segunda-feira, 6 de julho de 2009

Cristo amarelo
(1889)
PAUL GAUGUIN


BALAIO PORRETA 1986
n° 2714
Rio, 6 de julho de 2009


Não sabemos quem foi Marcos, tampouco onde ele escreveu, exceto que não foi na Terra de Israel. É muito improvável que tenha conhecido Yeshuá, e o mesmo pode ser dito a respeito dos autores de Mateus e Lucas. Tampouco sabemos se Marcos, a exemplo dos demais, baseou-se em algum escrito cristão anterior, e duvido sempre da acuidade dos dados, quando se trata da tradição oral. Certo é que nenhum dos Evangelhos, em si, representa um relato confiável dos ensinamentos do Messias ao qual eles se referem,
seja em palavras ou atos.

(Harold BLOOM. Jesus e Javé - Os nomes divinos, 2005)


O LIVRO DOS LIVROS
(ST, 3)

De Aijesus da Cruz a Jesus Cristão da Cruz

E o Coral do Seridó
(Mateus, Lucas, João e Marcos,
tomando umas e outras na Taberna de Ferreirinha),
em ritmo de xaxado franco-italiano-moscovita,
cantou para os povos do anoitecer:

E os pais de Aijesus da Cruz para Caicó se mudaram
e numa casa no bairro Paraíba se estabeleceram,
praticamente às margens do rio Barra Nova.
E o menino, inteligente que só a porra(¹),
cresceu solto na buraqueira(²),
dentro da maior esperteza.
Adorava soltar papagaio(³),
colecionar bolinhas de gude
e se esbaldar nas peladas de rua
ou no campo do Atlético Clube Coríntians(ª¹).
Aos 12 anos, no Castelo de Engady,
o templo sagrado que guardava os Dez Mandamentos,
discutiu com a doutoriça, ao lado do poeta Zé Limeira,
quando se mostrou mais sabido do que todos
em alquimia, religião e teologia,
geografia, futebol e filosomia(ª²).
Já adulto, aprendeu magia vermelha(ª³) com o pastor Mandrake,
e se tornou amigo de cronistas e historiadores da cidade,
entre os quais Bolo-Bolo e Manedim,
Pituleira , Ciço Doido e Zé Avelino,

Magrão, Xexéu e Priquitim,
Melão, Bibica e Bacoco,
e Rangel Cosmim.
Mas Aijesus não era de muito beber e de muito farrear;
sua maior diversão, estudar o Primeiro Testamento.
Se bem que adorava ouvir as presepadas
contadas por aqueles que frequentavam
a Taberna de Ferreirinha,
com seus 50 anos de poesia e cachaçaria.

E assim o tempo ia passando,
passando o tempo ia.
Quando apareceu em Caicó um pregador,
por nome João Batista Abreu.
Com uma novidade:
batizava as pessoas que seguiam
os Dez Mandamentos e acreditavam no Altíssimo.
E o batismo se fazia nas águas do Seridó.
E Aijesus resolveu então se batizar.
Ao ver aquela figura esquelética, de pele morena(ªª¹),
João Batista Abreu, que viera de terras distantes,
exclamou, com o olhar azul de emoção:
"A Palavra do Altíssimo está dentro do teu coração;
serás maior do que eu, maior do que todos nós.
Como te chamas, oh homem abençoado?"
"Aijesus da Cruz", respondeu o filho de Maria Maria.
"Em nome do Altíssimo, te batizo Jesus Cristão da Cruz,
como serás conhecido a partir de hoje.
Sei que tens amigos na cidade,
sobretudo entre os papudinhos(ªª²)
e a gente humilde da periferia.
Que a Palavra do Altíssimo, através de teus gestos,
e de teus verbos e de tuas parábolas,
esteja com todos eles, frequentadores da Taberna,
até porque já são devotos da Senhora de Sant'Ana".
E assim aconteceu. E assim aconteceu.

Próximo capítulo:
O encontro com Sheyla Madalenazevedo

Notas:

(¹) Que só a porra : Muito acima da média. Boa que só a porra : Excepcional. Cab(r)a bom da porra : Cab(r)a arretado; cab(r)a danado de bom.
(²) Solto na buraqueira : Completamente livre.
(³) Papagaio : Pipa.
(ª¹) Provável precursor do atual Galo do Seridó, o Coríntians de Caicó.
(ª²) Na verdade, Aijesus da Cruz aprendeu filosomia - a ciência da "poeticidade filosômica" - com o seu amigo Zé Limeira, antepassado ilustre de um trovador paraibano descoberto pelo jornalista Orlando Tejo, no séc. XX da Era Comum.
(ª³) Até hoje, não se sabe ao certo o que seria essa "magia vermelha". Há controvérias, mas segundo alguns teólogos da Escola de Frankfurt, na Alemanha Saudita, seria uma magia derivada de ensinamentos tapuias do Vale do Açu, na região central da Capitania do Ryo Grande.
(ªª¹) Aijesus devia ter os traços amorenados de sua mãe Maria Maria.
(ªª²) Papudinho : Aquele que aprecia bebidas alcoólicas em doses excessivas.

11 comentários:

líria porto disse...

acordar contigo, moa, é um prazer inenarrável!!! risos

donde arranjas tanta ideia, eu te pergunto?!?! aijesus da cruz!

besosssssssss

Jens disse...

E assim aconteceu.
Brilhante, Moacy (tá começando a faltar adjetivo, mas teu trabalho está supimpa, como diriam os antigos).
Um abraço e uma boa semana.

Anônimo disse...

Moacy, sem comentário.Vc é foda.Pituleira.

Paulo disse...

espectáculo de blog.....

Caicó Subterrâneo disse...

E a festa de Santana tá chegando!

: ]

Anônimo disse...

Estou adorando essa versão Seridorense!
Moacy,
vc acha que eu devo confessar pro meu vigario? Seria pecado? Será que vou ficar de recuperação no purgatório?
Bjs.

Unknown disse...

Bela imagem de Gauguin!

Bem, pouco sei de Marcos, mas sei que Lucas não foi apóstolo de Cristo.
Lucas era médico e exercia a profissão, quando em terras próximas aconteceu a morte de Cristo, o escurecimento por algumas horas da claridade e outras cositas mais.
Mas desde criança ele perseguia a idéia de um Ser superior.

Nunca viu Cristo, mas se converteu e passou a seguir a religião cristã.

Por ser médico e ter maior domínio do corpo do ser humano,começou a defender a tese de morte por asfixia, devido ao posicionamento dos braços.

Por ser culto, a Igreja o acatou e o menciona como discípulo.

Mas Cristo escolheu para segui-lo, os pobres, os incultos, para que a pureza dos pensamentos, não sobrepujasse os seus ensinamantos.
É assim que é mantida a estória de Lucas.

Que coincidem com as palavras de Cristo: BENDITOS OS QUE NÂO ME VIRAM E CRERAM, quando falou à Tomé.

No mais tudo do seu jeitinho perfeito. com seu humor que tira a gente de mais um fato HISTÓRICO, mas doloroso, para cristãos e não cristãos.

Beijos, amigo

Mirse

Marco disse...

Rá! Rá! Rá!... Que delícia de prosa...
Olha, esse Aijesus da Cruz periga ter uma vida tão atribulada quanto um o outro que lhe é homônimo.
Sobre o texto de Bloom, diz a tradição que Marcos (ou João Marcos, seu nome completo) era discípulo de Pedro e escreveu por ele, visto que ele não sabia escrever, por ser apenas um humilde pescador. Marcos não conheceu mesmo Jesus. Nem Lucas. mas Mateus, sim, era apóstolo.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Anônimo disse...

Pôxa! Tá aí, fico com a Mirse, que sabe bem direitinho de Lucas. Mas que essa tua estória é porreta lá isso é!!!
esmaques pra ti guri!!!

Marisete zanon

Maria Maria disse...

Eita! Que história mais danada de boa!

Beijos,

Maria Maria

Mme. S. disse...

Moacy, estou ansiosa aguardando o capítulo da Sheyla Madalenazevedo. Um beijo, S.