sexta-feira, 30 de novembro de 2007


Em 16 jogos disputados no Frasqueirão,
na Série C do Brasileiro 2007,
o ABC conquistou 15 vitórias e empatou 1 jogo.
Com isso, e apesar das derrotas fora de casa,
obteve, na última rodada, uma das vagas para a Série B
do próximo ano.
O abcedista, com razão, comemora o fato até agora.
Com capacidade para 15 mil torcedores,
o Frasqueirão, em Natal, tornou-se um símbolo da raça alvi-negra.
Aliás, o nome Frasqueirão vem de "frasqueira".
Nos anos 50 e ainda nos 60, no modesto Juvenal Lamartine,
quando ABC e América se enfrentavam, os arquibaldos americanos gritavam para os geraldinos abcedistas: "Olha a frasqueira da geraaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaal", que respondiam na hora - "Pega aqui no meu paaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaau".


BALAIO PORRETA 1986
n° 2174
Rio, 30 de novembro de 2007



POEMAS de
Zemaria Pinto
[ in Fragmentos de silêncio. Manaus, 1995 ]

garçom, traga-me uma navalha
e um chope espumando nuvens

[][][]

o pouso silente
da borboleta de seda
celebra a manhã

[][][]

paixão

a nona sinfonia explode
tua lâmina me rompe o ventre
e faz jorrar o sangue da minha carne
plantando-me tua semente

a paixão violenta - o grito
a lágrima sufocada - ah, a alegria
língua que lambe o mundo

o beijo a dentada
contigo, eu pelo espaço:
Beethoven & boleros

sou uma égua de fogo


DOIS LIVROS, DUAS RECOMENDAÇÕES

Veredas no sertão rosiano, de Antonio Carlos Secchin & outros (orgs.). Rio de Janeiro : 7Letras, 2007, 246. Com um primoroso ensaio fotográfico de Marcos Pinto (Imagens do sertão rosiano) e vários textos ótimos e/ou interessantíssimos, entre os quais: Bichos, plantas e malucos no sertão rosiano (de Benedito Nunes), Guimarães Rosa: sombra ou sol da posteridade? (de Dau Bastos), Quem tem medo de Guimarães Rosa? (de José Maurício Gomes de Almeida), Grande Ser-Tao: diálogos amorosos (de Manuel Antônio de Castro). Um belo álbum.

AlManhaque, n° 3 [1955], de Aparício Torelly /Barão de Itararé/. São Paulo : EDUSP ; Studioma, 2005, 224p. Reprodução fac-similar da edição correspondente ao 2° semestre de 1955 do mais famoso jornaleco humorístico tupiniquim, até hoje. Sátira & política na medida certa através de máximas & mínimas, piadas, crônicas, contos, anúncios, "horóscopos", cartuns. Sempre com senso crítico. Sempre irreverente. Fortaleza gráfico-semântica do humor: um modelo inigualável para os Pasquins e Cassetas que vieram depois, salve, salve!


MÁXIMAS & MÍNIMAS DO BARÃO DE ITARARÉ
[ in AlManhaque, n° 3 ]

Juramento é a mais solene e grave das mentiras.
Boate é uma gafieira metida a besta.
Quem tem saúde de ferro pode um dia enferrujar.
Este mundo não é mais mundo: é imundo!
Não há amor sem beijo nem goiabada sem queijo.
Os homens são sempre sinceros. O que acontece, porém, é que, às vezes, trocam de sinceridade.
Quem inventou o trabalho não tinha o que fazer.
Para este mundo ficar bom, é preciso fazer outro.
Anistia é um ato pelo qual o governo resolve perdoar generosamente as injustiças e crimes que ele mesmo cometeu.
Deus dá peneira a quem não tem farinha.
Deputado come o milho, papagaio leva a fama.
A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
Não há grandes papéis, mas grandes atores.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

ABC ABC ABC ABC FRASQUEIRÃO FRASQUEIRÃO
ABC ABC ABCCCCCCCCCC AAAAAAAAAAAABC 456789000000000000 2x1 2x1 2x1 2x1 ABCBABABCBABBBACCAAB
ABCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCCC ABC ABC ABC NATAL ABC 29 ABC NOVEMBRO ABC 2007 ABC ABC ABC BC bc bc bc BC BBB
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAABC BC BC BC BC BC BC
BC BC BC AAA BBB CCC AAA BBB CCC ABC ABC ABC ABC ABC AAAAAAAAABBCCAAAAAAAAABCCCCCCCCC
ABC AAAAABC BC BALAIO 2173 AAAAAAAAAbbbbbbCCCCCC

domingo, 25 de novembro de 2007

BALAIO PORRETA 1986
nº 2172
Natal, 25 de novembro de 2007



UM FINAL MARAVILHOSO

O II Encontro Natalense de Escritores terminou de forma deslumbrante, ontem à noite, depois de mais quatro debates envolvendo, entre outros, Bartolomeu Correia de Melo, Chacal, Carlos de Souza, Sérgio Cabral, Luiz Carlos Maciel, Woden Madruga e Nei Leandro de Castro. A Fundação Cultural Capitania das Artes está de parabéns, claro. Mas o nosso deslumbramento, no caso, para além das discussões e colocações feitas pelos debatedores e/ou poetas e ficcionistas, deveu-se a dois espetáculos musicais.

O primeiro deles, de corte docemente apolíneo, com Virgínia Rodrigues: uma voz que, em sendo harmonia pura, arrebata por sua cristalina "verdade sonora". O samba, nela, desponta "arredondada" de forma quase mágica, com uma textura sedosa envolvente, para dizer o mínimo. O canto, em Virgínia Rodrigues, é um brilhante raro. E o seu sorriso e a sua simpatia no palco, ao lado de seu perfeccionismo vocal, transcendem qualquer sentido cênico mais espetacular. Uma verdadeira aula de emoção, enfim.

O segundo deles, de corte furiosamente dionisíaco, com Tom Zé: a energia sonora e performática do músico é mais do que arrebatadora - é transcendental. E delirante. Tivemos, então, um espetáculo político-musical como poucos, com direito ao hino americano ao som de supostas metralhadoras e ao mais genial antibuuuuuuuuuuuuuuuuush dos últimos tempos. Tudo terminou, quando a platéia entrou literalmente na dança, com xaxados e "revisitações tropicalientes". Euforia pura, em síntese.

Nota do Balaio:

O II ENE, como sabemos, homenageou os 70 anos do Livro de poemas de Jorge Fernandes e os 40 anos de lançamento, no Rio e em Natal, do poema/processo. Por feliz coincidência, o espetáculo final de Tom Zé, ontem, como um todo, poderia ser uma "aprontação sonoro-musical" a partir dos postulados básicos do poema/processo. Ou seja, se o nosso movimento tivesse investido com mais ênfase nas possibilidades acústico-semiótico-ambientais das aprontações públicas, o caminho traçado com fúria criativa pelo baiano Tom Zé terminaria por se encontrar, muito provavelmente, com as matrizes (anti)poéticas e (anti)literárias do poema/processo.

sábado, 24 de novembro de 2007

BALAIO PORRETA 1986
nº 2171
Natal, 24 de novembro de 2007



ENCONTRO DE ESCRITORES EM NATAL

Pelo segundo ano consecutivo, a Fundação Cultural Capitania das Artes, sob a presidência do poeta Dácio Galvão, promove o ENE - Encontro Natalense de Escritores, desta vez em homenagem aos 70 anos do Livro de poemas de Jorge Fernandes e aos 40 anos do lançamento nacional do poema/processo. Como em 2006, além de autores locais, tivemos ou ainda temos entre nós, discutindo com os muitos e muitos interessados nas várias mesas-redondas instaladas, a presença de Lau Siqueira, Jorge Salomão, Helóisa Buarque de Holanda, Chacal, Ruy Guerra, Moacyr Scliar, José Nêumanne Pinto, Zuenir Ventura, Luís Fernando Veríssimo. Se houve algumas frustrações, muitos foram e ainda estão sendo os pontos positivos. Além do mais, a apresentação de grupos folclóricos e de músicos consagrados deu e dá um colorido especial ao evento.


CONTATOS PESSOAIS

Entre os vários contatos que fizemos, além de velhas e queridas amizades (Paulo de Tarso Correia de Melo, Jarbas Martins, Tácito Costa, Nei Leandro, Abimael Silva, Candinha Bezerra, Bartolomeu Correia de Melo), destacamos o gaúcho-paraibano Lau Siqueira, excelente poeta, e o natalense Mário Ivo Cavalcanti, responsável por um dos melhores blogues do Estado, o Cidade dos Reis.


LIVROS E REVISTAS

Como sempre, aproveitamos a estadia em Natal para enriquecer a nossa biblioteca. De volta para o Rio (na próxima quinta), levaremos Vozes e reflexões (os anais do I ENE), Coco Zambê (com fotografias de Candinha Bezerra e organização de Dácio Galvão), Texto sentido (de Lau Siqueira), O Menino da Paz (auto natalino de Paulo de Tarso), Um intérprete dos Tapuios (de Alfredo de Carvalho, o nº 9 da revista Brouhaha, 12 folhetos de cordel (entre os quais, curiosamente, por Antônio Queiroz de França, cearense, O Manifesto Comunista em cordel). Mas como o evento só se encerra hoje, à noite, ainda pretendemos adquirir outros títulos. Alguns deles merecem ser comentados, o que faremos na primeira oportunidade. É o caso do Auto natalino de Paulo de Tarso.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007


O Rio Potengi e a Fontaleza dos Reis Magos, em Natal,
antes da Ponte Forte/Redinha,
em foto de José Luiz Coe
para o Digzap


BALAIO PORRETA 1986
n° 2170
Rio, 22 de novembro de 2007


DOIS POEMAS de
CHICO DOIDO DE CAICÓ (RN)

A noite está mais escura
Do que os pentelhos de Dona Laura.

[][][]

Eu sou mais devasso e enjeitado
Do que o baitola Velocidade
Eu escrevo mais besteira
Do que a mulher cabaceira
Eu falo mais difícil e enfeitado
Do que o doidelo Mocidade
Eu sou mais cruel e sonso
Do que o sargentão Afonso
Eu sou mais eu sou menos sou pior
Sou tudo sou mais ou menos
Sou um doido que pensa que é
Chico Doido de Caicó.


SEGUNDA EDIÇÃO DO ENE

Começa hoje em Natal, sob o patrocínio da Fundação Cultural Capitania das Artes, o II Encontro Natalense de Escritores, a ser realizado na Ribeira. Muita gente boa (poetas, ficcionistas e outros) deverá comparecer para discutir com a platéia os avanços e desafios da literatura brasileira. E da própria literatura potiguar. O encerramento dar-se-á no próximo sábado. O Balaio acompanhará, de perto, o II ENE.


Foto de autoria não-identificada
em
ArtNude


BALAIO PORRETA 1986
n° 2169
Rio, 21 de novembro de 2007



POEMA de
MARIO CEZAR (CE)
[ in Coivara ]

o desgosto é de nascença. nenhuma dor é fugidia.


POEMA de
LUMA CARVALHO (RN)
[ in Casarão de Poesia ]

de olhos vendados
hoje
a lua
nem flagrou
minha alma nua


POEMA de
ACANTHA (SP)
[ in La Vie Bohème ]

Sede

Me abro
e me deixo
e me entrego
e me esvaio,
enquanto teus dedos falam coisas
no meu corpo,
com urgência e desordem,
exaurindo em mim o gozo e a voz...
incisiva-mente.


POEMA de
ADA LIMA (RN)
[ in Menina Gauche ]

Não sei falar, por isso escrevo.
Mas estou desaprendendo a escrever.


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Dicionário do pensamento marxista, de Tom Bottomore (ed.). Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1988, 454p. [] Ótima obra de referência que conta, para essa edição brasileira, com a consultoria de Antonio Monteiro Guimarães (org.), Maria da Conceição Tavares, Miriam Limoeiro Cardoso, Yedda Botelho Sales, José Américo Motta Pessanha e Sérgio Tolipan. Verbetes claros, objetivos, e com boas indicações bibliográficas. Um exemplo: "Islã - De um modo geral, os marxistas têm mantido silêncio com relação às origens e ao papel histórico do Islã. Os comentários de Marx e de Engels sobre o Islã são tentadoramente sugestivos, mas igualmente incompletos. Numa carta a Engels em que discute a natureza das sociedades asiáticas, Marx formulou a pergunta fundamental, para a qual ainda não foi encontrada nenhuma resposta adequada: Por que a história do Oriente aparece como uma história das religiões?" (p.200). O verbete continua, discutindo, inclusive, o "êxito inicial da expansão do Islã [que] é, em parte, explicado pela fraqueza militar dos impérios vizinhos (sassânida e bizantino) e, em parte, pelo sistema protecionista que o Islã criou em relação às populações protegidas e decadentes de tribos cristãs e judias num sistema de comunidades chefiadas por um líder religioso" (p.200).

terça-feira, 20 de novembro de 2007


Dia da Consciência Negra:
A invenção do signo, I
a arte afro-brasileira
de
Gauche Marques
(Bahia)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2168
Rio, 20 de novembro de 2007



VOZ DO SANGUE
de Agostinho Neto (Angola)
[ in Na noite grávida de punhais, 1976 ]

Palpitam-me
os sons do batuque
e os ritmos melódicos do blue

Ó negro esfarrapado do Harlem
ó dançarino de Chicago
ó negro servidor do South

Ó negro de África

negros de todo o mundo

eu junto ao vosso canto
a minha pobre voz
os meus humildes ritmos.

Eu vos acompanho
pelas emaranhadas áfricas
do nosso Rumo

Eu vos sinto
negros de todo o mundo
eu vivo a vossa Dor
meus irmãos.


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Na noite grávida de punhais; Antologia temática de poesia africana, de Mário de Andrade. Lisboa : Sá da Costa, 1976, 282p. [] Alguns poderão considerá-la por demais panfletária; outros, por demais romântica em sua pureza revolucionária; muitos, uma antologia talvez datada, talvez ultrapassada. Não importa; importa a força de seus versos, importa o sentimento de sua africanidade. Importa, antes de tudo e de todos, a poesia que assinala: "Ó minha África misteriosa, natural!/ minha virgem violentada" (Noémia de Sousa, moçambicana). Importa, de igual modo, de modo igual, a voz que berra: "A terra onde nascemos/ vem de longe/ com o tempo" (Kalungano, moçambicano). Importa, sim, sim, sim, a presença de Luandino Vieira, angolano: "A pergunta no ar/ no mar/ na boca de todos nós:/ - Luanda onde está?" Importa - por que não? - a presença de Agostinho Neto, líder político revolucionário de Angola. Assim como importam e se destacam os versos de Ovídio Martins, caboverdiano: "Dos olhos do poeta/ rolam lágrimas/ cor de sangue". E no mesmo poema (Emigração), um pouco antes: "E há perigos e ameaças/ na noite/ grávida de punhais".

segunda-feira, 19 de novembro de 2007


Fotografia de
Rene Asmussen
in
Photo Net


BALAIO PORRETA 1986
n° 2167
Rio, 19 de novembro de 2007



A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

O negro no futebol brasileiro [1947], de Mario Filho. Pref. Gilberto Freyre. Rio de Janeiro : Mauad, 2003, 360p. [] Um dos grandes livros da sociologia tupiniquim, indispensável não apenas para aqueles que gostam do futebol e sua(s) história(s). Particularmente, a(s) história(s) do futebol carioca. "... reedição de um livro clássico sobre a formação da identidade nacional. Mario Filho [um dos grandes torcedores do Flamengo, irmão do tricolor Nelson Rofrigues], ao definir a contribuição do negro brasileiro ao futebol, completou um ciclo de obras - tais como Casa grande e senzala, Formação do Brasil contemporâneo ou Raízes do Brasil - voltadas para a interpretação do Brasil, que buscaram entender o que fazia, e faz, o Brasil ser brasileiro" (Epitácio Brunet, historiador da FAPERJ).


LIVROS, AUTORES & CREPÚSCULOS (1)

Costumo dizer que os livros são muito ciumentos. De modo que eu não posso manifestar preferência porque assim vou criar problemas internos aqui na [minha] biblioteca. Certa vez, fizemos uma exposição no Museu Lasar Segall. Você não imagina a dificuldade que tivemos para escolher 100 obras e documentos... Tive muita reclamação. Tinha que dizer aos livros preteridos: "Na próxima exposição você entra". (José MINDLIM. Os homens passam, os livros ficam [entrevista], in Brasil - Almanaque de Cultura Popular, n° 103. São Paulo, novembro de 2007, p. 16)

Decerto, a biblioteca de José Mindlin é incomparavelmente maior do que a minha, com seus escassos 6.800 volumes, entre livros, periódicos, folhetos de cordel, discos e alguns poucos dvd's. Não sou bibliófilo, bem entendido, e não são muitos os livros raros que habitam as minhas estantes e os meus sonhos de leitor e consumidor. Um ou outro Cascudo, um outro Guimarães Rosa, a coleção do Pererê, a coleção da Zap Comix, números isolados d'O Tico-Tico, alguns folhetos de cordel. Para mim, são obras especiais. Fazem parte do meu mundo, da minha história de vida, das minhas fantasias crepusculares. E fazem parte desde junho de 1958, quando ganhei de presente (oferecido por Neide Pereira Cirne, a segunda mulher de meu pai), em Caicó, a Antologia do folclore brasileiro cascudiana, marco inicial da minha biblioteca, com a seguinte dedicatória, quase epígrafe: "Faça-se dono, em relação ao zelo".

Mas a pergunta que me faço agora é bastante simples: - com licença poética, ou sem licença poética, seriam os livros de fato ciumentos? A questão que Mindlin se coloca, para além de sua poeticidade, tem uma certa aura metafísica, em última instância marcada por alguns toques simbolistas. De um simbolismo tardio, é verdade. É verdade. Em se tratando de um homem como Mindlin, quase centenário, é comprensível. Há simbolismos que são desejáveis, há metáforas que são necessárias. Há crepúsculos que são auroras camufladas. E se os livros são ciumentos o são em função de nossos próprios ciúmes, em função de nossas próprias angústias como leitores. Confesso que tenho ciúmes de certos livros; prefiro não emprestá-los. Muitas vezes, sequer mostrá-los. Sei, sei: eu passarei, eles ficarão. Bem cuidados, bem conservados, serão eternos.

Materialista assumido (mesmo levando em conta a minha particular devoção por Nossa Senhora de Sant'Ana), acredito no livro como objeto "sensualmente" material: concretude que pode se fazer essencialidade gráfica e temática. Mais do que o Velho Testamento, o Novo Testamento e o Alcorão, certos livros, para mim, são verdadeiros "templos sagrados" e assim devem ser materialmente compreendidos: Dom Quixote (Cervantes), A divina Comédia (Dante), Hamlet (Shakespeare), Grande sertão: veredas (Guimarães Rosa), Ensaios (Montaigne), basicamente. Entenda-se: são "templos sagrados" e não metafísicos, e que me impressionam por sua materialidade estético-literário-informacional. Como me impressionam, na esfera musical, as Vésperas da Virgem de Monteverdi, a Paixão segundo São Mateus, as Cantatas e a Missa em Si Menor de Bach, as Lições das Trevas de Charpentier.

sábado, 17 de novembro de 2007


Foto de
Nuno Belo
in
1000 Imagens


BALAIO PORRETA 1986
n° 2166
Rio, 17-18 de novembro de 2007


Da série
ALFARRÁBIO
de Cássio Amaral (MG)
[ in Enten Katsudatsu ]

1
a palavra
sangra vogais
nas nuvens

2
a palavra brinca
com o silêncio
onde urra o ovo da fábula


TONtURA
de Mario Cezar (CE)
[ in Coivara ]

a insônia me argumenta e o poema ali. tosco. sem expectativa


Cinema 2007
OS MELHORES FILMES VISTOS (ATÉ O MOMENTO)

Nos cinemas & centros culturais:
1. Conto de outuno *** (Rohmer, 1998)
2. Moolaadé *** (Sembene, 2004)
3. Medos privados em lugares públicos ** (Resnais, 2006)
4. Romance do vaqueiro voador ** (Manfredo Caldas, 2006)
5. Jogo de cena ** (Eduardo Coutinho, 2007)
6. Santiago ** (João Moreira Salles, 2006)
7. Maria ** (Ferrara, 2005)
8. Cartas de Iwo Jima * (Eastwood, 2006)
9. Curriculum vitae * (Kieslowski, 1975), média
10. Cabeças falantes * (Kieslowski, 1980), média

Em casa:
1. A princesa Yang Kwei Fei *** (Mizoguchi, 1955)
2. Othon *** (Straub & Huillet, 1969)
3. Operários, camponeses *** (Straub & Huillet, 2001)
4. Aqui e lá *** (Godard & Miéville, 1977)
5. A mocidade de Lincoln *** (Ford, 1939)
6. Agonia e glória *** (Fuller, 1980[-2003])
7. O olhar de Michelangelo *** (Antonioni, 2004), curta
8. Prólogo *** (Tarr, 2004), curta
9. Toda revolução é um lance de dados *** (Straub & Huillet, 1977), curta
10. Mar adentro ** (Amenábar, 2004)

Principais revisões nos cinemas:
1. Uma mulher sob influência *** (Cassavetes, 1974)
2. Faces *** (Cassavetes, 1968)
3. O padre e a moça ** (Joaquim Pedro de Andrade, 1966)

Nossas principais cotações:
*** Excelente
** Ótimo
* Bom

sexta-feira, 16 de novembro de 2007


Foto de
Narkau Hom
(China)
in
Open Photo


BALAIO PORRETA 1986
n° 2165
Rio, 16 de fevereiro de 2007



ÊXODOS
de Fabrício Marques (MG)
in Germina Literatura

vá para o ardor que te adense
vá para o salto que te sacuda
vá para o passado que te pertence
vá para o ruído que te restaure
vá para o frêmito que te festeje
vá para o vértice que te vasculhe
vá para o crepúsculo que te carregue


Cinema Rio
PRETENDO VER
[] Mutum, de Sandra Kogut, baseado em Guimarães Rosa.
No Espaço de Cinema/3. Ou no Estação Ipanema/1.
VALE A PENA (RE)VER
[] Jogo de cena, documentário de Eduardo Coutinho.
No Espaço de Cinema/2. Ou no Estação Laura Alvim.
[] Santiago, documentário de João Moreira Salles.
No Instituto Moreira Salles.


(RE)LEITURAS DO MOMENTO
[] Primeiro ato - Cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974),
de Zé Celso Martinez Corrêa.
São Paulo : Ed. 34, 1998, 336p.
[] Às portas da Revolução - Escritos de Lênin de 1917,
de Slavoj Zizek.
São Paulo : Boitempo, 2005, 350p.
[] Sandman: Fim dos mundos [quadrinhos],
de Neil Gaiman & outros.
São Paulo : Conrad, 2007.
[] Caraíba [quadrinhos],
de Flavio Colin.
Rio de Janeiro : Desiderata, 2007, 126p.

|||||||||||||

A revolução cultural: a destruição de um Brasil de papelão, pré-americano, o reencontro da participação coletiva, o combate ao "espectador", a procura da Outra História do Brasil, da que vinha das resistências dos escravos, dos índios, dos imigrantes, dos seus auditórios loucos para participar. (Zé Celso Martinez CORRÊA. Longe do trópico despótico [1977], in Primeiro ato, p.126]

quinta-feira, 15 de novembro de 2007


Foto de V. Bice
in
Teia de Palavras


BALAIO PORRETA 1986
n° 2164
Rio, 15 de novembro de 2007


OS 100 LIVROS ESSENCIAIS DA BRAVO!

Embora desconheçamos As irmãs Makioka (de Junichiro Tanizaki), Desonra (de J.M.Coetze, autor que tem, entre seus muitos admiradores, Tácito Costa, editor do Substantivo Plural), Complexo de Portnoy (de Philip Roth), O náufrago (de Thomas Bernhard), Reparação (de Ian MacEwan), Viagem ao fim da noite (de Louis-Ferdinand Céline) e Deserto dos Tártaros (de Dino Buzatti), todos colocados entre o 74° e o 99° lugares (o centésimo é Pedro Páramo, de Juan Rulfo), e apesar dos clássicos de sempre (Ilíada e Odisséia, em 1° e 2°, respectivamente; Hamlet, em 3°; Dom Quixote, em 4°; A divina Comédia, em 5°, e assim por diante) há algumas coisas que incomodam nos 100 livros essenciais selecionados pela revista Bravo!, nas bancas.

A primeira delas: a ausência de Grande sertão: veredas, obra maior de Guimarães Rosa. Aliás, o único livro brasileiro nos "100 mais" da publicação paulistana é Memórias póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, em 59º lugar. Entende-se (mas não se justifica): a Bravo!, assumidamente, seguiu, em linhas gerais, a orientação do crítico americano Harold Bloom, que desconhece a literatura brasileira. Em nosso entendimento, Graciliano Ramos e Clarice Lispector também mereciam figurar - e aqui não vai nenhum ufanismo babaca. Ou será que Adeus às armas (de Hemingway), em 30° lugar, mesmo sendo um bom livro, é melhor do que as várias obras ímpares de Rosa, Graciliano e Clarice, ou o também ignorado Dom Casmurro, de Machado?

A segunda coisa a incomodar: como a Bravo! chegou à conclusão de que o citado Adeus às armas, por exemplo, é superior a Moby Dick (Melville), em 34°, que por sua vez seria "mais essencial" do que Os lusíadas (Camões), em 41°? Como justificar Os miseráveis (Victor Hugo) em 25° lugar na frente de Melville e Camões, superando também Lolita (Nabokov), em 50°, O livro das mil e uma noites, em 53°, Alice no país das maravilhas (Carrol), em 62°, ou Vida e opiniões do Cavaleiro Tristam Shandy (Sterne), em 85°? Ou do próprio livro de Machado, incluído, que, por sua vez, tanto deve a Sterne? Seria O grande Gatsby (Fitzgerald), em 23°, melhor do que
Ficções (Borges), em 70°, ou Cem anos de solidão (Márquez), em 75° lugar?

A terceira coisa: a mistura de níveis literários (ficção, poesia, teatro, ensaio), dentro de uma mesma perspectiva cultural que estabelece, aparentemente sem maiores exigências críticas, uma determinada ordem qualitativa. Registre-se, por sinal, que a única obra ensaística relacionada pela Bravo! é exatamente Ensaios (Montaigne), em 10° lugar. O editor Almir de Freitas preferiu tangenciar o problema: "Como conciliar a importância histórica com o apreço pessoal? // Não há ciência que possa responder a questões como essa. Nem é nossa intenção. A lista que aqui apresentamos tem por objetivo estimular os leitores a fazer as suas próprias". Se é assim, atrevidos que somos, também faremos a nossa, possivelmente na próxima semana.

Claro que há boas surpresas, seja pela inclusão, seja pela colocação: Ulisses (Joyce), em 7°; O processo (Kafka), em 15°; O estrangeiro (Camus), em 26°; Finnegans wake (Joyce), em 40°; Esperando Godot (Beckett), em 45°; Os cantos de Maldoror (Lautréamont), em 48° lugar. É pouco. E há algumas perguntas irrespondíveis: como destacaram "A comédia humana" (Balzac), em 36° lugar, como um todo, e não essa ou aquela obra em particular do autor de O pai Goriot? Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway e George Orwell (com 1984, em 46°) serão mais importantes do que Henry Fielding? A naúsea, em 63°, será realmente o melhor livro de Sartre? Crime e Castigo (Dostoiévski), em 9°, por excepcional que seja, superará Os demônios ou Os irmãos Karamazov?

Em tempo -
Eis alguns dos outros livros selecionados: Em busca do tempo perdido (Proust), em 6°; Guerra e paz (Tolstoi), em 8°; Édipo Rei (Sófocles), em 11º; Otelo (Shakespeare), em 12°; Madame Bovary (Flaubert), em 13°; Fausto (Goethe), em 14°; Doutor Fausto (Mann), em 16°; As flores do mal (Baudelaire); em 17°; O som e a fúria (Faulkner), em 18°; A terra desolada (Eliot), em 19°; Teogonia (Hesíodo), em 20°; As metamorfoses (Ovídeo), em 21°; O vermelho e o negro (Stendhal), em 22°; Uma estação no Inferno (Rimbaud), em 24°; Medéia (Eurípedes), em 27°; A Eneida (Virgílio), em 28°.

terça-feira, 13 de novembro de 2007


A mulher como puta miragem
A mulher como pura linguagem
A mulher como lunáguaviagem

Foto de Michel Chaufoureau
in Photo Net


BALAIO PORRETA 1986
n° 2163
Rio, 13 de novembro de 2007


POEMA
de Flávio Boaventura (MG)
[ in Dimensão, n° 30, 2000 ]

giro não sei por onde
deliro não sei por quase
transpiro um sangue metálico
a cada bala perdida

tenho uma fome por dentro
um gatilho apertado no peito
uma alma que se lava
a cada chuva ácida


O BALAIO E SEUS VARIADOS LEITORES

Há aqueles que, amigos, conhecidos ou simples curiosos, visitam o Balaio. São visitas que recebemos com prazer e procuramos retribui-las na medida do possível. Há também as visitas aleatórias. Esperamos que, gostando de nossa proposta, voltem. O Balaio sempre foi uma cesta básica de informações, as mais diversas, as mais inesperadas. Ou, ao menos, assim acreditamos.

Mas há, de igual modo, os leitores que aparecem - movidos por um tipo de curiosidade muito específico, ou muito especial - e, decerto, aqui não encontram as respostas desejadas. São leitores que investem nos espaços de busca e pesquisa à procura de questões que, decididamente, não são metafísicas. Ao contrário, são concretas, demasiadamente concretas.

Um deles chegou ao Balaio a partir da seguinte questão, assim formulada: "pegadas fortes nas bucetas das atrizes". Não sabemos exatamente o que o leitor pretendia com tanta ênfase, mas, como resposta, o Google indicou-lhe, entre outras opções, um número da nossa folha porreta que destacava a importância de Gloria Swanson em Crepúsculo dos deuses. Já imaginaram a decepção do pobre sujeito ao verificar que a Gloria Swanson não seria o modelo de atriz erótico-sexualizada que ele provavelmente estava à procura? Bem... digamos que estejamos equivocados. De repente...

Outro exemplo: alguém sapecou um indiscutível "mulheres enlouquecedoras". Aqui, reconhecemos, o Google foi generoso com o Balaio: em 262 opções, aparecíamos em primeiríssimo lugar. Só não sabíamos que as eventuais fotos de mulheres que publicamos, belas porém discretas, seriam capazes de enlouquecer quem quer que seja. Pensando melhor: a plasticidade de certos "momentos fotográficos" (como a foto de de Michel Chaufoureau, hoje) talvez seja mesmo enlouquecedor enquanto signo gráfico, pontuado, às vezes, por um toque de inegável sensualidade.

Um outro foi mais preciso: queria saber de "garotas de programa em Estreito - Florianópolis". A indicação do Google levou-nos a uma boa gaitada: a crônica do fotógrafo Hugo Macedo, no livro Beco estreito, que envolve a figura popular de Mané Bonitim - e aqui publicada. Numa certa ocasião, encontrando-se em Acari, em pleno Seridó norte-rio-grandense (longe pra danado de Santa Catarina), Mané Bonitim aprontou numa bodega da cidade para, espertamente, tomar sem pagar uma lapada da água-que-passarinho-não-bebe. Essa história merece ser reeditada. Mais cedo ou mais tarde. Enquanto isso, Hugo Macedo precisa saber que o seu Beco estreito pode ser o caminho mais curto para "garotas de programa" na distante Floripa.

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O diabo não é páreo para Deus. Trata-se de uma criatura ainda muito humanizada. Em termos de mal absoluto, aposto mais nos vilões de telenovela. (in O subpensamento vivo de Marconi Leal)


sábado, 10 de novembro de 2007


























Foto de

Amanda Com
[ in Olhares ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2162
Rio, 10-11 de novembro de 2007




Cinema 2007
OS PRINCIPAIS DIRETORES
segundo a nossa leitura crítico-afetivo-libertinária
considerando, para cada autor, o número de
obras-primas (OP), filmes ótimos (Ot) e filmes especialmente bons (Bm).

(OP) (Ot) (Bm)

(10) (04) (01) ANTONIONI
(09) (07) (07) GODARD
(08) (05) (01) WELLES
(08) (02) (03) RENOIR

(07) (04) (01) VISCONTI
(07) (O3) (01) BERGMAN
(07) (02) (08) FORD
(06) (O7) (03) ROHMER

(05) (02) (04) KUBRICK
(05) (02) (01) BRESSON
(05) (02) (00) MIZOGUCHI
(05) (00) (00) STRAUB & HUILLET

(04) (06) (03) BUÑUEL
(04) (04) (02) RESNAIS
(04) (03) (05) KEATON
(04) (03) (01) EISENSTEIN
(04) (02) (01) ROSSELLINI
(04) (01) (03) DREYER
(04) (01) (02) CASSAVETES
(04) (01) (02) TARKÓVSKI
(04) (01) (00) VERTOV
(04) (00) (02) MURNAU

(03) (03) (02) HAWKS
(03) (02) (05) CHAPLIN
(03) (02) (02) WAJDA
(03) (02) (00) LEONE
(03) (01) (02) PASOLINI
(03) (01) (01) TATI

(02) (05) (03) HITCHCOCK
(02) (04) (03) HUSTON
(02) (03) (05) LANG
(02) (03) (04) RAY
(02) (03) (02) WILDER
(02) (03) (02) OZU
(02) (03) (01) LYNCH
(02) (02) (06) KUROSAWA
(02) (02) (03) FELLINI
(02) (02) (02) COPPOLA
(02) (02) (01) GLAUBER ROCHA
(02) (01) (03) FASSBINDER
(02) (01) (03) KIESLOWSKI
(02) (01) (03) SCORSESE

sexta-feira, 9 de novembro de 2007


Uma taça cheia de vinho
ou
uma taça cheia de cores?

Foto de
Pedro Moreira

[ in Olhares ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2161
Rio, 9 de novembro de 2007



POEMA de
Gilbert Daniel
[ in Narrarte ]

seus seios surgiram como dois poemas em minhas mãos


SAUDADE
de Gilka Machado (RJ)
[ in Velha poesia, 1965 ]

De quem é esta saudade
que meus silêncios invade,
que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,
de quem?

Aquelas mãos só carícias,
Aqueles olhos de apelo,
aqueles lábios-desejo...

E estes dedos engelhados,
e este olhar de vã procura,
e esta boca sem um beijo...

De quem é esta saudade
que sinto quando me vejo?

Nota:
Gilka Machado nasceu em 1893 e faleceu em 1980.
Publicou, entre outros, os seguintes livros de poesia:
Cristais partidos (1915),
Mulher nua (1922),
Sublimação (1938) e Velha poesia (1965).


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

O existencialismo é um humanismo [1946], de Jean-Paul Sartre. Trad., pref. e notas Vergílio Ferreira. Porto : Presença, 1965, 274p. [Livro adquirido em Natal em 1965, provavelmente na Universitária.] Parte considerável da minha geração natalense procurava se encontrar política, social e culturalmente, nos anos 60, através de duas vertentes intelectuais poderosas: de um lado, as obras de Marx e Engels; de outro, os textos de Sartre e Camus. Não era um encontro fácil. Ao contrário. Contudo este livro, com seu didatismo provocativo, foi muito útil para todos nós. E que me levou a escrever o pequeno ensaio O drama do existencialismo, no extinto Correio do Povo. Seria possível ser, ao mesmo tempo, marxista e existencialista? Esta era a pergunta que se fazia. O próprio Sartre, na prática, a responderia com seu maoísmo militante dos anos 60/70. Procurei fazer o mesmo; não através do maoísmo, mas de outros caminhos traçados com régua e compasso pelo velho Marx. De resto, o longo prefácio de Vergílio Ferreira (p.9-169) é de igual modo elucidatvo. Mas nunca mais o li. Nem voltei ao ensaio de Sartre.

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O existencialismo ateu, que eu represento, é ... coerente. Declara ele que, se Deus não existe, há pelo menos um ser no qual a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou, como diz Heidegger, a realidade humana. (Jean-Paul SARTRE. O existencialismo é um humanismo, p.182)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007


John Coltrane (1926-1967):
um dos deuses da música do século XX

[ Foto extraída de Art.Com ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2160
Rio, 8 de novembro de 2007


PERSUASÃO
de Márcia Maia (PE)
[ in Em queda livre, 2005 ]

as palavras me amanhecem
estrangeiras

sobre a cama escondidas
nos lençóis

e me amarram e me vendam
e me amordaçam

traiçoeiras

para que eu nunca mais ouse
escrever versos a ti.


JAZZ QUE TE QUERO JAZZ (2)

* Free jazz, de Ornette Coleman [Atlantic, 1960]
* Blue train, de John Coltrane [Blue Note, 1957]
* Soultrane, de John Coltrane [Prestige, 1958]
* Giant steps, de John Coltrane [Atlantic Jazz, 1959]
* My favorite things, de John Coltrane [Atlantic Jazz, 1960]
* Coltrane's sound, de John Coltrane [ Atlantic Jazz, 1960]
* Coltrane live at The Village Vanguard,
de John Coltrane [Impulse!, 1961]
* A love supreme, de John Coltrane [Impulse!, 1964]
* Crescent, de John Coltrane [Impulse!, 1964]
* Meditations, de John Coltrane [Impulse!, 1965]


DISCOS QUE ME EMOCIONAM

A love supreme, de John Coltrane [Impulse! 229254557-2, grav. 1964], com JC, sax tenor, McCoy Tyner, ao piano, Jimmy Garrison, ao baixo, e Elvin Jones, à bateria. A obra-prima das obras-primas de Coltrane: pura magia sonora carregada da mais encantatória musicalidade/religiosidade - o encontro definitivo (ou quase) entre o jazz e a música indiana. "A love supreme é a nostalgia ancestral expressa numa linguagem nova, revolucionária, por um gênio da música negra" (Luiz Orlando CARNEIRO. Obras-primas do jazz. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1986, p.158).

quarta-feira, 7 de novembro de 2007


Copacabana de antigamente,
sonhando com as luzes da noite

[ Foto extraída do blogue CopacabAna de Toledo ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2159
Rio, 7 de novembro de 2007



HÁBITO
de Camilo Rosa (RN)
[ in Papel Passado ]

cravo unhas
no que sobrou
de tua liberdade

ímpar perfeição
minha mão
em concha

molde
de teu alto
relevo


POEMA
de José Bezerra Gomes (RN)
[ in Antologia poética, 1974 ]

Todos

Irmãos


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

Onze ensaios [1931-1956], de Edmund Wilson. Sel. & Pref. Paulo Francis. Trad. José Paulo Paes. São Paulo : Companhia das Letras, 1991, 334p. [] Crítica ensaística: literatura, política, história, Abraham Lincoln, Proust, Joyce, Hemingway, Dickens, Flaubert. E assim por diante. Tudo dentro da melhor tradição do ensaio. Sem arroubos formais, mas com a necessária
elegância estilística e a compreensão adequada dos autores estudados, enquanto prática concreta no campo das idéias: Rumo à Estação Literatura.

terça-feira, 6 de novembro de 2007


A fotografia digital de
Thiago Xavier
in Olhares


BALAIO PORRETA 1986
n° 2158
Rio, 6 de novembro de 2007



Memórias Balaiográficas
nos tempos do
IACS da Universidade Federal Fluminense (1)


GODARD
[ in Balaio n° 14, de 17/11/1986 ]

Insistiremos até o final dos tempos: a intolerância religiosa que levantou a bandeira da imoral proibição ao Jevú [Je vous salue, Marie] godardiano não passa de uma intolerância escrotálida, podrefétida e feladaputâmega. Seus mentores ideológicos são todos uns nojentócritos vomitórios. Haja merdabostalância!


OS MELHORES FILMES
SEGUNDO O PROF. JOÃO LUIZ VIEIRA, da UFF
[ in Balaio n° 18, de 08/12/1986 ]

Numa relação puramente afetiva: Ano passado em Marienbad (Resnais); Cidadão Kane (Welles); Nem Sansão nem Dalila (Carlos Manga); Terra em transe (Glauber Rocha); Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha); A vingança do ator (Ichikawa); Rastros de ódio (Ford); Duas ou três coisas que sei dela (Godard); Mulheres apaixonadas (Russel); O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla); Corpos ardentes (Kasdan); Francisca (Oliveira) e A cerimônia (Oshima).


LIVROS: INDICAÇÕES
[ in Balaio n° 21, de 15/09/1986 ]

Decerto, este não é um boletim literário. Mas nada nos impede de fazer, eventualmente, indicações literárias, quando nos parecerem justas e necessárias. É o caso de O anticrítico, de Augusto de Campos (Companhia das Letras), com belas traduções de Dante, Donne, Emily Dickinson, Lewis Carroll e outros. E de Além do humano, de Theodore Sturgeon (L&PM), um dos grandes clássicos da ficção científica norte-americana.


DE LUIZ GÊ
[ in Balaio n° 25, de 12/01/1987 ]

"Chocante" - este é o termo exato para definir a pequena obra-prima dos quadrinhos chamada Uma história de amor, extraordinária criação do quadrinheiro paulista Luiz Gê nas páginas da revista Circo (n° 2, nas bancas). Recomendamos com entusiasmo.


OS PRINCIPAIS LIVROS LIDOS EM 86
SEGUNDO ALGUNS PROFESSORES DO IACS
[ in Balaio n° 28, de 20/01/1987 ]

Angela Tygel: História universal da infâmia (Borges); O amor nos tempos do cólera (Garcia Márquez); Pentimento (Hellman).
Julio Cesar Tavares: O perfume (Suskind); O nome da rosa (Eco); À sombra de Dionísios (Maffesoli).
Maurício Schleder: Rumo à Estação Finlândia (Wilson); O amor nos tempos do cólera (Garcia Márquez); Olga (Fernando Morais).
Afonso Henriques Neto: Os cantos (Pound); Amor nos tempos do cólera (Garcia Márquez); Cantos (Leopardi)
Muniz Sodré: Rumo à Estação Finlândia (Wilson); O amor nos tempos do cólera (Garcia Márquez); Mais [ainda] (Lacan).
Erika Franziska Herd: O nome da rosa (Eco); Olga (Fernando Morais); Os posseiros (Maria Alice Barroso).
Alceste Pinheiro: O amor nos tempos do cólera (Garcia Márquez); Balão cativo (Pedro Nava); Juliano (Gore Vidal).
Ana Maria Lopes: Memórias de um gigolô (Marcos Rey); O crime do padre Amaro (Eça de Queiroz); Diário de uma guerra estranha (Sartre).
João Luiz Vieira: Olga (Fernando Morais); Hitchcock/Truffaut; Rumo à Estação Finlândia (Wilson).
Moacy Cirne: Rumo à Estação Finlândia (Wilson); Sob o signo de Saturno (Sontag); Transblanco (Paz & Haroldo de Campos).

segunda-feira, 5 de novembro de 2007


Serra de Mulungu, em São João do Sabugi.
Para o Balaio, uma das belezas naturais indiscutíveis
do Rio Grande do Norte.
Que o diga o músico Urbano Medeiros.
Que o diga a jornalista Anna Jailma.
Que o diga o professor João Quintino.
Entre muitos outros.

[ Foto de Anchieta França, in A Flor da Terra ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2157
Rio, 6 de novembro de 2007



SEDE
de Acantha
[ in La Vie Bohème ]

Me abro
e me deixo
e me entrego
e me esvaio,
enquanto teus dedos falam coisas
no meu corpo,
com urgência e desordem,
exaurindo em mim o gozo e a voz...
incisiva-mente.


A MOÇA BONITA

Sua pele era aveludada e tinha a cor, os mistérios e a quentura de uma noite estrelada do Seridó. Era uma jovem bonita, bonita de arrepiar, a mais bela da região, a mais bela a povoar os sonhos de vaqueiros, pescadores e caçadores de onças. Os pássaros da quase-manhã, quando o sol, solene e solitário, desenhava mais uma aurora sertaneja com cheiro de capim molhado, cantavam em sua homenagem. As cores alegres do dia pintavam de azul e negrume aquela beleza nascida do inesperado vento barroco da saudade. Sim, sim. Era uma bela e candente mulher. E tinha um hábito salutar: gostava de se banhar nua, sozinha, nas primeiras horas da manhã, no poço do rio que ela tanto amava, quando o inverno chegava: o rio de suas esperanças, o rio de suas mais doces alegrias. O rio de seu santo protetor - São José por nome, São José por devoção.

Mas um dia aconteceu o que não estava escrito no firmamento, o que não estava escrito nas cantorias do sertão, o que não estava escrito nem mesmo no Lunário Perpétuo: a nossa jovem, nua como sempre nas águas do poço encantado, sentiu-se observada por olhos grávidos de volúpia e macheza. Tentou cobrir suas vergonhas, inutilmente. Tentou cobrir suas belezuras. Inutilmente. Os olhos eram maiores do que a sua inocência. Maiores do que a sua seridolência. Era um domingo e Domingas era o seu nome. Desesperada, sentindo-se desonrada, correu para um matagal e lá se encantou: tornou-se um pássaro mais azul do que o azul mais brilhante, que voou para o horizonte em busca de seus sonhos. Nunca mais foi vista, nunca mais foi visto. Os moradores da região, deslumbrados com a história, nomearam o lugar de Poço da Moça Bonita.

Mais tarde, bem mais tarde, inícios do século XX, surgiria a povoação, hoje cidade, de São José do Seridó. Ou, simplesmente. São José da (Moça) Bonita. E todos os pássaros da região ainda cantam em homenagem àquela bela e misteriosa mulher.
Que se encantou para sempre.

Nota 1 -
Texto baseado no emeio enviado por Romário Gomes, de São José do Seridó: "De acordo com nossos estudos, ou melhor, de acordo com Edith Medeiros e Sinval Costa, a moça bonita era filha do crioulo forro Nicolau Mendes da Cruz (séc. XVIII), proprietário desta data de terra, que deixou para ela (Domingas Mendes da Cruz, cf. Sinval Costa) a faixa que vai do sítio Viração até o Badaruco (limite com o município de Cruzeta, na atualidade). É "verdade" que ela banhava-se no rio São José. Ao que consta, o imaginário popular enfeitou a história dizendo que ela encantou-se (leia-se, perdeu-se) no matagal após a constatação que estava sendo observada por um pescador".

Nota 2 -
Quando criança, em minhas férias em Jardim do Seridó, minha família costumava passar, vez por outra, finais de semana no sítio Viração. E dele tenho uma ótima lembrança, além da memória visual de suas casas e de seus currais: a do queijo de manteiga sendo retirado, ainda quente, do tacho em que fora feito, quando o saboreávamos, na hora, com açúcar e emoção.

domingo, 4 de novembro de 2007


Poço da Bonita, na pátria seridoense do Rio Grande do Norte:
seus mistérios cosmológicos e seus encantos cristalinos,
entre virações, acauãs e cruvianas,
deram origem à cidade de
São José do Seridó,
inicialmente povoação
instalada em 4 de novembro de 1917.
Como disse o poeta
Romário Gomes:
Há em ti fantasia e memória
Há amor e sedução.
(in ACCAS na Net)

[ Foto extraída do sítio São José do Seridó RN ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2156
Rio, 4 de novembro de 2007
Número dedicado aos 90 anos

de São José do Seridó, RN


POEMA
de

Miguel Cirilo
(São José do Seridó)
[ in Os elementos do caos, 1964)

- faltam dois galos vermelhos
para a morte nos unir:
amor que dorme, desperta,
não é hora de dormir.

me dá arsênico e rosa:
quero morrer sem sentir.
amor, já se acende a aurora:
ajuda-me a não fugir.

- abraça-me com o desgosto
da vida que não te dei.
- pelo muito que me deste:
não foi só a ti que amei.

entregaste-me uma sombra,
talvez com medo de mim.
- amor, a morte me assombra...
- só posso te amar assim...

|||||||||||||

Àqueles que amam, sentem e vivenciam São José da Bonita/São José do Seridó, ontem, hoje e sempre, os nossos mais flamejantes parabéns: esperamos que 90 mil "auroras abismadas" (cf. Manoel Camilo dos Santos) iluminem teus caminhos, tuas esperanças, tuas ardências seridoenses. (Moacy CIRNE)

sábado, 3 de novembro de 2007


Grandes momentos do cinema:
Madre Joana dos Anjos (1961), de Jerzy Kawalerowicz.
Com fotografia magistral de Jerzy Wojcik e interpretação luminosa de Lucynna Winnicka, no papel da Madre Joana possuída pelos demônios, num convento europeu em pleno século XVII, esta obra-prima da cinematografia polonesa e mundial é uma jóia rara: um filme para ser visto uma, duas, três, mil vezes. Como já foi dito pelos estudiosos, uma obra de "pesquisa plástica que descreve com paixão e precisão a possessão histérica" de um episódio da história religiosa francesa, transposta para o cinema de forma irretocavelmente fascinante.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2155
Rio, 3 de novembro de 2007


DONATÁRIA
de Lívio Oliveira (RN)

Sobre tuas coxas
deixo o meu sonho,
enquanto arranhas minhas costas.

Entrego-te, também,
minhas armas,
minhas botas
e meu todo desejo.

Envolto em teus cabelos,
amacio-me nas luas abertas de teu umbigo,
entrego minha língua
às órbitas encrespadas de tuas auréolas.

Eis o momento em que não reflito.
Apenas, em mais um lapso de insanidade,
dôo-me ao teu encanto múltiplo
e salto para o abismo
de tua fêmea magia.


TRÊS FILMES, TRÊS OBRAS-PRIMAS

Fato raro em minha longa história de cinéfilo: quase não tenho ido ao Odeon, ao Estação, ao Arteplex, ao Museu da República, ao CCBB, à Maison. E ao Espaço de Cinema. Mas tenho visto filmes em casa. Visto e revisto. Muitos e muitos. Entre eles, três obras-primas.

Madre Joana dos Anjos (Kawalerowicz, 1961), que eu vira pela primeira vez em 1981, aqui no Rio (no antigo Cinema 1, se não estou enganado), retorna agora em dvd pela LumeFilmes, para atestar a sua importância estética, com um claro-escuro "pintado" de maneira admirável. Seus planos são precisos, o elenco é excelente, a história é ótima, a direção é criativa. O final (os sinos tocando, sem o menor som) é antológico. Aliás, a obra inteira é antológica. É puro cinema.

Othon (Straub & Huillet, 1969) é o cinema antinarrativo por excelência, com a devida marca straubiana. Não o conhecia; a cópia italiana que me chegou às minhas mãos tem por origem a Cineteca. Numa Roma moderna, com seus veículos e seus ruídos, no meio de ruínas, alguns poucos personagens, vestidos à moda antiga, declamam estaticamente, ou quase, os versos de uma das peças de Corneille. Radical do primeiro ao último segundo, trata-se de uma obra ímpar.

Paisagem após a batalha (Wajda, 1970). Também não o conhecia. E também se trata de uma obra-prima, levando em conta a minha particular leitura crítico-afetivo-libertinária. Belo e cruel, é um filme que revela, a partir da sensibilidade de um poeta (interpretado por Daniel Olbrychski), o que foi o mundo para aqueles que, sobreviventes de um campo de concentração, terminaram "prisioneiros" das forças aliadas (no caso, norte-americanas). Comovente.

Há ainda uma quarta obra-prima, (re)vista em dvd: Agonia e glória (Fuller, 1980 [restaurada em 2003], com um das mais expressivas seqüencias iniciais da história do cinema. Mas sobre ela, e sua pujança estética, falarei depois. Gostaria de igual modo de escrever sobre as quatro ou cinco obras-primas de Eric Rohmer, revistas recentemente.


A BIBLIOTECA DOS MEUS SONHOS

O olho interminável [cinema e pintura] [1989], de Jacques Aumont. São Paulo : Cosac & Naify, 2004, 266p. [] História linear e história materialista. O visual e o visível. A paisagem e a câmera. O panorama e o primeiro plano. As vanguardas dos anos 20. Godard e "a metáfora do cineasta como pintor" (p.217). A "cenografia lacunar" em Straub, Duras, Antonioni e Bresson (p.165). A recusa da expressão/significação em Othon, de Straub & Huillet (p.202).