sexta-feira, 12 de dezembro de 2008


Foto de
Massimiliano Uccelletti
- MaXu -
via
Ao Bel Prazer


BALAIO PORRETA 1986
n° 2505
Natal, 12 de dezembro de 2008


O homem é uma paixão inútil.
(Jean-Paul SARTRE. O ser e o nada, 1943)


POEMA de
CHICO DOIDO DE CAICÓ
[ in Balaio 509, de 5 de julho de 1993 ]

Dona Chica de Igapó:
Venho, por meios destes maltraçados versos,
Solicitar, mui respeitosamente,
O teu glorioso xibiu
Para a particular glória do meu fodecu.
Prometo que a tua chiquinha
Será tratada com muito carinho e respeito.
Se perseguida é, perseguida continuará,
Assim no inferno como no céu, amém.

Nota:
"Xibiu" e "perseguida" são expressões que,
no Nordeste, designam o sexo da mulher.
"Chiquinha", aqui, também é o sexo feminino.
"Fodecu", referindo-se ao sexo do homem,
é criação do próprio Chico Doido de Caicó.


Repeteco
O LIVRO, AS CIDADES, O DELÍRIO

As cidades invisíveis [1972], de Italo Calvino. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, 160p. [] [] Quem não gostaria de conhecer uma cidade chamada Valdrada, à beira de um lago mágico? E Zobeide, com sua luz e suas ruas mais brancas do que o mais branco azul do mar profundo? Zenóbia, com suas casas de bambu e zinco, seria uma cidade ou o leite da mulher amada? Nada como uma faceira Maurília, com suas deusas fantasiadas de bruxas enlouquecidas pelas tardes ensolaradas de janeiro, fevereiro e abril. E o que dizer da bela Raíssa, da bela Berenice, da bela Teodora, cidades que se ocultam entre pássaros e arvoredos mágico-tropicais? Eutrópia (e seu deus dos volúveis) tem algo de trágico; Sofrônia (e seus frontões de mármore), algo de melancólico. Como passear pelas ruas aterradas de Argia sem conhecer os textos ficcionais de Camus, Kafka, Nei Leandro de Castro e Moacir C. Lopes? Como olhar para a solene Pirra sem deixar de lado as cidades do meu Seridó? Um lugar chamado Ândria não pode ser um lugar qualquer: seus mistérios insondáveis escapam à compreensão humana. E a aquática Esmeraldina não seria uma cidade dos mil e um sonhos transfigurados pelas dunas vermelhas de Natal, por onde não passaram rebanhos e tristes nuvens, nuvens tristes? Há também, neste livro de Calvino marcado pela surpresa e pela engenhosidade, uma Olinda, sim, uma Olinda invisível para a nossa imaginação, com suas velhas muralhas de alfenim. Mas que Olinda é esta, sem frevo e sem maracatu? José Cláudio, Celso Marconi e Alceu Valença, respondam-me, por favor: que Olinda é esta, tão longe do Recife, tão longe de suas igrejas seculares? Deve ter sido a água do Poço de Santana que fez o escritor italiano delirar ao criar suas cidades invisíveis. Sim, é verdade, é verdade: este livro foi concebido em Caicó, quando de sua temporada seridoense nos idos de 1970-71. Só assim se explica como foi possível criar tantas cidades em uma só, pois, no fundo, no fundo, Calvino estava pensando mesmo era na múltipla e encantatória Caicó quando o escreveu de forma tão exageradamente poética. Os historiadores Olavo de Medeiros Filho e Muirakytan Macedo, além do médico Oberdan Damásio, caicoenses cabas da peste, confirmaram-me o fato. Afinal, bem antes, assegura o citado Muirakytan Macedo, Joyce só escrevera Dublinenses depois de ter passado uns dias na antiga Vila Nova do Príncipe, no início do século passado, hospedado no sobrado do Padre Brito Guerra. Ao que consta, segundo as crônicas da época, teria ficado maravilhado com rapadura, queijo de coalho e canjica. E só dormia em rede bordada com os crepúsculos barrocos da região.


Correspondência
SOBRE ITALO CALVINO EM CAICÓ

Considerando que esta obra já apareceu na série Livros para São Saruê, quando fizemos referência à presença de Italo Calvino em pleno Seridó, republicamos também, por sua atualidade, a mensagem do historiador caicoense Muirakytan Macedo, um valente sertanejo das lutas acadêmicas:

Olá, Moacy,
Ando lendo o Balaio e me deparo com o Calvino em Caicó. Verdade da mais pura. Ultimamente pesquisando na Biblioteca Olegário Vale encontrei um texto manuscrito assinado com a sigla I.C. Metade do texto é escrito em espanhol e a outra em italiano. O autor, que imagino ser o ítalo-cubano citado, rascunhava sobre a descoberta que tinha feito de uma aldeia sob uma imensa pedra no Poço de Santana. O acesso a esta aldeia foi relatado a ele por um apressado mocó que olhava um relógio esquisito e dizia a todo momento que estava atrasado. Depois de tomar uns chás de jurema nosso autor encolheu e se esgueirou por uma loca que deu nessa aldeia liliputiana. Lá ele encontrou Marco Polo em pessoa; claro, bem velhinho e mentiroso como o quê. O resto da história é de domínio público, como você já sabe. A aldeia existe sim. Mas eu ainda não tive condições de entrar nela. É que sou alérgico a chá de jurema e, convenhamos, estou muito acima do peso para ser tolerado nestas experiências de encolhimento.
Abração saudoso
Muirakytan

5 comentários:

Adrianna Coelho disse...


mais um tento!

e tudo aqui fica em polvorosa, como as cidades invisíveis de calvino...

até imaginei o italo e o chico proseando sobre caiacó (e obviamente sobre as perseguidas do seridó)

o poema tá demais:
"Se perseguida é, perseguida continuará,
Assim no inferno como no céu, amém."


ahahahahaha... adorei!!!!

tá demais da conta esse balaio hoje, de tão bom!

beijos, moacy

Anônimo disse...

esse chico doido do caico ou do caicu é mesmo impagável. e agradeço a vc por nos fazer conhecer essas pérolas irreverentes e maliciosamente lindas. abraço pra tu.

Mariana Botelho disse...

ahn, vamos por partes...

o poema do chico doido tá demais...rsrs

esse livro do ítalo é o que eu mais gostei até hoje dentre os livros dele que já li.

São Saruê me lembra alguma coisa... rs

adoro o embalo do balaio!

Anônimo disse...

moacy:
chico doido aportou em ouro preto
na sexta-feira.pelo tempo de viagem,parece que veio de jegue.
também não é pouca estrada.
obrigado.um abraço.
romério

Adrianna Coelho disse...


esse romério deve ser um perigo, moacy... ahahahahaa