sábado, 1 de setembro de 2007


Brief encounter / Desencanto (David Lean, 1945).
Um dos filmes mais sensíveis e delicados da história do cinema, em seu doce e suave romantismo, apesar de todo o amargor de suas premissas conteudísticas. A trama de um comovente amor destinado ao fracasso e à acomodação. Mas é preciso entendê-lo no contexto de uma situação que, em sendo aparentemente provinciana, com os valores da classe média inglesa dos anos 40 do século passado, aponta para os mistérios de encontros e desencontros que não se resolvem ao nível dos sentimentos. Há o encanto dos primeiros olhares e gestos. E há um certo desencanto, no final. Com roteiro de Noel Coward, fotografia de Norman Krasker e interpretação de Celia Johnson, Trevor Howard e Stanley Holloway nos principais papéis. Comentário musical de Rachmaninov.


BALAIO PORRETA 1986
nº 2109
Rio, 31 de agosto de 2007



Memória 1967
OS MELHORES FILMES DO CINEMA
segundo o crítico paulista
Carlos Motta
[ in Filme Cultura, nº 7, out.-nov. 1967 ]

1. O Anjo Azul (Sternberg, 1930); 2. Êxtase (Machaty, 1933); 3. M, o vampiro de Dusseldorf (Lang, 1931); 4. Juventude (Bergman, 1950); 5. Morangos silvestres (Bergman, 1957); 6. O morro dos ventos uivantes (Wyler, 1939); 7. Cidadão Kane (Welles, 1941); 8. Um rosto na noite (Visconti, 1957); 9. Madre Joana dos Anjos (Kawalerowicz, 1961); 10. Sede de paixões (Bergman, 1949); 11. 30 anos esta noite (Malle, 1963); 12. O grito (Antonioni, 1957); 13. Vida privada (Malle,1962); 14. Um corpo que cai (Hitchcock, 1958); 15. A marca da maldade (Welles,1958); 16. Dois destinos (Zurlini, 1962); 17. Rocco e seus irmãos (Visconti, 1960); 18. Rainha Cristina (Mamoulian, 1933); 19. Arma fatídica (Sugawa, 1960); 20. Broto para o verão (Molinaro, 1960).
Nota do Balaio: Há um dossiê Carlos Motta na Zingu!, revista eletrônica bastante competente, por mais polêmica que seja.


OS EQUÍVOCOS DE RUBEM FONSECA

O ficcionista Rubem Fonseca é um escritor dos mais criativos. Tenho o maior apreço por sua literatura. Contudo, o seu artigo Cinema e literatura, editado ontem pelo ótimo saite Substantivo Plural, originalmente publicado no Portal Literal, é um horror em termos críticos. Primário, equivocado, preconceituoso e rasteiro nas informações básicas, condena o cinema por ser supostamente uma "arte híbrida" (ignorando toda a intertextualidade semiótica da linguagem cinematográfica, devidamente estudada desde os anos 50) em detrimento de uma "arte completa", no caso, a ópera. Sua argumentação chega a ser ridícula, para não dizer irritante.

E mais: em comparação com o discurso literário, o cinema, cujos grandes clássicos seriam "datados", não resistiria ao tempo. Mozart e Dom Quixote são eternos (concordo!); os filmes do passado, não! Todos eles nada mais dizem, a não ser para cinéfilos (decerto, neuróticos) que ainda veriam novidades em seus recursos estilísticos e dramáticos. Só um desqualificado em se tratando da história das formas cinematográficas teria esse raciocínio. Dentro de sua lógica, a (boa) literatura implica polissemia e participação criativa por parte do consumidor; o cinema, não. Decididamenmte, o sr. Rubem Fonseca não conhece os grandes filmes do cinema. Nunca viu 2001, Marienbad, A aventura, entre muitos outros marcados justamente pela ambiguidade polissêmica. Tem mais: o Sr. Fonseca vale-se de exemplos igualmente ridículos para afirmar, com outras palavras, que um bom livro será sempre superior a qualquer adaptação cinematográfica. Comete aqui o mesmo erro de outros literatos (ilustres ou não), quando se perdem em leituras comparativas equivocadas.

Tomemos o exemplo clássico de O processo, livro e filme. Quando de seu lançamento, em 1962, foi acusado de ser um filme supostamente ruim por não ser kafkiano. Ora, a obra de Kafka - para o genial Orson Welles - serviu de matriz temática; jamais poderia ser, no caso dele (ou de qualquer outro grande nome do cinema), uma simples matriz de origem estética. Kafka é intimista, contido, singular em sua angustialidade; Welles é dionisíaco, neobarroco, exuberante. A única leitura comparativa plausível, no caso, seria relacionar o filme: a) com outros filmes do próprio Welles; b) com a produção cinematográfica da época; c) com o pensamento estético-informacional vigente. E a partir daí poder-se-ia discutir, inclusive, a relação do cinema com a literatura. Afinal, O processo de Kafka é uma obra-prima da literatura, assim como O processo de Welles é uma obra-prima do cinema. São discursos diferentes, linguagens diferentes, com seus códigos específicos. Teria sido mais honesto, por parte do sr. Fonseca, se ele simplesmente admitisse que não gosta de cinema, a não ser como diversão descartável. De minha parte, se me fosse dada a seguinte e terrível questão: "Em se tratando de arte seqüencial, escolha dez obras para uma temporada de anos e anos numa ilha deserta", eu escolheria, então, quatro livros, quatro filmes e dois álbuns de quadrinhos. E tentaria negociar com os meus juízes mais dois álbuns de HQs.


UM BLOGUE PORRETA

Os Intocáveis, de Gabriel Carneiro
De cinéfilo para cinéfilos:
o bom cinema em pauta, seja o clássico, seja o brasileiro.

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... ainda conservo das minhas aventuras literárias, aquela audácia de poder errar ... (Mário de ANDRADE, A elegia de abril [1941], in Aspectos da literatura brasileira. São Paulo : Martins, s/d, p.185)

14 comentários:

Fernanda Passos disse...

Não me sinto a altura de comentar sobre os posts de hoje por conta de meu pouco conhecimento. Mas deixo um grande beijo pra você Moacy.
Smackkkkkkkkk

Unknown disse...

Provavelmente Rubem Fonseca deve ver filme por seus efeitos especiais, por isto os considera datados. Noites de Cabíria, por exemplo, pode ser visto em qualquer época e sempre emocionará.

Anônimo disse...

Caro Moacy,
Que bom você falar de "Desencanto", esse filme sensível e delicado, como você observa muito bem. Para mim, um dos 20 melhores do cinema, o melhor filme de Lean. Quanto ao texto de Rubem Fonseca, concordo inteiramente com você. Vê-se que ele não é do ramo, apesar de eu ouvir dizer que ele chegou a exercer a crítica cinematográfica. Mas não deve ter sido um bom crítico. Por fim, gostei de ver na lista de Carlos Motta "Um Rosto na Noite", um filme de Visconti de que gosto muito e que é um tanto subestimado pela crítica. Um abraço.

Sílvia Câmara disse...

Moacy, obrigada pelo pouso lá no Brisa.
Aos poucos irei conhecendo os seus blogs, mas adianto-lhe que já fui fisgada.
Os filmes escolhidos são absolutamente fantásticos. Fiz uma viagem no tempo.
Quero te dizer também da feliz escolha em reproduzir Mário de Andrade, essa audácia de poder errar.
Receba um abraço desde a Bahia,

midc disse...

moacy, sem pensar muito, instigado pela sua terrível questão,
livros:
1. Prosa do observatório, Cortázar
2. O apanhador no campo de centeio, Salinger
3. Lolita, Nabokov
4. A descoberta do mundo, Lispector
filmes:
5. Era uma vez na América, Leone
6. O Mahabharata, Brook
7. Os pássaros, Hitchcock
8. Amarcord, Fellini
quadrinhos:
9. A balada do mar salgado, Pratt
10. História de O, Crepax
não sei porque entrou o Mahabharata, talvez pela duração, talvez por algum suposto conforto espiritual: ir para uma ilha deserta me parece mais um degredo que uma opção – daí preencher o máximo dos minutos com algum conforto e sentido (por isso a não inclusão dA aventura: uma ilha dentro da ilha é demais de muito; daí que talvez seja melhor trocar Crepax pelo Manara mais bobo e erótico, sem saber se nessa ilha teria alguma companheira).
abraços,
midc

Anônimo disse...

A audácia a que Mário de Andrade se refere é das melhores que se pode arriscar (e manter, se possível).
Boa escolha de obras você levaria para o deserto de uma ilha.
Bom sábado pra ti! Beijo.

Douglas disse...

:)

Jens disse...

Uau! Bela resposta ao Rubem. Em briga de cachorro grande não me meto.
Um abraço.

Gabriel Carneiro disse...

Caro Moacy, obrigado pelo destaque do blog. Fico muito feliz, ainda mais por ser destacado num post que fala de Desencanto, Motta e Zingu, e uma ótima resposta ao Fonseca.

AB disse...

Fico junto ao Jens, MOACY querido: só lendo e aprendendo..

Anônimo disse...

Excelente a lista de melhores do Motta, que foge, tirando um ou outro, daquele rame-rame de sempre.
Assino embaixo a resposta ao Rubem.
E Desencanto é mesmo uma obra-prima de delicadeza!
Um abraço!

Ane Brasil disse...

Todo gênio tem direito a falar merda... não foi diferente com o Rubem Fonseca.
Cada louco com seu saco, mas, cá entre nós: até hoje, se vejo Casablanca, choro.
Sorte e saúde pra todos - até mesmo pro Rubem, que é mau crítico, mas bom escritor!

Laura_Diz disse...

Eu tb gostei de 'Processo' filmado, e o livro é obra prima, um dos melhores de todos os tempos.
bj Laura

Anônimo disse...

Rubem Fonseca sempre foi um blefe. Também em literatura.
abs.