terça-feira, 28 de abril de 2009

Auto-retrato
(1844-45)
Gustave Courbet


BALAIO PORRETA 1986
n° 2642
Rio, 28 de abril de 2009

Mas a Bíblia é uma longa miscelânea em livro, e muitos dos que tentaram lê-lo de fio a pavio caíram ali pela altura do Levítico. Há um motivo para isso: a Bíblia parece mais uma pequena biblioteca do que um livro de fato ...
(Northrop FRYE. O código dos códigos: a Bíblia e a literatura, 1982)


O LIVRO DOS LIVROS
(23)

Texto estabelecido por
Moatidatotatýne, o Escriba

O encontro do Senhor das Alturas com Anselmo de Cantuária

E aconteceu mais uma vez. E mais uma vez aconteceu: o Senhor das Alturas, em nova crise existencial, criou outras galáxias, outras estrelas, outros planetas, outros cometas, além daqueles já criados pela Explosão Inaugural. E o Senhor das Alturas pensou. E pensou. E pensou. E disse para seus botões de purpurina dourada: "Preciso encontrar o teólogo Anselmo de Cantuária, que viverá entre 1033 e 1109 da Era Comum. Talvez ele, mais do que outros sábios, possa me responder de fato se existo ou não para o Outro, se as minhas criações não passam de ficção científica ou de literatura fantástica, se, enfim, existo como uma inegável concretude ontológica, seja lá o que isso possa significar para os simples mortais". E pensou mais: "De que adiantará existir se me ignorarem solenemente? Preciso existir, nem que seja através de textos apócrifos".

E o Senhor das Alturas apresentou-se diante de Anselmo de Cantuária, que surpreso ficará com aquela luminosidade inesperada em plena noite de abril. E o Senhor das Alturas indagou, com sua voz trovejante: "Acreditas na minha existência, oh santa criatura? Sou o que sou?" E Anselmo de Cantuária responderá, passado o susto inicial: "Pode-se pensar na existência de um ser que não admite ser pensado como não existente. Ora, aquilo que não pode ser pensado como não existente, sem dúvida, é maior que aquilo que pode ser como não existente".

E o Senhor das Alturas disse: "Não sei se entendi bem; possivelmente, não. Voltei a Me perturbar com uma questão aparentemente superada. Ou, então, amanheci burro, embora, no meu espaçotempo, no meu presentepassado, não existam amanheceres e anoiteceres. Afinal, existo ou não existo?" E Anselmo de Cantuária dirá: "Tu existes, oh Senhor, meu Deus, e de tal forma existes que nem é possível pensar-Te não existente. E com razão. Se a mente humana conseguisse conceber algo maior que Tu, a criatura elevar-se-ia acima do Criador e formularia um juízo acerca do Criador. Coisa extremamente absurda".

E o Senhor das Alturas, tomando uma boa lapada de cana, disse: "Como assim? Mas a tua certeza me comove. Serei onipotente, por acaso?" E Anselmo de Cantuária continuará: "Como poderás ser onipotente se Tu não podes tudo? Como poderás ser onipotente desde que não é possível a Ti nem morrer, nem mentir, nem fazer com o que o verdadeiro se transforme em falso?" E o Senhor das Alturas, depois de mais uma talagada de cachaça, disse: "Mas outros morrerão por Mim, mas outros - falsos profetas - mentirão em Meu nome, mas outros escreverão livros apócrifos sobre o big-bang e o Seridó que serão tidos como verdadeiros".

E o Senhor das Alturas disse mais: "De qualquer modo, tuas palavras são sábias, sobretudo depois de 222 chamadas de Samanaú, Topázio, Rainha e Malhada Vermelha(ª¹). Sinto que as minhas dúvidas começam a se dissipar: sinto também que Eu sou o Conhecimento, o Saber, a Força". E Anselmo de Cantuária completará: "Oh Senhor das Alturas, rogo-te que permitas que Te conheça, Te ame, e possa assim fruir da Tua felicidade. E se não posso tê-la plenamente durante esta vida, ao menos consiga avançar, cada dia mais, em direção a ela, de modo a alcançá-la plenamente".

E o Senhor das Alturas, feliz da vida, começou a bailar e a cantar: "Quem não gosta de samba, bom sujeito não é; ou é ruim da cabeça ou é doente do pé..."(ª²).

Próximo capítulo:
O Livro dos Provérbios

Notas dos Editores:

(ª¹) Samanaú e Malhada Vermelha, cachaças potiguares; Topázio, cachaça mineira; Rainha, cachaça paraibana. Os teólogos e ufólogos da Cidade dos Reys justificam esta passagem bíblica como a "metáfora da alegria seridoense-marciana".
(ª²) De igual modo, apesar de sua estranheza epistemológica, esta passagem é considerada por Romário Gumes e Eliane Dantas, pesquisadores de São José do Poço da Moça Bonita, como a "metáfora da alegria carnavalesca".

11 comentários:

Anônimo disse...

Hummmmmmmmmmm, bela metáfora...kkkkkkkkkk. Vc é demais Moacy, demais da conta hômi!

Unknown disse...

Boa Tarde, Moacy!

Anselmo da Cantuária superou o Senhor das Alturas, que ficou na eterna dúvida que a nós impuseram os escribas.
Ele pensa demais, dorme demais e os botões de purpurina dourada, foram um show à parte..

"Amanheci burro, embora..."

Maravilhoso, Moacy!

Estou quase acreditando que é você o Senhor das Alturas,

Só não se pode espalhar, senão filas se aglomerarão à sua porta e/ou em todo o Seridó à sua procura!

Muito bom!

Parabéns, Oh grande escriba!

Beijos

Mirse

gabidogato disse...

Não troco o nordeste e seus frutos e produtos por quase nada: em termo de cachaça as mineiras realmente mandam no meu coração.

Coincidência grande, mas ontem botei um trecho de uma matéria que li... fala sobre a Seleta, essa sim, a própria chuva de ouro que Zeus tomou forma, pra pegar aquela tal, que já esqueci o nome!

Beijo!

gabidogato disse...

(e, falando baixinho, acho que a Bíblia tá mais pra livro dos homens... afinal, tantos evangelhos que gente que viveu naquela época e andando com o filho do Homem foram encontrados... porquê eles não foram limados da "edição" original?)

Jens disse...

Porra, Moacy, filosofia, teologia e humor??? Sai debaixo!!!!

Iara Maria Carvalho disse...

Querido Moacy, este Balaio está sempre recheado de ironia e beleza, uma união que causa surpresa e prazer...

Sobre o post anterior, como não citar a beleza dos versos de Zila Mamede, coisas de sua poesia que amo e que trago bem fundo em mim.

Bela lembrança.

Beijos do Seridó em Chuva!

Romário Gomes disse...

Glória a Deus nos céus e paz na terra aos seridoenses por Ele amados!

Cosmunicando disse...

hoje você 'abusou' hein Moa! isso ficou purdimáis filosófico, sem perder o humor =)
beijo

Mariazita disse...

Desculpe entrar assim sem ser convidada, e sem sequer toca à campainha... :)
Andava por aí saltitando, e fui atraída pelo auto-retrato de Coubert, que acho espectacular.
Depois comecei a ler "O livro dos livros" e fiquei...extasiada!
Que maravilha!
Você vai-me desculpar mas vou copiar e publicar num doa meus blogs, referenciando a origem, EVIDENTEMENTE.
De resto, este é um blog que vale a pena seguir.
Assim sendo vou inseri-lo nos Favoritos e fazer-me sua seguidora.
Hei-he voltar! Não é um aviso, é ameaça mesmo...

Beijinhos
Mariazita

nina rizzi disse...

como é bom rir num pensar :)

e courbet é lindo. me lembrei de sua "origem da vida".. hehehe..

beijo :)

Jonathan disse...

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