostar sem realmente apreciar. Na verdade, nunca amava o que escrevia. Ou talvez amasse, mas de forma inusitada, como deve ser o amor. Escrevera daquela vez sobre um navio, que, colhido em alto mar por uma tempestade, começava a afundar no oceano. Nunca estivera em um navio, antes, pelo menos não que se lembrasse. Teria feito uma analogia? Que seria o navio? Sua vida? O amor que poderia se afogar no oceano do dia a dia? Ou, seriam apenas suas leituras passadas, remotas – Moby Dick, Odisséia – que vinham brincar em sua mente e o induzir a escrever. O navio afundou, pois então. Havia um barco salva-vidas, mas apenas um e todos os quinze tripulantes fizeram um pacto para, juntos, morrerem no navio sagrado que construíram e com o qual sonharam em conquistar o mundo, ou pelo menos, um mundo, como o famigerado Cortés. Era o fim da história, então. Releu o que havia escrito. Sorriu para si mesmo e pensou se queria realmente ter escrito sobre um navio que afundava e um pacto de morte. Acendeu um isqueiro e queimou a folha de papel no cinzeiro...


Memória 1994
BALAIO INCOMUN n° 593
Desde 8/9/1986
Rio, 4 de março de 1994


Diretamente do Além
MENSAGEM DE CHICO DOIDO DE CAICÓ
AOS FORMANDOS DE COMUNICAÇÃO DA UFF


Em vida, sempre fui um presepeiro, sempre fui um gozador, sempre fui um mulherengo da melhor qualidade. Desmaterializado, e já que não posso mais ser um mulherengo da gota serena, um mulherengo da bixiga lixa, continuo sendo um gozador muito do sacana, muito do atrevido, para satisfação daqueles que passam pelo meu Plano Astral. São Francisco de Assis, Câmara Cascudo, Patrícia Galvão, Manuel Bandeira, Moysés Sesyom, Rosinha da Pá Virada (uma digníssima prostituta da Paraíba), Jorge Fernandes, José Bezerra Gomes, Zila Mamede e Carlos Zéfiro, por exemplo, adoram sentir as minhas cabeludas mentiraiadas.

Aliás, sempre fui um grande e etílico mentiroso, mas um mentiroso de respeito, um mentiroso arretado, um mentiroso digno, e não um mentiroso que faz da mentira um curral diabólico para enganar o povo, para promover a corrupção, para acionar a falta de moral, para atiçar a miséria. Não fui, não sou e não serei um mentiroso qualquer. Mentiroso, sim, mas um mentiroso que nunca enganou ninguém.

E agora, para minha agradável surpresa, eis que sou patrono de uma turma de estudantes que se preparam - e como! - para enfrentar as inúmeras dificuldades do mundo. Em Caicó, garanto, ninguém vai acreditar nesta história. Vão achar que é mais uma mentira do Chico véio de guerra; que é mais uma doidura desse pobre diabo de tantas e tantas loucuras, pelo menos na sua poesia. Paciência, queiram ou não, sinto-me um pai-d'égua escalafobético muito do orgulhoso para nenhum bangalafumenga botar defeito.

Pensando em vocês, moços e moças, com todo o carinho possível do meu Seridó (que é maior do que a distância entre a Terra e o Sol), mas sem desejar para ninguém uma carreira de vícios (a não ser aqueles doces e adoráveis vícios demasiadamente humanos), me lembrei de uma glosa do poeta Moysés Sesyom:

Vida longa não alcanço
Na orgia ou no prazer.
Mas, enquanto não morrer
- Bebo, fumo, jogo e danço!
Brinco, farreio, não canso,
Me censure quem quiser...
Enquanto eu vida tiver,
Cumprindo essa sina venho,
E, além dos vícios que tenho,
- Sou perdido por mulher!...


Pois é...
Às belas moças da turma, quero dizer:
São tão borogodosas e cheirosas quanto as morenas do meu sertão. Se vivo fosse, se aí estivesse, me apaixonaria por todas vocês (com o devido respeito que a situação poderia requerer). Sei que isso seria um problema dos 600 mil diabos. Mas vocês merecem todas as paixões do mundo. E toda a felicidade necessária para a nova vida que hoje se inicia.

Aos moços, direi: são todos legais. E que também sejam felizes. E mais não direi, que a um caba macho de Caicó, mesmo desmaterializado, não se permite dizer muitas coisas de marmanjos.
Assim sendo, nesta noite de fortes e inesperadas emoções, saibam viver com alegria e esperança. À distância, da sexta margem do rio, passando ao largo do velho Rosa, queiram aceitar o meu abraço. Obrigado...

Nota:
Esta mensagem foi lida, em off, por um aluno, no Teatro da UFF (Icaraí, Niterói), completamente lotado, em noite de gala. Depois da sessão de formatura, o Balaio foi distribuído entre os presentes. A turma Chico Doido de Caicó teve como paraninfo este vosso Moacy Cirne, professor, poeta, cangaceiro e caba da peste.

Ainda esta semana, diretamente do Além,
mais uma entrevista exclusiva com Chico Doido de Caicó.

domingo, 25 de outubro de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
Clique na imagem
para verouvir cenas de
Terra em transe
(Glauber Rocha, 1967)
A metáfora do populismo, em plena ditadura militar brasileira, num país fictício chamado Eldorado, que, naquele momento, era o reflexo emblemático de qualquer republiqueta da América Latrina (Brasil, inclusive): um verdadeiro vulcão cinematográfico, como já o fora, aliás, Deus e o diabo na terra do sol.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2822
Natal, 25 de outubro de 2009

Eis os filmes que, produzidos e lançados por outros países, eu possivelmente levaria para uma temporada de três meses na utópica São Saruê: 1. A aventura; 2. Um dia no campo; 3. Persona; 4. Eclipse; 5. Ano passado em Marienbad; 6. Crônica de Ana Madalena Bach; 7. Madre Joana dos Anos; 8. Contos da lua vaga; 9. Andrei Rublev; 10. 2001: uma odisséia no espaço; 11. O homem da câmera; 12. Cidadão Kane; 13. Viver a vida; 14. Rocco e seus irmãos; 15. Era uma vez no Oeste; 16. Rastros de ódio.
Entre os brasileiros, selecionados ontem, recordemos:
1. Deus e o diabo na terra do sol; 2. Terra em transe;
3. Vidas secas; 4. Porto das Caixas.

(Moacy Cirne, 2009)


PAIXÃO
Ana de Santana
[ in Danaides: inventário de signos, 2005 ]

Nas brenhas do verbo
esgarça-lhe fibras e fendas,
Com os dentes, repuxar fiapos,
soltar fios, criar filhos entre fonemas.

Do verbo, retirar água e vinho, um e outro
escorrendo pelo amor da espada fincada.
Molhado o pão, escrito o verso,
dá-se o milagre,
desfaz-se
a farsa.
Solidão.


A leitura da semana
CENAS BRASILEIRAS:
o cinema em perspectiva multidisciplinar,
de Marcos Silva & Bené Chaves (orgs.).
Natal: EdUFRN, 2009, 422p.
(2)

"Ele tem sangue no olho! Nascido de um pesadelo, Zé do Caixão [em À meia noite levarei sua alma, de José Mojica Marins, 1964] espreita o populacho, escumando de ódio frente à estupidez e ignorância da raça humana." (Alex de Souza, p.177)

"Seria estupidez negar a importância dessa obra na história do cinema brasileiro, poré, hoje, passados mais de quarenta anos, São Paulo S/A [Luís Sérgio Person, 1965] soa como uma sonata antiquada." (Marcius Cortez, p.183)

"Terra em transe é um filme bem representativo daquele que se pode considerar um dos principais legados deixados por Glauber Rocha: a memória do cinema como imagem do Brasil, como tratado sobre o social ..." (J. Charlier Fernandes, p.208)

"Nada é por acaso em O Anjo Nasceu (Júlio Bressane, 1969). O final do longa é angustiante na medida em que revela a dor e o sofrimento de Santamaria, agonizando dentro de um carro em fuga." (Paulo Jorge Dumaresq, p.217)

"Problematizando o herói, Joaquim Pedro [em Macunaíma, 1969] não o transformou em vilão nem inventou a crítica, que já estava no livro, embora Hollanda e Johnson destaquem sua potência na obra cinematográfica." (Marcos Silva, p.226)

"O País de São Saruê (Vladimir Carvalho, 1971) prima pelo realismo da fotografia e pela beleza dass cenas." (Rogério Cruz, p.267)

"O filme Inocência (Walter Lima Jr., 1982) está longe de ser admirável; tem alguns momentos fortes e um ou outro achado excepcional. O conjunto, de todo modo, funciona de modo bastante satisfatório." (Gilberto Stabile, p.372)


HORTELÃ
Nydia Bonetti
[ in Longitudes ]

chaleira antiga sobre o fogão
a água ferve

na louça branca a erva fresca
- espera

em breve vai arder e liberar
sabores e aromas

o que então era incolor e frio
- vai colorir de verde

este raminho de hortelã, ser
queria tanto



Memória 1993
Pesquisa DataBalaio

OS 30 MOMENTOS CAPITAIS DA HISTÓRIA DAS ARTES
segundo Sebastião Nunes (MG),
poeta e desbravador de linguagens
[ in Balaio n° 562, de 1/nov/1993]

1. O castelo (Kafka)
2. O mito de Sísifo (Camus)
3. Nova antologia pessoal (Borges)
4. Ulysses (Joyce)
5. Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha)
6. Eu e outros poemas (Augusto dos Anjos)
7. O guardador de rebanhos (Pessoa/Caieiro)
8. Limite (Mário Peixoto)
9. Ano passado em Marienbad (Resnais)
10. O anjo exterminador (Buñuel)
11. Paixão dos fortes (Ford)
12. Cantaria barroca (Affonso Ávila)
13. Week-end (Godard)
14. Justine (Sade)
15. A República (Platão)
16. O castigo (Carlos Zéfiro)
17. Morte em Veneza (Thomas Mann)
18. Vidas secas (Graciliano Ramos)
19. Dom Quixote (Cervantes)
20. Amazona (Sérgio Sant'Anna)
21. As quatro estações (Vivaldi); 22. Mapa (Uatki)
23. Ou não (Walter Franco)
24. Concerto de Brandenburgo n° 1 (Bach)
25. Serenata para 13 instrumentos de sopro (Mozart)
26. O jardim das delícias (Bosch)
27. Cristo morto (Andrea Mantegna); 28. Corrida de touros (Miró)
29. Ad parnassum (Paul Klee); 30. A noite estrelada (Van Gogh).

sábado, 24 de outubro de 2009

OS FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
(Repeteco)
Clique na imagem
para verouvir
umas das cenas finais de
O ébrio
(Gilda de Abreu, 1946)
Exibido em Caicó em 1950/51, O ébrio - com Vicente Celestino - conseguiu a proeza de levar ao cinema de Seu Clóvis até mesmo o meu pai. Acredito que em toda a sua vida, Seu Luís não deve ter visto mais de cinco ou seis filmes. O ébrio foi um deles. Por aí se vê como a obra de Gilda de Abreu - o maior dramalhão da história do cinema brasileiro - marcou a vida social e cultural de uma cidade interiorana, na ocasião com aproximadamente 5 mil habitantes. Lembro-me perfeitamente: no final de cada sessão, a começar por Seu Clóvis e suas irmãs, o chororô era geral. A expressão "cinema de lágrimas", que coroaria igualmente alguns títulos mexicanos, não nasceu por acaso. Sem dúvida, trata-se de um filme importante, apesar de suas deficiências técnicas e de sua estética discutível.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2821
Natal, 24 de outubro de 2009

Quais os filmes brasileiros que, hoje, eu levaria para uma temporada de aproximadamente três meses na encantantória São Saruê, de Manoel Camilo dos Santos? Poderiam ser os seguintes (não necessariamente os melhores): 1. Deus e o diabo na terra do sol; 2. Terra em transe; 3. Vidas secas; 4. Porto das Caixas; 5. O bandido da luz vermelha; 5. Cabra marcado para morrer; 6. Os fuzis; 7. São Bernardo; 8. Assuntina das Amérikas; 9. O padre e a moça; 10. Limite; 11. O país de São Saruê; 12. Tudo bem; 13. Ganga bruta; 14. LavourArcaica; 15. Nem Sansão nem Dalila; 16. Bangue-bangue.


A leitura da semana
CENAS BRASILEIRAS:
o cinema em perspectiva multidisciplinar,
de Marcos Silva & Bené Chaves (orgs.).
Natal: EdUFRN, 2009, 422p.
(1)

São Paulo, Sinfonia de uma metrópole [Adalberto Kemeney & Rodolpho Rex Lustig, 1929] tornou-se, depois de finalizado, um documentário não convencional. O olhar com o qual os autores veem a cidade não é, de modo algum, imparcial, como ocorre no documentário padrão. (Gilberto Stabile, p.25)

Sob uma primeira impressão, Limite (1931), de Mário Peixoto, provoca a sensação de infinitude. (Marcos Aurélio Felipe, p.31)

O filme [Alô, alô, Carnaval!, de Adhemar Gonzaga, 1936] teve grande sucesso de público e foi um precursor das famosas chanchadas, que iriam encantar o Brasil nas décadas seguintes. ... A canção popular é o principal personagem do filme. (João da Mata Costa, p.39)

O Ébrio [Gilda de Abreu,1946] é um filme que nos emociona ainda hoje, menos pela história em si e mais por nos permitir o encontro com um Brasil que já não existe mais. ... Lá está o nosso Brasil católico, mestiço e preconceituoso (todos os empregados do filme são negros ou mulatos), irreverente, romântico, melancólico, recheado de chavões algo apelativos, de um humor ingênuo, quase infantil. (Liane Barros, p.43)

Nesse limite ambíguo entre a citação e a irreverência, Carnaval Atlântida [José Carlos Burle1952] põe em oposição cultura erudita e cultura de massas, brinca com os elementos populares e elitistas e faz comédia sem descuidar da crítica. (Josimey Costa da Silva, p. 60)
;

Com relação ao filme Uma pulga na balança [Luciano Salce, 1953], há alguns aspectos que chamam imediatamente a atenção do apreciador do bom cinema. O primeiro refere-se situações cômicas do filme e às situações inteligentes apresentadas. (Nelson Marques, p.96)

- Continua -



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contra a violência do agronegócio
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Leandro Konder, Luís Fernando Veríssimo,
Angela Melim, Isabel Lustosa,
Antonio Candido e mais de 4.530 nomes, até o momento;
a nossa assinatura foi a de núm. 2495.


UM RETRATO EM QUE EVA APARECE REVELADA
E O DESEJO DE ADÃO ABRE AS PORTAS DA NOITE
Theo G. Alves
[ in Museu de Tudo, em 15/12/2007 ]

EVA

sua costela ímpar
não o deixa dormir

ele a deseja:
seu corpo e seu banquete

à noite
ela completará seu corpo
outra vez.


POEMA
Li Tai Pô
[ in Germina Literatura ]

Na vida
é preciso tanto seriedade
quanto delírio.
Se tiveres mais de um pão,
vende um
e compra um lírio.


BAGAGEM
Romério Rômulo

trago
uma secura no meu lado direito
que me proíbe de vender bananas.
trago
um martelo, tonel de badalos
que me safira e empresa os olhos.

quando milhos, tenho tantos
que me encarrego do tombo.

a sutil faca me faz anacoreta.

A CASA
Lenilde Freitas
[ in Espaço neutro, 1991,
via A Meus Amigos ]

Da porta principal à derradeira,
um corredor. Só o piso de madeira.

As portas laterais, trancadas.
Todas elas.

Pelas janelas,
fogem os fantasmas gerados na cumeeira.

Que mais?
Que mais?

Ah, sim: uma goteira, sangrando... sangrando...
sujando a casa inteira.


PREDESTINAÇÃO
Ascenso Ferreira
[ in Xenhenhém, 1951 ]

- Entra pra dentro, Chiquinha!
Entra pra dentro, Chiquinha!
No caminho que você vai
você acaba prostituta!

E ela:
- Deus te ouça, minha mãe...
Deus te ouça...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Macau, na região salineira do Rio Grande do Norte
Foto: Alexandro Gurgel (in Chão Potiguar)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2820
Natal, 23 de outubro de 2009

O esvaziamento da Fundação Cultural Capitania das Artes promovido pela senhora dona prefeita da nossa Cidade dos Magos não passa de um filme de terror de quinta categoria. Será que vão carnatalizar/carnavalizar o Natal em Natal? Não por acaso, a senhora dona prefeita e o politicamente deplorável José Agripino Maia são do mesmo partido: o demopevê.
(Moacy Cirne, 2009)


NATARAJA
Mercedes Lorenzo
[ in Cosmunicando ]

danço,
porque não há
palavras.


CONVITE
Afonso Félix de Sousa
[ in Jornal de Poesia ]

Agora que o campo é de areia
pisemos de modo que os rastos
não nos mostrem como voltarmos.
E vamos ao mar, que derrama
sobre nós seu licor de pérola
e em mim todo um fervor de espumas.
Sei de ilhas contidas em conchas.
A elas pediremos repouso
quando a noite trouxer lembranças.
Segue-me ... e para trás deixemos
pais e irmãos, esposos e filhos,
e os cinzas gradis que nos guardam.
Depois de ao mar nos atirarmos,
qual seja o rumo a que nos leve
há de ter fim no que buscamos.



Repeteco
TRADUÇÃO/RECRIAÇÃO

É curioso constatar que o que há de mais intraduzível de uma língua para a outra são os fenômenos do som e da sonoridade. O espaço sonoro de uma língua tem suas próprias ressonâncias.
(Gaston BACHELARD. A chama de uma vela, 1961)

D'UN MOINE ET D'UNE VIEILLE
O MONGE E A VELHA
Clément Marot (1496-1544)
Trad. José Paulo Paes (1926-1998)

Un moine un jour jouant sur la rivière,
Passeando um monge pela beira-rio,
Trouva la vieille en lavant ses drapeaux,
Viu uma velha que lavava a roupa;
Qui lui monstra de sa cuisse heronière
Viu-lhe a perna de garça e o fogo viu
Un feu ardent où joignaient les deux peaux.
Onde uma coxa vem juntar-se à outra.
Le moine eut cueur, lève ses oripeaux,
O monge inflamado ergue a própria roupa,
Il prend son chose, et puis s'approchant d'elle:
Pega o instrumento e se achegando a ela:
Vieille, dit-il, allumez ma chandelle.
Velha, diz ele, acende a minha vela.
La vieille alors lui voulant donner bon,
E, para dar-lhe gosto, a velha então
Tourne son cul, et respond par cautelle,
Vira-lhe o cu e pede por cautela:
Approchez-vous et soufflez au charbon.
Chega mais perto e assopra o meu carvão.

[ in Poesia erótica em tradução. São Paulo, 1990 ]



PRA NÃO MATAR NANA DRIANA
Nina Rizzi
[ in Ellenismos ]

naufraguei meus navios. aqueles imaginários sem mastros ou velas-fantasia desejo ilusão ou poesia esquecidos por baixo dos trens.

permiti que me fizesse recipiente até de vida. que agora pulsa fora de mim. extensão de mim. furtei-me do gozo aceitei o sexo sem gosto e desgostoso. o estupro mental. passei noites em claro em febre cuidando as dores e o choro. usei soutien comprei calcinhas novas. lavei cuecas borradas. fiz almoço todos os dias. cozinheira lavadeira amante submissa.

enterrei meus amores e paixões deixei de lado a literatura militância estudos. deixei-me rebaixar taxar acossar torturar. desprovi-me de mim mesma. me anulei. chorei no claro traições ausência agressão. abandono.

sufoquei-me em porões joguei ao subsolo meus ideais crenças orientações. larguei mulheres tive um filho e casei com um homem que sustentei. bêbado viciado vil machista. contrário a tudo que fui. parei frente às novelas qu tinham tragédias menos tristes vidas mais emocionantes paixões mais verdadeiras. assisti a vida passar e nana driana a levar com os meus navios em sua bagagem.

pra não matar nana driana eu cometi o suicídio.


AH!, ESSA FALSA CULTURA
Millôr Fernandes
[ in O Cruzeiro. Rio, 1961 ]

Cristóvão Colombo era casado com a Rainha Isabel
e teve três filhas: Santa Maria, Pinta e Nina.

Para provar a teoria de Darwin
foi necessário achar um macaco muito inteligente.

A maré baixa é quando todos os peixes
resolvem beber de uma só vez.

O Texas foi descoberto pela Texaco.

Pileque foi um matemático que descobriu que a Terra gira.

A única coisa capaz de acabar com as secas do nordeste
é um sistema de irritação.

O QUE AS REVISTAS FEMININAS "ACONSELHAVAM"
ÀS MULHERES BRASILEIRAS

Em 1945:
A desordem de um banheiro desperta no marido
a vontade de ir tomar banho na rua.
(Jornal das Moças)

Em 1953:
O noivado longo é um perigo.
(Querida)

Em 1954:
Mesmo que um homem consiga divertir-se com sua namorada
ou noiva, na verdade ele não irá gostar de ver que ela cedeu.
(Querida)

Em 1955:
O lugar da mulher é no lar, o trabalho fora de casa masculiniza.
(Querida)

Em 1957:
Não se deve irritar o homem com ciúmes e dúvidas.
(Jornal das Moças)

Em 1959:
A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas;
nada de incomodá-lo com serviços domésticos.
(Jornal das Moças)

Em 1962:
Se desconfiar da infidelidade do marido,
a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto.
(Cláudia)

[ Fonte: História e consciência do Brasil, de Gilberto Cotrim ]