domingo, 23 de agosto de 2009

OBRAS-PRIMAS DO CINEMA
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uma sequência de
Vidas secas
(Nelson Pereira dos Sanos, 1963)


BALAIO PORRETA 1986
n° 2761
Rio, 23 de agosto de 2009

Da literatura (Graciliano Ramos) ao cinema (Nelson Pereira dos Santos), Vidas secas é a hstória de uma saga brasileira - das mais fortes, das mais brilhantes, das mais consistentes, das mais pujantes. O cinema e a literatura, aqui, com suas diferenças, com suas especificidades, apresentam-se com o melhor olhar sofrido e doloroso que se possa imaginar, seja esteticamente, seja socialmente, numa verdadeira e cabralina "morte e vida severina". Para um livro perfeito, um filme perfeito.


DESVENTURA
Paulo Jorge Dumaresq
[ in Nariz de Defunto ]

Da marquise do tempo
Observo esses poetas dolentes
Grávidos de tangos e tragédias.
Que um anjo os abençoe, porque a mim me resta
sublimá-los com fina pena e tinta.

O que será desses poetas,
Quando secarem as lágrimas turvas do rio?
Será que vão chorar
Sob a lua na sarjeta?
Ou cantar uma canção desesperada?

Desafortunados os poetas
Que perdem o dom da esperança;
Enquanto contemplam o sol
Perder-se no infinito
Tornado arrebol da ilusão.

A partida do sol
Traduz a perda da mulher amada
Outrora idolatrada em noite de luar,
Quando a alma parecia reacender
A chama do amor esconso.

E é nessa desilusão
Que o poeta veste a cidade
De versos melancólicos;
Rebentos de sua dúbia ironia
De viver e de morrer sutilmente.


DECISÃO
Sônia Brandão
[ in Vida Literária, de Marcílio Medeiros]

Entre morrer e não morrer
Escolhi as palavras.

Voam de minhas mãos
Como pássaros ou punhais.


PROEZA
Tchi
[ in Nuassombro ]

Regresso. Ao vento.
Os ponteiros do relógio cessam.
Ao sono do sol.


O TESTAMENTO DE M.
Tainan Costa
[ in Germina Literatura ]

11.
De tanto sonhar nuvens
Amanheci cheirando a chuva.
15.
Brinquedear:
Escrever para dizer coisa nenhuma.


PEQUENO ATO DE AMOR I
Sheyla Azevedo
[ in Bicho Esquisito ]

você é doce
triste
velho
criança
nuvem.
o homem que eu escolhi
(todos os dias)
para ser meu
(um dia)


GATA
José Correia Torres Neto
[ in Potiguarando ]

Eu lambo o meu sexo aberto, cheiro o meu excremento, repugno-o no meio da rua. Passo por entre os carros, desvio de minha sombra, defloro o silêncio, guardo, em minha única roupa, manchas dos sangues alheios. Minhas unhas sem cores desfiam os dias, meus olhos, ora amarelos, ora castanhos, ardem sob os sois. Mastigo os meus filhos de ossos pequeninos e frágeis, engulo-os sentindo sua carne fria se misturar com as minhas certezas. Sinto-os voltarem para dentro de mim e me devolverem os restos de minhas vidas. Sento-me no portal de casas estranhas e num susto qualquer caio no meio de um tempo que, covardemente, nunca ousou me contar. Sou tantas que desapareço em breves piscares de olhos ignorantes, de olhos que despercebem os dias e as noites. Sou portadora de segredos de outras eras. Um dia, como contam, eu falava palavras que hoje não compreendo. Apenas sigo lambendo o meu sexo ainda aberto...


MÁXIMAS E MÍNIMAS DO BARÃO DE ITARARÉ
in Almanhaque para 1949

[] Os homens são de duas categorias: - os solteiros e os loucos.
[] A ervilha é uma esmeralda com vitaminas.
[] A lágrima é o suor do coração.
[] Há mudos tão inteligentes que nem querem aprender a falar.
[] O bacalhau é um peixe lavado e passado a ferro.
[] Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
[] Tempo é dinheiro. Paguemos, portanto, as nossas dívidas com o tempo.
[] A bicicleta é um cavalo, mas completamente diferente.
[] O fígado faz muito mal à bebida.
[] A estrela de Belém foi o primeiro anúncio luminoso.


UMA HISTORINHA DO BARÃO, NO ALMANHAQUE PARA 1949

No consultório de um psiquiatra houve o seguinte diálogo entre o médico e um novo cliente:
- O que faz o senhor, com respeito à sua vida social?
- Quase nada...
- Não costuma passear acompanhado de uma ou outra garota?
- Nunca.
- Não sente ao menos um desejo de passear com garotas?
- Bem... às vezes...
- E por que não o faz?
- Porque minha mulher não deixa!


Rio Grande do Sul
O MST, SÃO GABRIEL E O DESGOVERNO DO PSDB
[ in Carta Maior ]

12 comentários:

Francisco Sobreira disse...

Você soube escolher, Moacy, uma cena das mais criativas de "Vidas Secas", da qual não me lembrava: o diálogo-monólogo entre Fabiano e a mulher. O filme de Nelson é uma das obras-primas do nosso cinema (e do cinema universal, porque não?). O diretor foi muito fiel a Graciliano, mas sem submissão. Como diz bem você, livro perfeito, filme perfeito. E o Barão? Sempre é bom ler as suas tiradas de humor, principalmente no momento em que este triste e pobre país está vivendo pela ação dos políticos. Um abraço.

Bené Chaves disse...

Moacy: pra mim 'Vidas Secas' é o melhor filme nacional depois de 'Deus e o Diabo...'.Pujante e de uma beleza amarga. E uma bela cena selecionada por você, que começa com um diálogo e continua com um monólogo a dois.
Olha: vi ontem o 'Katyn', de Wajda. Um filme forte, denso e perturbador.

Um abraço...

BAR DO BARDO disse...

Textos, inclusive os visuais, de excelência. Mas o barão é ph...

Unknown disse...

Moacy e demais amigos:

"Vidas secas" (livro e filme) são momentos mais que brilhantes do Brasil, concordo totalmente com Sobreira e Bené. E é ainda mais importante lembrar desse brilho diante da sombra gaúcha noticiada: o lindo estado do sul não merece que isso esteja ocorrendo lá (nem isso deveria estar ocorrendo em lugar nenhum). Em que ano estamos, como indicava/indagava Luiz Melodia ("Pérola negra")? E a culpa não é de Deus, como nos ensinou Patativa do Assaré no também brilhante "A morte de Nanã".
Abraços:

Mme. S. disse...

Também gosto muito dele. Você acertou! um cheiro, S.

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Mestre, grato pela publicação do poema. E aproveite esse domingo fluminense. Com bastante laranjeira. Abração.

Cássio Amaral disse...

Moa,

Me diz novamente por favor seu endereço via email: camal567@gmail.com , não sei onde anotei seu endereço. Perdi o papel. Quero te mandar meu livro.

Muito bons os textos, tudo. Adoro Chagall, pena que moro em Araxá, mas se pintar oportunidade vou numa mostra dele aqui no Brasil.

Abração. Muita luz.

Jens disse...

Pois é Moacy, por aqui estamos nas trevas. Os ladrões e os assassinos estão no poder.

pituleira disse...

Meu caro Moacy,Jens tá invocado com a situação politica do seu estado.Tá correto cara.Tem que gritar mesmo.Só que essa situação ocorre em todo o Pais.Se gritar pega LADRÃO, não fica um meu irmão.O Balaio como sempre,ótimo.

Barbara disse...

Vidas Secas - basta-me por ora.

nina rizzi disse...

nossa, moacy, que postagem milionária. a imagem selecionada do filme é de uma beleza chororante, sabe: "dói porque é bom fazer doer"?...

esses poemas são incríveis, a começar pelo primeiro. eu queria, sim, ser poeta. a poeta dos desgraçados, daqueles fuleiros-ferrados que falamos mais embaixo. da lona, da negreza, do calor, da educação, da práxis... eu assassinaria yedas em meus poemas... um poema que vivesse.

e de lá do fundo da terra, da cova... fazia imensos atos de amor. escolhidos a dedo. e (me) lambia feito gata...

eu volto aqui e leio tudo isso de novo. que fica entranhado como a terra em minhas unhas de pés sem-terra.

Potiguarando disse...

Amigo!
Obrigado pela visita.
Obrigado por me carregar pela mão até aqui...
Abraço forte
José Correia Torres Neto