quinta-feira, 31 de maio de 2007

A grandeza de um clube de futebol não nasce da noite para o dia, não se constrói através de pequenas vitórias, de conquistas sem alma e sem dor. Há certas derrotas que são muito mais mitológicas do que alguns possíveis triunfos sem sal e sem amor. Por exemplo, a derrota do Flamengo para o Fluminense, no empate de 2 a 2, no famoso Fla-Flu da Lagoa, que deu o título ao tricolor. Tem mais: torce-se por este ou aquele clube por sua história, por eventuais grandes jogadores que fizeram parte dessa história, pela conquista de campeonatos memoráveis. Assim, no Rio, o Flamengo é grande pela Era Zico, pelo tricampeonato de 1953-54-55, pelos timaços dos anos 30, pela vitória em Tóquio, pelos títulos nacionais e por sua imensa torcida. E pelo Carioca que conquistou, ao empatar o Fla-Flu de 1963: o maior público interclubes de todos os tempos - mais de 180 mil espectadores no Maracanã. O Vasco é gigante pelo Expresso da Vitória (final dos anos 40), pelo supercampeonato de 1958 (provavelmente a mais emocionante disputa Carioca, até hoje) e por sua história proletária dos anos 20. E por Ademir, Romário e Roberto Dinamite. O Botafogo é glorioso pela Era Garrincha (que incluía Didi e Nilton Santos), pelo momento Gérson-Jairzinho, pela conquista de vários títulos Cariocas importantes (como o de 1948) e por sua supersticiosa torcida. Já o Fluminense é o Fluminense. O Fluminense de Castilho, Píndaro e Pinheiro. E de Telê Santana. O Fluminense campeão brasileiro em 1970 e 1984. O Fluminense que conquistou o Fla-Flu da Lagoa e os Fla-Flus de 1969, 1973, 1983, 1984 e 1995. O Fluminense da Era Rivelino. O Fluminense dos 30 campeonatos Cariocas. E muito mais. (Moacy Cirne)


BALAIO PORRETA 1986
nº 2030
Rio, 31 de maio de 2007


ALGUNS POETAS NORTE-RIO-GRANDENSES
Nossas admirações e nossas reticências no campo verbal
(Versão-em-progresso, a ser ampliada e/ou revisada,
em função de novas leituras e releituras
crítico-afetivo-libertinárias)


Nossas admirações

1º Grupo:
José Bezerra Gomes
Jorge Fernandes
Nei Leandro de Castro
Zila Mamede
Luís Carlos Guimarães

2º Grupo:
Sanderson Negreiros
Homero Homem
Marize Castro

3º Grupo:
Iracema Macedo
Carmen Vasconcelos

4º Grupo:
Diógenes da Cunha Lima
Miguel Cirilo
Myriam Coeli
Diva Cunha
Jeanne Araújo
Iara Maria Carvalho
Theo G. Alves
Newton Navarro
Gilberto Avelino
Adriano de Souza
João Lins Caldas
Jarbas Martins
Lisbeth Lima de Oliveira
Paulo de Tarso Correia de Melo

5º Grupo:

Auta de Souza
Henrique Castriciano
Jaime dos G. Wanderley
João Gualberto Aguiar
R. Leontino Filho

Wescley J. Gama
Nivaldete Ferreira
Márcio de Souza Dantas
Ana de Santana
Joselita Bezerra da Silva
Volonté
Eli Celso
Celso Boaventura
Moysés Sesyom

Nossas reticências

Othoniel Menezes
Ferreira Itajubá
Palmira Wanderley
Antoniel Campos
Luiz Rabelo
Deífilo Gurgel
Augusto Severo Neto
Alex Nascimento
Walflan de Queiroz
Dorian Gray
Esmeraldo Siqueira

Nossa reticência maior

Nísia Floresta
(se é que ela é uma autora potiguar...)

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Amigos, na minha crônica de ontem, apresentei o único torcedor ceguinho do mundo. É tricolor de não sei quantas encarnações. E não perde uma do Fluminense. Mete-se nas arquibancadas com a sua bengalinha branca. Torce, como ninguém, os noventa minutos. Discute impedimentos, acusa pênaltis não marcados, é mais opinante do que ninguém. (...) Por coincidência, sentei-me ao seu lado, no jogo Fluminense x Bonsucesso. E, quando o pó-de-arroz entrou em campo, o Ceguinho gritou: "Ademar está mais magro". Para a óptica generosa do seu amor, Ademar sempre estará mais magro. E quando acabou o jogo, o Ceguinho levantou-se. ... O Fluminense ganhara de 4 x 0. E a noite do Ceguinho encheu-se de estrelas. (Nelson RODRIGUES. O profeta tricolor. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 33-5)


BALAIO PORRETA 1986
nº 2029
Rio, 30 de maio de 2007


CITAÇÕES DE NELSON RODRIGUES

[] O Fluminense nasceu com a vocação da eternidade.
Tudo pode passar, só o tricolor não passará, jamais.


[] Meu sentimento clubístico é anterior ao sexo,
anterior à memória.


[] A morte não exime ninguém
dos seus deveres clubísticos.


[] Um time pode jogar descalço, jogar de pé no chão.
Só não pode jogar sem alma.


[] Assim é o ser humano: na hora do palpite errado,
não lhe ocorre uma vaga dúvida metafísica.


[] O vídeo-tape, por ser burro,
não tem a imaginação do olho humano.


[] O que nós procuramos no futebol é o sofrimento.
As partidas que ficam, que se tornam históricas,
são as que mais doem na carne, na alma.

[ Citações extraídas do livro O profeta tricolor ]

terça-feira, 29 de maio de 2007

Da série
HOMENAGEM AOS 40 ANOS DO POEMA/PROCESSO
por
REGINA POUCHAIN
(Rio de Janeiro)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Há tremenda vitalidade em Joyce, mas muito pouco movimento. À semelhança de Proust, é mais sinfônico do que narrativo. Sua ficção apresenta progressões e desenvolvimentos próprios, mas estes são mais musicais que dramáticos. ... Mais do que qualquer outra obra de ficção,com exceção talvez da Comédie Humaine [de Balzac], Ulysses cria a ilusão de um organismo social vivo. (Edmund Wilson. O Castelo de Axel [1931]. São Paulo: Cultrix, 1967, 1948-49)


BALAIO PORRETA 1986
nº 2028
Rio, 28 de maio de 2007



O DIARIM DE MARIA BUNITA - X

Quirido diarim,
Apois num é qui os minino de Mossoró tão cum a muléstia! Ô bando
de minino arretado,
num é à tôa qui é tudo papangu! Num sei não,
acho qui vou passar o São João lá
praquelas banda, arrastar um
forrozim junto cum a cabroêra toda purque ouvi dizer qui
lá em
Mossoró os cabra são tudo cheim de presepada, bom de arrasta-pé
e de tomá uma
goropada boa, dessas qui dêxa a gente cum vontade
de aprontar... Adispois, quem sabe,
se der tempo, eu dô uma
passadinha pelo Siridó qui ninguém é de ferro, tomá um banho

de açude e comer tapioca cum pirão de farinha seca e caldo de mocotó,
pra ver se
levanta a moral dos minino do bando, inclusive de Virgulino,
qui ele tá
precisano, tá sim, diarim... Mais milhó mermo vai ser arrastá
pé e asa
cum os Papangu de lá, eita bando de minino invocado e
presepento... Se avexem
não qui tô chegano...


CONCENTRAÇÃO

Depois de 4 horas e 20 minutos, sábado passado, na fila
que se iniciava na Escadaria dos
Apeninos, passando por
toda a extensão da Álvaro Chaves, até as bilheterias da
Pinheiro Machado, adquiri
o ingresso para o jogo no Maraca,
na próxima quarta, entre o FLUMINENSE e o Figueirense.

Já estou devidamente
concentrado; desde ontem só leio
Nelson Rodrigues. E os cadernos esportivos.

sábado, 26 de maio de 2007

A MULHER VERDE
invadiu o meu espaço.
Não sei o seu nome.
Não sei a sua origem.
Não sei quem a fotografou.
Não sei quem a enviou.
Não sei se amou alguém.
Ou se foi amada.
Não sei se viajou
para a Lua
ou para São Saruê.

Se gosta de Elomar e Pixinguinha.
Se gosta de poesia e arribaçã.
Se já esteve em Caicó.
Ou em Jardim do Seridó.
Só sei que é azul.
Azul e violeta.
Azul e crepúsculo.
Sempre azul e outubro.
Azul, como em Carlos Pena Filho.
Azul, como no poema que não escrevi.
Azul, como no filme que não filmei.
Azul, como no livro que não sonhei.
((( Moacy Cirne [2004-2007] )))

ALMANAQUE

Raimundo Nonato, em Figuras e tradições do Nordeste (1958, p.18), em carta para o natalense Veríssimo de Melo, relaciona alguns remédios caseiros que merecem ser lembrados, seja por simples curiosidade, seja porque são frutos da mais pura sabedoria popular, como, por exemplo:
[]
Chá de lagartixa, para dor de garganta;
[]
Banha de urubu, para erisipela;
[]
Água de chocalho, para menino aprender a falar;
[]
Mistura de vinagre, cachaça e goma, para dor de barriga;
[]
Garapa de açúcar preto, para estancar o sangue;
[]
Pó de caroço de pião, para dor de cabeça;
[]
Café com pimenta malagueta, contra gripe;
[]
Chá de grilo, para menino ficar falador.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2027

Rio, 26 de maio de 2007


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS
666 livros indispensáveis (17/666)

Figuras e tradições do Nordeste, de Raimundo Nonato. Rio de Janeiro: irmãos Pongetti, 1958, 170p. [] Em capítulos quase sempre deliciosos, o mossoroense Raimundo Nonato refaz em tom memorialístico, qual jornalista do sertão, um mosaico de histórias, reais ou não, que fazem o homem do interior nordestino. Jagunços, professores, crônicas literárias, homens que falavam com espíritos, personagens da arte dramática em Mossoró – vasto é o painel das histórias contidas no livro. Algumas delas são hilárias, como a do cearense dono de caminhão que, “matuto habituado àquelas tramóias das estradas”, desconfiado que só a mulesta e cuidadoso extremado com o seu dinheiro, ao se hospedar em pensões pouco recomendáveis, costumava guardá-lo na própria roupa do corpo, ao dormir, envolvendo-se em lençóis e mais lençóis. Deu-se que, em certa ocasião, encontrando-se na cidade de Russas, devidamente hospedado, aconteceu o pior com o nosso amigo estradeiro:

“Madrugada alta, a pensão estava em polvorosa.

O barulho acordara todo o mundo.

O homem do dinheiro, apesar de toda a sua precaução, fora roubado, durante o sono. O ratoneiro bancou o sujeito educado. Deixou ao pobre diabo um cartão de visita, cujos termos valem uma peça:

-- Não o levo, também, porque não gosto de macho...”. (p.31-32)

A ave, de Wlademir Dias Pino. Cuiabá: Igrejinha, 1956. [Edição que pertence ao acervo do Poema/Processo.] A ave voa dentro de sua cor: codificação do espaço; codificação das cores -- semiotização do poema visual. É preciso lembrar: não se trata de um "vôo" figurativo, mas de um "vôo" que é grafia em estado bruto, em estado puro. Mais do que um poema-livro, um livro-poema -- antes das facilidades computacionais: o suporte material do objeto-poema, aqui, não é um mero suporte físico. Basta ver seus elementos composicionais: a textura do papel, a transparência de algumas folhas, as perfurações, os cortes, tudo faz parte da construção do livro-poema, com suas indicações gráficas, com suas indicações significacionais. Pois é, pois sim: entre os fundadores da poesia concreta, trata-se do nome mais importante, mais explosivo, em sua vertente semiótico-espacional. O fato é que, em 1967, A ave serviu de base para os estudos gráficos, metagráficos, semióticos e antiliterários que prepararam o terreno cultural para o lançamento em Natal e no Rio de Janeiro (com repercussões imediatas em Minas Gerais) do poema/processo, que explorava os conceitos de matriz e série, projeto e versão, especificidade do material e contra-estilo, procurando, com engenho e arte, espantar pela radicalidade, apostando na relação arte/política/história. Enquanto faziam o poema/processo, seus poetas, artistas e produtores se colocavam claramente contra a ditadura militar que dominava o país. No apogeu do movimento (1968/69), muitos foram os poetas que questionaram a poesia acadêmica, a arte museológica e, em inúmeras ocasiões, a política dos quartéis e dos coronéis.

Cadernos de João, de Aníbal M. Machado. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957, 245p. [] Um livro singular dentro do panorama literário brasileiro, englobando, revistos e ampliados, os textos que compõem o ABC das catástrofes -- Topografia da insônia (1951) e Poemas em prosa (1955). Nascido em Sabará, MG, em 1894, e falecido no Rio, em 1964, o autor mineiro-carioca destacou-se como excelente contista desde Vila Feliz (1944). Segundo o crítico e ensaísta M. Cavalcanti Proença, "A narrativa de Aníbal Machado se desenvolve em terreno fronteiriço, ora pisando chão de realidade, ora pairando nas nuvens do imaginário, entre sonho e vigília, entre espírito e matéria, verdade e mentira, relatório e ficção". Aqui, mais do que nunca, através de pequenos relatos, aforismas inesperados, projetos de contos, substantivações de cunho surrealista, poemas em prosa, minidramas teatrais, o autor de João Ternura (1965) constrói um painel de emoções literárias à altura de qualquer biblioteca de bom gosto. Há textos que podem inspirar aberturas ontológicas para a utopia, como O transitório definitivo (p.40-43), quando se busca -- na maior tranqüilidade -- uma imaginária Santa Maria, castelo de passarinhos. Há textos que beiram a especulação filosófica e social: "Ninguém pode abrir sozinho o seu túnel pessoal para a claridade do dia, sem o risco de morrer sob os entulhos" (p.34). Há textos minúsculos que são esboços de teoria literária voltada para o campo da poesia: "Retira do teu poema as estridências do grito, se queres que ele tenha mais alcance e ressonância" (p. 78). Há poemas que são herdeiros do surrealismo, como a Última carta de Pero Vaz (p.106-08), realçando os bichos que roem o código das águas e a moça que foge dentro de um violão, e mais outras preciosidades, entre as quais "Prateleiras de luz se derramando no céu" e "Um rio morrendo de cansaço/ E navios de sombra/ A navegarem pela floresta". Sobretudo, não nos esqueçamos de suas Iniciativas (p.243-44), sempre delirantes, além de docemente líricas: "Faça o que lhe digo. Solte primeiro uma borboleta.// Se não amanhecer depressa, solte outras de cores diferentes.// De vez em quando, faça partir um barco. Veja aonde vai. Se for difícil, suprima o mar e lance uma planície.// Mande um esboço de rochedo, o resto de uma floresta.// (...) Atire um planisfério. Um zodíaco. Uma fachada de igreja. E os livros fundamentais.// Sirva-se do vento, se achar difícil.// (...) Mande uma manhã de sol, na íntegra.// Faça subir a caixa de música, com o barulho dos canaviais e o apito da locomotiva.// Veja se consegue o mapa dos caminhos”.

Viagem a Tulum, de Federico Fellini & Milo Manara. Rio de Janeiro: Globo, 1992, 84p. [] Uma das mais belas e delirantes histórias-em-quadrinhos da segunda metade do século passado, a partir de um argumento para filme (nunca realizado) e que seria adaptado com brilhantismo invulgar por Manara, o desenhista de algumas obras-primas das HQs, como a genial Sonhar, talvez. Na verdade, Fellini, que dirigiu Os boas vidas, Noites de Cabíria, A doce vida, Oito e meio, Amarcord e outros filmes de sucesso, sempre foi um entusiasta dos quadrinhos. Como Alain Resnais. Como Jean-Luc Godard. Neste caso, para início de conversa publicou através de folhetim (em 1986) uma história que pretendia transformar em cinema; como não o fez, já que cinematograficamente irrealizável, ou quase, permitiu que Manara a adaptasse com bastante liberdade para a linguagem dos quadrinhos, participando, inclusive, da elaboração do roteiro em alguns momentos da feitura dessa autêntica novela gráfica. O resultado final é admirável: em clima felliniano, entre a magia e o deslumbramento gráfico-seqüencial, os dois personagens principais (um senhor e uma jovem) visitam uma lendária Cinecittà, à procura do próprio Fellini, e nela encontram algumas figuras de suas obras, vivenciadas por Giulitetta Masina, Anita Ekberg, além, claro, Marcello Mastroianni. A rigor, a jovem não sabe se está vivendo uma aventura real ou se está dentro de um filme aparentemente sem o menor sentido. O fato é que, levada pelo chapéu do cineasta, se deixa afogar num lago artificial que contém mais elementos oníricos, numa viagem dionisíaca que seria sem lógica, para muitos e muitos. Aliás, é dentro do lago, marcado pelo simbolismo, que, num imenso avião, a jovem encontra Mastroianni, e mais uma vez Fellini. Quando o jumbo decola, com Mastroianni em seu interior, a história "decola". E um filme vai ser feito (por Mastroianni/Snaporaz como o diretor), com seus mistérios, suas fantasias, seus devaneios, suas impossibilidades, seus mitos quadrinhográficos, seus múltiplos caminhos que levam ao México e à sua cultura milenar. São muitas as referências e homenagens metalingüísticas em Viagem a Tulum, como, por exemplo, a Moebius (autor de outra instigante obra-prima dos quadrinhos: Arzach, visualmente excitante). Sem dúvida, navegamos em plena história por um beco sem saída temático, explicitado por aqueles que pensam o filme/quadrinho, como se o próprio cinema de Fellini, depois de anos, apontasse para algo indefinível, para algo indecifrável. No final, tudo parece ter sido um sonho, mas não se trata de um fim, e sim de um começo, ou recomeço, quando um novo e enorme avião aparece, do fundo do lago, voando para um inalcançável sistema de raízes criadoras além da imaginação visionária: uma imaginação que se desenha na película, mas também no papel. Algumas páginas são puro Manara redimensionando Fellini; outras, são puro Fellini sob a ótica gráfico-delirante de Manara, igualmente conhecido por seus quadrinhos eróticos de grande beleza visual. De certo modo, Viagem a Tulum é o último grande filme de Fellini, sendo, ao mesmo tempo, uma das grandes HQs de Milo Manara.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

CINEMA RIO 2007

Recomendamos com entusiasmo:
Uma mulher sob influência (Cassavetes, 1974), no Estação Laura Alvim

Recomendamos:
Noite de estréia (Cassavetes, 1978), no Estação Botafogo/1
Corações e mentes (Davis, 1974), no Arte UFF
Hércules 56 (Sílvio Da-Rin, 2007), no Estação Botafogo/3
Baixio das bestas (Cláudio Assis, 2007), no Arteplex/5

Recomendamos com reservas:
Cartola - Música para os olhos (Lírio Ferreira & Hilton Lacerda, 2006), no Estação Botafogo/3


BALAIO PORRETA1986
nº 2026
Rio, 25 de maio de 2007



ESTRANHOS SEMELHANTES / ESTRANHOS ENCONTROS

Começou ontem no Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos (Auditório do SENAC/RJ: Rua Pompeu Loureiro, 45, Copacabana) o seminário sobre Segregações. Eis um bom momento e um bom espaço para se questionar, para se discutir, para se problematizar. Uma boa hora, enfim, para se misturar a torcida do Flamengo com a torcida do Vasco, rapadura com uísque, Ipanema com as favelas da Maré, Natal com Mossoró, Currais Novos com a Cidade do Caicó, Lampião com Padim Ciço, Luiz Gonzaga com Johann Sebastian Bach. E chiclete com banana, como já dizia o cineasta Federico Fellini, vulgo Jackson do Pandeiro.

A programação de hoje é a seguinte:

09:ooh - Existem ainda sexualidades segregadas?,
com Fernada Eugenio, Márcia Arán, Regina Neri e mediação de Igor Juliano de Pauala.

11:00h - Estranhos semelhantes,
com Isabel Fortes, Maria Eunice dos Santos, Moacy Cirne e mediação de Nelma Cabral.

14:00h - Alteridades,
com Fábio Lacombe, Fátima Gonçalves Cavalcanti, Conceição Evaristo e mediação de Elizabeth Ramos Donnici.

16:00h - Juventudes segregadas,
com Regina Novaes, Nega Gizza, Maria Theresa da Costa Barros e mediação de César Ibrahim.

18:30h - Exibição do documentário Nenhum motivo explica a guerra, de Cacá Diegues e Rafael Dragaud. Debate com integrantes do grupo AfroReggae e mediação de Suzana Neves.

Amanhã tem mais.


()()()()


ENQUANTO ISSO, em homenagem aos poetas seridoenses do Rio Grande do Norte, eis um olhar mágico de HUGO MACEDO sobre a cidade de Acari:


quinta-feira, 24 de maio de 2007

A especialização -- técnica, científica, administrativa, militar, educacional, financeira, médica -- transformou-se na mistagogia prestigiosa da sociedade tecnocrática. Sua principal função, nas mãos das elites dominantes, consiste em mistificar o espírito popular através de ilusões de onipotência e onisciência -- de maneira muito semelhante àquela em que os faraós e os sacerdotes do antigo Egito utilizavam o monopólio do calendário para obter a docilidade temerosa de súditos ignorantes. A filosofia, como disse certa vez o obstinado Wittgenstein, constitui o esforço por evitar que sejamos mistificados pela linguagem. Entretanto, em grande parte sob a influência de lógica e técnicos, e com o suposto propósito de exorcizar nosso pensamento, produzimos o jargão cientificista que atualmente domina o linguajar oficial e as ciências sociais. ... O vocabulário e a metodologia dissimulam os pressupostos éticos fundamentais ou transcrevem-nos habilmente numa retórica despersonalizada que proporciona um verniz de necessidade militar ou política. (Theodore ROSZAK. A contracultura [1969]. Petrópolis: Vozes, 1972, p.148-49)


BALAIO PORRETA 1986
nº 2025
Rio, 24 de maio de 2007



FATALIDADE
de Márcia Maia
[ in Mudança de Ventos ]

Maré cheia, moça e lua, sós e nuas, noite alta, se afogaram


POEMAS
de Mariza Lourenço

COMESTÍVEL

entre os seios
coração-chantilly
e língua.

GATAS

I

a gata no cio saiu de casa pra miar no telhado vizinho.
(gata no cio tem telhado de vidro)

II

o pássaro afoito foi parar entre as patas (traseiras) da gata.
a gata ansiosa engoliu o pássaro afoito
: com pena e tudo.

PASSARINHADA

pássaro canta
eu perco a vergonha
pinto pia
eu fico em chamas

ÚMIDA

nua e linda
em tuas mãos
sou líquida


()()()()()()()

Depois de um poema comestível, de um outro para ser bebido, eis, agora, através do poema/processo, em homenagem aos seus 40 anos, um poema para ser lambido. Veja aqui.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Memória / Repeteco

Infame e preconceituosa é a frase que circula pela internet: "O presidente não será reeleito por aqueles que lêem os jornais, mas pelos que limpam a bunda com eles". Se querem criticar Lula (e ele, de fato, merece várias restrições), que o façam politicamente, mas não de forma rasteira, desesperada e raivosa. Trata-se, a rigor, de uma colocação pornográfica, apelativa, de conteúdo ultraconservador, contra pessoas que, equivocadamente ou não, acreditam que Lula, apesar de tudo, ainda é o melhor. Ou o menos ruim, se preferirem. (Moacy Cirne, in Balaio 1832, Natal, 3/08/06)


BALAIO INCOMUN 1832
Desde 1986
Natal, 31 de agosto de 2006

Contatos: balaio86@oi.com.br


UMA HISTÓRIA CAICOENSE
in 50 anos de causos,
de GERDO BEZERRA DE FARIA (Natal, 2004)

O Dr. Aladim, grande personalidade do séc. XIX, em Caicó (RN), era o mais tranqüilo e paciente dos homens em toda a região do Seridó, conhecido por sua calma e sua inteligência. A história a seguir está relatada, com inegável graça, no livro de Gerdo Bezerra de Faria (p. 169-70), considerando que a maioria dos rios nordestinos, inclusive o sagrado Seridó, somente no inverno "botam" água, muitas vezes de barreira a barreira:

"Numa certa vez, um visitante, querendo testar Dr. Aladim ao máximo que podia, aproveitou uma boa conversa e foi perguntando:

- Faz muito tempo que o senhor mora aqui?
- Desde que comprei esse sítio, em 1840.
- (...)
- O senhor já viu muita enchente desse rio Seridó, não viu Dr. Aladim?
- De todo tamanho que o senhor imaginar.
- Dr. Aladim, esse rio bota água pra lá ou pra cá?

O visitante provocador, perguntou apontando primeiro para o nascente e depois para o poente. Dr. Aladim, na tranqüilidade de sempre, respondeu como se a pergunta fosse normal e sem nenhuma provocação.

- Esse rio bota água dali do nascente em busca do poente, desce aqui de cabeça abaixo, vai bater no rio Piranhas, que vai dar no rio Açu, e esse vai bater no meio do mar.

O provocador pensou, 'é agora que eu pego esse velho', e mandou o desafio.
- Pois Dr. Aladim, me disseram que esse rio o ano passado botou uma cheia pra lá.

Disse apontando para o nascente. Dr. Aladim parecia adivinhar que aquele besta iria fazer aquela pergunta, pois na mesma hora, quase sem pensar, olhou para ele e já foi dizendo:

- Ô meu bichinho, você sabe quantos anos esse rio tem? Esse rio está muito velho, deve está caducando, bota cheia pra lá, bota cheia pra cá, bota cheia pra lá, bota cheia pra cá, bota cheia pra lá, bota cheia pra cá, deve ser isso".


FEIRA DE CITAÇÕES ESPORRENTAS

[] Só conheço um afrodisíaco -- a mulher. (Millôr Fernandes)
[] O Ministério da Saúde adverte: conservadorismo e puritanismo provocam câncer. (Balaio 985)
[] O homem é um deus quando sonha e não passa de um mendigo quando pensa. (Hölderlin)
[] A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana. (Barão de Itararé)
[] O sonho é o pensamento em férias. (Murilo Mendes)
[] Seja um viciado em amor. Não há nenhuma contra-indicação do Ministério da Saúde. (Dailor Varela)
[] Deus é Soda. Já dizia Fócrates. (Boêmio da Lapa, no Rio)
[] O gol é o orgasmo do futebol (Anônimo, em pleno Maraca, no Rio)
[] Prefiro o paraíso pelo clima, e o inferno pela companhia. (Marx Twain)
[] Deus é o único ser que, para reinar, não precisa sequer existir. (Charles Baudelaire)
[] O caminho dos excessos leva ao palácio da sabedoria. (William Blake)

()()()()()()()

Clique aqui para ver a homenagem da poeta Regina Pouchain, do Rio, aos 40 anos do POEMA/PROCESSO.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Não tenha dúvida: a mídia é a maior responsável pela patética e jeca vassalagem a celebridades que, a partir da década de 1990, virou um flagelo mundial. (Sérgio AUGUSTO. As penas do ofício. Rio de Janeiro: Agir, 2006, p.36)

A televisão é uma máquina de fazer doidos. (Sérgio PORTO, anos 60)

A televisão é uma máquina de fazer idiotas. (BALAIO, anos 90)


BALAIO PORRETA 1986
nº 2024
Rio, 22 de maio de 2007

# Poema/Processo [] Poesia Concreta #


TRÊS POEMAS
de MARCO JUSTO (RJ)

Me lambe amor.
Me lambe inteiro
em tua boca:
até não restar
nada mais
que um Homem.

***

É uma devassa
tua palavra quando queima
em minha língua.

***

Todos os
silêncios
são gatos.

[ in Opus. Rio: Leviatã, 1993 ]

segunda-feira, 21 de maio de 2007

VAGANTE
de Acantha
[ in La Vie Bohème ]

os sonhos
(in) possíveis
não me deixam adormecer


BALAIO PORRETA 1986
nº 2023
Rio, 21 de maio de 2007
# Poema/Processo [] Poesia Concreta #


PRESSA
de Sandra Camurça
[ in O Refúgio ]

palavra abreviada
brasa que se apaga
na lenha


O DIARIM DE MARIA BUNITA - IX

Quirido diarim,
apois num é qui Dadá, aquela que pensa qui dá mais num dá, acomeçou a disconfiá de minha pessoa. Só purque o Diabo Lôro, qui é dela mais tumbém é meu, as veiz chamega um pouquim com eu. Só tenho um medo: e se ela arresolvê contá pro Capitão? Cuma é qui fica? Ai, ai, num quero nem pensá na desgracêra qui vai sê. Tumbém esse fi d'uma égua só veve ispiando minhas coxa quando eu tô de cóca, anda atrais d'eu qui nem sombra, num arreda pé, arguma reza essa alma tava quereno, né não diarim... Eu num tenho culpa desse cabra entrá nos meu sonho, mermo quando drumo nos braços do meu amô verdadêro, o capitão Virgulino. Ela num dêxe de bestêra não, apronto uma cum ela qui Virgulino corre cum ela em treis tempo daqui. Vai ficar sem o bando e sem o Curisco, qui é pra dexar de ser besta...

sábado, 19 de maio de 2007

DE MURILO MENDES

[] Prefiro a nuvem ao ônibus.
[] A poesia é a teoria dos homens e a prática dos deuses.
[] É muito difícil saber pecar em profundidade.
[] Só se aprende o que se precisa saber.
[] O sonho é o pensamento em férias.

( in O discípulo de Emaús, 1945 )


BALAIO PORRETA 1986

nº 2022

Rio, 19 de maio de 2007



A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

666 livros indispensáveis (16/111)


Geração alternativa – Antilogia poética potiguar [anos 70/80], de J. Medeiros (org.). Natal: Amarela Edições, 1997, 342p. [] Do poema/processo à poesia marginália, da poesia marginália ao poema/processo: o mais completo roteiro da poeticidade experimentária norte-rio-grandense em duas décadas de atuação & agitação. São muitos os poetas presentes: Avelino de Araújo, Bosco Lopes, Carlos Gurgel, Carlos Humberto, Carlos Jucá, Charlier Fernandes, Dácio Galvão. E mais, e muito mais. Entre outros: Dailor Varela, Eduardo Gosson, Eli Celso, Enoch Domingos, Falves Silva, Fátima Amaral, Franklin Capistrano. Poder-se-á citar, ainda, os nomes de Horácio Paiva, Jarbas Martins, João da Rua, João Gualberto, Jóis Alberto, J. Medeiros, Leontino Filho, Marize Castro.


Processo: linguagem e comunicação, de Wlademir Dias-Pino. Petrópolis: Vozes, 1973. [] Teoria, crítica e prática do poema/processo: seus principais documentos e alguns de seus poemas mais importantes, poemas de Alvaro de Sá e Nei Leandro de Castro, Neide Dias de Sá e Fernando Guimarães, Joaquim Branco e Dailor Varela, Ronaldo Werneck e Walter Carvalho. Poemas de Wlademir Dias-Pino e Talita Magger, Oscar Kellner Neto e José Arimathéa, Hugo Mund Jr. e Pedro Bertolino, Anchieta Fernandes e Frederico Marcos. Poemas de Dayse Lacerda e Sebastião Carvalho, Ronaldo Periassu e Arabella Cunha, Iaperi Araújo e William Dias, Celso Dias e Sônia Figueiredo, Lara de Lemos e Moacy Cirne: os múltiplos caminhos do poema/processo.


Poemics [12 x 9 + n], de Alvaro de Sá. Rio de Janeiro: ed. Do Autor, 1991. [] A mais radical e criativa experiência no campo da visualidade poética a partir dos referenciais teóricos do poema/processo, tendo em vista o primado estético e estrutural das histórias-em-quadrinhos. Cores, gráficos e cortes que, através de versões, engendraram outros poemas dos mais diversos poetas. Aquí, “O poema surge da predominância do exercício da função poética sobre as demais funções semióticas. Os signos específicos da linguagem dos comics são o objeto da perfomance, plasmando valores e significantes, vazios de referentes”. Ou, ainda, segundo o próprio AS: “comunicação integral / internacional através do processo”. [Cf. blogue do Poema/Processo.]


Germens, de Hugo Mund Jr. Brasília: Ed. do Autor, 1977 [] Imagens matriciais, constelações gráficas, textos significantes, codificações, escritas, sonhos, poemas & projetos, sob o signo da experimentação poética, marcada, em alguns momento, pelo poema/processo, de 1967 a 1977. Seria o livro de Hugo Mund um “breviário de educação visual”, como disseram alguns? Talvez seja mais do que isso. A poesia como substância gráfico-emocional: o poema como realidade gráfico-semiótica. Num dos primeiros poemas, suas admirações efetivas: anchietafernandesalvarodesaaloisiomagalhaes / (...)

gejoaquimbrancojeanclaudemoineaujosepiresba / (...)

shallmcluhanmarcioalmeidamanuelqueijodonimai (...).


Noigandres 5: antologia do verso à poesia concreta, de Augusto de campos e outros. São Paulo: Massao Ohno, 1962 [] Poemas concretos dos cinco integrantes do Grupo Noigandres: Haroldo de Campos, Décio Pignatari, José Lino Grunewald, Ronaldo Azeredo e Augusto de Campos. Algumas das produções mais conhecidas da vertente noigandres da poesia concreta (as outras duas são a semiótico-espacional de Wlademir Dias Pino – das três, a mais criativa – e a substantivo-expressional de Ferreira Gullar): LIFE e terra, de Décio Pignatari; nascemorre e ver navios, de Haroldo de Campos; tensão e ovonovelo, de Augusto de Campos; velocidade e oesteleste, de Ronaldo Azeredo; rio raio e vai e vem, de José Lino Grunewald.


Revista de Antropofagia [reedição facsimilar : 1ª e 2ª dentições (1928-1929)], por Oswald de Andrade. Intr. Augusto de Campos. São Paulo: Metal Leve, 1976. [] Nos anos 20, o apogeu criativo do modernismo através de Oswald de Andrade e de, entre outras figuras importantes, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Murilo Mendes, Luís da Câmara Cascudo, Jorge de Lima, Ascenso Ferreira, Carlos Drummond de Andrade, Rosário Fusco, Yan de Almeida Prado, Marques Rebello, Jorge Fernandes, Menotti Del Picchia, José Américo de Almeida, Antônio de Alcântara Machado, Guilherme de Almeida, Pedro Nava. “Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamenmte. Philosophicamente. /.../ Tupy or not tupy, that is question”.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

CINEMA RIO 2007

Recomendamos com entusiasmo:
Boudu salvo das águas (Renoir, 1932), dia 21, no CineMaison
Uma mulher sob influência (Cassavetes, 1974), no Laura Alvim
Homenagem a Mário Carneiro [vários filmes], no CCBB

Recomendamos:
Corações e mentes (Davis, 1974), no Arte UFF, em Niterói
Noite de estréia (Cassavetes, 1977), dia 25, pelo Circuito Estação
Hércules 56 (Sílvio Da-Rin, 2007), no Estação/3

Recomendamos com reservas:
Cartola – Música para os olhos os olhos (Lírio Ferreira & Hilton Lacerda, 2006),
no Estação/3

Pretendemos ver:
Baixio das bestas (Cláudio Assis, 2007), no Arteplex/5


BALAIO PORRETA 1986

nº 2021

Rio, 18 de maio de 2007


FLOR-TITÂNIO

[Blocos iniciais: 8/14]

Regina Pouchain (RJ)

Manhãs que crescem com a flor letal.
Amor estrangulado em âmbar.
Delírio de fogo que se encarna.
Aviões que entram pela eternidade.
A voz minúscula e asmática,
Que brota dos interstícios da terra.
Corpo alterado, sofrimento retroativo.
Azul alarme, um piano irrompe.
Cidades agudas sangram alumínio.
Memórias agarradas ao que cavam.

Sob o silêncio desse ínfimo sábado.

Mundo portátil.
Luz cobalto que nos cega.
No território hostil das catracas.
Harpas em desespero.
É a terra que respirando se dobra.
Destino das folhas-fósseis.
Em tua derme-trajetórias.
Coração pedra-pomes.
Luto para sempre.
A saudade talha.

O paraíso me encosta em ti.

O tempo e o alívio em alquimia.
Musa de areia pilhada.
A boca engole o mergulho.
Um derrame de mar vertical.
No alvo das imagens coagidas.
Voz de cogumelo decantando a terra.
Feridas visuais, legendas átonas.
O sol sabe consolar-se.
Dor de guardar, alta, intacta.

Um cavalo de fogo desce a colina.

Pálpebras soberanas.
Sonora mulher nanquim.
A própria história no granito da pele.
O sal imantado das dúvidas.
Beijo alçapão, alegria acústica.
Ontologia para teus desenhos.
Arrastar o próprio monstro.
Os frutos que nos comem,
O mel e os tiros.

Envelhecer é cansar-se de trajetórias:
A juventude é geométrica.

Entre a corda e o salto.
Bonecas que sonham ser.
Flexível como a sombra.
Algas de metileno.
Eu me escolho nas palavras.
Tempo fictício na imobilidade.
Fome e vínculo crucial.
Clavículas vegetais e metatarsos em flor.

Sinais distintivos,
Cascalho de ti e de mim.

A ira da terra no magma dos vulcões.
O amor é cítrico.
Desligar é construir mundos.
Minúscula paisagem.
Ostentação simétrica.
Luz da febre, casas de sal.
Nada que se possa concluir.
Sementes que desistem.
Ir é sinal de otimismo.

Eu, carne de papel, sangue de letras,
cérebro capitular.

Os penhascos me avassalam.
Nascer do bronze convulsivo.
Fotonostalgiacelulose.
Tuas mãos na retidão da página vítrea.
A saúde que se esforça para não ser.
Fábula natural alagada.
Vértebras de açúcar.
Âmago: alvo inatingível.
Poemas circulam entre tudo que voa.
Em cada órgão um coração.

Vida amável: teu nome.

Móveis etéreos entre legiões de ancestrais.
Musa em clorofila atarantada.
O amor cansou de ser.
Todos os dias entra em casa, para sempre.
Fraturas do vento abissal.
A beleza se desloca, irriga.
O objeto revela civilizações.
Roma cidade-cemitério.
Na enlaçada volumetria do teu corpo.
E o que nos abre em dois.

O homem, um hiato entre duas dores:
Nascimento e morte.

(...)

quinta-feira, 17 de maio de 2007

RESGUARDO
Poema de LISBETH LIMA (RN)
[ in Flor de Craibeira]

Na noite de me parir
minha mãe lavou uma bacia de roupas.
Depois que voltou comigo nos braços,
cozinhou para meu pai e meu irmão.
No seu resguardo, aprendeu sozinha a maternidade.
Juntas choramos os quarenta dias.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2020
Rio, 17 de maio de 2007

# Poema/Processo #


DOIS POEMAS DE
LINALDO GUEDES
(PB)
[ in Zumbi Escutando Blues ]

Felina

as garras do teu amor
estão ocultas

no olhar misterioso do teu corpo

- e eu me arranho todo.

Feliz Ano Novo

teus seios
brilham no ocaso
vermelho
que invade
o ano virgem

POEMA DE
JOVINO MACHADO
(SP)
[ in A Cigarra, nº 35. Santo André, junho 2000 ]

minhas mulheres não são amélias
são orquídeas
não são camélias

meus homens são coração
maiakovski torquato neto
itamar assumpção

minhas mulheres são fortes
virginia woolf clarice
thereza portes

meus homens são ilusão
drummond matisse joão
cores poesia e violão

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Memória / Repeteco
BALAIO PORRET@ 537
Rio, 4 de novembro de 2004
Total de assinantes: 601

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"Nada pior do que o terrorrismo de Estado
praticado em nome de falsas democracias."
(Balaio Porreta)
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O mundo está de luto
DEU-SE A MERDA, MAIS UMA VEZ, NOS EUA
REELEITO O TERRORISTA W.C. BUSHIT



MAIS SANGUE! MAIS SANGUE!

O Imperador do Mal,
dos quintais apodrecidos das Américas,
sentindo-se mais fortalecido do que nunca,
ataca de novo com sua empáfia de hiena pervertida:
Quero mais sangue! Quero mais sangue!
O sangue dos árabes inocentes!
O sangue dos latinos indecentes!
O sangue dos negros impotentes!


Recorro a Walt Whitman para detê-lo com
a voz da poesia.
E o Imperador, maléfico, insiste:
Quero mais sangue! Quero mais sangue!
E que Whitman vá para o Inferno!

Recorro a Charlie Chaplin para detê-lo com
a voz do humanismo.
E o Imperador, diabólico, explode:
Quero mais sangue! Quero mais sangue!
E que Chaplin vá para a puta que o pariu!


Recorro a John Coltrane para detê-lo
com a voz da paixão.
E o Imperador, nefasto, agride:
Quero mais sangue! Quero mais sangue!
E que Coltrane vá para o diabo que o carregue!

Recorro, por fim, a Susan Sontag
para detê-lo com a voz da sabedoria.
E o Imperador, maldito, não se contém:
Quero mais sangue! Quero mais sangue!
E que a Sontag vá se fuder!


Mando-o, então, à merda,
uma, duas, três, mil vezes,
e vou ouvir Pixinguinha,
Noel Rosa,
Luiz Gonzaga.
E me preparo,
calmamente,
para mais uma guerra.

(Moacy Cirne)


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Balaio produzido ao som de Grande Missa dos Mortos & Sinfonia fúnebre, de Hector Berlioz, por Colin Davis [ Philips, grav. 1969 ]
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Clique aqui para ler as Teses sobre o modo de produção do poema/processo, de nossa autoria.
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terça-feira, 15 de maio de 2007

À FRANCESA
de Simão Pessoa (AM)

Vai ser só a cabecinha
explicou à Antonieta
ajeitando a guilhotina

[ in Matou Bashô e foi ao cinema (1992) ]


BALAIO PORRETA 1986
nº 2019
Rio, 15 de maio de 2007



DINHEIRO & MEMÓRIAS
de Luiz Rosemberg Filho (RJ)
(Para Nina Tedesco, Alexandre DaCosta, Ana Coutinho e Marília Bandeira)

"Hoje, é menos o sexo que incomoda ou amedronta, mas a dor permanente, o cadáver potencial que nós somos. Quem quer olhá-los de frente?" (Julia Kristeva)

Olho o país e vejo um imenso vazio existencial e político. E entre banalidades televisivas e Hollywood a passagem do tempo que passou marcando cada rosto, cada corpo, cada alma. Os "entendidos" dizem que a ditadura acabou. Para o saber ela continua sutil, permanente e freqüentemente truculenta, artificializando com tudos e todos. Ainda ontem acreditávamos num mundo diferente, humano e melhor. E numa ausência real de uma história para o país ficamos à deriva flertando com o nosso próprio fim. Talvez fosse bom abrir mão dos nossos muitos sonhos. Sempre nos faltou uma concepção viva e transparente dois encontros, dos afetos e muito da política-show dos partidos. Daí o desafio de suavizar ou dar leveza ao ainda belo e efêmero ato de criar pequenas "posições" em forma de resistência.

Estou falando de dois trabalhos diferentes mas que se aproximam na utopias das idéias. O dinheiro, pela imobilidade. Já o Memórias, pelo infinito assassinado por um tempo sem muita expressão. Sensibilidade nunca foi o fundamento da política. Menos ainda do poder de onde só jorra sangue, lama e traições. Mais na festa que nunca foi nossa as tantas e tantas comemorações da política aliada ao espetáculo. Não se voltou a reeleger Collor, Maluf e quase todos os Mensaleiros? Antes se tinha a desculpa da ditadura. Depois vieram o PMDB, o PSDB a agora o PT. Alguma diferença? E na certeza de que tudo logo cairá no esquecimento desmaterializa-se todo e qualquer sonho. Sonhar para quê? Ou seja, somos uma infinita repetição do vazio universal, de Bush ao Alvorada.

Nosso modesto trabalho enfatiza o valor das palavras, do pensamento, das idéias, do olhar... Vamos no sentido contrário da ligeireza, da compreensão fácil e imediata. E da cristalização do espetáculo como êxtase do capital. Os dois trabalhos assumem as minhas muitas dúvidas e nenhuma certeza. A única idéia é a encenação ou visualização das nossas ruínas. Os burocratas de ontem e de hoje conseguiram transformar o processo criativo num infindável buraco negro onde, na fixidez obrigatória do horror, só a música realiza o seu vôo solo. Não são trabalhos fáceis, mas nem por isso perdem o seu valor. Pode-se também não entender e não gostar sem que o trabalho ou as pessoas sejam diminuídas. Não fizemos televisão.

O dinheiro e Memórias cumprem o seu papel na perspectiva de uma experiência ética e estética mais profunda na direção de um cansaço real no desmantelamento do humano. Lamentavelmente, a política aqui é um infindável acúmulo de repetições tristes e infinitas. É ainda o ditado do "salve-se quem puder - a vida". E não poderia ser diferente?

segunda-feira, 14 de maio de 2007

CINEMA, DOCUMENTÁRIO E VERDADE

O que faz de um documentário um filme essencial para a história do cinema? Pensemos em Robert Flaherty, com seu documentário ficcionalizado, autor de pelo menos uma das grandes obras-primas do cinema (O homem de Aran, 1934). Pensemos em Dziga Vertov, com seu documentário experimental, autor igualmente de pelo menos uma obra definitiva para a história da linguagem cinematográfica (O homem da Câmera, 1929). Há casos isolados de documentários extremamente fortes e belos (Nuit et brouillard [Resnais], 1955; O sangue das bestas [Franju], 1948; ou mesmo, por outros motivos, China [Antonioni], 1972). Há também o documentário-epistolar (Carta para Jane [Godard], 1972), o documentário político (La hora de los hornos [Solanas], 1968; A revolta do Chile [Guzmán], 1975-79; o já citado Carta para Jane). E assim por diante. No caso brasileiro, temos alguns documentaristas consagrados: Humberto Mauro, Vladimir Carvalho, Eduardo Coutinho.

Mas é preciso insistir na pergunta: o que faz de um documentário um grande momento da cultura cinematográfica, o que faz de um documentário um filme capital? Algumas questões básicas devem ser levantadas: o modo de olhar (seja participativo, seja histórico-social, seja aparentemente neutro), a substância narracional específica (com o seu "tempo narrativo"), a articulação dos elementos estruturais, a clareza das idéias e dos objetivos, o comprometimento formal-cinematográfico com o tema escolhido. A partir daí, é possível construir uma grande obra: uma obra que não se esgota na possível beleza plástica (quando for o caso) ou no delírio ideológico do conteúdo pelo conteúdo (quando a situação dada permite "ligações políticas" previsíveis). [No mundo virtual, aliás, há ótimos blogueiros que pensam o documentário com um olhar crítico-histórico-antropológico bastante instigante - haja vista o exemplo natalense de Marcos A. Felipe.]

Neste contexto, um documentário como o brasileiro Hércules 56 (Sílvio Da-Rin, 2007) é mais do que necessário: é estética e politicamente fundamental. Fundamental para que compreendamos, sem as facilidades do panfletarismo, mas com a energia de um didatismo histórico-sociológico invulgar, os meandros da política tupiniquim pós-AI5, quando a ditadura militar endureceu de vez a ossatura do poder pseudo-institucional instalado entre nós. Fundamental para que compreendamos melhor um dado episódio político da nossa história mais recente: a captura, por organizações de esquerda, do embaixador americano no Brasil, o sr. Charles Elbrick. O filme de Sílvio Da-Rin dá voz, hoje, aos idealizadores da captura (em salutar processo de crítica e autocrítica), assim como dá vez e voz àqueles combatentes políticos que, entre os que estão vivos, foram trocados pelo embaixador. E também, com agilidade rítmica, resgata cenas da época: a repressão policial nas ruas, o enterro de Edson Luiz, a passeata dos 100 mil, a leitura de um manisfesto (uma das exigências para que o embaixador não fosse justiçado), a chegada dos companheiros militantes no México e, depois, em Cuba. Sem emocionalismo gratuito, mas com a dosagem certa da emoção política e cinematográfica. Ao contrário da ficção O que é isso, companheiro? (uma obra falsa e equivocada sobre o mesmo tema), Hércules 56 - o nome do avião que levou a companheirada militante para o exílio - é um filme sério. Desde já, em sua modernidade radical, um dos melhores lançamentos do ano.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2018
Rio, 14 de maio de 2007


DIARIM DE MARIA BUNITA - VIII

Quirido Diarim,

ôje tô arretada de tanta raiva qui si eu pudesse e o capitão 
concordasse eu mandava arrancar os possuído do Diabo Lôro e
ainda mandava sangrar de faca pexêra aquela infitete daquela
cigana que se arranchô pur aqui cum minha permissão. apois
num é qui peguei a mardita de semvergonhice cum aquele branquelo
fi d'uma égua debaixo de uma algaroba lá pras banda das
oiticicas? apois de ôje num passa, adispois dessa, nunca mais
qui ela vai lê sorte de ninguém purque ninguém mexe no qui é de
Maria Bunita sem orde dela. Cum o Diabo Lôro eu mi acerto adispois
purque na farta de Virgulino inté qui ele faiz um chamego gostoso
numa bucetainha, faiz sim... Ah, diarim, deixe istá qui o qui é dele
tá guardado...



SER NATALENSE - Ô orgulho réi besta!!!

por Alexandro Gurgel (RN)

[in Grande Ponto ]

Natalense não se diverte, ele "bota pa decê"!
Natalense não é distraído... é apombaiado!
Natalense não vai em festa... ele vai pra bagaça!
Natalense não vai com sede ao pote... ele vai com a bixiga taboca!
Natalense não vai embora... ele vai pegá o beco!
Natalense não diz "concordo com vc" ... ele diz "Né isso, omi!!!!"
Natalense não conserta... ele imenda!
Natalense não bate... ele "sentá-le" a mãozada!
Natalense não sai pra confusão... ele sai pro "muído"!
Natalense não bebe um drink... ele toma uma!
Natalense não joga fora... ele rebola no mato!
Natalense não discute... ele bota boneco!
Natalense não é sortudo... ele é cagado!
Natalense não corre... ele faz carrera!
Natalense não ri... ele se rasga!
Natalense não brinca... ele manga!
Natalense não compra cachaça... ele compra "o lítu"!
Natalense não toma água com açúcar... ele toma garapa!
Natalense não exagera... ele alopra!
Natalense não percebe... ele dá fé!
Natalense não vigia as coisas... ele pastora!
Natalense não vê destruição... ele vê só o distroço!
Natalense não sai apressado... ele sai desembestado!
Natalense não observa... ele passa "pia"!
Natalense não agarra a mulher... ele arroxa as doidinhas!
Natalense não dá volta... ele arrudêia!
Natalense não diz que fulano não é de confiança... ele diz que a mercadoria é sem nota!
Natalense não espera um minuto... ele espera um pedaço!
Natalense não é distraído... ele é avoado!
Natalense não fica encabulado... ele fica todo errado!
Natalense não é engraçado... ele é marmotento!
Natalense não é bonito... ele é bixinho!
Natalense não passa a roupa... ele engoma a roupa!
Natalense não ouve barulho... ele ouve zuada!
Natalense não acompanha casal de namorados... ele segura vela!
Natalense não dá cantada... ele dá um L!
Natalense não é esperto... ele é desenrolado!
Natalense não é rico... ele é estribado!
Natalense não é homem... ele é macho !


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