segunda-feira, 5 de novembro de 2007


Serra de Mulungu, em São João do Sabugi.
Para o Balaio, uma das belezas naturais indiscutíveis
do Rio Grande do Norte.
Que o diga o músico Urbano Medeiros.
Que o diga a jornalista Anna Jailma.
Que o diga o professor João Quintino.
Entre muitos outros.

[ Foto de Anchieta França, in A Flor da Terra ]


BALAIO PORRETA 1986
n° 2157
Rio, 6 de novembro de 2007



SEDE
de Acantha
[ in La Vie Bohème ]

Me abro
e me deixo
e me entrego
e me esvaio,
enquanto teus dedos falam coisas
no meu corpo,
com urgência e desordem,
exaurindo em mim o gozo e a voz...
incisiva-mente.


A MOÇA BONITA

Sua pele era aveludada e tinha a cor, os mistérios e a quentura de uma noite estrelada do Seridó. Era uma jovem bonita, bonita de arrepiar, a mais bela da região, a mais bela a povoar os sonhos de vaqueiros, pescadores e caçadores de onças. Os pássaros da quase-manhã, quando o sol, solene e solitário, desenhava mais uma aurora sertaneja com cheiro de capim molhado, cantavam em sua homenagem. As cores alegres do dia pintavam de azul e negrume aquela beleza nascida do inesperado vento barroco da saudade. Sim, sim. Era uma bela e candente mulher. E tinha um hábito salutar: gostava de se banhar nua, sozinha, nas primeiras horas da manhã, no poço do rio que ela tanto amava, quando o inverno chegava: o rio de suas esperanças, o rio de suas mais doces alegrias. O rio de seu santo protetor - São José por nome, São José por devoção.

Mas um dia aconteceu o que não estava escrito no firmamento, o que não estava escrito nas cantorias do sertão, o que não estava escrito nem mesmo no Lunário Perpétuo: a nossa jovem, nua como sempre nas águas do poço encantado, sentiu-se observada por olhos grávidos de volúpia e macheza. Tentou cobrir suas vergonhas, inutilmente. Tentou cobrir suas belezuras. Inutilmente. Os olhos eram maiores do que a sua inocência. Maiores do que a sua seridolência. Era um domingo e Domingas era o seu nome. Desesperada, sentindo-se desonrada, correu para um matagal e lá se encantou: tornou-se um pássaro mais azul do que o azul mais brilhante, que voou para o horizonte em busca de seus sonhos. Nunca mais foi vista, nunca mais foi visto. Os moradores da região, deslumbrados com a história, nomearam o lugar de Poço da Moça Bonita.

Mais tarde, bem mais tarde, inícios do século XX, surgiria a povoação, hoje cidade, de São José do Seridó. Ou, simplesmente. São José da (Moça) Bonita. E todos os pássaros da região ainda cantam em homenagem àquela bela e misteriosa mulher.
Que se encantou para sempre.

Nota 1 -
Texto baseado no emeio enviado por Romário Gomes, de São José do Seridó: "De acordo com nossos estudos, ou melhor, de acordo com Edith Medeiros e Sinval Costa, a moça bonita era filha do crioulo forro Nicolau Mendes da Cruz (séc. XVIII), proprietário desta data de terra, que deixou para ela (Domingas Mendes da Cruz, cf. Sinval Costa) a faixa que vai do sítio Viração até o Badaruco (limite com o município de Cruzeta, na atualidade). É "verdade" que ela banhava-se no rio São José. Ao que consta, o imaginário popular enfeitou a história dizendo que ela encantou-se (leia-se, perdeu-se) no matagal após a constatação que estava sendo observada por um pescador".

Nota 2 -
Quando criança, em minhas férias em Jardim do Seridó, minha família costumava passar, vez por outra, finais de semana no sítio Viração. E dele tenho uma ótima lembrança, além da memória visual de suas casas e de seus currais: a do queijo de manteiga sendo retirado, ainda quente, do tacho em que fora feito, quando o saboreávamos, na hora, com açúcar e emoção.

9 comentários:

Marcelo F. Carvalho disse...

Todos temos sede de Acantha!
_____________
Abraço forte!

Anônimo disse...

"Era um domingo", 4 nov. 2007, São José não podia ser mais Bonita do que nas palavras de Moacy Cirne. "Era um domingo", o poço nunca mais seria o mesmo. Parabéns, poeta.

AB disse...

Memórias de infância me trazem queijos e doces e cheiros das viagens para antigos interiores..
Sobretudo, lembro-me de como havia tempo...
Obrigada MOACY querido, por mais esta oportunidade aqui, neste BALAIO que eu adoro!!!

Anônimo disse...

Caro Moacy, voltei ontem de Acari, onde fui ver a Pega-de-boi-no-mato.
E já chego aqui me lembrando daquela terra mágica do Seridó! Terra de meus pais e avós! Que beleza, tê-lo como amigo! Que beleza, tê-lo como mestre!
Abração!

Anônimo disse...

Como disse o meu lindo amigo poeta Romário Gomes, o poço da bonita jamais será o mesmo...


Eliene Dantas

Anônimo disse...

Moacy!
Boa noite!

Obrigada pelas sugestões, eu vou fazer uma lista dos livros que devo ler e vou colocá-los lá^^

E que belíssima foto acompanhada de um belíssimo poema!

Bjos

Sílvia Câmara disse...

O Seridó conheço só de passagem. Mas o sertão é sempre lindo.
E esse texto deu vontade de voltar lá. Saudade de ver o belo.
um abraço,

Anônimo disse...

A lenda da Bonita é bonita mesmo. São José renasceu com esse seu texto. Abraço!

Anônimo disse...

A Foto é muito bonita, mas o nome da serra e da cidade espanta qualquer turista.