quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Clique na imagem de
Carlos Gardel
para ouvi-lo em
La cumparsita


BALAIO PORRETA 1986
n° 2798
Natal, 30 de setembro de 2009

Arranquem meus olhos.
A flor está morta.
(Sônia BRANDÃO. Réquiem, in Pássaro Impossível)


OS GRANDES TANGOS ARGENTINOS
Seleção do Prof. Hélio Fernandes (IACS/UFF, em Niterói)
Cf. Balaio n° 1279, de 16 de maio de 2000

Os tangos selecionados (por ordem alfabética):

A media luz (1925), de Lenzi & Donato
Adiós muchachos (1927), de Sanders & Vedani
Adiós, pampa mía (1945), de Canaro & Mores
Al compás del corazón [Late un corazón] (1942), de Expósito & Federico
Arrabal amargo (1934), de Le Pera & Gardel
Barrio de tango (1942), de Manzi & Troilo
Cambalache (1935), de Discépolo
Caminito (1924), de Peñaloza & Filiberto
Confesión (1930), de Madori & Discépolo
Cristal (1944), de Contursi & Mores
Cuartito azul (1938), de Battistella & Mores
El día que me quieras (1934), de Le Pera & Gardel
Esta noche de luna (1946), de Marcó & Gomez
Esta noche me emborracho (1928), de Discépolo
Garúa (1943), de Cadícamo & Troilo
La cumparsita (1924), de Matos Rodríguez
Mano a mano (1920), de Flores, Gardel & Razzano
Melodía de arrabal (1932), de Le Pera & Gardel
Milonguita (1920), de Linnig & Delfino
Niebla del Riachuelo (1937), de Cadícamo & Cobián
Nostalgias (1936), de Cadícamo & Cobián
Pa' que bailen los muchachos (1943), de Cadícamo, Cobián & Troilo
Paciencia (1937), de Gorrindo & D'Arlenzo
Pregonera (1945), de Rótulo & De Angelis
Que falta que me hacés (1933), de Federico Silva, Caló & Pontier
Sentimiento gaucho (1924), de Caruso & Canaro
Sin palabras (1945), de Discépolo & Mores
Sur (1948), de Manzi & Troilo
Tinta roja (1941), de Castillo & Piana
Volver (1935), de Le Pera & Gardel

POEMA
Diva Cunha
[ in Resina, 2009 ]

A luz inaugura a carne
estabelece o ciclo da vida

cada célula é uma asa
despetalada para o voo

água que o céu destila
para as profundezas da terra


ENIGMA
Marize Castro (RN)
[ in Marrons crepons marfins, 1984 ]

O que há de novo
entre minhas coxas
além de uma fenda
um atalhe
uma armadilha
para os mais desavisados?


AUTOPSICOGRAFIA
Filipe Couto
[ in As Outras Palavras ]

Se me dou inteiro
às palavras que escrevo

(minha pele, minhas roupas,
meu gosto, meu cheiro),

é por muito querer viver,
e não porque vivi.

Perco-me todo
num conto inventado:

minha vida não cabe em mim
.


Natal
QUARTA CULTURAL NO MERCADO DE PETRÓPOLIS
Hoje é dia de mais uma Quarta Cultural no Mercado Municipal de Petrópolis: pelo que dizem, de tudo um pouco; do pouco, um tudo. A conferir: música, artes, literatura, poesia, o Bar e Cachaçaria Papo Furado, o Sebo Cata Livros, conversas fiadas, conversas afiadas, encontros amigos. Tem mais, claro. Das 10 às 22h.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Rio Potengi, Rio Potengi:
entre o crepúsculo e a magia de Natal.
Foto:
Ilhadecos


BALAIO PORRETA 1986
n° 2797
Natal, 29 de setembro de 2009

É vergonhosa a forma como a mídia conservadora brasileira vem tratando o episódio do golpe em Honduras. Há uma tentativa grotesca de justificar o injustificável. No Jornal da Globo, Arnaldo Jabor chegou a chamar a deposição do presidente legitimamente eleito Manuel Zelaya de “golpe democrático”.
(Allison ALMEIDA, in Embolando Palavras)


O POTENGI
Nei Leandro de Castro
[ in Autobiografia, 2008 ]

Esse rio é uma loucura,
esse rio é um assombro,
já fiz amor no seu leito
com água pelos meus ombros,
tendo ao lado doze botos
me fazendo companhia,
rindo seus risos de boto
sob o sol do meio-dia.
Esse rio não existe,
é ilusão, pura magia.
Um dia levei num barco
a paixão de Margarida,
o Potengi ficou doido,
lambeu a mulher querida
e quase que ele me afoga
em treze redemoinhos,
cuspiu lodo nos meus olhos,
fez ondas, fez burburinho.

Esse rio é tão bonito
que perdôo sua loucura.
Ele afoga o pôr-do-sol
e corre à minha procura.

ABSTRATO
Mariana Botelho
[ in Suave Coisa ]

eu nunca beijei um poema

no entanto ele está aqui
roçando leve minha
boca

nas horas dos
mais
doídos
silêncios


POEMINHA
Henrique Pimenta
[ in Bar do Bardo ]

Entre
o erótico e o pornô,
não há um hímen,
há um homem.


Memória 1997
A POESIA E O POEMA BRASILEIROS:
DEZ LIVROS FUNDAMENTAIS
segundo
Tanussi Cardoso
[ in Balaio n° 993, de 18 de agosto de 2009 ]

1. Bagagem (Adélia Prado)
2. Obras completas (Álvares de Azevedo)
3. Memórias de um pueteiro (Glauco Mattoso)
4. Obra completa (Carlos Drummond de Andrade)
5. Poesia completa (Jorge de Lima)
6. Poesias completas (Manuel Bandeira)
7. Poesias (Mario Quintana)
8. Yogurt com farinha e outros títulos (N. Beher)
9. Poesias reunidas (Oswald de Andrade)
10. Zona erógena (Nei Leandro de Castro)

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Futebol na praia de São Miguel do Gostoso,
ao norte de Natal
Foto de
Daiane Nunes


BALAIO PORRETA 1986
n° 2796
Natal, 28 de setembro de 2009


O sertão não é só paisagem. O sertão é um modo de viver.
(Jeanne ARAÚJO, in Carta poética..., 2/9/2008)


NUDEZ
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Tirei tudo de mim
nessa madrugada:
os brincos, os anéis,
as vestes de santa,
os terços, a calcinha
branca.


TODA NUA
Abner de Brito
(Caicó, 1890 - Curitiba, 1951)

Vim pensar, hoje, no teu corpo amado,
Princesa! A escultural forma de neve
Do teu corpo tem sido o meu pecado,
Dentre todos que tenho, que é o mais leve.

Vejo, a pulsar, teu seio, que descreve
Linha estuante de escândalo, marcado
Pela eclosão do incêndio propagado
Na febre de meu sonho ardente e breve.

Abaixo, o ventre, no regaço, aonde
Corro a sorver o gozo alto e infinito
Do inferno bom que tua carne esconde...

- Nua! Reflete em mim teus membros lassos
Nesta volúpia que me torna aflito
De nunca os ter sentido nos meus braços!


NASCEDOURO
Flávio Corrêa de Mello
[ in Rio Movediço ]

Nasce na chuva,
na curva, no esterno,
é um regato, uma fonte,
uma goteira que nasce
quando engasga,
cinge a glote e cerra os dentes
sem vida e sem beira
─ mesa de bilhar sem caçapa.

Nasce e finda visgo,
é um desvio que pegamos,
eu e você, sem vermos o fígado,
o rim, o pulmão, as cáries,
sem vermos nada,
cheiros ou sobremesas.

Mas assim nasce, e depois,
depois desanda e desanca
em outro lago que nasce,
nasce e empurra,
afunda e desembrulha
como um doce vômito
emergido de uma bolha
dupla de sentido
e de sentir para aquém
e para além do rio.



Memória 1997
A POESIA E O POEMA BRASILEIROS:
DEZ LIVROS FUNDAMENTAIS
segundo
Luís Carlos Guimarães
[ in Balaio n° 999, de 3 de setembro de 1997 ]

Estrela da vida inteira (Manuel Bandeira)
Reunião (Carlos Drummond de Andfrade)
Obras completas (Murilo Mendes)
Obras completas (João Cabral)
Poesias (Dante Milano)
Poesias (Mario Quintana)
Invenção de Orfeu (Jorge de Lima)
Navegos (Zila Mamede)
Poesias (Myriam Coeli)
Poesias (Gregório de Matos)


THE KOLN CONCERT
Assis Freitas
[ in Árvore da Poesia ]

Tenho manias de cantar silêncios
Entre queixumes e querências
E muitas tolas inconseqüências

Não era sempre assim, eu sei
Mas algo prendeu-me no visgo
De paragens, portos e navios

E assim fico eu, rimando o vazio
Lendo as inconstâncias de um olhar
ouvindo um mantra de Keith Jarrett


DIETA OBRIGATÓRIA DE PALAVRAS
Sheyla Azevedo
[ in Bicho Esquisito ]

A fome me abraça quase terna
Ignora o divórcio de minhas mãos em sua cintura
Eu, discreta, porém, resoluta
Oculto me mim mesma o barulho que irrompe
Da boca do estômago
Às vezes,

Abro a janela sem pressa
E sinto o gosto das teclas

Ao som dos meus dedos
Falta pouco, falta bem pouco
Para que minha língua toque o doce do teu silêncio


SOBREVIVENDO
Beti Timm
[ in Rosa Choque ]

Há de sermos sempre errantes, escondidos ou não. Vagando, e curando as feridas que um dia cicatrizarão, recebendo os açoites que atingem só nosso exterior, mas não vão além disso. Ignorando quem não vê nossa sensibilidade. Muitas vezes parecemos apenas alguém perdido, mas sabemos o caminho da volta. Ignoramos quem não nos vê, mas deles tiramos nossa força. É o desafio de viver, de vir a tona a cada dia. Escondemos nosso rosto, mas não nossa alma, ela dança ao nosso redor exuberante e insistente. Voar é sempre preciso, não importa como, nem porque, basta voar.


DEMOCRACIA SITIADA
Cynara Menezes
[ in Carta Capital ]

A mediação pela Organização dos Estados Americanos (OEA) parece ser a única saída possível para o impasse em que se encontra Honduras desde que o presidente deposto, Manuel Zelaya, voltou ao país e pediu abrigo na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Mantida sob controle pelas tropas de Roberto Micheletti durante os três meses de governo golpista, a população foi às ruas em apoio a Zelaya, levando a capital à convulsão. Ao menos duas pessoas morreram nos confrontos. [ Clique aqui para ler a matéria na íntegra ]

sábado, 26 de setembro de 2009

FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
& OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
Clique na imagem
para verouvir o trêiler de
Laura
(Otto Preminger, 1944)
Este é um film noir por excelência; talvez seja o melhor filme de Preminger. Decerto, quando o vimos pela primeira vez em Caicó, nos idos de 1950-51, não tínhamos a menor ideia das potencialidades estéticas de um gênero que seria determinante para a história do cinema americanos dos 40 e 50. No máximo - estamos apenas supondo -, ficamos intrigados com a sua trama e com o tema musical de David Raksin. Mas como já éramos curiosos com tudo aquilo que nos envolvia, Laura deve ter sido um desafio e tanto para os nossos olhos de criança, que, a partir de 1948-49 não perdia um só título apresentado no Cine Pax. Acreditamos que no espaço de 10 anos, vimos aproximadamente 1600 filmes em Caicó.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2795
Natal, 26 de setembro de 2009

O cinema noir é conhecido pelas tramas complicadas e pelas reviravoltas arbitrárias ... Em Laura (1944), há um detetive policial que não frequenta a delegacia; um suspeito que é convidado a acompanhar de perto o interrogatório de outros suspeitos; uma heroína que na maior parte do tempo está morta; um homem que tem um ciúme doentio de uma mulher, embora em nenhum momento ele pareça heterossexual; um protagonista romântico que é um campônio rústico e parvo do Kentucky transportado para a alta sociedade de Manhattan; e uma arma do crime que é devolvida a seu esconderijo pelo policial que "virá buscá-la de manhã".
(Roger EBERT. Grandes filmes, 2005)


DIVERSAS
Nina Rizzi
[ in Putas Resolutas ]

o êxtase é um
vê-la
(colados os corpos
sou o seu profundo)
não abro mão da maravilha
: (minha) condição feminina
prolongar prazeres
como não a dor

senhores (minha senhora), não há nada como
a vida clitoriana
en(sf)trega em tribal

ademais, nada sabe a ciência do íntimo
— o meu
: n'ela o prazer é um canto
curva entre ossos
maciez rugosa
é maresia
pontos em gostos gemidos
gritos e gozos


ESQUELETO
Líria Porto
[ in Tanto Mar ]

escrevo
depois faço a poda

só sobram
os ossos descarnados
do poema



POEMA
Vais
(2006)

Ando num caminhar vagaroso
como quem vai
sem eira nem beira
De que me servem as certidões?
Num ato simbólico, rasgo uma
Legalmente não existo
Posso nascer e morrer
quantas vezes quiser
- Padre, faça meu casamento!
e não se espante com a cor do meu vestido
- Juiz, faça meu casamento!
não possuo documentos
Eu basto, a minha pessoa,
meu corpo, meus atos,
minhas palavras
Meus pensamentos,...
Só meus, e de quem eu permitir.
O acesso está negado!
Quando comecei a andar
senti
algo cair do meu bolso
Não olhei pra trás
Naquela rachadura de terra
Minha identidade ficou enterrada
E fui assim mesmo
.


Memória 1997
A POESIA E O POEMA BRASILEIROS:
DEZ LIVROS FUNDAMENTAIS
segundo
Nei Leandro de Castro
[ in Balaio n° 987, de 14 de julho de 1997 ]

1. Libertinagem (Manuel Bandeira)
2. Sentimento do mundo (Carlos Drummond de Andrade)
3. O visionário (Murilo Mendes)
4. O cristal refratário (Abgar Renault)
5. Romanceiro da Inconfidências (Cecília Meireles)
6. A educação pela pedra (João Cabral)
7. O domingo azul do mar (Paulo Mendes Campos)
8. Arranjos para assobio (Manoel de Barros)
9. Navegos (Zila Mamede)
10. Hora aberta (Gilberto Mendonça Teles)


VIOLINO
Jairo Lima
[ in Bar Papo Furado ]

e me descobri no Recife com saudades do Recife
e a esta angústia veio somar-se outra
que me deu de ver Angra dos Reis nos retratos
e umas histórias sobre a usina atômica

e quiz versos de fogo contra o fogo da usina
e rimas de mel para o seio das colinas

e a esta angústia veio somar-se outra
que me deu de lembrar a infância dos sábados
criança não traquina
a que a réstia do sol da telha de vidro do quarto vinha coçar a narina

e a esta angústia veio somar-se outra
que me veio indefinida das meninas que amei
e mi vi com saudades de um violino que jamais toquei
e que vendi na caixa para um músico da sinfônica
por cento e vinte mil reis


UMA HISTÓRIA DE ZÉ AREIA
Veríssimo de Melo
(Natal, 1972)

Uma tarde, no Natal Clube, Zé Areia [barbeiro e boêmio] andou espalhando nas rodas que Djalma Marinho [um importante político potiguar dos anos 50 e 60 do século passado] estava lhe devendo 50 cruzeiros. E saiu. Meia hora depois, aparece Djalma Marinho e vários amigos lhe falaram sobre a estória da dívida de Zé Areia. Djalma estranhou, como era natural, a tal dívida. Encontrando-o, mais tarde, perguntou:

- Que estória é essa que você anda espalhando de que eu lhe devo cinquenta cruzeiros?

- Deve - disse Zé Areia. - Eu lhe pedi, naquele dia, cem cruzeiros, e você só me emprestou cinquenta. Logo, deve cinquenta!...


MEU CORAÇÃO ESCONDE
Carmen Vasconcelos
[ in Chuva ácida. Natal, 2000 ]

Meu coração esconde,
a palavra escapa,
a palavra que preciso cuspir.

Mas não é porque me cobre
a túnica do silêncio,
que estarei despida de poesia
ou perecerá,
sobre o branco impecável desta página,
o meu reflexo.


WILLIAM SHAKESPEARE, MEU GHOST WRITER
Milton Ribeiro
[ in Improvisações sobre Literatura... ]

Estava em casa, lendo numa mesa de fórmica branca, daquelas que se faziam anos 60 e 70, quando Shakespeare chegou. Em meu sonho, ele falava um português machadiano. Sentou-se tranqüilamente em meu antigo quarto com aquela mesma cara das pinturas, só que um pouco mais corado, e declarou que gostaria que eu começasse uma carreira de poeta. Propôs-se a ser um ghost writer.

- Aliás - riu-se Shake -, já o sou… Mas agora quero ser seu ghost writer.

Sorri e disse-lhe que não lia muita poesia e que era incapaz de um verso (aqui fui honesto), mas que, obviamente, concordava com o esquema. (Um belo oportunista ou um homem preocupado em divulgar altíssima cultura? O primeiro, certamente.) Então, ele passou a me ditar os poemas mais sublimes e perfeitos, dos quais não lembro, é claro. Só lembro da profunda emoção que me causaram e da dificuldade que tinha para escrever com o lápis na fórmica, pois as lágrimas me atrapalhavam. Enquanto fungava, ouvia e copiava a maior e mais inédita das obras. Às vezes, perguntava-lhe onde deveria mudar de linha ou onde acabava a estrofe, essas coisas técnicas. Minha caligrafia era belíssima. (Minha letra é horrorosa.)

Depois de muitos sonetos - a mesa de meu sonho era imensa -, meu novo amigo cansou e pediu-me para levá-lo até a porta. Enquanto o acompanhava, ele garantiu que voltaria.

- Voltarei! - falou ele bem alto, para minha alegria.

Não parecia um espectro. Quando voltei, nossa empregada estava de joelhos sobre a mesa, esfregando-a com produtos de limpeza bastante eficientes. (Não vi suas marcas, então não posso indicá-los.) Vi a mesa branca, ainda úmida, e caí em abissal desespero. Acordei apavorado. Não é sempre que se perde um ghost desses.


sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O Potengi e a Redinha, em Natal
Foto de
Pedro Morgan


BALAIO PORRETA 1986
n° 2794
Natal, 25 de setembro de 2009

A memória é uma coisa mágica. Não me admira que Proust tenha escrito páginas e mais páginas só com a fugaz lembrança de um aroma. A obra de Proust é um calo no meu sapato. Eu já comecei a lê-lo uma série de vezes e nunca passo da metade do segundo livro de Em Busca do Tempo Perdido (ou À Procura do Tempo Perdido, como queiram), À Sombra das Raparigas em Flor. Só o título já é suficiente para despertar inumeráveis lembranças para qualquer um com o mínimo de sensibilidade.
(Carlos de SOUZA, 'Diário de bordo', in Substantivo Plural)


Memória 1997
A POESIA E O POEMA BRASILEIROS:
DEZ LIVROS FUNDAMENTAIS
segundo
Jarbas Martins
[ in Balaio n° 986, de 8 de julho de 1997 ]

1. Agreste (João Cabral)
2. Cantaria barroca (Affonso Ávila)
3. A rosa do povo (Carlos Drummond de Andrade)
4. Eu e outras poesias (Augusto dos Anjos)
5. Viva vaia (Augusto de Campos)
6. A ave (Wlademir Dias Pino)
7. O homem e sua hora (Mário Faustino)
8. Poemas apócrifos (Franklin Jorge)
9. Viagem a São Saruê (Manuel Camilo do Santos)
10. Libertinagem (Manuel Bandeira)


PACTO
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Fizemos um pacto, meu amado!
Rompi as amarras
e revelei mentiras.
As verdades já são translúcidas.
Desarrumei todas as estruturas
e estou cumprindo a minha parte
no plano:
há dias, não durmo
de baby doll.


EXIGÊNCIA
de Lisbeth Lima
[ in Felice. Natal, 2004 ]

Quero um colo que me cale;
que me fale enquanto calo.


UMA HISTÓRIA DE CÂMARA CASCUDO

Exame oral. O estudante é Sylvio Piza Pedroza, que depois seria governador do Rio Grande do Norte.

Cascudo pergunta: - Como o rei de Portugal teve notícias do descobrimento da Ilha de Vera Cruz?

- Pedro Álvares Cabral passou um telegrama.

O aluno foi aprovado.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009


Areia Branca, RN
Foto de
Alexandro Gurgel


BALAIO PORRETA 1986
n° 2793
Rio, 24 de setembro de 2009

O Ministério da Saúde Balaiográfica adverte:
conservadorismo e puritanismo provocam câncer.
(in Balaio n° 985, de 7 de julho de 1997)


POEMANGOLAGRAFISMO
de Moacy Cirne

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Memória 1997
A POESIA E O POEMA BRASILEIROS:
DEZ LIVROS FUNDAMENTAIS
segundo
Sebastião Nunes
[ in Balaio n° 994, de 20 agosto de 1997 ]

Últimos sonetos (Cruz e Souza)
Eu e outras poesias (Augusto dos Anjos)
A rosa do povo (Carlos Drmmond de Andrade)
A ave (Wlademir Dias Pino)
A educação pela pedra (João Cabral)
Anatomia da musa (José Paulo Paes)
Poemobiles (Augusto de Campos & Julio Plaza)
Cantaria barroca (Affonso Ávila)
Poesia pois é poesia (Décio Pignatari)
Livro de pré-coisas (Manoel de Barros)


TODA MULHER TEM ALGO
Poema de Marcos Silva
Musicado por Mirabô Dantas
[ in Mares potiguares, cd de 2007 ]

Toda mulher tem algo de beleza:
A fúria, o olho, a incerteza.

Toda mulher tem algo de perigo:
O medo, a pele, o desabrigo.

Toda mulher tem algo de ternura:
A língua, o sono, a teta dura.

Toda mulher tem algo de carrasco:
O sopro, a força, o sentir asco.

Toda mulher tem algo de improviso:
O nervo, a sede, o ventre liso.

Toda mulher tem algo de arrepio:
O verso, a hora, o desafio.

Toda mulher tem algo de sufoco:
O dente, a estrada, o novo soco.

Toda mulher tem algo de tijolo:
O grito, a alma, o miolo.



POETRIX
Valéria Tarelho
[ in Impura Poesia ]

dentro de mim
mora uma vadia
que trepa com rimas
a troco de poesia

dentro de mim
habita uma pueta
que de esquina em esquina
se estrepa em estrofes
(só se fode)

dentro de mim avança
essa mulher à margem

: à minha imagem
e semelhança


DILEMA BOCAGEANO
Bartolomeu Correia de Melo
(Setembro/2009)

Foder ou não foder, eis a questão
que me impõe reflexão triste e profunda,
pois doutores proíbem meu tesão
por tua bela vulva ancha e rotunda.

Foder ou não foder, eis a questão
que me atormenta a mente vagabunda
quando, assim, sem mostrar malintenção,
mostras regos de peitos e de bunda.

Foder ou não foder, eis a questão
que, me pondo o juízo em barafunda,
ingratamente, obriga que confunda

com frigidez teu zelo e devoção;
que, embora me contendo, ainda redunda:
Foder ou não foder, eis a questão...


La Jornada / Carta Maior
ENTREVISTA COM NOAM CHOMSKY

A América Latina é hoje o lugar mais estimulante do mundo. Pela primeira vez em 500 anos há movimentos rumo a uma verdadeira independência e separação do mundo imperial. Países que historicamente estiveram separados estão começando a se integrar. Esta integração é um pré-requisito para a independência. Historicamente, os EUA derrubaram um governo após outro; agora já não podem fazê-lo.

O Brasil é um exemplo interessante. No princípio dos anos 60, os programas de (João) Goulart não eram tão diferentes dos de Lula. Naquele caso, o governo de Kennedy organizou um golpe de Estado militar. Assim, o estado de segurança nacional se propagou por toda a região como uma praga. Hoje em dia, Lula é o cara bom, ao qual procuram tratar bem, em reação aos governos mais militantes na região. Nos EUA, não se publicam os comentários favoráveis de Lula a Chavez ou a Evo Morales. Eles são silenciados porque não são o modelo.
[ Clique aqui para ler a matéria na íntegra ]

quarta-feira, 23 de setembro de 2009


Tombwa, Angola
Foto superior: Eugénio Vicedo
Foto inferior: NDEV


BALAIO PORRETA 1986
n° 2792
Rio, 23 de setembro de 2009

E este apocalipse que não chega?
Não se entrega tarefa assim tão grave
a um bando de bestas.
(Jairo LIMA. 'Angústia metafísica', in Bar Papo Furado)


SENTIDOS
Namibiano Ferreira
[ in Angola: Os Poetas ]

trazias o mar na aurora ocidental dos teus lábios
a passar ventos e salsugens de toninhas e kiandas;
chegas-te do mar, kalunga a cantar o meu nome
e, estranhamente, no xinguilar dos dias
mordias bagos de jinguba nos dedos do olhar
a passar brisas a beijar ventos de kifufutila
doce veludo bailando no sopro sumaúma
soprado sobre a savana-púbis dourada do vento.

Glossário:
Kianda : Divindade
Kalunga : Deus (mas não no sentido bíblico)
Xinguilar : Reação de dor nos óbitos
Jinguba : Amendoim
Kifufutila : (Espécie de) Doce


SEQUÊNCIA
Márcia Maia
[ in Tábua de Marés ]

toco a teia de ausência nesta tarde
que semelha mais outono
que verão

e o silêncio se me gruda à pele e arde
qual lamento de sem dono
gato ou cão

colhendo fado e infância em cada parte
deste réquiem de abandono
sem perdão

que ora entôo


POEMA
Luciana Marinho

[ in Poesia Sim, de Lau Siqueira ]

Sentava-se no mar até seu vestido crescer
como crescem as papoulas vistas num rio.
Sentia os plânctons dourarem seu ventre.
Seu ventre como pedra ancorada
desejando chuvas.
Sentia-se embebida no sargaço
no cheiro intolerável das coisas restando.
Quanto mais a brisa vinha
mais descia seu corpo de mil tentáculos nascendo
e se afogava.


BELEZA É FUNDAMENTAL
Cid Augusto (Mossoró, RN)
[ in Canto de Página ]

O poeta Vinicius de Moraes comprou uma briga de foice com segmentos feministas ao pedir perdão às "muito feias", em Receita de Mulher, para declarar que "beleza é fundamental". Poucos compreenderam a subjetividade do texto, pois o belo, inclusive no reino das criaturas estereotipadas, alimenta-se das fantasias e das expectativas de cada sujeito.

Disseram-me que tenho a triste fama de namorar mulheres feiosas. E isso aconteceu na madrugada de sexta-feira, na festa de Santa Luzia, padroeira das claridades visuais. Fiquei surpreso, embora sem queixas, afinal o comentário veio de uma bela mulher e me foi repassado por outra não menos atraente, de acordo com meu "duvidoso" sentido estético.

Ao amanhecer, tentei decifrar a enigmática face da feiúra. Comecei pelo rosto que me apareceu no espelho do banheiro, com dois pares de rugas aspando olheiras gigantes e estas, por suas tristes vezes, servindo de molduras a olhos vermelhos, parecidos com aqueles descritos por Machado, o Bruxo do Cosme Velho, "de ressaca, oblíquos e dissimulados".

Parti para o espelho do quarto, que é dos grandes, e enxerguei o indigitado sujeito na superfície envidraçada do objeto narcisista, agora de corpo inteiro, nu, ostentando aquele físico de anjo barroco: baixinho, gordinho e sexualmente resumido, além de ser cabeção e branquela feito ratazana de laboratório. Ixe, ainda bem que há gosto e setembro para tudo.

Existem, nas conjecturas de Baudelaire, "tantos tipos de beleza quanto modos habituais de se procurar a felicidade". Nesse contexto, toda mulher, inclusive as consideradas "muito feias", tem algo de fascinante a oferecer, especialmente aos homens que se esbaldam na riqueza do detalhe. "Quem ama o feio", diz um sábio e antigo ditado, "bonito lhe parece".

Não nos esqueçamos dos padrões culturais. O belo na ótica brasileira é diferente do conceito americano, do alemão, do africano, do chinês e por aí vai. Claro, há gente como eu que é horrorosa em qualquer parte do globo, mas, no passo dos desafinados, nós, os desabonitados, também temos coração e queremos ser felizes, crescer, amar e multiplicar.

No mais, cabe-me dizer, sem o interesse de com isso me gabar, que vivo com uma mulher linda, cheirosa, gostosa e, como se não bastasse, de rara inteligência. Foi ela quem me enquadrou na sub-raça dos boêmios de asa quebrada, com a magia de seus beijos, o calor de sua carne e a maravilha do amor que conservou por 20 anos para me entregar.


terça-feira, 22 de setembro de 2009

Praia do Amor, em Pipa (RN)

Foto:
Hugo Macedo


BALAIO PORRETA 1986
n° 2791
Rio, 22 de setembro de 2009

Nossa época, embora fale tanto de economia, é esbanjadora: esbanja o que é mais precioso, o espírito.
(Friedrich NIETZSCHE. Aurora, 1881)


POEMA
Cláudio Schuster
[ in Beba Poesia ]

não estranhe
se eu subir as paredes
como um sol
ou descer ao centro da terra
como uma ficção
ou sumir no silêncio
como um criminoso
como um criminoso
ensolarado e irreal
eu volto



O AVESSO DOS DIAS
Theo G. Alves
[ in Museu de Tudo ]

de que matérias
se constrói um dia?

quanto de
aço vidro concreto madeira
é necessário para
erguer
as paredes sólidas
de um dia?
- 24 horas
que descabem nos dedos.

não sei.

quero antes
a matéria negra de seu
avesso
as iluminuras de seu
avesso
- a palavra nenúfares
- as chuvas insólitas de janeiro
- a ausência dos carros na madrugada
- os céus isentos de aviões e impostos
- a lama
- o cadáver já frio dos relógios

de que matérias
se constrói um dia -
um mísero número
no calendário silencioso?

não sei:
só dos dias o
avesso
me comove.



GUARDADOS
Marcelo Novaes
[ in Prosas Poéticas ]

Diga onde eu guardei meus olhos que eu te digo o resto. Aponto para aquela árvore: o local da cessação do sofrimento. Diga onde eu guardei meu olhos que te prometo: nunca mais sonho. Aponto para um local distinto onde não encontrarás assento. Diga-me onde eu guardei meus olhos que eu te guardo, enquanto me ofereço.


MÁXIMAS & MÍNIMAS DO BARÃO DE ITARARÉ
[ in AlManhaque, n° 3 ]

Juramento é a mais solene e grave das mentiras.

Boate é uma gafieira metida a besta.

Quem tem saúde de ferro pode um dia enferrujar.

Este mundo não é mais mundo: é imundo!

Não há amor sem beijo nem goiabada sem queijo.

Os homens são sempre sinceros. O que acontece, porém, é que, às vezes, trocam de sinceridade.

Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer.

Para este mundo ficar bom, é preciso fazer outro.

Anistia é um ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente as injustiças e crimes que ele mesmo cometeu.

Deus dá peneira a quem não tem farinha.

Deputado come o milho, papagaio leva a fama.

A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.

Não há grandes papeis, mas grandes atores.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Humor
a partir do

Bar de Ferreirinha
Clique na imagem
(de autoria não-identificada)
para verouvir
- com legendas -
cenas de um outro casamento,
ou melhor,
cenas de um pós-casamento
na hora das fotos oficiais


BALAIO PORRETA 1986
n° 2790
Rio, 21 de setembro de 2009

Em tuas mãos suaves
Deposito
Meu coração cansado.
(Araldo SASSONE, trad. Manuel Bandeira)


Humor via internet
O QUE AS MULHERES DIZEM DEPOIS DO SEXO

AS ADOLESCENTES
- Ai, será que vou engravidar?

AS NAMORADEIRAS
- Qual é o seu nome mesmo?

AS TARADAS
- Por que parou ? Parou por quê?

AS MODERNINHAS
- Você é bem melhor que meu marido!

AS DONAS-DE-CASA
- Terminou? Posso fazer a janta?

AS EXIGENTES
- Isso é o melhor que você pode fazer?

AS INGRATAS
- Só isso?

AS INSEGURAS
- E agora ? O que as minhas amigas vão pensar de mim?

AS MENTIROSAS
- Você é o primeiro que me faz sentir isso.

AS INSACIÁVEIS
- As preliminares foram ótimas. Agora vamos fazer pra valer.

AS PROFISSIONAIS
- São 50 reais.

A SUA
- Pô, broxou de novo?


Repeteco
Memória
UMA SENTENÇA JUDICIAL DE 1833
na Villa de Porto da Folha, Sergipe
(de acordo com vocabulário, estilo e ortografia da época)

"O adjunto Promotor Público representou contra o cabra Manoel Duda, porque no dia 11 do mês de Nossa Senhora de Sant'Anna quando a mulher do Xico Bento ia para a fonte, já perto della, o supracitado cabra que estava de tocaia em moita de matto, sahiu della de supetão e fez proposta a dita mulher, por quem roía brocha, para coisa que não se pode traser a lume, e como ella se recusasse, o dito cabra atrofou-se a ella, deitou-se no chão, deixando as encomendas della de fora e ao Deus dará, não conseguio matrimônio porque ella gritou e veio em amparo della Nocreyo Correia e Clemente Barbosa, que prenderam o cujo flagrante e pediu a condenação delle como incurso nas penas de tentativa de matrimônio proibido e a pulso de sucesso porque dita mulher taja peijada e com o sucedido deu luz de menino macho que nasceu morto.

As testemunhas, duas são vista porque chegaram no flagrante e bisparam a perversidade do cabra Manoel Duda e as demais testemunhas de avaluemos. Dizem as leises que duas testemunhas que assistem a qualquer naufrágio do sucesso faz prova, e o juiz não precisa de testemunha de avaluemos e assim:

Considero - que o cabra Manoel Duda agrediu a mulher de Xico Bento, por quem roía brocha, para coxambrar com ella coisas que só o marido della competia coxambrar, porque eram casados pelo regime da Santa Igreja Cathólica Romana.

Considero - que o cabra Manoel Duda deitou a paciente no chão e quando ia começar as suas coxambranças viu todas as encomendas della que só o marido tinha o direito de ver.

Considero - que a morte do menino trouxe prejuízo a herança que podia ter quando o pae delle ou [a] mãe falecesse.

Considero - que o cabra Manoel Duda é um suplicante deboxado que nunca soube respeitar as famílias de suas vizinhas, tanto que quiz também fazer coxambranças com a Quitéria e Clarinha, que são moças donzellas e não conseguio porque ellas repugnaram e deram aviso a polícia.

Considero - que o cabra Manoel Duda está preso em pecado mortal porque nos Mandamentos da Igreja é proibido desejar do próximo [o] que elle desejou.

Considero - que sua Magestade Imperial e o mundo inteiro, precisa ficar livre do cabra Manoel Duda, para secula, seculorum amem, arreiem dos deboxes praticados e para as fêmeas e machos não sejam mais por elle incomodados.

Considero - que o cabra Manoel Duda é um sujeito sem vergonha que não nega suas coxambranças e ainda faz isnoga das encomendas de sua víctima e por isso deve ser botado em regime por esse juízo.

Posto que:

Condeno o cabra Manoel Duda pelo malefício que fez a mulher de Xico Bento e por tentativa de mais malefícios iguais, a ser capado, capadura que deverá ser feita a macete.


A execução da pena deverá ser feita na cadeia desta villa. Nomeio carrasco o carcereiro [e] solte o cujo cabra para que vá em paz. O nosso Prior aconselha: Homine debochado debochatus mulherorum inovadabus est sentetia qibus est macete macetorim carrascus sine facto nostre negare pote.

Cumpra-se e apregue-se editaes nos lugares públicos. Apello ex-officio desta sentença para juiz de Direito desta Comarca.

Porto da Folha, 15 de outubro de 1833
Assinado:
Manuel Fernandes Santos,
Juiz Municipal suplente em exercícios."

[ Fonte : Instituto Histórico de Alagoas ]

domingo, 20 de setembro de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA

Clique na imagem
para verouvir
o trêiler de
M.A.S.H.
(Robert Altman, 1970)
O primeiro grande filme de Altman (e ele realizaria pelo menos mais duas obras-primas: Cerimônia de casamento, em 1978, e O jogador, em 1992): a guerra - da Coreia - sob uma perspectiva humorística, na medida do possível. A rigor, uma obra inserida no contexto da época, de crítica à guerra do Vietnam, quando os norte-americanos, apesar de todo o seu poderio bélico, foram impiedosamente derrotados pelos vietcongues. Contudo, MASH, antes de mais nada, é um filme bastante divertido, com sua elevada taxa de ironia e sarcasmo.



BALAIO PORRETA 1986
n° 2789
Rio, 19 de setembro de 2009

A vitalidade de M.A.S.H. (abreviatura de Mobile Army Surgical Hospital) reflete o espírito de um tempo em que hippies queimavam cartas de convocação em praça pública, a contracultura revirava os ícones da América e a marginalidade assumia condição heróica. A história dos cirurgiões que servem num posto militar na Coreia é pretexto para uma crítica aguda ao poder, à hierarquia dos campos de guerra e às convenções religiosas e sexuais. O choque de informações se estabelece desde o início, quando soldados feridos são mostrados ao som da melosa canção "Suicide is painless" ("suicido é indolor") e prossegue no humor negro de Donald Sutherland e Elliott Gould nas ensanguentadas mesas de operação.
(Ricardo COTA, in Críticos)



SOLIDÃO NA METRÓPOLE
Adriana Monteiro de Barros
[ in Das Coisas Que Eu Não Sei ]

Rasgo a cara na manhã cinzenta desta cidade.
Me dirijo a qualquer lugar.
Não olho os sinais.
Não olho pra trás.
Automaticamente, sigo em frente.
Não paro.
Não ouço.
Finjo,
Não sinto.
Deslogo e ligo o I-Pod.
Antena transmissora de mim.
Não canto. Não penso.
Ouço apenas o barulho do meu silêncio
.


PREFERÊNCIAS
Mara faturi
[ in Per Tempus ]

Qual o doce que mais gosto?

O doce da tua língua
quando percorre
pêlos e poros
e eu viro
baba-de-moça.



INEFICÁCIA
Mirse Maria
[ in Meu Lampejo ]

Tal qual criança quisera ter
do teu pensamento,
a verdade ainda não dita

quisera saber teu intento
ou a senha que te magoa a ferida
se me desses ao menos uma vez
a chance de te ajudar

talvez voltasse a ser mulher

quem sabe pudesse te amar



TEXTO
Marcelo F. Carvalho
[ in Resumo da Chuva ]

Queria alcançar o instante que nunca aconteceu, aquele que ensaiamos e que ventos mais fortes carregaram pro quando. Queria, neste momento, dizer o que nunca foi dito, a palavra descoberta, úmida, ainda por gritar, carregada de regionalismo. Queria a música tocada há dez anos, quando eu não era um covarde acomodado, quando ainda acreditava no amor, no peito aberto, no olhar carregado de clichês e sonhos.

Queria a sensibilidade do meu próximo de ontem, quando ele ainda não pensava em dinheiro, dinheiro e sexo, dinheiro e dinheiro.
Queria parar esse tempo tanto.
Queria tirar essa tristeza sem como.
Queria estancar esse querer tanta coisa.


Humor
RESUMOS DE OBRAS LITERÁRIAS
[ in Ars Rhetorica, blogue desativado ]

Eis alguns resumos de obras literárias inspirados (e em certos casos traduzidos ou adaptados sem pudores) numa experiência análoga do Corriere della Sera.

Esperando Godot (Samuel Beckett)

Duas pessoas esperam por Godot, que nunca chega.

Alice no país das maravilhas (Lewis Carroll)

Menina curiosa em crise de megalomania persegue coelho para jogar cartas com rainha.

Hamlet (William Shakespeare)

Príncipe adolescente de inclinações espíritas busca vingar-se da mãe. Morrem todos.

Anna Karenina (Leo Tolstoy)

Esposa adúltera interessa-se por trens e falece devido a estes.

O amor nos tempos do cólera (Gabriel García Marquez)

Teimoso jogador de xadrez Florentino Ariza apaixona-se por Fermina Daza e leva anos para conquista-la.

O velho e o mar (Ernest Hemingway)

Pescador de má sorte revela primeiros sinais de demência ao dialogar com tubarão.

Antígona (Sófocles, além de outros)

Moça de propensões necrófilas solicita cerimônia fúnebre para seu irmão. Morrem todos os bons.

A metamorfose (Frank Kafka)

Homem desperta em forma de inseto, mas sua rotina pouco muda.

Cândido ou O otimismo (Voltaire)

Dr. Pangloss afirma ser este o melhor dos mundos e, ao final, Cândido concorda.

Os sofrimentos do jovem Werther (Goethe)

Artista alemão apaixona-se por noiva de outro e beija-a. Em seguida, sicida-se.

O conde de Montecristo (Alexandre Dumas, pai)

Edmundo gasta sua fortuna vingando-se de amigos que já não se lembram mais dele.

O corvo (Edgar Allan Poe)

Erudito solitário tem crise de insônia e põe a culpa em um pássaro.

A consciência de Zeno (Italo Svevo)

Italiano suscetível não consegue parar de fumar.

Decameron (Giovanni Boccaccio)

Dez florentinos devassos narram histórias enquanto seus vizinhos morrem.

Crime e castigo (Fyodor Dostoevsky)

Russo arrogante assassina impunemente velha mesquinha; uma prostituta convence-o a se entregar e cumprir pena na Sibéria.

Bíblia

Deus cria o mundo e, desiludido, inunda-o salvando um velho e alguns bichos. Quando seu filho chega em visita, não é reconhecido.

Eneida (Virgílio)

Romance urbano: guerreiro foge de Tróia, passa temporada lasciva em Cartago e funda Roma.

Ulisses (James Joyce)

“Querida, vou dar um passeio. Podes ficar na cama.”

Volta ao mundo em 80 dias (Jules Verne)

Inglês desocupado faz aposta geográfica e vence-a por ser pouco entendido no assunto.

Guerra e paz (Leo Tolstoy)

Ele ama-a, mas ela ama outro. Enquanto isso Napoleão invade a Rússia.

Odisséia (Homero)

Guerreiro retorna a casa após vários anos; ao chegar, sua mulher diz tê-lo esperado sozinha.

Ilíada (Homero)

Um monte de homens combatem durante dez anos por uma mulher que não lhes pertence.

Madame Bovary (Gustave Flaubert)

Francesa enfadada casa-se com médico entediante, trai-o e mata-se.

Fausto (Goethe, além de outros)

Cientista medieval julga-se mais versado que o Diabo, mas se dá mal.

A Divina Comédia (Dante Alighieri)

Narigudo em crise de meia-idade narra viagem com colega de trabalho e ex.

Otelo (William Shakespeare)

Vêneto negro é convencido por amigo do adultério da esposa. Morrem todos.

Em busca do tempo perdido (Marcel Proust)

Francês prolixo come uma bolacha e escreve sete livros narrando o processo.

O processo (Frank Kafka)

(Inacreditável, mas a justiça austro-húngara era mais funesta que a brasileira.)