sexta-feira, 31 de julho de 2009

Caicó:
a antiga Prefeitura e a Igreja do Rosário
Foto:
Ana Paula Gurgel


BALAIO PORRETA 1986
n° 2737
Natal, 31 de julho de 2009

Ó mana deixa eu ir
Ó mana eu vou só
Ó mana deixa eu ir
Pro sertão de Caicó
(Canção folclórica recolhida em Santa Luzia,
no Seridó paraibano)


POEIRA CÓSMICA
Mirse
[ in Meu Lampejo ]

Divagoemcomoeraamassacósmicaquehavia
antesdeviraomundonumabismodesconhecido
umsercomum. Numplasmanostálgiconascia
E procurava luz, vazio e silêncios quase nus

Cresci pensando e formando poemas azuis.


ESCRITOS DE ADOLESCÊNCIA
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

1 -

O poeta não é só aquele que escreve aquelas poesias que causam suspiros.
É também aquele que vive aqueles suspiros que causam poesias.

2 -

Se o se fosse concreto
Nossa boca estaria cheia de pedras.

3 -

Meu rastro: meu ganho e meu gasto
(Escrito no Peru, em julho de 1981, no diário de viagem)

Em cada canto que eu passo
Eu deixo um pedaço de mim
E levo da saudade uma lição que eu traço
De separar o que é bom do que é ruim
Que são os pedaços deixados
Agora mais ricos e conciliados
Com visões e línguas universais
Com leis e canções naturais.


GINEMEU
Mercedes Lorenzo
[ in Cosmunicando ]

sutil caligrama

escrito no tato

do momento olho

à mira inexata

em obliquidade

feminatural

demorada em afetos

projetos e ventre

entre borboletas

pernabocaeanseios

insinuam decote

em doses maciças

de sombra

e sorriso holofote

FEIRINHA DE SANT'ANA

Estivemos ontem em Caicó para ver a Feirinha da Festa de Sant'Ana. A multidão era tão grande (a cidade literalmente parou e se dirigiu para as praças da Matriz e da Liberdade e para a Ilha de Sant'Ana) que "esbarramos" em pouca gente conhecida. Mas encontramos tempo de aparecer no Bar de Ferreirinha. E o próprio lá se achava, todo arrumado. Do alto de seus 80 anos, despediu-se com as seguintes palavras: "E agora vou pra Feirinha arranjar uma caboca...". [Confira aqui fotos da festa, ontem.]


Recomendamos
o artigo
38 ANOS SEM DJALMA MARANHÃO
de
Alexandre de Albuquerque Maranhão
[ Eleito Prefeito de Natal em 1960, Djalma Maranhão foi destituído e preso pelo golpe militar de 1964. Exilado no Uruguai, morreu em 1971, vitimado pela saudade da terra potiguar. ]

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Imagem:
Babby D


BALAIO PORRETA 1986
n° 2736
Natal, 30 de julho de 2009

O sonho
de todo homem
de 85 anos
é ser assassinado
por um marido
ciumento.
(Max NUNES,
in
Uma pulga na balança
,
org. Ruy Castro)





MODUS OPERANDI
Nina Rizzi
[ in Putas Resolutas ]

elas trepam umas c'as outras
: afagos-cores, ideias-trocas.
fazem amor criando poesia
como quem faz idílios-sonatas, telas-performances.

caminham uns três mil quilômetros de saudades
pra fazer versos,
se renderem avessitudes.

riem dos padres
(e) invejosos.
não usam vestidos de noiva,
não acatam ordens.

elas é que sabem o que são elas
: putas resolutas. Quando você chegou,
menino do sol,
eu desfiz
minhas sequencias diárias
e renovei:
a toalha da mesa,
as flores de plástico,
as cortinas de chitão
e
acendi o fogo
com um pavio de algodão.

CABAÇO
Mario Cezar
[ in Coivara ]

a cama morna. os lençois de cambraia (manto de sonhos). grunhir úmida. esfolar a castidade imposta, sob o castiçal da igreja. medo medonho. feito canga. até quando? no tronco das coxas, uma gardênia de pêlos pedintes. os seios ali, pomos de orvalho, à espera do batismo


EIS-ME, AO LADO DE PITULEIRA
e outros,
na Festa dos 50 Anos do Bar de Ferreirinha
Foto:
Caboré

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Vista de Delft
(c1661)
JAN VERMEER


BALAIO PORRETA 1986
n° 2735
Rio, 29 de julho de 2009


Mas só Deus - que é único, que não tem par - poderia dizer
o que é a solidão.

(Mario QUINTANA. Da infinita solidão, in Caderno H)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 9)

Atos & Fatos

E os grandes fazendeiros ficaram preocupados com as palavras do Senhor da Cruz.

E as mulheres o aplaudiram com entusiasmo e fundaram
o Clube das Cristãs Apaixonadas.


E os políticos tentaram manipulá-lo de qualquer maneira.

E a turma da Taberna de Ferreirinha passou a admirá-lo mais e mais, elegendo-o como patrono da festa dos 500 anos do famoso estabelecimento.

E os dias se passavam. E as semanas se passavam.
E os meses se passavam.


E Jesus da Cruz continuava em sua missão evangélica.
Com sua fé. Com sua coerência. Com sua sabedoria.

Em São João do Sabugi disse:
"Vós sois o sal da terra. E se o sal perder a sua força, o seu sabor, o seu saber, com que outra coisa se há de salgar? Vós sois o sol do mundo. Sal e sol, assim brilha a vossa luz diante dos homens e das mulheres"(¹).

Em Carnaúba dos Dantas disse:
"Nem todo aquele que diz 'Senhor, Senhor' conhecerá o o Reino da Luz, mas sim o que faz a vontade do Altíssimo, Pai de todos nós. Todo aquele que ouve as minhas palavras e as observa, será comparado ao mais sábio dos sábios."(²).

Em Jardim do Seridó disse:
"Se no presente o Primeiro Testamento é sagrado, e deve ser estudado com fervor religioso, no futuro também serão sagrados os livros A divina Comédia, Os lusíadas, Paraíso perdido, Hamlet, Dom Quixote, Moby Dick e Grande sertão: veredas"(³).

Em São José do Seridó disse:
"A ignorância a respeito do Altíssimo e das lutas sociais trará terror e medo. E o terror se tornará denso como neblina, de modo que ninguém poderá enxergar. Não se esqueçam: o Altíssimo, nosso Pai, é doce e sua vontade é boa"(ª¹).

Em Jardim de Piranhas disse:
"Ser ou não ser, eis a questão.
Sou o que sou, eis a opção.
Ser o que sou, eis a versão"(ª²).

E os grandes fazendeiros ficavam preocupados com as palavras do Senhor da Cruz.

Próximo capítulo:
A última ceia

Notas:
(¹) Cf. Mt 5, 13-14, Ant P Fig.
(²) Cf. Mt 7, 21-24, Ant P Fig.
(³) Mais uma prova documental de como o Senhor da Cruz também era um profeta - e um profeta de excelente gosto literário.
(ª¹) Cf. Apócr Evang Verd, Ma Hel Tr.
(ª²) Cf. Primeiro Testamento/Hamlet: Anônimos/Shakespeare.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Imagem:
RetroAtelier


BALAIO PORRETA 1986
n° 2734
Natal, 28 de julho de 2009

Todas as cidades têm características que lhe servem de referência cultural, gastronômica, paisagística, religiosa, cultural ou de lazer. Ou tudo isso junto. Exemplos? Imagine Natal sem Ponta Negra, Parelhas sem São Sebastião, Currais Novos sem Cristo Rei, Rio de Janeiro sem Fla-Flu, São Paulo sem o Ibirapuera, Timbaúba sem Batista, Acari sem Gargalheiras, Brasília sem o plano piloto, Porto Alegre sem chimarrão, Recife sem frevo, Salvador sem axé... Não existiriam!
Pense como seria estranho Caicó sem a carne de sol, sem a Festa de Sant’Ana, sem Magão, sem o Arco do Triunfo, sem a Rádio Rural, sem o Itans, sem a Praça da Liberdade, sem o mercado público e sem os seus bares e restaurantes. Deus nos livre e guarde, porque a história também se faz de homens e bares. Caicó teve e tem bares famosos, frequentados pelas famílias, boêmios, músicos, artistas em geral, empresários e políticos. A boa comida e a bebida gelada são do cardápio. O aconchego é cortesia.
(Roberto FONTES, in Bar de Ferreirinha)


POEMA
Ada Lima
[ in Menina Gauche ]

talvez o luar seja o mesmo
ainda
embora caia sobre outras pontes
(Londres permanece distante)

as estrelas
parecem cada vez mais raras
ofuscadas
parece tão absurdo contá-las
- as estrelas e as lâmpadas

marés continuam a ir e vir
e cada vez mais distante delas vai
a cidade
una com outras terras potis

percorro-a a esmo
como quem perdeu
para sempre
o caminho de volta.

(publicado na revista Perigo Iminente)

SOLITUDE
Jeanne Araújo

O que era aquilo diante
de mim e de ti?
Se era de sangue
ou rubro de dor
necessitava arder tanto
nos olhos?
Por que palavra e meia
não bastava para essa lírica?
Que sentimento podava
nossas mãos e palavras
num sopro do vento?
Travessia de sombras no muro.
Tens solidão mais funda
que antigos jazigos.

A TUA LUA
Hercília Fernandes
[ in Retrato de Helena, 2005 ]

Me veja nos teus olhos,
como te vejo nos meus.
Me tenha nos teus sonhos,
como tenho, você, nos meus.

Guarde a minha lembrança,
como eu guardarei a tua.
Guarde a minha paixão,
e eu serei a tua lua.

Me ame assim mesmo:
Distante, mas por inteiro.
Porque o que nos separa,
não é à distância,
é a proximidade.


UMA PEQUENA PROVOCAÇÃO

Se Nísia Floresta é uma autora potiguar,
eu sou um escritor marciano.
Nascido em Júpiter.
(Moacy Cirne)


BAR DE FERREIRINHA:
MAIS FOTOS DOS 50 ANOS

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Sant'Ana,
"Senhora doce e clemente",
Padroeira de Caicó e do Seridó
Foto: Bar de Ferreirinha


BALAIO PORRETA 1986
n° 2733
Edição Especial
Natal, 27 de julho de 2009

A primeira Festa de Sant'Ana em Caicó data de 1748, quando a cidade começava a tomar forma como centro urbano, às margens do Rio Seridó. Na ocasião, para comemorar o grande feito cívico-religioso, marcaram presença Luís da Câmara Cascudo, Mário de Andrade, São Francisco de Assis, Santo Agostinho, Zila Mamede, Murilo Mendes, Luiz Vaz de Camões, James Joyce, Miguel Cervantes, Machado de Assis, Isadora Duncan, Claudio Monteverdi, Ava Gardner, Greta Garbo, Manoel Dantas, Jorge Fernandes e vários outros.


NOSSA PRESENÇA EM CAICÓ

Primeiro momento, sábado:
Festa do Ex-Aluno do GDS (Ginásio Diocesano Seridoense, hoje CDS), turma de 1959.
Aula da saudade sob a regência do poeta José Lucas de Barros.
Cerveja, vinho, música durante horas.

Segundo momento, ontem:
50 anos do Bar de Ferreirinha, com a presença de mais de mil biriteiros e biriteiras,
sob o comando etílico-exemplar do jornalista Pituleira. Muita alegria. Muita emoção.

Terceiro momento, igualmente ontem, no Ferreirinha:
Várias homenagens: ao próprio Ferreirinha, ao primeiro cliente do bar (Zé Anchieta),
e a este vosso blogueiro (Amigo do Bar de Ferreirinha e Cidadão Honorário Caicoense).



Na foto acima:
Titianinha, Duduza, Ana, Zé Lavradio, Joelma, Muirakytan e Roberto Fontes (sentado), nas primeiras horas da manhã, ontem, no Bar de Ferreirinha.
Na foto abaixo:
Benedito Santos, Ferreirrinha, Zé Anchieta e Pituleira,
nas comemorações dos 50 anos do Bar.


ATA DA LENDA DE FUNDAÇÃO DO BAR DE FERREIRINHA

Muirakytan Macêdo*

Toda civilização tem um início que se embeiça com a lenda.

Reza um dos mitos fundadores de Caicó que a cidade só veio a pegar no tranco com a criação do Bar de Ferreirinha.

Antes era uma cidade onde o tédio se cortava a machado.

Mas eis que tramou contra a mesmice, o jovem Ferreirinha.

Ainda segundo a lenda, o tal rapaz – passado meio século só de Bar - continua com o mesmo vigor juvenil, enquanto os clientes que não se conservaram em álcool envelhecem como o retrato dum tal de Dorian Gray.

Na sessão inaugural do Bar estavam três grandes amigos: Ferreirinha, Zé Anchieta e Macêdo.

Coube a este último a honra de tomar a primeira cerveja. Nem gelada ela estava. A temperatura do evento fundador foi tão alta e a secura quase libidinosa pela loura quente era tão grande, que exigi-la gelada era desplante.

Macêdo: “Chega de metafísica e vamos beber!”.

Perguntaram: “Que diabo é metafísica?”.

E ele: “Sei lá o que significa essa porra!!! Chico Doido me disse que sempre que uma situação ameaçasse desbandeirar pra frescura se diz esta palavra e se resolve a parada”.

E como quando se fala do mal, prepara-se o pau – nesse caso, literalmente - Chico Doido de Caicó entrou suando cana e loção de puta.

“Bote uma aqui preu tomar banho”.

Ferreirinha: “Deixe botar num balde, pois no copo num cabe!!!”.

Chico Doido: “Viuche! o homem tá c´a macaca”

Nisso chegaram Moacy Cirne e Nei Leandro procurando Chico Doido. Abancaram-se na calçada – coisa que não se fazia em Caicó – e tome peleja com puias que até hoje estão nos anais e vaginais da cidade.

*Cliente, professor da UFRN e filho de Macêdo, um dos signatários da ata de fundação do Bar de Ferreirinha.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Foto:
Andrew V. Pashis


BALAIO PORRETA 1986
nº 2732
Rio, 24 de julho de 2009

Hoje à noite estaremos em Caicó. Amanhã, no Colégio Diocesano Seridoense, participaremos da Festa dos Ex-Alunos (da turma concluinte de 1959). No domingo, pela manhã, o Bar de Ferreirinha nos aguarda para uma dupla homenagem. Enquanto isso a cidade já vive e respira a Festa de Sant'Ana. É possível que o Balaio só volte a "circular" na próxima segunda, diretamente de Natal.


LETRAS BRANCAS SOBRE UM FUNDO NEGRO
Antônio Mariano
[ in Poesia e outras bobagens ]

para Sérgio Mattos

Hermético, me abro.
As palavras, leitor,
acendem todas as chaves.

As trancas são os não-ditos
que fazem.

Às vezes, me fecho
quando sou claro.


QUERERES
de Acantha
[ in La Vie Bohème ]

Sigo tua letra em minha carne
riscando lentamente
histórias de desejo e desespero
abandono e sedução.


MARACUJÁ
Napoleão de Paiva Sousa
[ in Substantivo Plural ]

de tão redondo e belo
estabelece a dúvida:
fruta ou bibelô?
se da fruteira sai, ponche é.
se fica, bruxuleia em rugas
na atrofia lenta, seca
do enfeite que envelhece
quieto.


ÓRFÃ
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Sou órfã
de tua boca e músculos

Muito!
de teu músculo generoso

Sou órfã
de tudo que lembra

o teu olhar fogoso

Sou órfã de tua mão,
que feito cão,
me morde o pescoço

Órfã de teu cheiro doce.
Muito, de teu calor

Órfã do teu amor.


OFERENDA
Laura Amélia Damous
[ in A poesia maranhense no século XX, de Assis Brasil ]

Venho te oferecer meu coração
como o cansaço se oferece aos amantes
o suor aos corpos exaustos
depois de definitivo abraço
Venho te oferecer meu coração
como a lua se oferece à noite
e o vento à tempestade
Venho te oferecer meu coração
como o peixe se oferece à captura
no engano do anzol


SAUDADE
Gilka Machado
[ in Velha poesia, 1965 ]

De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
de quem?

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?

Nota:
Gilka Machado nasceu em 1893 e faleceu em 1980.
Publicou, entre outros, os seguintes livros de poesia:
Cristais partidos (1915),
Mulher nua (1922),
Sublimação (1938) e Velha poesia (1965).


FEIRA DE CITAÇÕES ESPORRENTAS
A arte é uma mentira que nos faz compreender a verdade.
(Pablo PICASSO)
Uma simples linha pintada com o pincel pode levar à Liberdade e à Felicidade.
(Joan MIRÒ)
Fecho meus olhos para ver.
(Paul GAUGUIN)
Onde reina o amor, o impossível pode ser alcançado.
(Provérbio Indiano)
Certas mulherem amam tanto seu marido que, para não gastá-lo, usam o de suas amigas.
(Alexandre DUMAS Fº)
Você não pode confiar em seus olhos quando sua imaginação está fora de foco.
(Mark TWAIN)


quinta-feira, 23 de julho de 2009


Currais Novos vista de perto
Foto:
Alexandro Gurgel


BALAIO PORRETA 1986
n° 2731
Rio, 23 de julho de 2009

Sempre acreditei carregar o Seridó em mim, filho pretensioso: pele, veias, músculos, intestinos. Mas se o Seridó sou eu, por que me faço tanta falta agora?

Nota do Balaio:
O poeta curraisnovense Theo G. Alves
acaba de se transferir para Santa Cruz,
igualmente no Rio Grande do Norte,
mas já fora dos limites do Seridó.


Poema de
Lou Vilela
in
O Gato da Odete & Nudez Poética


AMOR É VERBO?
Henrique Pimenta
[ in Bar do Bardo, em 20/2/2009 ]

Amor é de que verbo, de que som?
Dicção com ar soberbo, ou da perifa?
Nação para o meu berço, pelo dom?
Noção para o meu verso? Que patifa-

Ria vocabular emerge com
Saliva para o lar que o ar borrifa
Na lata deste eleito, dando o tom
De dar soco na cara, ao menos bifa?

Eu sou esse de amar e amarelar
O dito por não dito, na pressão,
Silêncio logo após o "Vou falar"...

Parece um mal-estar em meio a um crime...
Parece um sussurrar do coração:
"Amor que me sustenta e me reprime".

NO QUARTO
Maria José Mamede
[ in Maria Cabocla, em 16/4/2009 ]

No quarto
sombras de alegrias e tristezas
povoam paredes
cobrem rostos
dos retratos do tempo.


POEMA
de Armando Freitas Filho
[ in 3x4. Rio, 1985 ]

Beijo
sua boca
de
baixo.
Seus bellos cabellos
molhados.
Beijo tanto e tão
com a cara toda
enfiada e cega
sem ver nada com os olhos
mas com a língua inteira.


ESTAÇÕES
Antonio Carlos de Brito / Cacaso
[ in Beijo na boca. Rio, 1975 ]

Do corpo de meu amor
exala um cheiro bem forte.

Será a primavera nascendo?


A arte de
Kevin Van Aelst
via
Civone Medeiros

quarta-feira, 22 de julho de 2009

As águas do Itans e a
Serra de Samanaú
(nome original da Serra de São Bernardo),
em Caicó, Capitania do Ryo Grande
Foto:
Rodrigo Soares


BALAIO PORRETA 1986
n° 2730
Rio, 22 de julho de 2009

Quem escreveu a Bíblia? Centenas, milhares de copistas, cada qual mais interessado em apagar a própria personalidade e em ressaltar sua versão como a mais pertinente à tradição. Fosse no Antigo, fosse no Novo Testamento, eram eruditos que tomaram depoimentos orais e textos de origem popular, dando-lhes o timbre do conhecimento, e da tradução de uma verdade doutrinária.
(Flávio AGUIAR, in A Bíblia muito além da fé)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 8)

O Sermão da Serra de Samanaú

Muito cedo, ao quebrar da barra(¹), uma pequena multidão já se encontrava ao pé da Serra de Samanaú, à espera do Senhor da Cruz. E às 9 horas, acompanhado por Maria Maria, Sheyla Madá, o Coral do Seridó (Mateus, Marcos, Lucas e João), uma delegação representando a Taberna de Ferreirinha e componentes da Irmandade dos Negros do Rosário, todos paramentados, Jesus da Cruz chegou. Chegou e começou de imediato o seu Sermão:

"Em verdade, em verdade eu vos digo, meus irmãos, minhas irmãs: Durante 40 dias e 40 noites jejuei no alto da Serra de Mulungu, na mui querida São João do Sabugi. Fui tentado pelo Senhor das Sombras, mas resisti com bravura. Assim deveis proceder: resistindo às tentações, sempre".

"Em verdade, em verdade vos digo: O Reino da Felicidade Suprema será alcançado por aqueles que amam a paz, o trabalho, a justiça social, a liberdade em todos os níveis, a amizade franca e honesta, seu clube de futebol, uma cervejinha bem gelada e os caprichos da mulher amada".

"Em verdade, em verdade vos digo, meus irmãos, minhas irmãs: Amai-vos uns aos outros, com borogodó e carinho, sabedoria e espiritualidade. Entre quatro paredes, tudo vale a pena, se a alma não é pequena(²). Mas não se esqueçais: amai antes de tudo ao Altíssimo dos Céus".

"Em verdade, em verdade vos digos: Felizes os pobres de espírito, porque deles é o Reino da Luz Transcendental. Felizes os famintos, porque serão saciados. Felizes os tímidos, porque, cedo ou tarde, terão mulheres maravilhosas e amigos generosos. Mas não julgueis e não sereis julgados".

"Em verdade, em verdade vos digo, meus irmãos, minhas irmãs: Não há mangueira boa que dê manga ruim, assim como não há bananeira ruim que dê banana boa. Todo aquele que vem a mim e ouve minhas Palavras inspiradas nos Dez Mandamentos será um homem feliz, bastante feliz".

"Em verdade, em verdade vos digo: O seridoense é antes de tudo um solidáriio, um forte, um companheiro leal, um excelente amante, um respeitador das Leis do Altíssimo e um caba(³) apreciador da boa alimentação sertaneja e de um bom forró pé-de-serra. Assim é... assim será".

"Em verdade, em verdade vos digo, meus irmãos, minhas irmãs: Olhai os mandacarus do campo, os mandacarus do nosso sertão, cuidai bem deles, já que são importantes para alimentar o gado nos longos períodos de seca que, aqui-acolá, se abatem sobre a nossa terra, sobre a nossa gente".

"E digo mais, e digo mais: Sejam católicos ou muçulmanos, sejam evangélicos ou catimbozeiros, sejam ateus materialistas ou espíritas kardecistas, sejam zoroastristas ou budistas(ª¹), todos serão recebidos no Reino da Luz Eterna se, entre nós, praticarem o bem e o humanismo".

"E mais digo, e mais direi: Uma chamada de cana(ª²) não faz mal a ninguém, um banho de chuva é a segunda melhor coisa do mundo(ª³), uma anedota bem contada deve ser valorizada por todos nós: afinal, somos humanos, demasiadamente humanos, como será dito mais tarde por um ateu".

"E digo mais, e digo mais, irmãos e irmãs: Se receberes porrada de um inimigo, não reajas. Mas se ele insistir, mostrai que és um seridoense fibra-longa(ªª¹): botai o atrevido pra correr. Mas não se esqueçais nunca: não matarás, não roubarás, não fornicarás com a mulher do próximo".

E Jesus, o Senhor da Cruz, concluiu: "Oh Pai Altíssimo, oh Pai Eterno, santificado seja o Vosso Nome, assim no estrangeiro como no Seridó; venha a nós a Vossa Palavra, venha a nós a Vossa Sabedoria, e livrai-nos dos pecados e não nos deixai cair em tentação, oh Senhor de todos nós".

E houve uma salva de palmas que ecoou por toda a região.
E o Coral do Seridó,
em ritmo de xaxado chileno-catarinense,
executou o mais arretado dos dobrados(ªª²).

Próximo capítulo:
Atos & Fatos

Notas:

(¹) Quebrar da barra : Por volta das cinco horas da manhã.
(²) Expressão que já se encontrava no Primeiro Testamento, e que será retomada, em forma de poesia, por um autor português do séc. XX da da Era Comum.
(³) Cab[r]a : Indivíduo. Caba da peste : Indivíduo danado de bom.
(ª¹) Eis, aqui, a prova cabal de que o Senhor da Cruz também era um vidente e profeta, já que em sua época ainda não existiam o espiritismo, o islamismo e outras religiões, seitas e/ou filosofias citadas nesta parte de seu Sermão da Serra de Samanaú.
(ª²) Chamada de cana : Talagada de cana, lapada de cana. Dose de cachaça.
(ª³) Qual seria a melhor coisa do mundo? Há controvérsias entre os teólogos.
(ªª¹) Seridoense fibra-longa : Seridoense dos bons. Alusão ao algodão seridó (ou mocó), de ótima qualidade.
(ªª²) Dobrado : Composição musical de feitio cívico-religioso com toques marciais.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Imagem:
Haleh Bryan


BALAIO PORRETA 1986
n° 2729
Rio, 21 de julho de 2009

O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência.
(Nelson RODRIGUES, in Entrevistas /com/ Clarice Lispector)


VERTIGEM
Adrianna Coelho
[ in Metamorfraseando ]

a ausência da rosa na boca
o silêncio alarmado
de quem sabe espinhos
e idas e beijos
e quases
e esses vermelhos
que te inflamam
toda
de abismos
e quedas


NOSSO AMOR
Sandra Camurça
[ in O Refúgio ]

dê-me uma lua cheia
que eu te dou o sol mais quente
e ninguém verá eclipse mais obsceno que o nosso


MIRAGEM
Paulo Jorge Dumaresq
[ Natal, RN ]

Sertão
Ser tao grande ócio
Do Seridó ao umbigo
Tal qual jazigo sonhado
Por macambiras e bichos-preguiça

Entre Caicó e o infinito
É tudo tão tamanha sina
Que alucina o errante argonauta

Da rasa caatinga
Brotam messiânicas esperanças
Sob um céu púrpura de lirismo

Sertão
Ser tao de grande vereda
Onde convivem humanas catervas
E rebanhos nutridos de indigência
Na vã esperança de escaparem ao abate.


POEMA
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

Tenho medo de objetos cortantes.

Principalmente palavras.


EM TEMPO

Tuitar? Nem pensar.
Tenho mais o que fazer.
Se querem me seguir,
que sigam o Balaio.
Quanto a mim,
procuro seguir
apenas a poesia dos outros.
Nos livros. Nos blogues. Nos jornais.
Ou em papos amigos,
nas mesas dos bares.
(Moacy Cirne)


SHEYLÂNCIAS NEM SEMPRE ESQUISITAS
de Sheyla Azevedo: Bicho Esquisito
[ Seleção : Balaio Porreta ]

Quando eu crescer quero escrever poemas. Para compreender melhor esse torpor que alimenta minhas veias quando leio palavras de Hilda Hilst, Anna Akhmátova, Adília Lopes, Sílvia Plath. (14/09/2007)

É incrível como as manhãs guardam uma certa inocência. Um certo ar de que só hoje as coisas podem dar muito certo. (27/09/2007)

Não encontro cais para essa angústia que às vezes nem minha é. E é só minha. Portanto, ora nado contra a maré, ora sou um marinheiro atrasado, vendo o transatlântico passar. (2/1/2008)

Vou contar um segredo: eu adivinho o meu passado. (8/1/2008)

Escrever como se as palavras tivessem acabado de ser inventadas. (30/5/2008)

Em dias de chuva sinto saudades do mar. Tão perto e tão longe. Sinto vontade de temperar o corpo com o sal e segurar o sol com os braços do vento. (10/7/2008)

Ser gente é doer no espelho e arder no silêncio. (2/10/2008)

Palavras tristes fazem festa dentro de mim. Por isso, estou reequilibrando meu silêncio, para que elas não consumam todo o meu olhar. (12/1/2009)

Às vezes fecho os olhos e fico me olhando por dentro. Prefiro. Lá dentro é mais confuso e mais familiar. (12/5/2009)

Eu cruzei palavras, bordei sentidos, costurei versos e esfriei a dor como quem abana uma queimadura de verão ... (26/6/2009)

Alma


A minha alma não obedece aos ponteiros do tempo dos homens.
Minha alma se espreme pelo corpo enquanto transborda pelas paredes.
A minha alma é meio lama, lodo,
Prata, vinho, som de silêncio.
A minha alma tem um quê de distração que me enerva, me atordoa, me distingue das formigas.
A minha alma tem inclinações para filmes trágicos, para espinhos e amendoim.
A minha alma cospe fogo e come brisa.
Ela se prende ao desabafo e é torturada pelas mentiras, principalmente as alheias. Porque são impossíveis de se pintar à mão.
A minha alma desenha estruturas insolúveis tendo como matéria-prima nuvens e
Depois sai para passear


A minha alma não tem nome, cor ou dono.
A minha alma chora com a chuva e brinca com os córregos como se ainda fosse uma menina.
A minha alma é nua da cintura para cima e usa calcinha bunda-rica
A minha alma tem vergonha do pudor, do desconcerto e da inabilidade alheia

A minha alma não perdoa porque prefere esquecer
A minha alma não se ajusta na trilha dos ponteiros dos outros
Porque ela é fogo que atordoa no silêncio.
É desabafo que espinha a garganta
E chora fino como chuva em fino córrego.
A minha alma tem um corpo que é brisa e atravessa as paredes cor de prata.
A minha alma não é exata, nem desatina. Ela é uma coisa assim sem rumo, diferente das formigas.
A minha alma fala no lugar da voz. Depois vai assistir a um filme, comendo amendoim.
(29/4/2008)

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Pescadores no mar
(1796)
WILLIAM TURNER


BALAIO PORRETA 1986
n° 2728
Rio, 20 de julho de 2009

Mateus nos impõe de diversas maneiras os temas do excesso, da transformação e da autoridade pela qual o excesso é exigido e a transformação obtida.
... Na verdade, essa concordância
[com o Antigo Testamento] é a fonte mais profunda de sua
assombrosa novidade.

(Frank KERMODE, in Guia literário da Bíblia, 1987)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 7)

Parábolas & Metáforas

É mais fácil um pecador mergulhar no Poço de Santana, em Caicó, para enfrentar sua milenar serpente do que um homem sem coração alcançar o Reino da Felicidade.

É preciso separar o joio do trigo, a cachaça ruim da boa aguardente, a literatura de auto-ajuda da verdadeira literatura para que se tenha uma vida plenamente saudável.

O filho que volta para o Seridó, depois de longa ausência, é um filho pródigo: deve ser recebido por todos com romãs, bogaris, vinhos, auroras e quadros de Zé Avelino.

O bom pastor é aquele que rejeita o fanatismo religioso, a corrupção na política, o falso moralismo, a caça às bruxas, o forró reeira, a axé music e o sexo prostituído.

Pode um cego guiar outro cego? Não cairão ambos no abismo? Pode um doido varrido guiar outro doido varrido? Não se perdarão ambos nos caminhos da vida?

Ai daqueles que olham e não veem, que escutam e nada percebem do mundo, que se alfabetizam e continuam ignorantes. O semeador semeia a Palavra. Eis a verdade.

Será que a água roubada é mais doce, que o pão escondido é mais saboroso, que a mulher do próximo é mais gostosa? Não e não. Saibamos valorizar o que é nosso.

Há provérbios que são mais do que parábolas, mais do que metáforas. Escutem: O Senhor olha atentamente para os caminhos do homem e considera todos os seus passos.

Mas são muitas as parábolas que devem tocar o nosso coração: a parábola da ovelha perdida, a parábola do bom seridoense, a parábola do boi misterioso. E outras. E outras.

Todavia,
parábola ou não,
provérbio ou não,
metáfora ou não,
saibamos corresponder às palavras amorosas
de nossas companheiras
quando dizem com doçura e mais doçura:

"Vem, amado meu,
embriaguemo-nos de seridolências,
embriaguemo-nos de crepúsculos,
embriaguemo-nos de anoitecências
e gozemos das carícias desejadas
até que surja a aurora abismada"(¹).

Próximo capítulo:
O Sermão da Serra de Samanaú

Nota:
(¹) Há uma versão, ligeiramente diferenciada e com significado discutível, com implicações que apontam para a traição da mulher em relação a seu companheiro ausente, atribuída ao fazendeiro Salomão Pereira de Figueiredo. Note-se ainda que a expressão "aurora abismada", presente no Primero Testamento, séculos depois seria usada por um poeta popular em seu folheto dedicado a uma cidade utópica conhecida por São Saruê, em pleno sertão nordestino.


domingo, 19 de julho de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
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o trêiler de
Rastros de ódio
(John Ford, 1956)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2727
Rio, 19 de julho de 2009


Rastros de ódio é mais do que um grande bangue-bangue, é mais do que uma obra-prima de John Ford magistralmente estrelada por John Wayne, é mais do que um ícone do cinema americano, é mais do que a história de uma perseguição implacável: é a história de uma obsessão. Uma terrível e dolorosa obsessão.


30 anos depois de sua morte
- data a ser lembrada amanhã, 20 de julho -.
nossa homenagem ao poeta e cronista natalense BW:

HOMEM SÓ
Berilo Wanderley

Além da janela, os ramos verdes
e um resto de tarde se apagando.
Mulheres de branco, os rostos parados e frios,
passam.
Algumas colhem flores friamente,
como se não colhessem flores,
Homens tristes e abandonados descem do alto da rua.
Vem do trabalho que ficou lá no fim da cidade,
e trazem para suas mulheres suor, pão quente e amor.

Sempre há amor nos homens quando as tardes findam.
E sempre haverá mulheres de branco apanhando flores,
quando as tardes findam.
Há amor também no homem só
que está por trás da janela
e se embala numa rede azul.
Um azul que vai e vem e que arranca do homem
uma canção que se apaga com a tarde
e que vai enchendo de noite
o entardecer do quarto.


BICHOS DA NOITE
Lou Vilela
[ in O Gato de Odete & Nudez Poética ]

No ecoar dos bichos da noite
pura poesia:

talvez susto, talvez medo
talvez amor...
ou sinfonia.

Em meu habitat enluarado
aluado
também sou bicho:

talvez coruja
talvez grilo...
ou vaga-lume

numa noite em que os bichos
inquietos
manifestam-se.


MÁSCARA
Nel Meirelles
[ in Fala Poética ]

respiro entre
o fio frio da faca
e o sabor
de lembranças
guardadas em sacos
plásticos

fujo e volto
volto e fujo
e finjo que
sou feliz

[] Penúltimo poema de Nel Meirelles,
antes de sua morte,
postado em 29/8/2006,
ao som de Mesmo sozinho, de Nando Reis []

sábado, 18 de julho de 2009

FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
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o trêiler de
A nave da revolta
(Edward Dmytryk, 1954)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2726
Rio, 18 de julho de 2009

A nave da revolta foi exibido no cinema de seu Clóvis em 1959, para felicidade daqueles que vibravam com Humphrey Bogart. Aliás, 1959 foi um ótimo ano para os cinéfilos caicoenses. Já destacamos, aqui mesmo, alguns dos filmes exibidos no Pax naquele ano:
Velhas lendas tchecas (Trnka, 1953)
French cancan (Renoir, 1954)
Winchester 73 (Mann, 1950)
Absolutamente certo! (Anselmo Duarte, 1967).
Também foram lançados, na ocasião:
Osso, amor e papagaios (C. Memolo, 1957)
Desejo humano (Lang, 1954)
Maldição (Lang, 1949)
Nós, as mulheres (Visconti & outros, 1953)
A ponte da esperança (Kautner, 1953)
O homem do terno branco (Mackendrick, 1951)
Após a tempestade (Farrow, 1954)
A batalha do Rio da Prata (Powell & Pressburger, 1956)
Sangue de mestiço (Pevney, 1955)
Ligas encarnadas (Marshall, 1954)
Heidi (Comencini, 1953)
Os vencidos (Antonioni, 1952),
entre outros.
Aliás, 1959 é também o ano da turma que concluiu
o Ginásio Diocesano Seridoense (GDS, hoje CDS)
- no caso, a minha turma -
e, de igual modo, o ano que marca a inauguração do
BAR DE FERREIRINHA.
E por falar no famoso bar,
soube que a jovem da foto abaixo
(clicada por Iosif Badalov)
gostaria de participar dos festejos de seus 50 anos
no próximo dia 26, em plena Festa de Sant'Ana,
tocando o seu violino como Deus a criou.
Com uma condição:
que luzes & sombras iluminem o ambiente.
E já que o Balaio de hoje é dedicado a Caicó,
eis dois poemas de caicoenses da gema:


AMANHECENDO
Ana de Santana
[ in Em nome da pele, 2008 ]

Não conto o tempo quando demoro
os dedos sobre teus cardeais
Tudo que preciso amanhece no teu corpo
Criado pela infância das almas
Tudo é minguado
Se não sou vizinha do teu rosto
Se não sou eu mesma a manhã
Que te desperta o afã
de morar em mim


APETRECHOS
Hercília Fernandes
[ in HF Diante do Espelho ]

Reuni os meus apetrechos,

espalhei flores sobre a cama.


Penteei meus longos cabelos

joguei os pés, doídos, à santa.


Caí na calada da noite

cantei, dancei música cigana.


Colei retratos na janela

bebi álcool com laranja.


Depois subi pelas paredes:

(quase lhe pedindo...)

socorro, pano, lâmpada!


Mas você nada me disse

nem nada me fingiu dizer.

Nem mesmo me arriscou um palpite

sobre o meu jeito lânguida de ser.


É por isso que eu fico assim meio triste

(nesse disse me disse)

Esperando...

minhas coisas:


[cama (de flores)

[santa (de redenção)

[cigana (de amores)

[laranja (de odores)

[lâmpada (de contemplação)

[lânguida (de solidão)


Você [me] recolher!...


[][][]

ESTAREI EM CAICÓ no próximo final de semana para as duas comemorações: 1. A festa dos 50 anos da minha turma (conclusão do ginasial), no velho e querido GDS; 2. a festa dos 50 anos do Bar de Ferreirinha, quando receberei, das mãos do próprio dono do buteco, com muita alegria, a medalha de Amigo do Bar de Ferreirinha.

Memória 2002

UMA VEZ CAICÓ, SEMPRE CAICÓ

Em Caicó, aprendi a amar o cinema. Em Caicó, aprendi a amar os quadrinhos. Em Caicó, aprendi a amar o Fluminense. Em Caicó, nasceu o meu interesse pela poesia e pela literatura. Em Caicó, mergulhei simbolicamente na magia do Poço de Santana. Entre suas ruas e serrotes, fiz grandes amizades: Eduardinho, Rubinho, Irandi, José Geraldo, tio Silvino... Entre suas praças e escolas, tive mestres memoráveis, que me despertaram para o saber e para o sabor da vivência a mais humanística possível: na infância, Da. Teresa Mota e Da. Lourdes; na adolescência, Pe. João Agripino, Mons. Walfredo Gurgel, Pe. Galvão, Prof. Levi. E outros. E outros.

Em Caicó, vivi os anos 50, ainda sem conhecer o rock e a poesia concreta (a não ser, superficialmente, através das páginas d'O Cruzeiro), mas vibrando com os seriados no Cine Pax (como esquecer O império submarino, para ficar em um só exemplo?). Vibrando igualmente com os filmes de Tarzan, Durango Kid, Hopalong Cassidy e Esther Williams, a minha primeira grande paixão cinematográfica, ao lado de Ava Gardner (quantas e quantas vezes a tive nos meus braços; talvez mais do que o próprio Frank Sinatra).

O cinema de Seu Clóvis, em particular, ocupa um lugar todo especial em meus relembramentos caicoenses (assim como ocupa um lugar especial a lembrança dos gibis vendidos semanalmente por Seu Benedito). De certa maneira, a história dos filmes exibidos pelo Pax nos anos 50 se confunde com a própria história da cidade naquele período, período que viu o surgimento de A Folha, em 1954, que viu - sempre maravilhada - as festas de Sant'Anna e do Rosário, que viu a passagem do Circo Copacabana, do Circo Teatro Show, que viu e ouviu Luiz Gonzaga na Praça da Liberdade (em 1954), que viu uma das partidas da final entre Caicó e Nova Cruz pelo Campeonato do Interior de 58 (Caicó 4x3, depois de fazer 3x0; infelizmente, na finalíssima, em Natal, deu Nova Cruz: 2x1), que viu a grande seca de 58. E que viu filmes como Sansão e Dalila (com Victor Mature e Hedy Lamarr), Tarzan e a mulher-leopardo (com Johnny Weismuller), O ébrio (com Vicente Celestino); Luzes da cidade (com Carlitos), Dois palermas em Oxford (com o Gordo & o Magro), Paraíso proibido (com Joseph Cotten), O barco das ilusões (com Ava Gardner), Joana d'Arc (com Ingrid Bergman), Cristóvão Colombo (com Fredric March), Gilda (com Rita Hayworth e Glenn Ford). E mais: Rashomon (com Toshiro Mifune), Rio Vermelho (com John Wayne e Montgmery Clift), Pandora (com James Mason e Ava Gardner), Laura (de Preminger), O segredo das jóias (de Huston), O drama do deserto (documentário com a marca Disney), A um passo da eternidade (com Burt Lancaster e Deborah Kerr), A nave da revolta (com Humphrey Bogart), Os vencidos (de Antonioni), O rastro da Bruxa Vermelha (com John Wayne), A estrada e Agulha no palheiro (nacionais; o segundo, de Alex Viany), Velhas lendas tchecas (extraordinário filme de animação).

Sansão e Dalila, por exemplo, terminou sendo um acontecimento na cidade. Para começo de conversa, foi lançado em pleno sábado, fato no mínimo incomum (o sábado era reservado para o seriado, com um bangue-bangue ou um policial classe B, mera repetição do programa da quinta-feira); depois, no domingo, inaugurou as sessões matinais. Ao todo, foram seis sessões, em cinco dias. Um recorde absoluto! Até então, um filme de apelo comercial era exibido, no máximo, duas ou três vezes. E Gilda? Para frustração da garotada, o primeiro filme a ser proibido para menores no Pax... Bem, na verdade, ele só permaneceu proibido na "sessão nobre" do domingo; na segunda - aleluia!, aleluia! - já estava liberado para todos nós. A partir daí, passou a ser uma prática mais ou menos rotineira; aos domingos, o filme - qualquer filme, mesmo o mais inocente - era proibido até 18 anos, já às segundas... O seu Clóvis tinha uma "ótima" justificativa para essa estranha censura: "Aos domingos, privilegiamos a família caicoense; nos outros dias, a gandaia". E haja gandaia no velho e querido Pax, o poeira mais amado do país! Pobre daquele que adormecesse em suas sessões... Sofria o diabo, com as piúbas e/ou os palitos de fósforo queimando entre seus dedos. E a vaia, do primeiro ao último minuto, dada ao belo Velhas lendas tchecas, em 1959? Confesso: fiquei indignado.

Depois, a partir de 1960, Caicó passou a ser simples memória, embora memória viva - uma grata memória retrabalhada pelo devaneio e pela emoção. Um novo porto me abrigava: Natal. Veio a consciência diante dos ideais socialistas, veio o aprofundamento em cinema e literatura, vieram novas paixões, novas amizades, novas sensações. Novos alumbramentos. Novos estudos. E veio o Rio de Janeiro, em 1967, depois de conhecê-lo em 1966. E no Rio, o Fluminense em pleno Maraca. E no Rio, a participação no lançamento do poema/processo, a participação na luta política. E no Rio, o primeiro livro publicado. E no Rio, o ingresso - como professor - no Departamento de Comunicação da UFF. E no Rio, duas filhas maravilhosas: Ana Morena e Isadora.

E no Rio, a lembrança de Caicó. O cheiro de Caicó. Os serrotes de Caicó. As águas de Caicó. O calor de Caicó. As mulheres de Caicó. E, como tricolor, em homenagem a alguns caros amigos rubro-negros, direi: Eu sentiria um desgosto profundo se não existisse Caicó no mundo. [Moacy Cirne, em 2002]