sábado, 28 de fevereiro de 2009

OS FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
Clique na imagem
para verouvir
a cena final de
Luzes da cidade
(Charles Chaplin, 1931)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2583
Natal, 28 de fevereiro de 2009

Em janeiro de 1953, no Rex - em Natal -, encantei-me pela primeira vez com o admirável Luzes da cidade. Ainda no mesmo ano, voltaria a me entusiasmar com a figura ímpar de Carlitos, só que dessa vez em Caicó, a cidade de todos os meus seridoísmos. Não saberia dizer se foi o primeiro longa de Chaplin a ser exibido na terra do Padre Brito Guerra. Mas decerto foi a primeira comédia - com seus toques de tragédia e humanismo - a mobilizar tantos caicoenses em torno de um nome verdadeiramente emblemático em se tratando do universo mitológico do cinema. E o cinema, para todos nós, naquele momento, não era propriamente arte: era magia, pura magia. E encantamento.


CONTRA A FOLHA

Centenas e centenas e centenas de professores, artistas, escritores e jornalistas do país, ao contrário da FESP (Folha Escrota de S.Paulo), não acham que houve uma "ditabranda" no Brasil, nem consideram os professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fábio Konder Comparato "cínicos e mentirosos". Neste sentido, o Manifesto que circula pela internet é bastante claro. Os interessados em assiná-lo podem clicar aqui para fazê-lo. Total de assinaturas até o momento (22:22h): 5.511.



PINGUELO
Mario Cezar
[ in Coivara ]

afinal, tua boca é
pétala acesa
precipício
é assunto de âmbar.

penhasco
(de perdição).


AINDA ASSIM
Adelaide Amorim
[ in Inscrições ]

toda saudade é bruma
e ainda assim
doi

saudade é como viajar
num barco que se perdeu


COMO EPIDEMIA
Márcia Maia
[ in Tábua de Marés ]

como se em tantos o mesmo
tempo se tecesse
e as distâncias amanhecessem
duplicadas
estende-se a saudade
— como epidemia —
nas manhãs de sábado


TEXTOPOEMA
Mariana Botelho
[ in Suave Coisa ]

poesia,
abrevia esse braço de lonjura...


UM ESTRANHO GOSTO
Sheyla Azevedo
[ in Bicho Esquisito ]

Gostava de lamber lágrimas. No começo tinha nojo de ver aquele líquido meio mar, meio leite, escorrendo por entre as planícies da face. Mas, depois, ao experimentar pela primeira vez, não quis mais parar. Gostava de ver o a tristeza se decantando em sal. Ás vezes, aqueles rostos traziam outros gostos: de emoção, de paixão, verdade, grito, desejo. Lamber lágrimas era seu esporte predileto. Talvez porque delas extraísse as histórias que nunca fora capaz de viver. Não por incompetência, mas porque não sabia chorar.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

O Senhor das Alturas,
em visão gráfico-místico-espiritual,
segundo editores medievais
d'O Livro dos Livros


BALAIO PORRETA 1986
n° 2582
Natal, 27 de fevereiro de 2009

A Bíblia judaica não é a Bíblia dos modernos estudiosos científicos (entre eles, naturalmente, há judeus), mas é a Bíblia como lida, interpretada e adornada na longa tradição judaica. É um trabalho de edificação religiosa que instrui, inspira e eleva aquele que a estuda.
(Samuel SANDMEI. Introdução judaica à Bíblia Sagrada, 1964)


O LIVRO DOS LIVROS
(10)

Texto estabelecido por
Antonninus Pinto Casto e
Annamarianna das Virgens

A luta do Senhor das Alturas
contra Jacó Apenas Jacó(ª)

E luscofusqueante se fazia o anoitecer e frondosa era a oiticica, com seus galhos beijando a brisa da escuridão, ao lado de uma plantação de ervas delirantes(ªª). À distância de 69 metros, um pouco menos, um pouco mais, um pouco mais ou menos, encontravam-se o irmão Esaú de Assis(ªªª) e os teólogos Guimarães Rosa e Glauber Rocha. Os três, tudo observavam. Mesmo que nada vissem, e só ouvissem.

E a hora crepuscular se fez noite, e a noite se fez açoite para melhor percepção do Senhor das Alturas. E a hora anoitecida se fez neblinamento, e o neblinamento se fez alumbramento para melhor compreensão do Homem sobre a Terra. De um lado, o Senhor das Alturas, furioso; do outro, o Homem, temeroso. De um lado, o Senhor das Alturas transfigurou-se em deus e o diabo para melhor combatê-lo; do outro, Jacó Apenas Jacó transfigurou-se em homem e mulher para melhor compreendê-lo.

De um lado, na brusca noite sem qualquer sinal de luz, o Tudo e o Pós-Tudo da linguagem - pura fantasia; do outro, o Nada e o Nonada do grande sertão - pura travessia. O vento deixou de ventar, a estrela deixou de estrelalar, o lobo deixou de uivar. O Senhor das Alturas esbravejava, esperneava, levantava poeira e soltava seus bichos e seus grilos. E o Homem, olhar atento, só olhava sem nada ver, mas ouvia tudo ouvindo. O mundo parou. O silêncio congelou. As nuvens deixaram de ser nuvens. O azul deixou de ser azul.

E no meio de raios que não iluminavam, de trovões que não trovejavam, de pássaros que não cantavam e de onças que, de tão assustadas, não assustavam, o Senhor das Alturas berrou: "Mais fortes são os poderes dos anjos - e da mitologia". E o Homem respondeu-lhe, com voz suave, mas firme: "Mais fortes são os poderes do povo - e da poesia". E o Senhor das Alturas disse: "Nada me deterá". E o Homem sobre a Terra disse: "A minha inteligência o deterá". E o enfrentamento prosseguia.

E prosseguia o enfrentamento. Árvores tremiam de medo. Pássaros paravam no ar. Tudo por tudo, o diabo no meio do redemunho, nas veredas do grande sertão. E uma voz se fez ouvir, vinda das profundas sertanias: "Viver é muito perigoso". E o Homem no meio do nada, olhar perdido no breu mais breu que se possa imaginar. E o Senhor das Alturas, entre ervas e delírios, no meio da Palavra. O embate prosseguia. E prosseguia. E prosseguia. Deus e o diabo na terra em transe. O santo guerreiro contra o dragão da mitologia. E no meio do caminho tinha uma rocha, tinha uma rocha no meio do caminho de Jacó Apenas Jacó.

E a aurora menstruada(ªªªª) anunciou o dia. E o dia foi anunciado pela auro
ra abismada(ªªªªª). Aqui a luta acaba. Aqui, a luta acabada. Aqui, a luta acabou. Como no livro do século XX da Era Comum. Como na lenda de todas as Eras. Como no princípio. Como no fim. E o azul voltou a ser azul. E as nuvens voltaram a ser nuvens.

E o Senhor das Alturas reconheceu que Jacó Apenas Jacó era homem-macho. E o Senhor das Alturas reconheceu que Jacó Apenas Jacó era um grande homem. E o Senhor das Alturas reconheceu que Jacó Apenas Jacó estava pronto para honrar a humanidade que Ele criara. E o Senhor das Alturas deu-se por satisfeito.

Próximo capítulo:
Sete anos de pastor Jacó Apenas Jacó
servia Labão de São João

Notas dos Editores:

(ª) Os modernos estudos sobre O Livro dos Livros consideram que este é um dos capítulos mais surpreendentes do Primeiro Testamento, quer pelo estilo - mais poético, mais neblinoso -, quer pelo conteúdo - mais humanizado, mais aberto. Há muitas conjecturas sobre o seu real signficado. Muitos sustentam que todo o capítulo não passaria de um delírio do Senhor das Alturas, opinião essa sustentada, em épocas diversas, por São Francisco de Assis, São Galileu Galilei, São Nelson Rodrigues, São José Bezerra Gomes e Santa Isadora Duncan. Acrescente-se que só no Segundo Testamento haverá um capítulo com igual in/formação poética: De quando o Senhor da Cruz viu pela primeira vez Shayla Angélica dos Reys.

(ªª) As ervas delirantes aqui anunciadas podem perfeitamente ser as "ervas malditas" dos tempos presentes. Contudo, não há evidências documentais ou medicinais que o provem.

(ªªª) A presença de um irmão de Jacó Apenas Jacó n'O Livro dos Livros, reforçada pela Bíblia dos heréticos, não é aceitável para muitos. Os dois, inclusive, seriam inimigos. Por que só agora seu nome veio à tona? É possível que haja, aqui, um erro de tradução. Em tapuia-seridoense, língua-base de uma boa parte d'O Livro, a palavra "frrathyerpah" tem múltiplos significados: irmão, amigo, companheiro, viajante, louco, santo, abestalhado, aloprado. Mas seja na Bíblia apócrifa, com maior detalhamento, seja n'O Livro, a presença de Esaú de Assis, sobretudo no segundo, continua sendo um mistério para os teólogos.

(ªªªª) A imagem de "aurora menstruada" seria usada séculos depois por um cronista mineiro-carioca, Paulo Mendes Campos assim nomeado.

(ªªªªª) A imagem de "aurora abismada", que já apareceu n'O Livro, seria usada séculos depois por um poeta popular paraibano, Manuel Camilo dos Santos assim nomeado.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Igreja de N. Sra. do Rosário dos Pretos,
em Natal - RN:
reflexos depois de uma chuva

Foto de
Sandro Fortunato


BALAIO PORRETA 1986
n° 2581
Natal, 26 de fevereiro de 2009

Cheguei à conclusão de que duas coisas basicamente levam o homem à busca da verdade, além da falta de sexo e de cigarro: filosofia alemã e música baiana. A diferença é que na filosofia alemã a divisão silábica é mais difícil e eles usam consoantes.
(Marconi LEAL, in Os tolerantes)


VOU-ME EMBORA
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

Vou-me embora
Vou-me embora
Levo Mário e Bandeira
Vou para as terras do sem-rei
Lá não terei amores
Nem o homem que escolherei

Vou-me embora
Vou-me embora
Levo Mário
e Bandeira
Levo a saudade da terra
Vou ultrapassar fronteira

Vou-me embora
Vou-me embora
Levo Mário e Bandeira
A poesia como escudo
O sonho de um dia mudo
Na ponta de uma estrela.

* Para Mário de Andrade
e Manuel Bandeira, meus
dois brilhantes da literatura
brasileira.


COMPONDO SOBRE ÁGUAS
- sobre poema de Adrianna Coelho -
Paulo de Carvalho
[ in Casa de Taipa ]

Okavango

tudo em meu poema
desce montanhas
com sede de sol e de sal
e corre líquido sonhando
com a invasão ocre
do encontro pelo rio

tudo em meu poema
alaga e depois seca
em minha floresta
de papiros
enquanto escrevo
sobre meus desertos
e minhas águas

Adrianna Coelho
____________________

rio fêmea

quando fêmea;
águas e areias.

sou-te éden,
gênesis fruto.
o furto e
a fome

nomes de ti.

sacra ou profana, quem me sabe as sedes dos mares?
sei-te a carne, os sopros e teus verbos.


quando fêmea;
sou-te a folha,
papiro e tintas.

inversos de mim

oferto-me por areias aos êxodos de tuas águas;
consagro-me! aquela que te sabe os nomes nos sonos.


um poema de mim,
nomeia-te!


HUMOR NATALENSE
Everaldo Lopes
[ in Apito final, Tribuna do Norte, em 25/02/2009 ]

De um descuidado apresentador de programa radiofônico, aconselhando seus ouvintes: "Atenção, se for dirigir, use camisinha...".

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Depois do carnaval,
a beleza de
Aishwarya Rai
via
Milton Ribeiro


BALAIO PORRETA 1986
n° 2580
Natal, 25 de fevereiro de 2009

Ainda bem que amo uma cidade
e a palavra cais
e a palavra raio
(Iracema MACEDO, in Memória, Invenção de Eurídice, 2004)


CARNA(VA)L
Mercedes Lorenzo
[ in Cosmunicando ]

alheia aos quesitos
desfilo cara lavada
nua
minha verdade
em cada um dos poros
sua


POEMA
Chico Doido de Caicó

Eu gosto das palavras
xibiu, xota e xoxota.
São palavras redondinhas
Que se apertam e alargam
Quentes, cheias de suco
Úmidas, leitosas
Que a língua tem muito prazer
De dizer: xibiu, xota, xoxota.


TEXTOPOEMA
Romério Rômulo

a pedra que repousa no meu olho
carrega o mastro da noite


ARMADILHA
Beti Timm
[ in Rosa Choque ]

Espero-te na esquina
onde escondes teu corpo
flagelado pela paixão
que te enreda nas suas malhas
sem dó nem piedade.
Onde escondes teu choro
como um menino solitário
que se esqueceu de brincar.
Espero-te para jogarmos
o jogo da entrega
o jogo dos prazeres
para lamber tuas feridas recentes
acolher tuas dores
e afagar teus dissabores.
Espero-te para num ritual profano
emboscar teu prazer
satisfazer tua carne que se incendeia
ao meu mais distraído toque.
Espero-te pra te cercar
com meus muros de possessividade
teus cinco sentidos
tua louca insanidade
tua espessa passividade.
Sou maldade
Sou pecado
Sou boca que aprisiona a tua
num enlace bruto e doce
sou teu grito me pedindo clemência
quando torturo-te tatuando teu corpo
com minhas mãos ansiosas.
Sou algoz insano
quando torturo com prazer teu corpo quente
que treme esperando o meu
fraquejando minhas forças.
Espero-te na esquina para um jogo sem regras
sem vencido ou vencedor
num final onde o cansaço
mistura-se ao suor
e o sorriso aflora-se vitorioso.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Clique na imagem
- Carnaval em Caicó,
à beira do Poço de Santana,
nas proximidades de Jardim do Seridó
(poema/processo de Moacy Cirne) -
para verouvir
cenas do Carnaval de Recife
em 2007,
ano do centenário da expressão
"frevo"
em jornais da capital pernambucana.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2579
Natal, 24 de fevereiro de 2009


Seja em Recife ou em Olinda, seja em Natal ou em Pirangi, seja no Rio ou em Caicó - e Jardim do Seridó, e outras cidades -, em maior ou menor grau, o carnaval é só alegria, é só animação, é só carnaval. É só frevo, é só marchinha, é só maracatu. Para os que não brincaram até agora, ou nunca brincam, há sempre a opção de um livro, de um bom filme, de boas horas de música erudita. Só que o carnaval já está chegando ao fim. Ou quase.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Clique na imagem
- de Elifas Andreato -
para verouvir
Braguinha & Miúcha
interpretando
marchinhas carnavalescas
para a TV italiana


BALAIO PORRETA 1986
n° 2578
Natal, 23 de fevereiro de 2009

Lourinha, lourinha
Dos olhos claros de cristal
Desta vez em vez da moreninha
Serás a rainha do meu carnaval
(Braguinha, in Linda lourinha, 1933)


FUNDAMENTOS DA "DITABRANDA" DA FSP
Emir Sader
[ in Carta Maior ]

De onde a FSP tirou a categoria “ditabranda”? De que, ela, assim como para toda a imprensa brasileira, com a única exceção da Última Hora – que por isso foi fechada pela ditadura -, pregou a ditadura, apoiou o golpe militar e a derrubada de um governo eleito democraticamente pelo povo brasileiro. Esconderam a repressão posta em prática imediatamente pela ditadura – seqüestros, desaparições, torturas, fuzilamentos, fechamento dos sindicatos, cassação de parlamentares e juristas, censura à imprensa. A foto de Gregório Bezerra sendo arrastado por um jipe militar pelas ruas do Recife, não foi publicada por nenhum órgão da imprensa, por exemplo. Acolheram as versões mentirosas da ditadura sobre o assassinato de militantes da resistência à ditadura. Resistência democrática feita contra a ditadura e contra a imprensa a serviço dela.

No caso da FSP, mais do que isso. Colocou carros da empresa a serviço da Oban, para disfarçar ações repressivas como se fossem da imprensa – como se vê no livro de Beatriz Kushnir, Cães de guarda, da Boitempo, livro nunca desmentido, nem noticiado pela FSP, como confissão de culpa, leitura indispensável para se conhecer o farisaísmo do jornal da família Frias. Para ela foi “ditabranda”. Quem quiser, pode ler os jornais de 1964, para ver um jornal contra a democracia e a favor da ditadura.

[ Clique aqui para ler o artigo na íntegra ]


REPÚDIO E SOLIDARIEDADE

Centenas de intelectuais e artistas brasileiros, entre os quais o professor e teórico Antonio Cândido, a professora e ensaísta Walnice Nogueira Galvão, o jurista Dalmo de Abreu Dallari, o historiador Marcos Silva e o músico Chico Buarque, além de inúmeros nomes representativos, já assinaram o manifesto de repúdio à FPSP (Folha Podre de S.Paulo), a partir de hoje nomeada FESP (Folha Escrota de S.Paulo) e de solidariedade aos professores Maria Victoria de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato, menosprezados pela própria FESP, por ousarem defender um leitor que criticara o conceito de "ditabranda" aplicado pelo jornaleco paulistano à ditadura militar brasileira. Os interessados em assiná-lo podem clicar aqui para fazê-lo. Total de assinaturas até o momento (23:12h): 1487.


O LIVRO DOS LIVROS

Na próxima sexta, faça sol, faça lua, com chuva ou sem chuva, estejamos em Natal ou em Caicó, voltaremos com o Senhor das Alturas. Em luta contra Jacó Apenas Jacó, debaixo de uma oiticica.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Clique na imagem
para verouvir
Elizeth Cardoso
interpretando, nos anos 70,
As pastorinhas
(Noel Rosa & Braguinha, 1938):
o carnaval que nós amamos.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2577
Natal, 22 de fevereiro de 1009


Linda morena, morena
Morena que me faz penar
A lua cheia que tanto brilha
Não brilha tanto quanto o teu olhar.
(Lamartine Babo, in Linda morena, 1932)


VESTIBURRADAS

[] As glândulas salivares só trabalham quando a gente tem vontade de cuspir.
[] Os estuários e os deltas foram os primitivos habitantes da Mesopotâmia.
[] O ateísmo é uma religião anônima.
[] O petróleo apareceu há muitos séculos, numa época em que os peixes se afogavam dentro d´água.
[] Antes de ser criada a Justiça, todo mundo era injusto.

(Fonte: 500 anos de outras burradas)
[in Balaio, n° 1283, 25/5/2000]


OS FILMES PORNÔS MAIS TESUDOS DO CINEMA
Seleção: Prof. Sérgio Villela [IACS/UFF, Niterói]

1. Amor e humor (Joey Silvera, 1985)
2. Atrás da porta verde (J. Mitchell, 1972)
3. Uma aventura sexual (Henri Pachard, 1983)
4. As aventuras de Buttman (J.S., 1990)
5. Bacanal em Malibu (Alex DeRenzi, 1991)
6. Bem no fundo de Vanessa (Alex DeRensi, 1985)
7. Carrossel erótico (Anthony Spinelli, 1984)
8. Dançando na sombra (John Stagliano, 1990)
9. O diabo na carne de Miss Joners I & II (Gregory Dark, 1972)
10. O diabo na carne de Miss Jones III (Gregory Dark, 1986)
11. O diabo na carne de Miss Jones IV (Gregory Dark, 1987)
12. Entre as bochechas (Gregory Dark, 1985)
13. Eróticos clássicos do passado (1914)
14. Os exercícios de Buttman (J.S., 1990)
15. Garganta profunda (Gerard Damiano, 1972)
16. O êxtase das garotas (Robert McCallum, 1980)

[in Balaio, n° 514, 14/7/1993]


ENIGMA
Marize Castro (RN)
[ in Marrons crepons marfins, 1984 ]

O que há de novo
entre minhas coxas
além de uma fenda
um atalhe
uma armadilha
para os mais desavisados?


POEMA de LUMA CARVALHO
[ in Tamborete. Currais Novos, RN, 2003 ]

O pior (ou melhor, sei lá...)
De te amar...
É essa eterna e imensa
Saudade
Que sinto de você
Mesmo quando estamos abraçados...


PARA UMA BIBLIOTECA PORRETA

Carnaval, in Estrela da vida inteira, de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: José Olympio, 1966, p.47-76. [] A poesia maior de Bandeira em textos quase sempre magistrais: Bacanal, A canção das lágrimas de Pierrot, Pierrot branco, Arlequinada, Pierrot místico, Rondó de Colombina, O descante de Arlequim, A dama branca, Rimancete, Madrigal, Alumbramento, Poema de uma quarta-feira de cinzas.

O livro de ouro do carnaval brasileiro, de Felipe Ferreira. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 422p. [] Uma boa introdução à história e à sociologia do nosso carnaval. Lamente-se, contudo, o pouco espaço dado ao frevo pernambucano, umas das resistências culturais mais fortes, hoje, à carnavalidade televisiva imposta pelo poder imperial da mídia. O melhor carnaval do país, nos últimos anos, caso já não tenha sido deturpado, é o do Recife Antigo.

História do carnaval carioca, de Eneida. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1958, 316p. [] Em estilo claro e objetivo, um clássico da historiografia brasileira, considerando seus aspectos sociológicos e populares. Indispensável para quem pretende estudar as origens e o desenvolvimento do carnaval do Rio: os entrudos, o Zé Pereira, as Sociedades, os blocos, as músicas etc.

Ameno Resedá, o Rancho que foi Escola; Documentário do carnaval carioca, de Jota Efegê. Rio de Janeiro: Letras e Artes, 1965, 182p. [] O Ameno Resedá, o mais famoso rancho do carnaval do Rio, foi fundado no dia 17 de fevereiro de 1907, há 100 anos, portanto. Este livro, marcado pela emoção, narra a sua vitoriosa história, até ser “engolido” pelas escolas de samba, culminando com o seu fim no dia 15 de fevereiro de 1941.

Carnaval J. Carlos, de Luciano Trigo (texto) & Cássio Loredano (organização). Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999, 190p. [] Excepcional coletânea de cartuns & capas de J. Carlos [1884-1950], o maior artista do humor gráfico brasileiro de todos os tempos, tendo como tema, aqui, o carnaval carioca em sua fase de ouro. A alegria das melindrosas, por exemplo, é contagiante. Assim como estonteante é o traço de J. Carlos.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

OS FILMES QUE MARCARAM ÉPOCA
NA CAICÓ DOS ANOS 50
Clique na imagem
para verouvir
o trêiler de
Os melhores anos de nossas vidas
(William Wyler, 1946)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2576
Natal, 21 de fevereiro de 2009

Os melhores anos de nossas vidas é um pungente drama social sobre o pós-guerra americano, centrado na volta dos soldados à pátria depois da vitória dos aliados no grande conflito bélico encerrado em 1945. E foi apresentado em Caicó em 1950 ou 1951. Não me lembro de tê-lo visto no cinema de 'seu' Clóvis, mas me lembro perfeitamente dos comentários de minha mãe sobre o filme: para ela, que também amava o cinema, era o melhor filme que já vira, até então. Se não me falha a memória, suas amigas tinham a mesma opinião. Embora datado, ainda é possível vê-lo com um certo encantamento. E uma certa tristeza; não pelo passado em si, mas pelo presente.


UMA FOLHA SEM MORAL

A FSP (Folha de S.Paulo), a partir de agora conhecida como FPSP (Folha Podre de S.Paulo), o mesmo jornal que apoiou - inclusive materialmente - o golpe de 64 (embora tenha feito a campanha das diretas e se mobilizado contra o desgoverno collor), em editorial publicado esta semana qualificou a ditadura militar instaurada no Brasil como "ditabranda". Decerto, a FPSP teve acesso aos documentos que relatam os crimes cometidos pela ditadura e concluído que as torturas e mortes aqui praticadas foram feitas de forma leve e branda. É possível mesmo que, para citar um só exemplo, caro aos norte-riograndenses, os documentos obtidos pelo insano jornaleco paulistano revelem finalmente os últimos momentos de vida do comunista e humanista Luís Maranhão Filho. E já que a "dita" foi "branda" não custa nada reproduzir aqui, na medida do possível (mas com base na FPSP), o suposto diálogo entre um militar e o político potiguar:

Militar - Tudo bem com o senhor, caro amigo Luís?
Luís, com os dentes quebrados - Grwwfr...
Militar - O senhor foi torturado de forma bastante suave, não foi?
Luís, quase sem respirar - Wronptttahah...
Militar - Graças a deus e aos Estados Unidos nossos métodos são científicos.
Luís, praticamente sem sentido - ...
Militar - E agora tenho uma ótima notícia para o senhor, prezado amigo, prezado colega.
Luís, depois de mais uma porrada violenta - Aiiiiiii...
Militar - Pois é, meu caro, infelizmente somos obrigados a matá-lo. Mas não se preocupe: seu corpo será jogado no mar e nunca mais será encontrado. Beleza pura, não é mesmo?

Nota: sobre a FPSP e a "dtabranda", clique aqui para maiores esclarecimentos.


CASTELHANA
Mercedes Lorenzo
[ in Cosmunicando ]

trago na pele o sangue
das touradas perdidas
primitiva
navego vento e calmaria
íntima
inquisição pagã e atrevida
do velho continente
ao novo conteúdo
meu astrolábio beija cada
descobrimento


INDOLENTES EU E ELA
Renata Nassif
[ in Fênix em Verso e Prosa ]

Olho bem para a palavra que não escrevo - ela desvia os olhos lentamente e se cala. Com uma pergunta de mim...


BOCA MALDITA
Giuliano Quase
[ in Noturno Citadino ]

os homens de terno e gravata
afundam-se nos cafés

os homens de terno e gravata
religiosamente sangram o contrato social

- meu bem, meu bem capital! - infla-se
o homem de terno e gravata

os homens de terno e gravata
vestidos em outra língua

ruminam
arabescos de árabes

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A Bíblia
de
Van Gogh


BALAIO PORRETA 1986
nº 2575
Natal, 20 de fevereiro de 2009

Nas terras do meu sertão
Quando vai caindo a tarde
Fica o espaço cinzento
A terra em chamas se arde
Não há quem de lá se ausente
Que uma saudade não guarde.
(Domingos FONSECA, in Cultura nordestina/I;
poetas repentistas nordestinos)


O LIVRO DOS LIVROS
(9)

Texto estabelecido por
Moatidatotatýne, o Escriba

A história de Jacó Apenas Jacó
e de Raquel Apenas Raquel, a Tesuda

E o Senhor das Alturas disse: "Puta merda!, enquanto Eu discutia com aquele insano que, no futuro, criará uma inaceitável teoria da evolução, muita coisa aconteceu na terra. Preciso ter mais cuidado: a humanidade está fugindo do Meu controle. Nem sei direito porque Chico Doido Vulgo Isaque Doidão abençoou a Jacó Apenas Jacó. Seria seu filho?" E mais disse o Senhor das Alturas: "Aliás, o que é feito de Adri Adriannita, seu esposo poeta e seus amigos atrevidos? Melhor faço em acompanhar, por enquanto, a velhice de Chico Doido Vulgo Isaque Doidão, antes que o doido das sagradas escrituras seja Eu".

E assim aconteceu. E assim foi. Quando Chico Doido Vulgo Isaque Doidão ficou velho, os olhos se lhe enfraqueceram e já não podia ver mais nada, nada mais podia ver. O Senhor das Alturas disse, então: "Que história mais chata. Vou passar para os seus finalmentes". Mas antes o Senhor das Alturas resolveu conhecer o carnaval de Recife e Olinda, dar uma espiada no Galo da Madrugada e cair no frevo rasgado na Avenida Guararapes(ª). Afinal, um Senhor das Alturas como Ele precisava conhecer de perto a alma humana, que Ele mesmo criara, é verdade, mas que estava se revelando muito rebelde para o seu gosto.

Depois do carnaval, o Senhor das Alturas, espantado com o que vira, chamou seus jagunços e disse: "Os homens têm autoridade sobre as mulheres pelo que Alá os fez superiores a elas e por que gastam de suas posses para sustentá-las. As boas esposas são obedientes e guardam sua virtude, por mais perseguida (ªª) que essa seja, na ausência de seu marido conforme Alá estabeleceu. Aquelas de quem tomais a rebelião, exortai-as, bani-as de vossa cama e batei nelas".

E um dos jagunços alertou-o: "Oh, Senhor das Alturas misericordioso e clemente, não pronunciai tais palavras; elas pertencerão a um Profeta do futuro, das arábias afamadas". E uma jovem que tudo ouvira acrescentou: "Além do mais, em mulher não se bate nem mesmo com uma flor". E o Senhor das Alturas resmungou. E resmungou o Senhor das Alturas, como se dissesse: "Tudo bem, tudo bem. Esqueçam o que Eu falei...".

E o Senhor das Alturas foi cuidar do seu rebanho. E do seu rebanho foi cuidar o Senhor das Alturas. E o Senhor das Alturas passou a observar o comportamento de Jacó Apenas Jacó. E viu que ele se apaixonou pela bunda de Raquel Apenas Raquel, a Tesuda, irmã de Lia de Maracujá, filhas de Labão de São João, que reuniu todos os homens do lugar e deu um banquete, ao ver que Jacó Apenas Jacó tinha interesse por uma de suas filhas.

Vendo o Senhor das Alturas que Lia de Maracujá era desprezada, tornou-a fecunda ao passo que Raquel Apenas Raquel, a Tesuda, permaneceu estéril. E Jacó Apenas Jacó, pra lá de contrariado, foi obrigado a se casar com Lia de Maracujá. Mas Labão de São João disse-lhe: "Sejai um bom esposo para Lia de Maracujá e dentro de sete anos também te darei Raquel Apenas Raquel, a Tesuda, como esposa e ficarás com as duas, na maior felicidade". Sete semanas depois, os dois, Jacó Apenas Jacó e Raquel Apenas Raquel, a Tesuda, já se encontravam, às escondidas.

Lia de Maracujá era comida biblicamente, nos dias pares, e muitos filhos tiveram. Raquel Apenas Raquel, a Tesuda, era comida da cabeça aos pés, nos dias ímpares, e muitas orgias fizeram. Sete anos depois, quando Labão de São João sacramentou a união dos três, e por descuido do Senhor das Alturas, Raquel Apenas Raquel, a Tesuda, passou igualmente a ter filhos. Ao todo, com as duas, Jacó Apenas Jacó teve onze filhos, além de mais três com as duas piniqueiras(¹) que os serviam. E mais fez Jacó Apenas Jacó: tomou toda a riqueza de Labão de São João.

O Senhor das Alturas ficou puto, mas pensou: "Talvez a humanidade seja um poço cujas águas estejam contaminadas pelo sexo e pela ganância sem que Eu - que tudo vejo, que tudo pressinto - tenha percebido. Hoje à noite desafiarei Jacó Apenas Jacó para um duelo debaixo da primeira oiticica que encontramos. Caso ele consiga se sair bem, o que duvido, poderá seguir o seu caminho e contribuir para o povoamento da terra".

Próximo capítulo:
A luta do Senhor das Alturas
contra Jacó Apenas Jacó

Nota dos Editores:

(ª) Há uma versão apócrifa d'O Livro dos Livros que acrescenta o seguinte: "E o Senhor das Alturas foi visto com duas raparigas na Rua da Aurora, na maior animação". Contudo, não há provas documentais sobre tal fato: ter caído no "frevo rasgado" não leva a nenhuma conclusão mais precipitada de cunho erótico, já que diante de um bom frevo não há cristão que resista a dois, três ou mais passos de sua coreografia dançante, e de seu ritmo alucinante, quer esteja acompanhado, quer esteja sozinho. E o Senhor das Alturas, por sua pureza divina, por sua essência espiritual, jamais se deixaria cair em tentação carnal. Jamais.

(ªª) É provável que haja aqui um duplo sentido, já que
"perseguida", na terra abençoada pelo Senhor das Alturas,
pode significar igualmente o "sexo das mulheres".
Pelo menos, essa é a interpretação dos doutores em teologia
de Alexandria, Bagdá, Cairo, Paris e São José do Seridó.

(¹) Piniqueira : Funcionária doméstica.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009


Litoral potiguar:
Um paraíso chamado
Galinhos


BALAIO PORRETA 1986
n° 2574
Natal, 19 de fevereiro de 2009

Houve um tempo em que os animais falavam.
Alguns aindam coninuam.
(Max NUNES, in Uma pulga na camisola)


SOBRE O BIG BROTHER
José Sérgio Rocha
[ in Quem é Vivo Sempre Aparece ]

Sempre fomos tão idiotas, babacas, ridículos? Tem infeliz que compra o pacote e passa madrugadas se masturbando. Outros fazem pior: a família inteira pluga os neurônios na TV durante o fim de semana, acompanhando a bosta do programa, vivendo a vida dos insetos humanos envidraçados, querendo ser um deles, ouvindo as idiotices e silêncios estúpidos de criaturas patéticas enjauladas, vendo os zumbis de academia dançando com copo na mão ou negociando os corpos debaixo dos edredons. O zoológico é revelador da queda assombrosa da qualidade do material humano do planeta. Pedro Bial, fraude camaleônica, fatura zilhões por sua contribuição à miséria humana, à mendicância intelectual. Chacrinha, que também era um chato, não fez tanto estrago assim. Foi até exaltado pelos teóricos da cultura de massa. O intelectual global deve sonhar com algum tipo de reconhecimento da posteridade e provavelmente está certo porque os 150 anos do darwinismo são lembrados por uma espécie claramente em involução. Quem quer banana aí? Quem quer banana aí?


CULPADA
Liria Porto
[ in Tanto Mar ]

minha nuvem predileta
troveja e chove canivete

raios me partam


CARTA PARA ELIZABETH BISHOP
Iracema Macedo - RN
[ in Invenção de Eurídice, 2004 ]

Há fantasmas, sim, cercando a casa
e bichos mortos e cães furiosos
Mas há também bons espíritos
aterrando o medo
e o desejo louco de viver feliz
numa cidade noturna acesa contra tudo

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Genipabu,
Natal Natal

Foto:
Alex Uchoa


BALAIO PORRETA 1986
n° 2573
Natal, 18 de fevereiro de 2009

Rio Grande do Norte
Capital Natal
Em cada beco um poeta
Em cada esquina um jornal
(Quadrinha popular, de autoria anônima,
princípios do século XX)


A TRISTEZA É AZUL
Sheyla Azevedo
[ in Bicho Esquisito ]

Sinto saudades da chuva. E do frio que chega na madrugada. Quando criança, preferia o desenho às letras. Adorava não poder ir brincar na rua porque estava chovendo. Então eu desenhava brincadeiras no papel. Meninos brincando com pipa, meninas brincando de pular corda, amarelinha. Coloria bastante que era para constrastar com o cinza da tarde. E colocava nuvens lá em cima dos telhados. Com a chuva escondida por detrás do arco-íris. Era minha forma de prever o tempo. Um tempo que só tinha portas abertas. E a minha avó, esperando no final da tarde para me fazer cachinhos no cabelo. Vovó e os seus cachinhos no meu cabelo. Quando ela terminava, balançava-os como se fosse um prêmio: Ei, vejam o que a minha avó me deu de presentes! Exibia orgulhosa.

Atualmente, se me sobram brechas, já me contento. Esses dias não tem chovido. E é na chuva onde minhas confissões mais escorrem. Até tento fazer um pacto com o sol. Mas, por mais que tente, faz frio dentro de mim. Não tem jeito. Tenho inclinações para ser feliz compartilhando. E triste do mesmo jeito.

A mãe de uma amiga morreu. O filho de uma outra também. Tudo nesse final de semana. A primeira, se vi muito foram duas, três vezes. O segundo, vi em fotografias. Mas, impossível não me compadecer com a dor do outro. Precisei me escorar nas lembranças. Imaginar quantas vezes eu as vi sorrindo, felizes, por uma banalidade qualquer, para que pudesse suportar a idéia de que a dor delas é grande e cabe uma vida inteira lá dentro.

Viver é estar eternamente em desconfiança do até quando.Talvez fosse diferente se já soubéssemos, se já nos dessem uma pista qualquer sobre o porvir. Mas não seria a mesma coisa. Ou fatalmente viveríamos ansiosos demais por terminar. Saberíamos exatamente que palavras usar para terminar um namoro, um noivado, um casamento. Mediríamos antes mesmo de exercitar o tamanho do amor que poderíamos sentir por aquela pessoa. Viveríamos o enjôo da gravidez meses antes da concepção; nos despediríamos desde o dia em que nascemos do pôr-do-sol e dos nossos avós. Mas, como não sabemos, vivemos ansiosos em como continuar mesmo com essa desconfiança toda.

Gosto da vida. Especialmente dos amigos que ela me trouxe. Dos bem-te-vi que cantam na minha janela. E da poesia que se esconde debaixo do meu travesseiro. Mas tenho limites: uma tristeza incurável nos olhos. Grandes, eles sempre tentaram entender mundo. Mas, sobram muitas dúvidas e, vezecuando, é inevitável chorar.

Palavras tristes fazem festa dentro de mim. Por isso, estou reequilibrando meu silêncio, para que elas não consumam todo o meu olhar.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

RECOMPONDO PARCIALMENTE
O BALAIO 2571,
COM ADENDO HUMORÍSTICO
Rio antigo:
os Arcos da Lapa, o Passeio Público,
o Senado (demolido), a Cinelândia
(sem os prédios atuais, mas já com o Odeon,
na esquina em curva, próximo ao Senado),
em foto sem autoria identificada,
provavelmente do final dos anos 20
ou princípio dos anos 30.
Para quem conhece o Rio,
também é visível a atual
Sala Cecília Meireles,
em plena Lapa.


BALAIO PORRETA 1986
n° 2572
Rio, 18 de fevereiro de 2009


Ninguém, que conheçamos, pintou Deus negro das muitas Áfricas, nem roxo indiano, nem como aborígene da Oceania, nem amarelo coreano, ou mongol, basquimano, esquimó. Então, não seria um deus para todos, mas tão-somente "o" Deus judaico-cristão, com o design correspondente aos padrões antropológicos desses povos.
(Mauro GAMA, in Charles Darwin, 200 anos)


POR JOÃO CABRAL
Romério Rômulo

sempre carrego um rio.
margens de atropelo, ilhotas ávidas
conduzem a água apertada.
sobra-lhes um derivar de peixe,
um corte do corpo do peixe,
a lama escorraçada.
o uivo do rio treme de pedra
e se estatela azul.
quando arcos sobram entre os dedos
o devaneio é morto.

o rio se abate como cão sem plumas.


INTERLÍNGUA
Beatriz M. Moura
[ in Compulsão Diária, em 1/8/2008 ]

Ce suis je
sujeito
Je suis cela

Na floresta
Perdida
Je suis chat

Nesta flor está
Tudo e tanto
cuidado
que o contato

todo

num pulo
se perdeu
flor que resta

sou

detrito
abjeto objeto
moi, je crois

mar
estrela inquieta
sou isso

enigma
noite quente
lábil
cifra em suspense

entre

a língua e o mundo
-intersentida-
Sou toda narrativa

BALAIO PORRETA 1986
n° 2571
Rio, 18 de fevereiro de 2009


EDIÇÃO EXTRAORDINÁRIA

O Senhor das Alturas, através de seus jagunços diabólicos, e tendo por principal arma a metafísica do computador, com suas bombas incendiárias, invadiu o nosso Balaio, quando tentávamos editar o texto do poeta Mauro Gama sobre Charles Darwin. Depois de três horas de ferrenho combate, apesar de contar com o apoio de Karl Marx, Rosa Luxemburgo, Lampião, Maria Bonita, Vladimir Maiakóvski, Charles Baudelaire, Orson Welles, Luis Buñuel, Chico Doido de Caicó, o próprio Charles Darwin e outros companheiros de viagem literária, política e cultural, fomos momentaneamente vencidos. E toda a edição, não só com o artigo de Mauro Gama, mas também com os poemas de Líria Porto, Romério Rômulo, Mercedes Lorenzo, Mariana Botelho, Bosco Sobreira, Adrianna Coelho, Marcelo Novaes, Sheyla Azevedo e Beatriz M. Moura, além de uma imagem do Rio antigo - ou seja, seria uma edição especialíssima, já que a partir de manhã estaremos em Natal -, foi derrubada na titânica luta contra o Senhor das Alturas. Mas a nossa vingança será maior do que a dele: O Livro dos Livros continuará firme e forte, e os poemas e a imagem assinalada voltarão ao Balaio, aos poucos. Ainda hoje, se possível, publicaremos uma parte do material destruído pelo Senhor das Alturas e seus jagunços.

Nota:
Estaremos em Natal amanhã, e nos próximos 30 dias,
mas o Balaio continuará normalmente.
Mesmo que o Senhor das Alturas volte a nos atacar.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009


Poema/Processo
- de nossa autoria -
em homenagem a
Charles Darwin,
a partir da arte de
Phillipe Doan


BALAIO PORRETA 1986
n° 2570
Rio, 17 de janeiro de 2009

Quando, em 1859, Charles Darwin se decidiu a publicar a obra [A origem das espécies] que reorientou de maneira decisiva o olhar de nossa cultura sobre o mundo vivo, sabia que iria provocar polêmicas apaixonadas e ataques violentos, mas não pôde esperar mais. Desde os vinte anos consagrou suas pesquisas e todos os recursos de sua inteligência ao problema central que o ser vivo coloca: como explicar, ao mesmo tempo, a diversidade e a semelhança das múltiplas espécies?
(Albert JACQUARD, in Dicionário das obras políticas,
de François Châtelet & outros, coords., 1986)


O LIVRO DOS LIVROS
(8)

Texto estabelecido por Moatidatotatýne, o Escriba,
Louis Stadelmannté e Edward Phonsecca, egiptólogos

O encontro do Senhor das Alturas com Charles Darwin

Posto que para o Senhor das Alturas não existia passado, presente ou futuro, e momentaneamente de saco cheio com a humanidade das primeiras eras, resolveu Ele, em pleno século XIX da Era Comum, encontrar-se, para um desafio científico-espiritual, com um tal de Charles Darwin, biólogo e naturalista, do Reino Unido assim nomeado. E o Senhor das Alturas pensou: "Ele pode ser bom para as negas dele, mas não para mim. Será que ele pensa que é maior do que Eu, oh Eu Meu?"

E o encontro se deu. E deu-se o encontro. Entre trovões, raios e trovoadas de uma tarde chuvosa, nas proximidades de London London. E o Senhor das Alturas disse: "Eu sou Eu, e feliz o homem que não segue o caminho dos ímpios, não envereda pelo caminho dos pecadores, mas na Lei do Senhor das Alturas se compraz e nela medita, dia e noite, noite e dia".

E Charles Darwin dirá: "Não se trata de ser feliz ou não. Vou direto ao assunto. Lamarck foi o primeiro homem que despertou para a questão que ora nos interessa. Defende nas suas obras a doutrina de que todas as espécies, compreendendo o próprio homem, originam-se de outras espécies. E eu acredito no Sr. Lamarck mais do que no Senhor das Alturas".

E o Senhor das Alturas disse: "Meu Eu! Meu Eu! Como se multiplicaram e ainda se multiplicarão os meus inimigos! Quantos se levantaram e ainda se levantarão contra Mim? Por que os criei? Por que? Que humanidade mais ingrata...". E cantalorou de repente: "Chiquita bacana lá da Martinica, se veste com uma casca de banana nanica"(ª).

E Charles Darwin dirá: "Não fuja do assunto, caro Senhor. Pois fique sabendo, se já não sabe, que, em virtude do princípio poderoso da hereditariedade, toda variedade, agente da seleção, tenderá a propagar sua nova forma modificada. A seleção natural causa, inevitavelmente, uma extinção considerável das formas menos bem organizadas e conduz ao que nós, cientistas, denominamos de divergência dos caracteres".

O Senhor das Alturas disse: "Que papo mais besta. Os criacionistas e os tele-evangélicos, mais tarde, vos reduzirão a pó. E Eu digo. E digo Eu: Até quando, ó homens, prevalecerá o inimigo? Vós, pobres mortais, corrompem-se e cometem abominações. Todos igualmente se extraviam e fodem uns aos outros. Querem se foder, pois se fodam! Contudo, muitos falam: 'Quem nos fará experimentar a felicidade?, pois a luz de Tua face, Senhor das Alturas, fugiu de nós'. E Eu sou a Luz, Eu sou a Face".

E Charles Darwin dirá: "Já o disse: não se trata de discutir ou experimentar a felicidade. Estou convicto, a rigor, de que a seleção natural desempenhou e tem desempenhado o principal papel na modificação das espécies, embora outros agentes tenham-na igualmente partilhado. A verdade é que as condições de vida atuam de duas maneiras distintas: diretamente sobre todo o organismo, ou sobre algumas parte somente, e indiretamente afetando o sistema reprodutor".

E o Senhor das Alturas disse: "E como é que fica a poesia - que, reconheço, alguns de vocês entenderão melhor do que Eu -, como é que fica, repito, a poesia do ato amoroso? Como é que fica a fé no divino, no sobrenatural de almeida (ªª)? Alegrem-se os que em Mim buscam refúgio, exultem para sempre. Que todos os inimigos fiquem confusos e apavorados e recuem, envergonhados! E tem mais: no futuro, terás poucos seguidores, e um deles, pobre coitado, será um tal de Mauro Vasco da Gama..., da terra brasilis assim chamada".

E Charles Darwin dirá: "Não façais dos Salmos bíblicos a tua Palavra, senão não passarás de um plagiador". E o Senhor das Alturas disse, rispidamente: "Protesto! Todo o Livro dos Livros é por Mim inspirado. Eu Sou a sua Palavra". E Charles Darwin dirá: "Escutai as minhas palavras. O Senhor só existe e existirá para aqueles que precisam e precisarão de consolo espiritual, ou algum tipo de fantasia metafísica. Por outro lado, quando considero todos os seres, não como criações especiais, mas como os descendentes em linha reta de alguns poucos seres que viveram muito tempo antes que as primeiras camadas do sistema cambriano tivessem sido depositadas, eles me parecem tornar-se enobrecidos. Outra coisa: não sou profeta, mas o Senhor está confundindo um navegante português, que achou o caminho das Índias, com, provavelmente, um futuro clube de futebol do Brasil, país que já tive a honra de conhecer, misturando-os com um grande poeta do próximo século, decerto a ser conhecido, por exemplo, como Mauro Gama. Restará saberá se o poeta será flamenguista ou vascaíno. Algo me diz que será vascaíno."(ªªª).

E o Senhor das Alturas, cansado, ou mesmo intrigado com tudo aquilo, e voltando a se preocupar com a humanidade de eras passadas, resmungou como um velho rabugento, disse algumas palavras ininteligíveis (ªªªª) e partiu no meio de trovões, raios e trovoadas, sem sequer se despedir de Darwin. O cientista do Reino Unido, pensativo, concluiu: "Como é poderosa a imaginação do ser humano. Mas diante dos fatos, por mais comprováveis que sejam, para muitos só existe um caminho: o do delírio. Há grandeza na forma de considerar a vida como eu a entendo, com seus vários poderes atribuídos primitivamente pelo sopro do Criador...".

Próximo capítulo:
A história de Jacó Apenas Jacó
e de Raquel Apenas Raquel, a Tesuda

Notas dos Editores:

(ª) Sem dúvida, trata-se de uma das passagens mais enigmáticas d'O Livro dos Livros. O que o Senhor das Alturas quis dizer exatamente com essa singela cantoria, segundo alguns de fundo carnavalesco? O mais recente tratado sobre o tema, pautado única e exclusivamente na frase em pauta, escrito pelo teólogo Othoniel Fagundes Boff Wanderley, em 666 páginas, com o título de O significado cosmológico de um simbolismo em transe, sustenta, baseado em teorias aristotélicas, epicuristas e neofellinianas, que o Senhor Todo Poderoso, àquela altura, estava pensando em criar outro universo, sem a presença dos seres humanos, abrindo exceção apenas para Ava Gardner, Rita Hayworth, Tônia Carrero, Maria Antonieta Pons, Marilyn Monroe, Catherine Deneuve, Claudia Cardinale, Brigitte Bardot, Thaís Araújo, Camila Pitanga e Lauren Bacall, além de Micaela Reis e Gisele Bündchen, que com Ele viveriam eternamente. Lamenta-se, assim, que o sr. Charles Darwin não tenha percebido o profundo significado epistemológico das palavras do Senhor das Alturas.

(ªª) Provável referência a um famoso personagem criado pelo dramaturgo e cronista brasileiro do século XX, o tricolor Nelson Rodrigues

(ªªª) De fato, Mauro Gama, vascaíno (acrescente-se), é um dos grandes poetas brasileiros da atualidade, tendo começado a se projetar nos anos 60 do século passado. Coincidência ou não, a nossa edição de amanhã divulgará um texto de sua autoria sobre Charles Darwin.

(ªªªª) Há controvérsias por parte dos estudiosos atuais d'O Livro dos Livros: para uns, o Senhor das Alturas teria dito, em aramaico-jupiteriano: "Que saco! Para tudo esse Darwin tem resposta"; para outros teria dito, em aramaico-javanês: "Pô, devo reconhecer, o tal de Darwin é maior do que Eu, ainda bem que os tele-evangélicos, no futuro, saberão me defender". Já alguns poucos acreditam que, tomando por base um certo seridoísmo-tapuia arcaico, de origem infanto-gaderipolutyana, o Senhor das Alturas, ao resmungar, poderia ter pronunciado os seguintes sons: "Qld mdieg, dsypl flerep!", algo aparentemente intraduzível.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Imagem:
RetroAtelier



BALAIO PORRETA 1986
nº 2569
Rio, 15 de fevereiro de 2009

A felicidade é salutar para o corpo,
mas só a dor enrijece o espírito.

(Marcel PROUST, in O tempo redescoberto)


DOIS POEMAS de
Lou Vilela
[ in Nudez Poética ]

Declaração

Declaro-me tua
até que a morte nos iguale.

Excitam-me as diferenças.

Confissão

Prescindo de vigário!
(escancaro)

A minha confissão
está neste olhar
que lhe serve como espelho.


A LÍNGUA É MINHA
Maria Maria
[ in Espartilho de Eme ]

A língua é minha!
Não importa onde ela passe.
Eu posso dizer o que penso
E fazê-lo, também.
A língua é sábia,
Libidinosa,
Perigosa.
A língua dá água na boca
E fala a língua da louca.
A língua míngua
Um desejo,
Um beijo...
A língua desliza
Por todos os continentes
E passa e cospe e brinca
Com os “esses” e “ais” que
Ela provoca.
A língua é o reflexo do
Desejo e goza dos outros.
A língua é doce.
A língua enrola e dobra
No bolso.
A língua ginga e pinga
E grita e diz como quer.
A língua é verso, é livre
Como o livro.
É língua sem linguagem
É órgão ou imagem.
Seja a língua o que quiser!


DOIS POEMAS de
Carito
[ in Os Poetas Elétricos ]

quando o vento passa
morro de vontade
de ir junto com ele...

coisa de momento, do calor das emoções...

[][][]

se não chove
mulher
na praia

antes o sol
que o mar
acompanhado.


POEMA
Mariana Botelho
[ in Suave Coisa ]

a casa nunca esteve em
ordem

eu abro a
janela
deixo entrar o


e agarro-me à
culpa de manter todas
as torneiras
abertas


MEMÓRIA
Mario Quintana
[ in Caderno H, 1973 ]

O mais triste que existe na memória são essas marchinhas
dos carnavais distantes...

Humor potiguar
AVALIE TEMPERADO
Armando Negreiros
[ in Viva a verve!, 2000 ]

Consultando uma mulher que tinha vindo do interior,
ela foi logo adiantando:


- Doutor, eu tô com umas coceiras aqui nas partes e uns escorrimentos e já usei tudo que me ensinaram: alho, manjericão, coentro, folhas disso e daquilo... - e relatou outras mesinhas de que havia feito uso.

Dr. Carlos Mesquita, imperturbável, vira-se para o estudante e a atendente e comenta, sério:

- Isso ao natural já é bom, avalie temperado...