sexta-feira, 23 de março de 2007

PRECE
de DAIANY FERREIRA DANTAS (Mossoró, RN)

Para Auta de Souza

Como quem sonha um pássaro
como quem prende um suspiro
como quem caminha nu
transpirando luz e lírio
como ao orvalho da dor
eu te respiro

[ in 13 poetas novos. Natal: FJA, 2002 ]


BALAIO PORRETA 1986
nº 1978
Rio, 23 de março de 2007
Poema/Processo, 40 anos


A UM AMIGO
de ANA MARIA COSTA (Porto, PORTUGAL)
[ in avozquenãosecala ]

A voz bêbada
é o eco
de uvas vazias.


CARTA POÉTICA
de JEANNE ARAÚJO (Acari, RN)

Por que a chuva chega a molhar minha alma? Por que sou tão seca num dia ensolarado? Minhas raízes estão lá no sertão e tiram da terra seca a essência da vida. Minha alma lança-se em fuga, empreende vôos inimagináveis para ser cerca de pedra e mandacaru. E se a alma levita de olho arregalado de espanto e prazer, o corpo padece as malquerenças do verão quase que perpétuo e se fixa no solo fincando raízes. Há pelo ar prenúncio de que todos os sonhos vêm com os ventos de inverno. E a brisa mansa com cheiro de verde acalenta com uma canção de rio manso correndo. Quem nunca viu a seca de perto jamais vai me entender. Quem nunca viu um choro sem lágrimas não sabe a dor de sorrir numa boca com fome. O sertão é tão vasto que existe em todas as almas. Ávida, busco o sumo doce da flor de mandacaru. Agressiva, devoro todos os quereres com a fome do carcará. E se há de ser lenta a agonia da morte, que venha como chuva fina que dá de beber à terra seca, de uma secura quase que eterna, mas que abriga em seu seio o mistério da vida e da morte...

Reencontro Acari. O cheiro de verde entre as narinas. Tudo concorre para a alegria. A feira de rua, o burburinho da chuva de ontem que ainda respinga das algarobas, a conversa mole no café do mercado, a beleza dura das pedras do Gargalheiras. A cidadezinha tem seus encantos escondidos em pedra bruta. Nos olhos das pessoas. Nos sonhos das meninas adolescentes, como um dia eu fui. Reencontro-a comovida. Mora dentro de mim como um espinho de coroa-de-frade, belo e dolorido. Tem altos e baixos como a minha alma discreta. Respiro a terra em que nasci e encontro em mim todos os seus becos com todos os seus pecados mais indecentes. Encontro em mim a beleza da canção do sino tocando a hora do Ângelus. Um anjo abençoa toda a cidade e encantado torna-se homem para viver por lá. A cantiga da carroça de boi, a roupa de couro, o queijo quente, a tapioca, o tamborete e a rede na varanda fazem parte de mim. Como não existiria a poesia, se ela está presente desde sempre em mim?

Ao mesmo tempo sinto-me uma farsa ao ler os livros que me emprestaste. Não sei se chegarei lá. Não aposte suas fichas todas em mim, meu querido. A tarefa é árdua por demais. Eu não gostaria de lhe decepcionar, e às vezes eu mesma fico desiludida. Mas vou, continuo nessa busca que não sei onde vai parar. Aliás, espero que não pare nunca, então não restará muita coisa a fazer. Quando minha busca terminar, aí será o caos, a doideira total, e isso, meu caro, sei que não vou suportar.

Jeanne.

MANHÃ CINZENTA

Na próxima sexta, dia 30, às 18h, o Arquivo Nacional (Praça da República, centro do Rio) apresentará o curta Manhã cinzenta (1969), de Olney São Paulo (já falecido), que receberá postumamente a Medalha Chico Mendes, anualmente distribuída pelo Grupo Tortura Nunca Mais. O filme de Olney, proibídíssimo pela censura da ditadura militar, focaliza, em cenas bastante fortes, a repressão que dominava o país, então. Chegou, pois, a hora de vê-lo. Ou revê-lo. Com a devida emoção.


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BALAIO
produzido ao som de
Auto do Natal 2005: Jesus de Natal,
trilha sonora por Mirabô Dantas, composições de Jubileu Filho.
[ Prefeitura da Cidade do Natal / FUNCARTE, 2006 ]

4 comentários:

Anônimo disse...

Excelente, meu caro Moacy, a postagem de hoje. Além da Carta Poética, o poema de minha querida poeta portuguesa, que será o destaque da próxima semana em meu blogue.
Forte abraço.

Unknown disse...

Caro Moacy venho recuperar os meus olhos mas antes gostaria de agradecer (mais uma vez,hihihi)o realce do meu pequeno poema, no meio de dois textos; não menos dignos de eles serem lidos pelos amantes de leituras.
A "prece" de Daiany Ferreira Dantas é uma delicia de poema, simples, diria eu que:esta prece, é um sonho nú.
a Carta de Jeanne li-a de uma só desenfiada mas prendi a leitura no parágrafo final;consegui-a lê-lo, outra vez!
Parabéns e abraços!

Francisco Sobreira disse...

Moacy,
Nesta postagem dedicada às mulheres, um destaque especial para a "Carta Poética", de Jeanne Araújo, sua irmã do Seridó. Como se dizia antigamente, mas muito antigamente, as mulheres do RN estão com tudo e não estão prosa. Um grande abraço.

o refúgio disse...

Oi, Menino. Um beijo. ;-)